EVOLUTION AND APPLICATION OF PUBLIC POLICIES IN HEALTH FOR TRANSEXUAL PEOPLE: INTEGRATIVE REVIEW
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7991078
Gleydson Mateus da Silva Pereira1
Valdirene Pereira da Silva Carvalho2
Ana Karine Laranjeira de Sá3
Samara Maria de Jesus Veras4
Luanna dos Santos Rocha5
Judicléia Marinho da Silva6
Romina Pessoa Silva de Araujo7
Silvana Cavalcanti dos Santos8
Cláudia Fabiane Gomes Gonçalves9
RESUMO
Introdução: A Política Nacional de Saúde Integral à Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais é um divisor de águas para as políticas públicas de saúde no Brasil é um marco histórico de reconhecimento das demandas desta população em condição de vulnerabilidade. Objetivo: Identificar a evolução e aplicação das políticas públicas em saúde para pessoas voltadas para a população transexual. Metodologia: Trata-se de uma revisão integrativa. O levantamento de dados foi realizado entre julho de 2021 e dezembro de 2022, por meio do acesso online do Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, a partir dele houve o acesso à Biblioteca Virtual em Saúde, na qual incluiu as bases de dados LILACS, BDENF e MEDLINE/PUBMED. Resultados: Foram selecionados 08 artigos, seguindo os critérios de inclusão e exclusão. Discussão: a transexualidade, ainda, é uma temática pouco debatida, isso se dá porque ainda há uma visão de que a mesma é um estado patológico que precisa ser curado, o que favorece a exclusão e descriminação social dessa população nos serviços de saúde, onde nem mesmo a criação de políticas públicas são suficientes para a promoção de saúde. Considerações Finais: foi possível elencar que apesar da evolução das políticas públicas de saúde voltadas para as pessoas transexuais, sua aplicação nos serviços de saúde não é o suficiente para um atendimento eficiente e eficaz que satisfaça as necessidades específicas dessa população. A pessoa trans estar no foco das discussões, buscando visibilidade para linhas de cuidado que sejam coerentes com as suas reais necessidades.
Palavras-chave: Políticas Públicas de Saúde. Minorias Sexuais e de Gênero. Pessoas Transgênero.
ABSTRACT
Introduction: The National Policy on Comprehensive Health for Lesbians, Gays, Bisexuals, Transvestites and Transsexuals is a watershed for public health policies in Brazil and a historic milestone of recognition of the demands of this vulnerable population. Objective: To identify the evolution and application of public health policies for people aimed at the transgender population. Methodology: This is an integrative review. The data collection was carried out between July 2021 and December 2022, through the online access to the Periodicals of the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel, from which there was access to the Virtual Health Library, which included the databases of LILACS, BDENF and MEDLINE/PUBMED data. Results: 08 articles were selected, following the inclusion and exclusion criteria. Discussion: transsexuality is still a topic that is little debated, this is because there is still a view that it is a pathological state that needs to be cured, which favors the exclusion and social discrimination of this population in health services, where even even the creation of public policies are sufficient for health promotion. Final Considerations: it was possible to list that despite the evolution of public health policies aimed at transgender people, their application in health services is not enough for efficient and effective care that satisfies the specific needs of this population. The trans person should be the focus of discussions, seeking visibility for lines of care that are consistent with their real needs.
Keywords: Public Health Policies. Sexual and Gender Minorities. Transgender Persons.
1 INTRODUÇÃO
As questões de gênero, advindos da ascensão dos movimentos Feminista e de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgênero (LGBTT). Entretanto, o termo gênero e os debates acerca do mesmo não são recentes. O conceito surge para denunciar as desigualdades existentes entre mulheres e homens, que não se manifestam por questões biológicas, mas por processos sociais e históricos, que oferecem um tratamento desigual baseado no gênero. Nesse contexto, o corpo trans perturba, pois é considerado inadequado por romper o binarismo de gênero e os padrões estabelecidos pela sociedade para manutenção da heteronormatividade (GRADE et al., 2019).
