EVOLUÇÃO HISTÓRICA E DISTINÇÃO ENTRE CONTRABANDO E DESCAMINHO E O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.6606682


Autores:
Bruno Costa Campos
Lorena Menezes De Oliveira

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo explicitar a evolução histórica e a distinção do crime de contrabando e descaminho tipificados respectivamente no artigo 334 e 334-A do Código Penal brasileiro, esclarecer o princípio da insignificância aplicado ao delito tipificado no art.334, no valor de até R$ 20.000,00 bem como arrazoar a reincidência nesses casos. Tratase de crimes que deveriam estar definidos como crimes Tributários, contudo são previstos na lei penal no capitulo dos crimes contra a administração pública. O crime de descaminho é a entrada, saída ou consumo de mercadorias permitidas, as quais o agente deixa de fazer o pagamento do tributo, total ou parcialmente, evitando, assim, o recolhimento dos impostos devidos; pode ser praticado por qualquer pessoa, por se tratar de um crime comum.

ABSTRACT

This article aims to explain the historical evolution and the distinction between the crime of smuggling and embezzlement, respectively typified in article 334 and 334-A of the Brazilian Penal Code, clarify the principle of insignificance applied to the crime typified in article 334, in the amount of up to BRL 20,000.00 as well as reason for recidivism in these cases. These are crimes that should be defined as Tax crimes; however, they are provided for in the criminal law in the chapter on crimes against public administration. The crime of embezzlement is the entry, exit or consumption of permitted goods, which the agent fails to pay the tax, in whole or in part, thus avoiding the collection of taxes due; It can be practiced by anyone, as it is a common crime.

PALAVRAS-CHAVES: Contrabando e Descaminho Princípio da insignificância

INTRODUÇÃO

A proposta do presente trabalho é apontar a diferença entre o crime de contrabando e descaminho e esclarecer sobre a aplicação do princípio da insignificância ao artigo Art. 334 do Código Penal, presente no capítulo dos crimes contra administração pública.

O tema foi escolhido não apenas pelo aspecto jurídico, mas também pela significativa repercussão política e social que representa a entrada e saída de mercadorias do território nacional. Objetiva-se destacar a celeuma que envolve a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho, de suma importância aos estudiosos do direito, haja vista ser tema multidisciplinar envolvendo não apenas a seara criminal, mas questões relativas à dívida tributária e erário público.

Devido as circunstâncias que envolvem o crime de descaminho, torna-se relevante o estudo a respeito do que constitui o crime, ou seja, tipicidade formal, e a que casos é aplicado o princípio da insignificância, que por sua vez afasta a tipicidade material do delito, quando o agente ilude valores de até 20.000,00(vinte mil) reais.

O problema a ser solucionado no presente artigo: é apurar a possibilidade de equiparação do crime de descaminho aos crimes contra a ordem tributária e, com base em tal equiparação, aplicar-se o princípio da insignificância, quando o agente for réu primário.

Em razão da importância para o entendimento da matéria que envolve a temática proposta, analisar-se-á o princípio da insignificância e sua evolução jurisprudencial. Por fim, destacar a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho, bem como fazer um estudo prático da aplicação, na seara penal, do princípio da insignificância ao crime de descaminho.

A pesquisa foi dirigida ao estudo dos dispositivos legais que regulamentam o tema, e da atual jurisprudência consolidada na seara criminal. Pretende-se fazer uma abordagem por meio de uma pesquisa bibliográfica, explorativa, buscando assim, o devido respaldo teórico cientifico. O estudo será realizado a partir da análise do tema em diversas fontes, envolvendo pesquisa em livros e artigos científicos.

1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E DISTINÇÃO ENTRE CONTRABANDO E DESCAMINHO

À medida que a sociedade evoluiu, os meios pelos quais se estabelecem as relações sociais mudaram. O aspecto histórico evolucionista foi decisivo para a atualização e compreensão do Direito como perspectiva inerente as diversas formas de convivência humana.

A história tem ampla relação com as leis que regem o âmbito social, pois delitos sempre foram efeitos negativos registrados entre os povos, resultando em um processo vital para a organização em sociedade. Um ordenamento coercitivo, o qual estabelecesse a convivência harmoniosa entre os cidadãos e ainda sim ampara direitos fundamentais.

