REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11227681
Luiz Antônio de Oliveira1
Cinthia Silva Moura Neca2
Matheus Elias Fernandes3
Renato Afonso da Silva4
RESUMO
A formação ética dos estudantes de medicina vem sendo discutida cada vez mais e questionada na atualidade, devido aos avanços e desenvolvimento de novos procedimentos. A percepção de que o médico está cada dia mais distante do paciente, dando prioridade ao atendimento técnico da profissão. Este tem por objetivo através da revisão de literatura elucidar o ensino da ética e bioética.
Descritores: Ética. Formação. Medicina.
ABSTRACT
The ethical training of medical students has been increasingly discussed and questioned nowadays, due to advances and the development of new procedures. The perception that the doctor is increasingly distant from the patient, giving priority to the profession’s technical assistance. This aims, through literature review, to elucidate the teaching of ethics and bioethics
Descriptions: Ethics. Education. Bioethics.
1. INTRODUÇÃO
A proposta pedagógica foi baseada nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), (BRASIL, 2001), a qual apresenta como um de seus pressupostos a formação do profissional crítico e consciente de sua responsabilidade ética e política.
Partindo desse momento, pretende-se desenvolver o tema, historicamente da educação médica, a partir das políticas de saúde e educação, situando-se a dimensão ética contida nas DCN, enfatizando a importância da disciplina Bioética como eixo estruturante e favorecedor da implementação e efetivação do SUS (BRASIL, 2001).
Desta forma, foi considerada a Constituição Federal, que aponta que a educação tem como objetivos básicos o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988). Considerou-se também a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que favorece possibilidades de implementação de projetos pedagógicos inovadores, numa perspectiva de mudança na formação profissional tradicional e estabelece uma condição necessária de vinculação da educação escolar tanto com o mundo do trabalho quanto com a prática social (BRASIL, 1996).
Em consonância com as DCNs o curso de medicina tem por objetivo formar profissionais que contribuam para melhoria da saúde da população e do Sistema Único de Saúde (SUS), aptos a desenvolverem ações de promoção à saúde, assistência médica de qualidade, nas dimensões preventiva, curativa e de reabilitação, orientadas por princípios éticos e humanistas e pela noção de cuidado nas práticas de saúde, que se apóiam na reconstrução de intersubjetividades e na tecnologia. Além da competência técnica para o cuidado, com conhecimentos fundamentais nas áreas de cirurgia, ginecologia e obstetrícia, pediatria, clínica médica e saúde coletiva, esse profissional deverá desenvolver habilidades de comunicação, liderança e trabalho em equipe, capacidade crítica, raciocínio científico, compromisso com a vida e com a construção do sistema de saúde, no território onde se insere a universidade (PROJETO PEDAGÓGICO MEDICINA, 2007).
Nessa perspectiva, torna-se necessário reconhecer os conflitos éticos na prática profissional a fim de obter soluções propícias, respeitando e agindo eticamente. E é nesse ponto que existe a maior dificuldade, pois tais conflitos são cada vez mais evidentes na sociedade moderna, visto que os indivíduos estão mantendo relações profissionais e pessoais mais competitivas e desleais, agindo segundo os seus interesses, sendo necessário serenidade e responsabilidade para enfrentar tais desafios. Normalmente, julga-se o outro, mas reproduz-se, e sempre com justificativas, as mesmas condutas eticamente erradas, favorecendo a solidificação da falta do respeito e da verdade entre as pessoas. Isso geralmente ocorre porque os valores morais não estão suficientemente interiorizados para que se possa agir da forma considerada eticamente correta (GAUDENZI, 2004).
Sabe-se que o desenvolvimento científico e tecnológico influencia muito nas práticas de saúde, surgindo constantemente novos procedimentos e técnicas que acabam modificando a maneira de agir e de se relacionar dos profissionais e usuários. Em se tratando da ética dos profissionais da saúde, é sabido que esta é fundamentada através do seu ensino nas universidades, tendo como objetivo instituir no futuro profissional princípios e valores a fim de direcioná-los diante de situações propiciadoras de conflitos.