A designação “pessoa transgênero” (ou, simplesmente, pessoa trans), diverge da identidade de gênero, nela não há um padrão de identidade, sua definição se dá através vivência transexual, que é a existência e o pertencimento social em um gênero distinto daquele que lhe foi imposto através do nascimento. Essa questão acaba excluindo travestis e transexuais em todas as esferas sociais existentes, por fugirem do que a sociedade compreende como normal, causando assim danos psicológicos a esses indivíduos. Frequentemente, essas pessoas estão sujeitas a sofrer preconceito e discriminação em variados cenaŕios da sociedade, como por exemplo na saúde (SALLES et al., 2017; SANTOS et al., 2019).
Compreende-se então que a saúde é direito universal preconizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sendo fruto de um processo histórico-social, onde busca-se promover a saúde desde dos cuidados básicos aos mais complexos através da universalidade, integralidade e equidade. Nesse sentido, a Política Nacional de Saúde Integral à Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (PNSILGBT) é um divisor de águas para as políticas públicas de saúde no Brasil é um marco histórico de reconhecimento das demandas desta população em condição de vulnerabilidade (SANTANA et al., 2020).
Entretanto, mesmo com diversos avanços a aplicação das políticas públicas de saúde vem enfrentando dificuldades, nos serviços de saúde ainda há uma certa resistência quanto a utilização de nome social e o conhecimento sobre transexualidade é escasso. Isso se dá principalmente pela formação acadêmica fragmentada, somada à desinformação sobre as políticas públicas de saúde voltadas à população LGBT, isso potencializa ainda mais as vulnerabilidades e exclusão para com essa população. Lembrando-se que a porta de entrada é Atenção Básica, onde as políticas devem ser conhecidas e aplicadas (SEHNEM et al., 2017),
Deste modo, o presente artigo tem como objetivo identificar a evolução e aplicação das políticas públicas em saúde para pessoas transexuais, tendo como pergunta norteadora: “Como se dá a evolução e aplicação das políticas públicas em saúde para pessoas transexuais?”.
2 METODOLOGIA
A revisão integrativa, trata-se de um método de ampla abordagem que tem como função identificar, analisar e sintetizar os resultados de estudos que possuem a mesma temática, proporciona evidenciar uma compreensão mais abrangente sobre o assunto abordado, dessa forma aponta as lacunas existentes, com base em cinco fases: (1) identificação do tema e seleção da questão de pesquisa; (2) definição dos critérios de inclusão e exclusão (amostra de artigos); (3) avaliação dos estudos incluídos; (4) análise e interpretação dos dados e (5) apresentação da revisão (CROSSETTI, 2012; ROCHA et al., 2017). A questão de pesquisa delineada segundo a estratégia PICO foi: “Como se dá a evolução e aplicação das políticas públicas para pessoa transexual?”.
A busca foi realizada nas seguintes bases de dados, através do acesso da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS): Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Medcal Literatury Analisys and Retrieval System Online (MEDLINE), web of Science, Base de dados de Enfermagem, através dos descritores em Ciências da Saúde (DeCs): Políticas Públicas de Saúde, Minorias Sexuais e de Gênero e Pessoas Transgênero, conectados pelo boleando “AND”.
Foram incluídos, nesta busca, os artigos publicados entre os anos de 2015 – 2022 nos idiomas português, espanhol e inglês, disponíveis na íntegra eletronicamente e que respondessem à referida pergunta da pesquisa. Como critério de exclusão: qualquer tipo de documento que não se configure como artigo, como cartas ao editor, resenhas, teses, dissertações e monografias. Critério de eliminação: artigos duplicados publicados em bases de dados iguais ou diferentes. A coleta de dados foi realizada de forma on-line, no período de julho de 2021 a dezembro de 2022, através das bases de dados, conforme critérios de inclusão e exclusão pré-estabelecidos. A busca dos artigos foi realizada segundo cruzamento dos descritores nas bases de dados e biblioteca virtual: “Políticas Públicas de Saúde” e “Minorias Sexuais e de Gênero”, “Políticas Públicas de Saúde” e “Pessoas Transgênero” e “Políticas Públicas de Saúde”, “Minorias Sexuais e de Gênero” “Pessoas Transgênero”, sendo encontrados 74 artigos, dos quais 8 entraram para a amostra final.
Para a análise e interpretação de dados foi utilizado o instrumento para extração dos dados, validado por Ursi (2005), sendo adaptado para o presente estudo, no qual contêm questões importantes para os resultados desta pesquisa, sendo os seguintes: identificação do artigo, seus aspectos metodológicos e análise dos resultados.