No que tange à visão jurídica relacionada ao contrabando e descaminho, retornemos aos anos de 1500-1532, período de descobrimento do Brasil e, início da exploração do paubrasil. Descoberto o alto valor econômico da madeira, Portugal logo iniciou a exploração por meio de concessões, exigindo dos interessados o pagamento do “quinto”, espécie de tributo português, correspondente a 20% (vinte) sobre os produtos extraídos de terras portuguesas.

Pela cobrança do “quinto” sobre a exploração do pau-brasil, surgiu uma primeira noção de tributo e consequentemente de contrabando. (BALTAZAR (2005, p. 36-37).

Logo de início notou-se a presença de uma madeira nobre e muito utilizada na Europa como corante de tecidos, o pau-brasil. Iniciada a exploração, está se fez por meio de concessões da coroa portuguesa. Os interessados deviam atender as seguintes exigências: iniciar a colonização através da construção de fortes ao longo do litoral, e pagar o quinto do pau-brasil. Foi o primeiro imposto introduzido no Brasil, como dito antes. A ressaltar que o tributo, em sua estrutura jurídico-formal, já existia na legislação portuguesa, aplicado em outras incidências. O quinto, pago geralmente em espécie, era recolhido diretamente ao erário. Os índios extraiam a madeira em troca de “presentinhos” dados pelos exploradores. O contrabando não demorou a aparecer, tanto por parte dos portugueses, para não pagar o tributo, quanto por parte dos estrangeiros, sobretudo, os franceses.

Salienta-se que o contrabando é prática subsistente desde o descobrimento do Brasil, ocorre por meio de situações que evidenciavam o descontrole em relação à retirada de bens materiais do território nacional e seu destino, apesar da diferença de nomenclatura em relação ao delito atualmente, pelo contexto da época, nota-se tratar da mesma situação fática.

Contrabando e descaminho já foram elementos de uma mesma figura típica, ou seja, um único tipo penal abrangia as condutas tipificadas em cada tipo penal, atualmente distintos, sendo assim, a pena cominada em abstrato para eles era a mesma, na redação do artigo 334 do Código Penal, anterior a Lei 13.008/2014, dispunha o caput do dispositivo:

“Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.”

Nota-se então, que a primeira parte do caput do referido artigo se tratava do delito hoje tipificado no art.334-A e a segunda parte se referia ao delito de descaminho.

Com a entrada em vigor da Lei supracitada, ficou previsto in verbis:

Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem:

I – pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei;

II – pratica fato assimilado, em lei especial, a descaminho;

III – vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem;

IV – adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.

§ 2o Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.

§ 3o A pena aplica-se em dobro se o crime de descaminho é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial.

Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

§ 1o Incorre na mesma pena quem:

I – pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando;

II – importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente;

III – reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação;

IV – vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira;

V – adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira. (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)§ 2º – Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.

§ 3o A pena aplica-se em dobro se o crime de contrabando é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial.

Observa-se, portanto, que os tipos penais passaram a ser autônomos, cada qual com sua penalidade prevista na própria lei.

A crescente negociação de mercadorias entre os países configurou motivo de preocupação das sociedades, historicamente, o descaminho foi ilícito penal presente no antigo Código do Império, e presente até os dias atuais no Código Penal vigente, como exposto retro.

Em razão da competitividade no mercado interno e externo, os elevados impostos que são cobrados mediante a importação e exportação de produtos, tornou-se comum a reincidência de ilícitos no comércio internacional. A recorrência indiscriminada dos crimes de contrabando e descaminho, passou a ter importância. A Receita Federal do Brasil, responsável pela fiscalização da entrada e saída de mercadorias do país, em conjunto com a Polícia Federal, vêm combatendo a prática desses crimes de maneira mais rigorosa.

A prática do contrabando se configura com o transporte e comercialização de mercadorias e bens de consumo, de venda proibida de pela lei, substancialmente, na entrada ou saída de produtos ilícitos no território brasileiro.

No Brasil, essa prática está ligada ao transporte de narcóticos, armas, fumo e mercadorias cujo comércio seja proibido, por lei ou atos normativos em geral.

Em contrapartida, o descaminho tipifica a entrada ou saída de produtos permitidos, entretanto, sem passar pelos trâmites burocráticos tributários devidos, ou seja, o transporte ilegal, sem o devido recolhimento de impostos, em particular por intermédio de uma fronteira, aeroporto, correios ou outros meios.

No que tange à distinção, constata-se o fato de que o descaminho tem características tributárias e pode ser sanado com o pagamento ou recolhimento do imposto, enquanto, o contrabando é crime de ordem penal e tributária.