No entanto, em muitas instituições o ensino da ética é embasado na transmissão passiva e informal do professor para o aluno, através da observação das atitudes, dos valores e das práticas daquele pelo discente. Hoje, esse ensino não deve ser fundamentado apenas em observações de comportamentos, embora isto ainda aconteça, mas também na análise crítica de tais atitudes e de situações, transferindo para a realidade a deontologia e a reflexão, supostamente aprendidas na disciplina de ética, que conferem ao aluno a possibilidade de criar uma consciência e postura crítica e, portanto, preparada para os conflitos que poderão aparecer (ALMEIDA et al., 2008).
2. MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo, do tipo revisão integrativa de literatura, de caráter qualitativo. Segundo Souza, Silva e Carvalho (2010) a revisão integrativa é a mais ampla abordagem metodológica referente às revisões, permitindo a inclusão de estudos experimentais e não-experimentais para uma compreensão completa do fenômeno analisado.
As etapas da produção da presente revisão integrativa se constituem pela identificação da temática, questão norteadora, amostragem (seleção dos artigos), categorização dos estudos.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 HISTÓRIA DA BIOÉTICA
Em 1971 o oncologista e também bioquímico americano Van Rensselaer Potter citou, pela primeira vez, a palavra bioética cujo objetivo foi dar destaque à importância das ciências biológicas como garantidoras da qualidade de vida e sobrevivência não somente do homem, mas de todo o planeta.
O início da bioética foi marcado a partir de Potter, a exemplo de Porto e Garrafa (2011), os quais citam que “surgimento da bioética pode ser remetido, entre outras situações históricas, ao Tribunal de Nuremberg.” Mas é consenso que foi a partir da preocupação de Van Potter, que a bioética tomou os rumos hoje vistos.
A primeira que se citou bioética foi em 1927 por Jahr onde caracterizou como (Bio +ethik). Esse autor caracterizou a Bioética como sendo o reconhecimento de obrigações éticas, não apenas com relação ao ser humano, mas para com todos os seres vivos.
Na primeira fase, Potter estabeleceu a Bioética como Ponte no sentido de uma interface entre as ciências e as humanidades que garantia a possibilidade do futuro.
Segundo Hellegers , houve uma nova origem em 1970 por utilizar um termo que denominaria novos estudos que seria proposto naquele ano.
Posteriormente, no final da década de 1980, Potter enfatizou a característica interdisciplinar e abrangente da Bioética, denominando-a de global O seu objetivo era restabelecer o foco original da Bioética, incluindo, mas não restringindo, as discussões e reflexões nas questões da medicina e da saúde, ampliando as mesmas aos novos desafios ambientais.
Desde a conceitualização de Potter, a bioética vem sendo alvo de grandes estudos, levantando questionamentos relativos às ciências da vida, da saúde e meio ambiente, entre outros. Estes questionamentos são levantados a partir do avanço científico, que vão desde questões persistentes como aborto, transgênicos, doação de órgãos, como também questões recentes, a exemplo do acesso da população menos favorecida ás novas biotecnologias aplicadas á saúde. (SAAD HOSSNE, 2011).
A bioética se apresenta como a ciência da possibilidade de eixo epistemológico, norteador e estruturante da formação de recursos humanos em geral para atenção à saúde. A propósito do tema, há autores nacionais que creditam uma identidade “sanitária” à bioética brasileira, que na sua origem, quando se legitima como campo acadêmico, destaca sempre o interesse pelas questões de saúde pública.