Os artigos foram avaliados quanto nível de evidência: Nível I – revisão sistemática ou metanálise de ensaios clínicos controlados; nível II – ensaio clínico controlado randomizado bem delineado; nível III – ensaio clínico controlado sem randomização; nível IV – estudos de coorte ou caso-controle bem delineados; nível V – revisão sistemática de estudos qualitativos e descritivos; nível VI – estudos descritivos ou qualitativos e nível VII – opinião de autoridades ou especialistas (GALVÃO, 2006).
3 RESULTADOS
Foram selecionados 08 artigos seguindo-se os passos descritos na figura abaixo:
Fonte: Autor, 2022.
Dos artigos que entraram para a amostra final, um foi publicado nos anos de 2018, dois em 2019 e 2022, três em 2020, os anos de 2015, 2016, 2017 e 2021 não apresentaram estudos que estavam em consonância com os critérios de inclusão e exclusão. No que se refere aos aspectos metodológicos da pesquisa, seis eram qualitativos e dois de revisão de literatura. Dos estudos selecionados, constatou-se que todos eram voltados para questões que perpassam variados aspectos da aplicação das políticas públicas para as pessoas trans, como descrito no quadro 1.
Quadro 1: Resultados evidenciados nos artigos selecionados para a revisão.
TÍTULO/AUTOR/ANO PUBLICAÇÃO E LOCAL | TIPO DE ESTUDO /NÍVEL DE EVIDÊNCIA | RESULTADO |
Promoção da saúde com transexuais e travestis: uma revisão sistemática de literatura (GUTIERRES e LORDELLO, 2020). | V | Considera-se necessária maior produção na área da promoção da saúde de pessoas transexuais e travestis, especialmente considerando a saúde como fatores biopsicossociais a partir da concepção de pessoas trans. As produções são importantes no sentido de subsidiar ações de saúde pública por meio de políticas e programas sociais por meio do Estado. |
Identidades, pressões e políticas sociais dos transgêneros: um estudo realizado na Espanha (FERNÁNDEZ-ROUCO, CARCEDO e YEADON-LEE, 2018). | VI | A heteronormatividade tem uma influência direta na qualidade de vida das pessoas trans e na sua saúde mental e bem-estar. Ela exerce pressão cultural sobre as pessoas trans para que se encontrem e / ou se ajustem às normas dominantes de gênero e sexualidade. Como as pessoas trans geralmente não são capazes de atender a essas normas antes de obter tratamento de confirmação de gênero e mudança legal de gênero (ou, na verdade, não desejam atender a essas normas), elas são consideradas“estranhos desviantes” e, como consequência, tornam-se estigmatizados. |
(Re)escrevendo roteiros (in)visíveis: a trajetória de mulheres transgênero nas políticas públicas de saúde (OLIVEIRA e ROMANINI, 2020). | VI | Os resultados nos mostram que a existência de políticas públicas, por si só, não garante o acesso da população trans aos serviços de saúde, visto que este, ou mesmo a falta dele, é transversalizado por diferentes fatores. Dificuldades como a falta de preparo dos profissionais de saúde, a patologização da experiência transexual e, principalmente, a falta de acolhimento ainda se fazem presentes. Em detrimento disso, a boa vinculação com os profissionais de saúde contribui de maneira direta para o processo de promoção da saúde dessa população. |
Caminhos confluentes: Pesquisa e participação da comunidade para proteger o direito à saúde entre mulheres trans no Peru (SALAZAR et al., 2019). | VI | Durante a última década, pesquisas sociais e de saúde contribuíram com evidências conclusivas sobre as condições de vida das mulheres trans e as barreiras estruturais que elas enfrentam, além do foco da pesquisa sobre HIV / AIDS. Apesar desse progresso, barreiras generalizadas nas políticas públicas continuam a impedir o uso de evidências de pesquisas existentes e a experiência da comunidade no desenvolvimento de estratégias sensíveis de prevenção e atenção ao HIV como parte de um modelo de saúde abrangente para mulheres trans no Peru. Há outras questões remanescentes, como: procedimentos de transformação corporal, adolescência transgênero, pessoas trans e o acesso à educação, habitação e emprego, pobreza extrema, estigma internalizado entre a comunidade, apoio social, coesão e laços comunitários. |