Torna-se relevante discriminar-se a diferença entre os crimes supramencionados, o Contrabando, como já mencionado, é o ato de “importar ou exportar mercadoria proibida”, e o Descaminho ação de: “iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, saída ou pelo consumo de mercadoria”.

Embora o Contrabando e o Descaminho estejam previstos no mesmo capitulo no Código Penal e sejam tratados por este, como se fossem de natureza idêntica, são ilícitos distintos.

O legislador não poderia ter dito contrabando ou descaminho, como se fossem modalidades equivalentes, sendo nitidamente diversas”, uma vez que, as tipologias possuem nuances contraditórias. (ANTÔNIO PAGLIARO e PAULO JOSÉ DA COSTA JR. 3 ed. São Paulo: Perfil, 2006).

Dessa forma, o Contrabando consiste na importação ou exportação de mercadorias tidas como proibidas, ao passo que o Descaminho é a entrada, saída ou consumo de mercadorias permitidas, as quais o agente ilude o pagamento do tributo, total ou parcialmente, evitando, assim, o recolhimento dos impostos devidos.

Os autores mencionados apontam que a proibição do contrabando poderá ser absoluta ou relativa. Será absoluta quando não se admitir, em hipótese alguma, a entrada ou saída de determinada mercadoria no território brasileiro e relativa quando verificar-se que a importação ou exportação for permitida mediante preenchimento de alguns pressupostos, como autorização expressa.

Ainda sobre o contrabando, ressalta-se que a proibição de importar ou exportar certas mercadorias é fundada em motivos de ordem econômica ou política inerentes ao Brasil, visto que há questões que podem promover instabilidade neste cenário.

Nota-se que referidos delitos não atentam contra a sociedade apenas quando não há recolhimento de tributos devidos ao Estado, mas que a entrada de substancias proibidas inferem reflexos também na saúde pública, como v.g. o caso dos cigarros contrabandeados que são isentos de qualquer controle pelo órgão responsável por avaliação de viabilidade de consumo. “Em razão da gravidade desses fatos é que há necessidade de criminalizar o contrabando” (GRECO, 2018, p.1202) Vejamos:

Este Superior Tribunal firmou entendimento de que não se aplica o princípio da insignificância ao contrabando de cigarros. E isto porque a conduta não apenas implica lesão ao erário e a atividade arrecadatória do Estado, mas afeta, também, outros bens jurídicos tutelados pela norma penal, notadamente a saúde e a ordem públicas, bem como a moralidade administrativa (STJ, AgRg no AREsp 517.207/PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe 21/09/2016)

O contrabando, teoricamente, contra a moral, saúde, higiene, segurança pública; enquanto que o descaminho viola obrigações aduaneiras (tributos aduaneiros)”, no entanto, o descaminho seria um “contrabando contra o fisco”, já que lesa apenas o erário público, tendo natureza meramente fiscal. (BITENCOURT Saraiva, 2007).

A objetividade jurídica do descaminho é a proteção do interesse arrecadador do Estado, ou seja, o imposto devido decorrente da introdução de mercadoria estrangeira do país. Ademais, o objeto jurídico de proteção é o próprio erário público, prejudicado pela evasão de renda oriunda do Descaminho. (CALLEGARI IBCCRIM, São Paulo, v.56, jul., 1997).

Em síntese, no contrabando importa-se ou exporta-se mercadorias absoluta ou relativamente proibidas de circularem no país, à medida que no descaminho o agente age fraudulentamente, com o intuito de evitar o recolhimento de tributos atinentes à importação ou exportação de mercadorias permitidas.

Neste ultimo o bem jurídico atingido é primariamente o erário público, no outro o objeto material do delito é a vantagem indevida (GRECO, 2018, p.1190)

Quanto à consumação, temos a consignar que consumado estará quando o agente transpõe a alfândega, na entrada ou na saída da mercadoria, sem o devido pagamento do tributo, constituindo em tentativa quando frustrada a intenção do agente em transpor a alfândega.