3.2 PRINCÍPIOS DA BIOÉTICA
Bioética (ou ética da vida) no campo filosófico corresponde ao “estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão moral, decisões, condutas e políticas – das ciências da vida e atenção à saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas em um cenário interdisciplinar” (REICH, 1995). Nessa perspectiva, o cuidar implica não somente a execução da técnica, e sim, sensibilizar-se com o sujeito assistido e ter empatia pelo ato de cuidar. Tom L. Beauchamp e James F. Childress em 1979 publicaram o livro Principles of Biomedical Ethic (Princípios da Ética Biomédica) à luz da Teoria Principialista destacando os quatro princípios da Bioética: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça. Estes princípios abordam conflitos morais e dilemas éticos na saúde, norteando as práticas, decisões, procedimentos e discussões no tangente aos cuidados em saúde.
A autonomia refere-se ao direito que o indivíduo assistido possui sobre si, ou seja, o respeito à sua liberdade de escolha. Santos (1998) afirma que “o princípio da autonomia, denominação mais comum pela qual é conhecido o princípio do respeito às pessoas, exige que aceitemos que elas se autogovernarem, ou que sejam autônomas, quer na sua escolha, quer nos seus atos”. Esse princípio requer, por exemplo, que os profissionais de saúde respeitem a vontade do paciente, ou do seu representante, assim como seus valores morais e crenças.
A autonomia não anula a influência de terceiros, oferecendo ao ser humano a capacidade de refletir sobre qual a melhor decisão a ser tomada, sendo eticamente aceitável a violação deste direito quando o bem público se sobrepuser ao bem individual, estando este fundamentado na dignidade humana, respeitando a diversidade ético-social. No que se refere à assistência, essa, corresponde ao dever profissional de informar (da maneira mais clara possível) ao paciente sua situação de saúde, para que o mesmo entenda seu problema e seja capaz de tomar a decisão mais plausível. O profissional de saúde por estar em contato direto e constante com o paciente desenvolve um vínculo mais considerável com o mesmo, o que facilita a “aliança terapêutica” entre estes. “Respeitar a autonomia significa, ainda, ajudar o paciente a superar seus sentimentos de dependência, equipando-o para hierarquizar seus valores e preferências legítimas para que possa discutir as opções diagnósticas e terapêuticas” (LOCH, 2002).
A Beneficência, “do latim bonum facere, i.e., fazer o bem” (Ligeira, 2005) vincula-se ao dever profissional de promover o bem ao paciente por meio de suas ações em saúde, otimizando os benefícios e reduzindo os riscos e danos, cabendo ao profissional desenvolver sua competência para avaliar qual a conduta mais adequada para que o paciente seja assistido com excelência, minimizando os riscos em potencial. Beneficência está além da não maleficência, ou seja, não basta apenas não causar danos ao paciente, tem que se prover atitudes, práticas e procedimentos em benefício do outro.
“O princípio da Beneficência obriga o profissional de saúde a ir além da Não Maleficência (não causar danos intencionalmente) e exige que ele contribua para o bem estar dos pacientes, promovendo ações:
a) Para prevenir e remover o mal ou dano que, neste caso, é a doença e a incapacidade; e,
b) Para fazer o bem, entendido aqui como a saúde física, emocional e mental” (LOCH, 2002).
Justiça – A lei 8.080 de 19 de Setembro de 1990 dispõe: “Art. 2º – A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”.
Segundo Santos (1998), o princípio bioético da justiça visa “garantir a distribuição justa, equitativa e universal dos benefícios dos serviços de saúde”. Essa interpretação parte do que concerne à distribuição justa e igualitária dos recursos disponíveis para atender à demanda de serviços. Deve haver equidade na distribuição dos bens e respeito às individualidades, tornando esse princípio um desafio, uma vez que em muitos casos os profissionais não dispõem de recursos e condições para que todos os pacientes sejam assistidos de maneira equânime, ficando a cargo do mesmo a distribuição coerente e adequada destes recursos.
“A ética, em seu nível público, além de proteger a integralidade das pessoas objetiva evitar a descriminalização, a marginalização e a segregação social. Nesse contexto, o conceito de justiça deve fundamentar-se na premissa que as pessoas têm direito a um mínimo decente de cuidados com sua saúde” (LOCH, 2002 apud GRACIA 1998).