Assistência de Enfermagem à população trans: gêneros na perspectiva da prática profissional (ROSA et al., 2019). | VI | Essas publicações apresentaram o descontentamento das pessoas trans com o atendimento que têm recebido nos serviços de saúde, pois frequentemente não encontram respostas às demandas gerais e específicas de saúde que possuem e são vítimas da reprodução de preconceitos, discriminações e violências por parte daqueles(as) que deveriam oferecer cuidado, fazendo com que só procurem atendimento em casos extremos de adoecimento. |
Avaliação da implementação da Política Nacional de Saúde Integral à populaçãoLGBT em um município da região Sudeste do Brasil (GUIMARÃES et al., 2020). | VI | Analisando os discursos com o objetivo de compreender o conhecimento de enfermeiros que participaram da pesquisa, no tocante à diversidade sexual e à homofobia, destaca-se a falta de estímulo em estudar sobre o tema iniciado no processo de formação acadêmica, a qual demonstra limitar o conhecimento sobre a população LGBT a temas ligados a infecções sexualmente transmissíveis, reforçando a estigmatização do público. Além da falta de conhecimento sobre o público LGBT, outro ponto demonstra limitar o acesso do público em relação aos serviços de saúde. Percebe-se nas falas que a intenção de respeito ao nome social é grande, mas a utilização da ferramenta se mostra restrita, uma vez que os profissionais no cotidiano de trabalho se concentram no nome de registro. A não utilização da ferramenta de forma correta leva a uma cascata de constrangimentos que interferem na construção do vínculo enfermeiro/usuário, relação esta que, quanto mais solidificada e construída na base da confiança e do respeito às especificidades de gênero, melhor interfere de forma positiva na prestação de cuidados, colocando assim a ausência do público LGBT nas ESF, pautada no texto, como algo pregresso. |
Restrição de políticas públicas de saúde: um desafio dos transexuais na atenção básica (GOMES et al., 2022). | VI | Os resultados deste estudo mostram que as pessoas trans vêm sofrendo com a invisibilidade e desprezo nos processos políticos de saúde pública, sendo esse um reflexo da própria construção de políticas que, no modelo atual, são pensadas para a população-alvo, não em conjunto com essa população, oferecendo oportunidade de trocas de conhecimentos mais efetivas e eficientes entre profissionais da equipe multidisciplinar e usuários |
Políticas públicas para a população LGBT (REIS e PEREIRA, 2022). | V | Conclui-se que as dificuldades encontradas pela população LGBT esbarra na forte rejeição do Poder Legislativo que, dominado por bancadas conservadoras e suprapartidárias, impede que qualquer avanço social para a população LGBT se transforme em reconhecimento legal por meio de leis que, direta ou indiretamente, beneficiam esta parcela da sociedade. |
Fonte: Autor, 2022.
Com base nos artigos lidos, foi definido o nível de evidência que auxilia na avaliação crítica de resultados derivados de pesquisas e, consequentemente, na tomada de decisão sobre a incorporação das evidências à prática clínica. Não houve uma variação muito grande quanto aos níveis, ficando entre 5 e 6, como descrito no quadro 1.
De modo geral os artigos estudados apontam que ainda existem muitas dificuldades quanto a aplicação das políticas públicas para as pessoas trans, mostrando assim que a criação das mesmas não foi suficiente para inclusão nos serviços de saúde, sendo necessário um novo olhar para essa população e suas demandas.
Consequentemente, essas demandas não são atendidas por diversos fatores, como: falta de estímulo sobre o tema iniciado no processo de formação acadêmica, descontentamento das pessoas trans quanto ao atendimento realizado, a patologização da vivência transexual, entre outros. Esses fatores contribuem para o apagamento e distanciamento da população trans nos serviços de saúde, o que dificulta a aplicação das políticas públicas de forma plena.
4 DISCUSSÃO
Foi possível identificar que a transexualidade ainda é uma temática que vem sendo pouco debatida, isso se dá por que ainda há uma visão que a mesma é um estado patológico que precisa ser curado, o que favorece a exclusão e descriminação social dessa população nos serviços de saúde, onde nem mesmo a criação de políticas públicas são suficientes para a promoção de saúde.