Nas lições de Rogério Sanches Cunha apud Rogerio Greco:

O delito de contrabando se consuma quando da entrada(importação) ou saída (exportação) do território nacional da mercadoria proibida.
Conforme esclarece, com precisão, Rogério Sanches da Cunha, “na importação ou exportação de mercadoria proibida com passagem pelos órgãos alfandegários, o delito se consuma quando transposta a barreira fiscal (liberada pela autoridade competente), mesmo que a mercadoria não tenha chegado ao seu destino.
Já na hipótese de ingressar ou sair pelos meios ocultos(clandestinos) , a consumação depende da transposição das fronteiras do país.
Se vier por navio é necessário que este atraque em território nacional. De igual maneira, se transportada a mercadoria por avião, exige-se o pouso.”
Tratando-se, como regra, de crime plurissubsistente, será possível o reconhecimento da tentativa. (GRECO.2018, p.1204)

É importante ressaltar que existindo disposição penal que proíba a importação de determinadas mercadorias, como é o caso de entorpecentes, armas, alguns medicamentos, mercadorias falsificadas, dentre outras, prevalecerá a norma especial prevista no artigo 334, aqui tratado. Por fim, a ação penal no crime de contrabando ou descaminho é incondicionada.
Nota-se, que a figura típica assemelha o contrabando a algumas situações, previstas no vejamos o artigo.334-A § 1º in verbis:

§ 1º Incorre na mesma pena quem:

I – pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei;

II – pratica fato assimilado, em lei especial, a descaminho;

III – vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem;

IV – adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.

§ 2º Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.

§ 3º A pena aplica-se em dobro se o crime de descaminho é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial.” (NR)

Observa-se das normas até agora expostas que o contrabando passou a ser penalizado de maneira mais gravosa que o descaminho após a edição da Lei 13.008/2014

Estas tipologias criminosas podem ser diferenciadas porque, enquanto o descaminho frauda o pagamento dos tributos aduaneiros, por intermédio do delito de sonegação fiscal, ilícito de natureza tributária, atenta imediatamente contra o erário público, o contrabando propriamente dito, a exportação ou importação de mercadoria proibida, não se enquadra entre os delitos de natureza tributária, ou seja, a exportação ou importação de determinada mercadoria proibida, o seu ingresso ou sua saída das fronteiras nacionais configuram um fato ilícito e não fato gerador de tributos.

2 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

O princípio da insignificância será analisado com base na jurisprudência e nas construções doutrinárias, uma vez que este ainda não é tipificado na legislação brasileira, contudo, é aceito pelos julgadores, de forma que, por meio da própria jurisprudência definiramse parâmetros para a consideração deste princípio.

Em especial será exposta a estruturação deste princípio, demonstrando assim a sua evolução ao longo do tempo, desde os primórdios da sua aplicação até os dias atuais, gerando a possibilidade de uma análise concreta da sua real evolução.
Maurício A. Ribeiro Lopes leciona o seguinte:

É um princípio sistêmico decorrente da própria natureza fragmentária do Direito Penal. Para dar coesão ao sistema penal é que se o fez. Sendo, pois, princípio específico do Direito Penal, não consigo relacioná-lo com a (paradoxalmente) máxima minimis non curat praetor, que serve como referência, mas não como via de reconhecimento do princípio.

Este, por sua vez, discorda da afirmação de que o princípio apresentado tem suas origens no Direito Romano e fundamento na máxima minimis non curat praetor.
Em contraposição:

No tocante à origem, não se pode negar que o princípio já vigorava, no Direito Romano, onde o pretor não cuidava de modo geral, de causas e delitos de bagatela, consoante à máxima contida no brocardo mínima non curat praetor. (ACKEL FILHO, 1998, p.73)

O princípio em questão, visa afastar o encarceramento quando ocorrem crimes menos graves, que não causaram danos efetivos ao bem jurídico tutelado e que não foram praticados com o uso de violência ou grave ameaça. Encontra-se na jurisprudência casos de aplicação do princípio da insignificância, sob a fundamentação de diminuição da população carcerária da qual em média um terço de agentes se enquadram em casos insignificantes.

Ao realizar uma análise empírica detectou-se que de 2005 para 2010 a população carcerária praticamente dobrou, logo, atualmente busca-se adotar medidas para que haja redução desse contingente devido à insustentabilidade econômica e política da prisão em massa e os custos sociais e políticos para manutenção de estabelecimentos que se encontram desestruturados para abrigar todos os detentos. (BOTTINI, São Paulo. v. 20, n. 98, setembro/outubro de 2012).

Nota-se resistência de aplicação do referido princípio aos delitos de contrabando, porém, pode ser admitido no caso concreto, observando-se os requisitos objetivos ditados pela própria jurisprudência. “Ao contrário do que ocorre com o crime de descaminho, nossos Tribunais Superiores têm resistência na aplicação do princípio da insignificância ao delito de contrabando” (GRECO, 2018, p.1206)

O princípio da insignificância ao ser aplicado pelo juiz no crime de descaminho está buscando excluir ou afastar a tipicidade material do ato, porém deve-se constatar que a conduta delituosa não ofendeu significativamente o bem jurídico tutelado, a ponto de promover-se uma intervenção penal.