Não maleficência: De acordo com Beauchamp e Childress (2002) “O princípio de não maleficência determina a obrigação de não infligir dano intencionalmente”. Isso significa que os procedimentos técnico-assistenciais realizados pelo profissional não devem causar nenhum dano ao indivíduo assistido. Em determinadas situações o risco está aliado ao ato de efetuar um procedimento benéfico, o que conta a importância do princípio da não maleficência, uma vez que a intenção profissional é não causar prejuízos ao paciente. Nestes casos, o profissional deve pensar em outras manobras que ofereçam menos risco sem que a eficácia da ação seja reduzida, pautado na tradição hipocrática de “socorrer (ajudar) ou, ao menos, não causar danos”.
Conforme descrito na Lei nº 8.080/1990:
I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;
II – integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
III – preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;
IV – igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie.
Consubstanciado nesses quatro princípios fundamentais, infere-se que a Bioética é um dever explícito nas ações de saúde desenvolvidas pela equipe multiprofissional de saúde.
3.3 O PAPEL DA BIOÉTICA NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL
3.3.1 Deontologia e Bioética
A sociedade moderna assiste a um progresso tecnológico jamais imaginado, que ultrapassa as previsões dos mais perspicazes futurólogos. O extraordinário progresso técnico-científico, principalmente na área médica-biológica, e o avanço econômico-social, não são suficientes para deter no homem contemporâneo certa angústia, que o afasta de si, do outro e da auto-realização (COSTA et al., 1997).
Nesse contexto alguns termos se confundem como ética, deontologia e bioética.
Ética é um termo alusivo às várias formas de analisar e entender a vida moral. Já o termo moral refere-se às convenções sociais de certo ou errado sobre os comportamentos que formam o senso comum (BEAUCHAMP, CHILDRESS, 2002).
A ética se fundamenta em três pré-requisitos: a percepção dos conflitos, que é o primeiro passo para falar em ética; a autonomia e a coerência. Nesse sentido, entende- se “que o princípio fundamental da ética deve passar basicamente pelo respeito ao ser humano, como sujeito atuante e autônomo” (ITO et al., 2006).
Para que exista a conduta ética, é necessário que o agente seja consciente, quer dizer, que possua capacidade de discernir entre o bem e o mal (cabe observar agora que agir eticamente é ter condutas de acordo com o bem. Todavia, definir o conteúdo desse bem é problema à parte, pois é uma concepção que se transforma pelos tempos). A consciência moral possui a capacidade de discernir entre um e outro e avaliar, julgando o valor das condutas e agir conforme os padrões morais. Por isso, é responsável pelas suas ações e emoções, tornando-se responsável também pelas suas consequências (COSTA et al., 1997).
A Ética, como a Moralidade, não se situa no campo puramente apreciativo dos valores. A sociedade cria determinados valores e as ações humanas começam desde logo a se cristalizar em regras que se orientam pela obtenção e realização dos mesmos. A Ética se detém, sobretudo, na pesquisa e no estudo dos valores morais. Estes determinam o impulso moral e impelem à ação dos indivíduos. Somente aquelas atitudes e coisas que levam ao próprio aperfeiçoamento e ao bem comum do grupo é que possuem valor moral. Todas as vezes que o homem encontra um dilema, são os valores pró ou contra que vão determinar a sua escolha (COSTA et al., 1997).
O interesse pelos temas relativos à moral e, por conseguinte, à ética, existem há séculos, tendo sua origem no mundo grego antigo. Entretanto, o termo bioética, também denominado ética biomédica, juntamente com a disciplina que o designa, são novos (COSTA et al., 1997).