A partir do estudo e organização das informações presentes nos artigos selecionados, foi possível categorizá-los em três temáticas: 4.1 Demandas de saúde das pessoas trans; 4.2 Políticas públicas de saúde às pessoas trans; e 4.3 Aplicação das políticas públicas de saúde.
4.1 Demandas de saúde das pessoas trans
Portanto, para entender as vulnerabilidades e demandas de saúde da comunidade trans é preciso compreender todo o contexto histórico na qual está população está inserida, onde a mesma é marcada por negligências e preconceitos. A falta de abrangência sobre assuntos relacionados ao público em questão leva à formação de profissionais sem preparo algum para lidar com as demandas específicas e gerais da comunidade, sendo um exemplo o processo transexualizador na atenção básica (GUIMARÃES et al., 2020).
Porém, todas as experiências vivenciadas pelas pessoas trans levam à baixa demanda de atendimento nos postos e unidades de saúde, aumentando a incidência de agravos e também ocasionando a auto exclusão como mecanismo de defesa. Muitos desses agravos poderiam ser prevenidos, entretanto, por falta de conhecimento, negligência ou desconhecimento das ações e informações da maioria acerca dessa população o combate aos vetores de doenças, higiene pessoal e sanitária são desconhecidos. Gerando assim um grande impacto na implementação de políticas públicas de prevenção, combate e promoção da saúde (REIS e PEREIRA, 2022).
Por causa dos maus tratos e violências vivenciadas nas esferas de saúde, a população trans percorre um complexo caminho até ter suas demandas sanadas. Sendo grande o número de pessoas que evitam utilizar serviços específicos de saúde oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), os exemplos de necessidades específicas assistivas às pessoas trans, são as cirurgias de redesignação sexual, retirada de mama e útero, plástica mamária reconstrutiva (incluindo próteses de silicone), extensão das pregas vocais para mudança da voz, além da terapia hormonal (ROSA et al., 2019).
Entretanto, existem as demandas gerais inerentes a qualquer pessoa, como a prevenção de doenças decorrentes do alcoolismo, sobrepeso, tabagismo e inatividade física, saúde mental, dentre outras. A estigmatização e a imposição da heteronormatividade tem uma influência direta na qualidade de vida das pessoas trans, sua saúde mental e bem-estar, exercendo uma pressão cultural para que os mesmos se encontrem e se adequem às normas dominantes. Geralmente, por não atenderem a essas normas, a comunidade trans acaba com danos psicológicos que afetam suas vidas e dificulta sua aproximação com os serviços de saúde (FERNÁNDEZ-ROUCO, CARCEDO e YEADON-LEE, 2018).
4.2 Políticas públicas de saúde às pessoas trans
Antes chamadas de travesti, as mulheres trans na década de 1990 foram consideradas pelo setor de saúde pública e academia como uma pequena fração do coletivo homossexual masculino, sendo fortemente marginalizadas. A partir de 2006, através das pesquisas acadêmicas houve o reconhecimento das mulheres transexuais como a população mais vulnerável ao HIV/AIDS no Peru e sua inclusão na agenda política, se deu duas décadas atrás, antes o movimento social ainda não existia. Sendo o resultado de um processo extenso que culminou quando as organizações comunitárias das mulheres transexuais conseguiram se articular como uma população separada dos homens que fazem sexo com homens (SALAZAR et al., 2019).
Na Espanha, a transexualidade tornou-se uma questão política nas últimas décadas, onde a situação das pessoas trans mudou significativamente nos últimos anos. A identidade de gênero e orientação sexual foram confundidas e a cirurgia de transexualizador foi considerada um crime, nos anos 40. Na década de 50 à 70, existiam leis onde as pessoas trans foram consideradas homossexuais e foram processadas, as principais delas foram a lei de Preguiçosos e Delinquentes (1954) e a lei de Perigo Social e Reabilitação (197), essas leis não foram revogadas até a década de 1980, onde viver como uma pessoa trans e as cirurgias de correção de gênero não foram mais incluídas na classificação dos crimes. Entretanto, apenas com a lei 3/2007 é que foi reconhecido formalmente o direito de alterar o nome e o sexo nos cartões de identificação espanhóis, trouxe dois benefícios significativo, onde antes precisava-se envolvimento estrito com processos judiciais (FERNÁNDEZ-ROUCO, CARCEDO e YEADON-LEE, 2018).