O comportamento delitivo, deve, além de violar a norma penal, afetar as normas de valoração reconhecidas culturalmente. Assim, nem sempre a ação adequada ao tipo penal será materialmente típica – será necessário integrá-la com elementos valorativos que revelem seu prejuízo social. A integração desse conceito de tipicidade material com a ideia de que a missão última da repressão estatal é a proteção de bens jurídicos e não de meros comportamentos imorais, permite o desenvolvimento do princípio da insignificância. (BOTTINI, São Paulo. v. 20, n. 98, setembro/outubro de 2012).

Daí percebe-se a importância do princípio da insignificância na seara penal, uma vez que este é um instrumento relevante para a contribuição da diminuição de lotação do sistema carcerário. A adoção deste princípio foi realizada por meio jurisprudencial e doutrinário, é aceito pelos magistrados como forma de descrença na privação de liberdade daqueles agentes que cometeram delitos insignificantes e também pela preocupação com o número excessivo e crescente do sistema.

O princípio da insignificância pode ser conceituado como aquele que permite infirmar a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade, constituem ações de bagatela, desprovida de reprovabilidade, de modo a não merecerem valoração da norma penal, exsurgindo, pois, como irrelevantes. (SILVA p.94).

Há de se observar também o valor do objeto, para utilizar-se do princípio em questão, necessário ausência de qualquer repercussão no patrimônio da vítima, caso contrário não terá espaço para aplicação na seara penal.

Uma das divergências jurisprudenciais em relação a aplicação do Princípio da Insignificância no crime de descaminho, é o valor que é considerado ínfimo pela Fazenda Pública, não merecendo desta forma a propositura de ação penal.

A partir do patamar fixado pela portaria do Ministério da Fazenda, criou-se o entendimento no Superior Tribunal de Justiça que valores abaixo de R$ 20.000.00(vinte mil) reais, ensejariam aplicação do princípio da insignificância no delito de descaminho.
Sendo, assim, decidiu o STJ:

A partir da Lei nº 10.522/2002, o Ministro da Fazenda não tem mais autorização para, por meio de portaria, alterar o valor para arquivamento sem baixa na distribuição. Tal alteração somente poderá ser realizada por meio de lei. O valor estabelecido pela Portaria nº 75/2012 do Ministério da Fazenda não retroage para alcançar delitos de descaminho praticados em data anterior à sua vigência” (REsp 1.425.012/PR, Recurso Especial 2013/0051543-5, 6ª T., Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe 1º/7/2014).

O Supremo Tribunal Federal admite a aplicação do princípio da insignificância no valor até 20.000,00.

Ocorre, porém, que duas decisões do STF, tomadas nos meses de abril e outubro de 2018, sinalizam que o tribunal pode modificar sua postura diante de situações relativas à importação de mercadorias sem o pagamento de impostos. (ROGERIO SANCHES 11 NOVEBBRO 2018).

Com efeito, no julgamento do HC 128.063/PR, em 10/04/2018, o Primeira Turma decidiu – vencida apenas a ministra Rosa Weber – que norma relativa à ação fiscal não tem influência na atuação do Ministério Público na seara penal. (ROGERIO SANCHES 11 NOVEBBRO 2018).

Nas denúncias é possível notar que os infringentes são réus reincidentes, uma vez que já apresentam outras condenações transitadas em julgado, encontra-se também aqueles que foram absolvidos, beneficiários da aplicação do princípio da insignificância.

Para a incidência do princípio da insignificância só se consideram aspectos objetivos, referentes à infração praticada, assim a mínima ofensividade da conduta do agente; a ausência de periculosidade social da ação; o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; a inexpressividade da lesão jurídica causada (CELSO DE MELLO, DJ 19.11.04).

O princípio da insignificância ao ser analisado, deve ser visto mediante a comprovação de todos os requisitos e aspectos como forma de beneficiar apenas aqueles acusados que fazem jus a tal absolvição. Porque não se pode conceder tal benefício em prol daquele que se utiliza desse meio para praticar a conduta do descaminho e mediante planejamento importar ou exportar mercadorias cujo valor é ínfimo no intuito de burlar a fiscalização.