No que diz respeito à deontologia é o conjunto codificado das obrigações impostas aos profissionais de uma determinada área, no exercício de sua profissão. São normas estabelecidas pelos próprios profissionais, tendo em vista não exatamente a qualidade moral de suas ações, mas a “correção” das mesmas, tendo em vista a relação entre profissão e sociedade (D’ASSUMPUÇÃO, 1998; RAMOS et al., 2006). A Deontologia, enquanto conjunto de regras de conduta esteja mais voltada à moral que à ética. Neste sentido, os códigos deontológicos de castas profissionais, prima facie, ensejam o entendimento de representantes de determinada profissão, quanto em face de situações pertinentes às suas atividades, prescrevendo as condutas que entendam moralmente aceitas para aquelas situações específicas. Certamente que a apreciação ética da regra de conduta posta, a priori, fundamentaria o valor traduzido ou contido naquela norma (OLIVEIRA et al., 2009).
Já o termo Bioética surgiu em 1971, não objetivando repetir o que já existia na área médica, mas abrangendo todo o inter-relacionamento com as diferentes formas de vida que em última análise afeta profunda e decisivamente o Ser Humano (FIGUEIREDO et al., 2008).
O surgimento da bioética, desperta a atenção para a necessidade de uma abordagem transdisciplinar e holística sobre os aspectos éticos em saúde, ampliando o escopo das disciplinas de deontologia e ética para a consideração de outras questões que extrapolam simples aplicações práticas de conceitos éticos no campo profissional, além de abrir pontes para a reflexão sobre o futuro da humanidade (DANTAS et al., 2008; PEREIRA et al., 2010).
Apesar desta noção geral, diferentes interpretações e as formas como as profissões deram uso ao termo ainda são focos de discussão, principalmente quanto à denominação de ‘códigos de ética’ dada ao conjunto de regras normatizadoras, incluindo os direitos e deveres dos profissionais, quase sempre sem uma fundamentação em uma visão ou princípios éticos gerais, o que, segundo algumas críticas, se limitaria a um ‘código deontológico’.
No caso da medicina brasileira, a evolução histórica deste tipo de código revela não apenas o processo de sua atualização, mas também o modo de sua denominação, como se vê: Código de moral médica (1929); Código de deontologia médica (1931); Código de deontologia médica (1945); Código de ética da Associação Médica Brasileira (1953); Código de ética médica (1965); Código brasileiro de deontologia médica (1984); este último em vigor atualmente.
3.4 DOCUMENTOS E ACONTECIMENTOS RELEVANTES QUE INFLUENCIARAM O GÊNESE DA BIOÉTICA E SUA INSERÇÃO NAS GRADES CURRICULARES
O marco inicial sobre a discussão da ética na pesquisa em seres humanos é o Código de Nuremberg (1947) , é o primeiro documento internacional sobre o tema, surgido em face central são os direitos humanos. Trata-se de um conjunto de princípios éticos que regem a pesquisa com seres humanos, sendo considerado como uma das consequências dos Processos de Guerra de Nuremberg, ocorridos no fim da Segunda Guerra Mundial (BOCCATTO, 2007).
Outros documentos importantes para a Bioética foram a Declaração de Genebra (1948), que representou uma atualização da ética hipocrática e a Declaração de Helsinque (1964), que na realidade foi uma revisão do Código de Nuremberg. A declaração de Helsinque foi revisada em 1975 (Tóquio), em 1983 (Veneza), em 1989 (Hong Kong), em 1996 (Somerset West, República da África do Sul) e em 2000 (Edimburgo, Escócia). Na última revisão estabeleceram-se as normas para a pesquisa médica sem fins terapêuticos (BOCCATTO, 2007).