Trazendo esse contexto para o Brasil, só em 2011, que o Ministério da Saúde institucionalizou a implementação da Política Nacional de Saúde Integral LGBT, onde a identidade de gênero e orientação sexual são considerados determinantes sociais de saúde, objetivando qualidade no atendimento e um serviço de saúde mais equânime para as pessoas LGBT em geral. Antes, no ano de 2009, foi possível que usuários(as) do SUS utilizassem seu nome social nas unidades de atendimento, direito garantido pela Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde. Porém, especificamente para o cuidado com a comunidade trans os avanços vieram respectivamente no ano de 2013 e 2016, com a portaria 2.803/2013, que redefine e amplia o Processo Transexualizador no Brasil e com o livro “Transexualidade e Travestilidade na Saúde”, publicado pelo ministério da saúde, que objetiva contribuir para a eliminação da discriminação e do preconceito institucional, buscando estruturar uma linha de cuidado, desde a Atenção Básica à especializada, livre de discriminação em todos os níveis de atenção (ROSA et al., 2019).
Em relação aos processos relacionados à população trans e à política de saúde LGBT no Brasil, é necessário entender que a transexualidade é abrangida por diferentes regulamentações, pois trazem uma visão holística da saúde para essa população, visam reconhecer a necessidade e muita das vezes incompreensibilidade do processo transexualizador, que envolve demandas de média a alta complexidade nas diferentes esferas da saúde (REIS e PEREIRA, 2022).
Entretanto, mesmo após anos de luta todos esses direitos ainda enfrentam dificuldades para serem implementados e garantidos o acesso, um exemplo, é o nome social, que ainda hoje é invisibilizado e desrespeitado socialmente ocasionando em barreiras no acesso da pessoa trans aos serviços de saúde e as políticas vigentes (GOMES et al., 2022).
4.3 Aplicação das políticas públicas de saúde
As configurações de vulnerabilidade nas quais um grupo ou indivíduo se tornam suscetíveis ao adoecer devem ser levadas em consideração no trabalho em promoção da saúde. A vulnerabilidade se mostra em três níveis, que são eles o individual (valores, atitudes, relacionamentos), o social (referências culturais, transgeracionalidade, emprego, suporte social, lazer) e o programático (políticas públicas, governabilidade, acesso aos serviços). Inseridas nesse contexto as pessoas transexuais perpassam os três segmentos, as barreiras enfrentadas até o acesso dos serviços comunitários e institucionais, se apresentam como limitantes na aplicação de políticas públicas de saúde efetivas (GUTIERRES e LORDELLO, 2020).
As principais dificuldades enfrentadas na aplicação das políticas nas instituições, sejam elas públicas ou privadas, vem do julgamento moral evidenciado pela resistência de profissionais em usarem os nomes sociais, assim como gestos, olhares e falas discriminatórias que partem de quem deveria estar prestando a atenção em saúde a ela. Tornando as pessoas trans receosas em frequentar serviços de saúde, onde muitas das vezes o ambulatório torna-se porta de entrada ao invés da atenção básica (ROSA et al., 2019; OLIVEIRA e ROMANINI, 2020).
As adversidades encontradas no atendimento e atitudes profissionais não inclusivas vão de encontro ao que é preconizado pela Política Nacional de Humanização (PNH), onde os serviços de saúde deveriam prezar pela singularidade e promover a inserção sociocultural dos sujeitos, garantindo assim um acesso pleno à saúde. O atendimento desses serviços deve primar pela resolutividade e por um acolhimento efetivo e de qualidade, e não em um ambiente segregador (GOMES et al., 2022).
Ainda que no Brasil a saúde seja um direito universal e dever do Estado, e que nesse meio tempo a comunidade Trans tenha conquistado um conjunto de leis e políticas públicas específicas às suas demandas, o processo de aplicação ainda necessita da quebra de alguns paradigmas, permanece a necessidade de atuar contra a discriminação nas práticas assistenciais e relações institucionais no âmbito da saúde (GUIMARÃES et al., 2020).
