EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO EMPRESARIAL NO BRASIL: DOS ATOS DE COMÉRCIO À TEORIA DA EMPRESA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10050621


Leandro de Paula Christo Silva
Co-autor: Rafael Lanzi Vasconcellos


RESUMO

Este artigo tem por objetivo, dentre outros tópicos que serão abordados no decorrer do trabalho, tratar sobre a evolução histórica do Direito Empresarial Brasileiro, bem como o impacto das guerras ocorridas na Europa durante o Império de Napoleão, as quais resultaram na fuga da Família Real Portuguesa ao Brasil e acabaram por acelerar o processo de normatização das atividades comerciais no território nacional.

Para tanto, estudaremos as primeiras manifestações de comércio, datadas na Idade Média, compreendendo a forma de produção e transação das mercadorias e serviços à época. Mais adiante, abordaremos as primeiras legislações destinadas a tratar especificamente sobre o direito comercial, de origem Francesa, e que fora copiada pelo Direito Brasileiro à época, adotando, assim, a chamada Teoria dos Atos de Comércio.

Por fim, demonstraremos que a Teoria dos Atos de comércio foi superada com a evolução do capitalismo e a ampliação demasiada das atividades econômicas realizadas pelos agentes do mercado, sendo substituída, posteriormente, pela Teoria da Empresa, primeiramente adotado pelo Direito Italiano e incorporada pelo Direito Brasileiro no Código Civil de 2002.

Palavras-chave: Empresa, Atos de Comércio, Teoria da Empresa.

1 Evolução histórica do Direito Empresarial

As primeiras manifestações de comércio têm origem na Idade Média. Durante tal período, a civilização era organizada em Feudos, cada qual com suas regras próprias tendo em vista a ausência de Estado Centralizado.  O Sistema Feudal, todavia, perde força na baixa Idade Média e começam a surgir as primeiras manifestações de cidades, intensificando ainda mais o comércio. (Vido, 2022, p.12)

É neste período que as trocas de mercadorias dão espaço à venda, que passam a ser utilizadas como prática de comércio. Para Sílvio de Salvo Venosa:

 Nesse cenário, torna-se inevitável a regulamentação dessa prática econômica, denominada de comércio. Surgem então na Idade Média as Corporações de Ofício, poderosas entidades burguesas que passam a ditar as regras para a regulamentação dessas relações econômicas e das profissões em geral. Cada Corporação tinha suas regras próprias destinadas a disciplinar as relações entre seus membros. Desponta, assim, um direito comercial consuetudinário, porém estatutário, fundado nos usos e costumes de cada corporação. Essa jurisdição particular dos mercadores vinculava em princípio apenas os membros das corporações. O aumento do poder econômico das corporações nos séculos XIII e XIV levou à extensão de seu poder, passando a abranger todos que praticavam atos ligados a “matéria do comércio”, pois na época ainda não estava bem clara a noção de “ato de comércio”, que se consolidaria muito depois. Esse período é chamado de subjetivo, porque a tutela do direito comercial é determinada a partir do sujeito. (VENOSA, 2020)

Somente em 1808, com a promulgação do Código Comercial Francês, que a tutela do direito comercial deixa de focar no sujeito e passa a regulamentar os atos em si, agora denominados “atos de comércio”, que eram rigorosamente definidos pelo diploma legal à época.

O Brasil, por sua vez, seguiu a linha normativa Francesa e, em 1850, adota a Teoria dos Atos do Comércio com a promulgação do Código Comercial. Com isso, como já foi mencionado, o comércio deixa de estar relacionado com o status do sujeito e passa a focar na própria atividade econômica, possibilitando, assim, que qualquer pessoa com aptidão para executar com habitualidade e profissionalismos os “atos de comércio” seja considerado comerciante.

 Como era de se esperar, também este período foi superado, já que não era possível prever e relacionar todos os atos que poderiam ser comerciais. O terceiro e atual momento é o iniciado pelo Código Civil italiano de 1942. O foco agora não são os atos comerciais, mas a atividade realizada pelo empresário. (VIDO, 2022)

A expansão do capitalismo e da complexidade das relações comerciais amplia demasiadamente as atividades praticadas no mercado, impossibilitando assim que a Lei previsse todas elas em um Rol taxativo, como tentara o Código Comercial Francês. Passa a haver a necessidade de ampliar o conceito de Empresário, do qual assumiu papel fundamental a Teoria da Empresa, assumida pelo Direito brasileiro em 2002 com a entrega em vigor do Código Civil.

Pela teoria da empresa, toda atividade econômica exercida de forma organizada passa a contar com a tutela do direito comercial, abrangendo, inclusive, a atividade rural, a prestação de serviços, a atividade imobiliária e, não obstante não regulamentado especificamente pelo Código Civil, o comércio eletrônico. (Venosa, 2020, P. 4)

1.1 Teoria dos Atos de Comércio – Código Comercial

Como vimos, as primeiras normas referentes ao direito comercial no brasil são datadas do século XIX. Em 1808, com a chegada da família Real portuguesa no Brasil, houve a abertura dos portos às nações amigas, o que intensificou ainda mais o comércio na colônia1. Neste mesmo período, a França de Napoleão Bonaparte acabara de editar seu Código Civil e Código Comercial, em 1804 e 1808 respectivamente.

Em 1815 Dom João VI retorna a Portugal após o fim das Guerras e abre caminho para a independência do Brasil, que ocorreu anos depois, em 1822. No entanto, o comércio, como não poderia ser diferente, já estava consolidado no Estado Brasileiro e carecia de regulamentação.

Foi então criada uma comissão formada por grandes juristas à época para elaborar Leis atinentes às atividades comerciais, a qual apresentou projeto ao Legislativo em 1832 que fora convertido na Lei nº 556, de 25 de junho de 1850, e fez nascer o Código Comercial Brasileiro.