Os princípios gerais deste documento destacam o respeito pela pessoa, como sua autonomia e liberdade e o direito de autodeterminação para as pessoas carentes, vulneráveis ou dependentes; a beneficência, enquanto elevar ao máximo os benefícios e reduzir ao mínimo os danos, proibindo ações danosas deliberadas; a justiça, enquanto resguardo dos direitos da pessoa, em face de distribuição de ônus e benefícios. Neste documento, a pesquisa é definida como “ classe de atividade cujo objetivo é desenvolver ou contribuir para o conhecimento generalizável’’, em que impliquem estudos concernentes à saúde humana, ou seja, à “pesquisa biomédica’’.(MARCOS,1999)
Uma sequência de fatos na década de 1970 foi decisiva para a consolidação da Bioética como disciplina acadêmica entre os quais se destacam:
• a criação do primeiro instituto do mundo dedicado a Bioética em 1971 (Kennedy Institute of Ethics Universidade de Geogetown (EUA);
• a divulgação do Relatório de Belmont em 1978 e
• a publicação da primeira edição da enciclopédia de Bioética em 1978; a segunda, em 1995 e a terceira, em 2003 (FIGUEIREDO, 2009).
O relatório de Belmont foi um documento publicado pelo governo dos Estados Unidos da América em 1978, que definiu as bases éticas para a proteção dos seres humanos submetidos à pesquisa biomédica, onde são reconhecidos os princípios da beneficência, da justiça e a necessidade do consentimento pós–informação em respeito à autonomia dos sujeitos pesquisados (BELMONT, 1978).
Posteriormente, em 1979, Beauchamp e Childress acrescentaram um quarto princípio, o da não-maleficência. Esses quatro princípios Beneficência, maleficência, justiça , o da não-maleficência desencadearam uma discussão que acabou por ser denominada corrente principialista da Bioética (BOCCATTO, 2007).
No Brasil a corrente principalista é reforçada através da resolução nº 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que regulamenta as diretrizes e normas da pesquisa envolvendo seres humanos. A resolução visa assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado, e incorpora, entre outros, os quatro princípios básicos da Bioética: Beneficência, maleficência, não maleficência e justiça.
Devido aos avanços técnico-científicos e suas aplicações, o CNS criou ainda as resoluções nº 340/2004, que regulamenta a pesquisa em genética humana, e a nº 347/2005, que descreve sobre o armazenamento e utilização de material biológico humano no âmbito de projetos de pesquisa (BOCCATTO, 2007).
De acordo com as e atribuições conferidas pela Lei n º 8.080, de 19 de setembro de 1990, e pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, e Considerando o respeito pela dignidade humana e pela especial proteção devida aos participantes das pesquisas científicas envolvendo seres humanos; o desenvolvimento e o engajamento ético de acordo com a resolução 466/12 que regulamenta atualmente no Brasil (BRASIL, 2012).
A bioética foi definida como novo campo de conhecimento e aos poucos se torna tema central na formação acadêmica integrando a estrutura curricular como disciplina em diversos graus de formação, tanto na graduação como na Pós-Graduação, seja como disciplina específica ou inserida de forma transversal por meio de módulos em outras matérias (GARRAFA, 2000).
Com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em 1996, surge no Brasil a preocupação do Estado com a educação ética na formação superior. A instrução em Bioética direcionada ao ensino universitário encontra respaldo legal no art. 43 da LDB (Lei n. 9.394/96), que considera, entre as finalidades da Educação Superior:
I – Estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científica e do pensamento reflexivo;
II – Incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive (BRASIL, 1996).
À medida que a lei preconiza o desenvolvimento do espírito crítico e reflexivo ao lado do incentivo do desenvolvimento da ciência e da tecnologia entre as finalidades da Educação Superior, introduz a visão interdisciplinar da formação acadêmica. Neste ponto, afirma Azevedo que: […] já se percebe que médicos, biólogos, enfermeiros, etc., somente estarão preparados para o exercício profissional se, ao lado de competente formação técnica, também tiverem sido treinados para o reconhecimento de conflitos éticos análise críticas de suas implicações, uso de senso de responsabilidades e obrigação moral ao tomar decisões relacionadas à vida humana (AZEVEDO, 1998).