É essencial para aplicação das políticas públicas a ampliação do conhecimento sobre o tema, sobretudo, no que diz respeito sobre as diferentes identidades de gênero, a fim de garantir ao profissional de saúde ferramentas de trabalho que propiciem o acesso integral da população. A educação permanente e a promoção da saúde são caminhos fundamentais e podem ser empregadas em processos simples, mas que trazem efetividade aos serviços ofertados, como por exemplo o conhecimento da importância e a utilização do nome social ou a apropriação dos conhecimentos inseridos no curso “Políticas de Saúde LGBT”, ofertada pela a Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS) de forma online (ROSA et al., 2019; GUIMARÃES et al., 2020).
Outros caminhos para a implementação plena das políticas públicas de saúde para a comunidade trans é o aprimoramento do processo transexualizador, bem como a universalização do mesmo, trazendo também acesso à informação, através de investimentos no campo da pesquisa. Vale salientar que a inclusão dos campos “identidade de gênero” e “orientação sexual” nos formulários e prontuários e sistemas do SUS seriam de suma importância para trazer equidade aos serviços de saúde (OLIVEIRA e ROMANINI, 2020).
Tendo em consideração todos os achados, a figura a seguir traça uma esquematização em três passos nos quais os cuidados devem ser embasados onde se inicia com a apropriação do conhecimento através da educação permanente e segue para o conhecimento das demandas específicas e gerais e então a promoção de saúde para a comunidade trans.
Fonte: Autor, 2022.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio da metodologia aplicada neste estudo, foi possível elencar que apesar da evolução das políticas públicas de saúde voltadas para as pessoas transexuais, sua aplicação nos serviços de saúde não é o suficiente para um atendimento eficiente e eficaz que satisfaça as necessidades específicas dessa população. Isso se dá por variados fatores que vão desde patologização dos corpos trans e perpassa o pouco incentivo para estudo na academia. Os debates precisam ser aprofundados trazendo a pessoa trans para o foco das discussões, buscando visibilidade para linhas de cuidado que sejam coerentes com as reais necessidades desse segmento populacional.
A estigmatização dos corpos trans ainda é um paradigma a ser quebrado, isso ocorre pela dificuldade de encontrar profissionais que estejam preparados para atender as demandas específicas desta população. A atual situação nos mostra que as questões referentes ao estudo de gênero ainda são pouco abordadas na formação profissional, e quando abordadas, são realizadas de forma rasa e que reforçam estereótipos difundidos na sociedade, como por exemplo, que a comunidade trans está ligada a infecções sexual transmissíveis ou apenas ao processo transexualizador, ocorrendo então um distanciamento entre o conhecimento acadêmico e as necessidades reais desta população.
Desse modo, compreendemos que as ações de educação permanente são fundamentais para ampliação e aplicação das políticas públicas de saúde, no sentido de preparar profissionais assistenciais e formadores que entendam as demandas específicas da comunidade trans, desenvolvendo tecnologias leves que levem em conta as singularidades do sujeito a qual está sendo prestado assistência, sendo livre de preconceito e discriminação. Por isso essas ações devem ser articuladas entre os serviços especializados em conjunto com atenção básica e com os profissionais agentes comunitários de saúde, pois são eles que mesmo desconhecendo muitas vezes a realidade e as políticas de saúde que prestam os primeiros contatos com a comunidade.
A partir do presente estudo foi possível observar a escassez de produção científica acerca das questões de gênero em conjunto às políticas públicas de saúde, o que reforça a necessidade de pesquisas sobre a temática para que possam subsidiar e estimular o desenvolvimento de ações que ampliem e apliquem as políticas vigentes. Portanto, produzir saúde é fundamental para que haja maior divulgação e acesso da comunidade trans às políticas de saúde e a cidadania que lhe é garantida por direito.
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2E-mail: valdirene@pesqueira.ifpe.edu.br
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3ana.sa@pesqueira.ifpe.edu.br
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4enf.samaraveras@gmail.com
0000-0001-5927-1030
5luanna.rocha.enf@gmail.com
0000-0002-1013-5609
6Judicleia.silva@belojardim.ifpe.edu.br
0002-8955-9729
7romina.araujo@belojardim.ifpe.edu.br
0000-0002-7779-1352
8e-mail silvana.santos@pesqueira.ifpe.edu.br;
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6649-0423
9claudia@pesqueira.ifpe.edu.br
https://orcid.org/0000-0002-6324-2002