Aqui, no entanto, diferente do que aconteceu na França, o Legislador preferiu, a princípio, não enumerar as atividades consideradas comerciais, haja vista que isso havia sido feito no país Europeu sem grande sucesso. O Código Comercial da França limita, em seus artigos 632 e 633, os Atos de Comércio, trazendo um rol taxativo de atividades. 

Todavia, por ser pautada na Teoria dos Atos de Comércio, o Direito brasileiro não consegue deixar de lado a taxatividade dos atos econômicos que mereciam amparo pelo Direito Comercial, que embora não estivessem previstos expressamente no Código Comercial de 1850, foram relacionados no Decreto nº 737, editado no mesmo ano. O grande interesse do Legislador com tal decisão foi facilitar a retirada, inclusão ou alteração do Rol de atividades tidas como comerciais, posto que alterar o Decreto seria mais simples do que modificar a Lei.

O artigo 19 do Decreto nº 737/50 considerava mercancia as seguintes atividades: 

     Art. 19. Considera-se mercancia: 

§ 1º A compra e venda ou troca de efeitos móveis, ou semoventes para os vender por grosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufacturados, ou para alugar o seu uso; 

     § 2º As operações de câmbio, banco, e corretagem; 

     § 3º As empresas de fábricas; de comissões; de depósitos; de expedição, consignação, e transporte de mercadorias; de espetáculos públicos; 

     § 4º Os seguros, fretamentos, risco, e quaisquer contratos relativos ao comércio marítimo; 

     § 5º A armação e expedição de navios.

Somente a partir de 1960 que a Teoria dos atos de Comércio passa a perder força no Brasil e começa a dar espaço à chamada Teoria da Empresa, esta copiada do Direito Italiano. A mudança do conceito de empresário foi gradativa e passou por diversas Leis espalhadas, como Código do Consumidor, Lei de Locação e outras, até chegar no Código Civil de 2002, que concretizou a passagem de um sistema para outro.

1.2 – Teoria da Empresa – Código Civil 2002

Com a expansão do comércio, promovida pelo capitalismo, houve a necessidade de ampliação do rol de atividades geradoras de riqueza. 

Neste sentido, a Teoria da Empresa tem papel fundamental de ampliação das atividades econômicas suscetíveis de tutela do Estado.  Não há mais que se falar em um rol restritivo como era feito pela teoria dos atos de comércio no Código Comercial.

Pela teoria da empresa, toda atividade econômica exercida de forma organizada passa a contar com a tutela do direito comercial, abrangendo, inclusive, a atividade rural, a prestação de serviços, a atividade imobiliária e, não obstante não regulamentado especificamente pelo Código Civil, o comércio eletrônico. O descompasso da realidade econômica com a legislação comercial no Brasil de 1850 levou à adoção paulatina pelo Judiciário da teoria da empresa no Brasil nos moldes da italiana. Igualmente, o Código de Defesa do Consumidor (1990) e a Lei de Locação Predial e Urbana (1991) inspiraram-se na teoria da empresa. Foi, entretanto, com a edição do Código Civil de 2002 que a teoria da empresa se consagrou unitariamente no sistema nacional. (Vido, 2022, p.3)

Para Fábio Ulhoa Coelho,

Conceitua-se empresa como sendo atividade, cuja marca essencial é a obtenção de lucros com o oferecimento ao mercado de bens ou serviços, gerados estes, mediante a organização dos fatores de produção (força de trabalho, matéria-prima, capital e tecnologia). (Coelho, 2015, p.34)

Ou seja, a partir de 2002 qualquer atividade econômica organizada que tenha como finalidade o lucro oferecendo bens ou serviços ao mercado passa a ser considerada empresária e digna de tutela especial do Direito brasileiro.

Entendido o conceito jurídico de empresa, faz-se necessário conceituar também o Empresário. Nas palavras de Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa: 

O empresário, portanto, é o titular da empresa, pessoa natural ou jurídica. É quem assume o risco da atividade para o bem (proveito dos lucros) ou mal (responsabilidade pelos prejuízos causados a terceiros”. Nota-se, então, que o empresário não se confunde com o sócio da empresa. ( VERÇOSA, 2010)

A finalidade lucrativa é marca essencial da empresa, sendo que sem este elemento podemos estar diante de qualquer outro instituto que não o empresarial, como as Fundações e Associações, por exemplo.  As Associações são aquelas entidades formadas por pessoas com objetivos em comum, mas que não têm como finalidade o lucro. É bem possível que uma Associação fature milhões de Reais todos os anos, todavia, todo este faturamento e eventual resultado positivo será revertido ao proveito dos associados, mas não em forma de distribuição de lucros. As Fundações, por sua vez, são aquelas formadas por um patrimônio especial destinado a um fim de interesse público ou social. Estas também podem ter altos rendimentos muito embora não distribuam lucro.

Mas a empresa não! A empresa tem como finalidade máxima a obtenção do lucro em decorrência da sua atividade. Esta deve ser gerida de forma eficaz como forma de maximizar ainda mais os ganhos passíveis de distribuição em forma de lucro aos seus sócios, muito embora o pagamento de dividendos não seja a única finalidade de uma empresa.


 1VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. São Paulo: Malheiros, 2010. vol. 2.


Referências 

VENOSA, Sílvio de S. Direito Empresarial. Grupo GEN, 2020. E-book. ISBN 9788597024791. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597024791/. Acesso em: 03 out. 2023.

VIDO, Elisabete. Curso de direito empresarial. Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786553620414. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553620414/. Acesso em: 04 out. 2023.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 19. Ed. São Paulo: Saraiva, 2015. 

VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. São Paulo: Malheiros, 2010. vol. 2.