O valor não é o único requisito visto perante a análise para aplicação do benefício, sendo o histórico criminal do agente de grande importância.

No contrabando – importação ou exportação de mercadoria proibida – mostra-se inviável, em regra, a

aplicação do princípio da insignificância apenas em face do valor da evasão fiscal tendo em vista que, além da lesão ao Fisco, tutela-se a moral, a saúde, a higiene e a segurança pública, restando configurado o interesse de Estado de impedir a entrada e a comercialização de produtos proibidos em território nacional(STJ, EREsp 1.230.325/ RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, S3, DJe 05/05/2015)

Vê-se que se reincidente, o agente não poderá em tese ser beneficiado com a aplicação de referido princípio, uma vez que isso confrontaria o requisito de reduzidíssimo grau de reprobabilidade.

Ademais, há de se considerar os critérios econômicos envolvidos, como já citado alhures, devendo o julgador apoiar sua decisão nos critérios objetivos do princípio em questão em conjunto com análise atenta ao caso concreto, evitando dessa forma a concessão de benefício de forma a incentivar o cometimento do delito.

Da mesma forma, não se pode admitir que, ao analisar a tipicidade da conduta, afaste a insignificância a partir de livres critérios definidos por sua convicção, pois é necessário observar as medidas e parâmetros valorativos em que o país se encontra (PRADO, 2017, p. 849).

Nota-se o pressuposto de que o princípio da insignificância não deveria preocupar-se com a habitualidade na prática do descaminho, pois qualquer critério subjetivo do agente, foge à análise da tipicidade do crime. Porém se o agente é reincidente contumaz na prática do delito em questão, não caberá a aplicação de referido princípio por violação ao requisito do grau de reprobabilidade, que deve ser ínfimo.

Nesse passo, a contumácia delitiva é notória, não havendo como deixar de reconhecer, em razão dela, o elevado grau de reprovabilidade do comportamento do recorrido. Bem como a efetiva periculosidade ao bem jurídico que se almeja proteger, o que impede a aplicação do princípio da insignificância. (STJ, 08/05/2014).

Desta forma, observa-se que o princípio da insignificância só será aplicado ao réu primário, pois referido benefício não é aplicável ao agente reincidente. Isso porque concessão de tal benefício para o réu reincidente seria um estímulo para novas práticas delituosas, uma vez que o acusado poderá planejar novas condutas ilícitas com vontade livre e dirigida de nova obtenção do benefício da aplicação da insignificância.

3 CONCLUSÃO

Historicamente observamos a evolução de crimes como o Contrabando e Descaminho que atentam contra o sistema público, ao passo que subsistem em longo lapso temporal no Brasil, desde seu descobrimento até a atualidade, porém tendo seu surgimento em negociações executadas a partir do interesse em beneficiar-se em detrimento do direito comum a todos.

Mediante ao exposto anteriormente, ficou evidenciado que o crime de descaminho não necessariamente é um crime contra a Administração Pública, seria mais correto nomeá-lo como um delito tributário, pois atenta, essencialmente, contra as leis que regimentam o sistema tributário.

Os princípios buscam auxiliar o operador do direito no campo das decisões de forma que estas sejam atualizadas conforme a sociedade, no intuito de evitar decisões que contrapõem os costumes e as normas vigentes, neste sentido, têm-se que o Princípio da Insignificância surgiu com o objetivo de diminuir a população carcerária.

A vertente é diferente quando o réu é reincidente, precipuamente nestes casos já houve uma condenação transitada em julgado, logo, resta comprovado o agente já cometeu um ou mais crimes e retorna a prática criminosa, o que se contrapõe a um dos requisitos elencados pelo Supremo Tribunal Federal, qual seja: Reduzidíssimo Grau de Reprovabilidade da Conduta. Entende-se então que não cabe a aplicação do Princípio da Insignificância no crime de descaminho para réu reincidente.

Porém, observados todos os requisitos objetivos ditados pela jurisprudência dos Superiores Tribunais, há de analisar-se ainda o caso concreto e as especificidades do agente que comete o delito, pois em razão de uma circunstancia subjetiva, apesar dos critérios serem de ordem objetiva, pode-se deparar com a impossibilidade de sua aplicação.

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SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da Insignificância no Direito Penal. Curitiba: Juruá, 2008.


Acadêmicos do Curso de Direito na Universidade UniCerrado
Bruno.gyn.c.c.c@gmail.com
lorena.oliver.me@gmail.com