Desde o ano de 1996 até o ano de 2008, houve um aumento de 61% na oferta de cursos na área de saúde, aliado a isso, outro fato também contribuiu para a institucionalização da Bioética como disciplina acadêmica. As Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação da Saúde, a partir de 2001, passaram a recomendar o desenvolvimento de outras competências e habilidades na formação profissional. Nesse sentido, houve uma mudança no perfil da formação profissional na medida em que Bioética apareceu dentre os novos conhecimentos a serem adquiridos durante o processo de formação universitária (BRASIL 2001; BRASIL 2008).
Com base na publicação das primeiras Diretrizes Nacionais dos Cursos de Graduação na área da Saúde, a partir de 2001, numa análise preliminar com base nas diretrizes curriculares dos cursos da área da Medicina, Enfermagem, Farmácia, Biomedicina, Nutrição, Fonoaudiologia, entre outros, constatou-se que os princípios da Ética/Bioética tornaram-se requisitos indispensáveis para atender as características da formação generalista, humanista, crítica e reflexiva dos egresso-profissional (MEC, 2008).
Outras instâncias éticas de natureza internacional também preconizam a Educação em Bioética. O principal documento de referência é a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, adotada por aclamação por 191 países, em 19 de outubro de 2005, na 33° Sessão da Conferência Geral da UNESCO. Declara no art. 23 que: Para a educação em bioética alcançar uma melhor compreensão das implicações éticas dos avanços científicos e tecnológicos, em especial para os jovens, os Estados devem envidar esforços para promover a formação e educação em bioética em todos os níveis, bem como estimular programas de disseminação de informação e conhecimento sobre bioética (UNESCO, 2005).
Desse modo, fica claro que, para formação de qualquer profissional não basta a leitura dos Códigos de Ética. Eles são indispensáveis, evidentemente, já que estão relacionados com as dimensões regulamentadoras da conduta do agente – moralidade do agente –, mas as Diretrizes também reconhecem que os ensinamentos em Bioética são também fundamentais ao desenvolvimento das competências humanísticas, críticas e reflexivas porque introduz a preocupação com as dimensões dos atos – moralidade dos atos (FIGUEIREDO, 2009).
Conforme assinalam Rego, Palácios e Schramm: Pode-se dizer que a ética profissional tradicional, deontológica, diz respeito à moralidade do agente, ao passo que a bioética se refere a moralidade dos atos, reconhecendo que a complexidade dos dilemas e das relações sociais de nosso tempo não é passível de resolução por meio de princípios absolutos (REGO; PALACIOS, 2004).
3.5 A IMPORTÂNCIA DA BIOÉTICA NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL
O que se percebe é que a Bioética, como conteúdo/disciplina, está despontando nas estruturas convencionais da educação brasileira, cada dia mais garantindo seu espaço junto às universidades, em diversos cursos (PRADO et al., 2006).
As atuais transformações vivenciadas nas sociedades laicas e plurais contemporâneas têm tornado a bioética e a humanização temas centrais na educação médica. Num contexto globalizado, de informações rapidamente difundidas e de uma ciência cada vez mais complexa, os indivíduos têm que apresentar competências diversas das habitualmente exigidas, para que haja integração e exercício de um dado saber-fazer (REGO et al., 2008).
Podemos admitir que os princípios da Bioética sejam vistos pelos pesquisadores como demasiadamente teóricos, sendo, por isso, mais indicados para discussão em cursos formais de ética. Isto estaria em acordo com o que encontramos na literatura acerca dos cursos de
Ética , que devem apresentar ao estudante conceitos filosóficos críticos para o exercício da medicina baseado em princípios éticos, ajudando assim a desenvolver o componente cognitivo (sensibilidade e raciocínio) da conduta moral. Os outros dois temas (“exercício lícito e ilícito” e “Comissões de Ética e Conselhos de Medicina”) talvez sejam vistos como estritamente ligados à esfera legal e pouco discutido à questão prática( NARVÁEZ,1994)
3.6 O ENSINO DA BIOÉTICA NOS CURSOS DE SAÚDE
A bioética em cursos de graduação na área da saúde é extremamente importante para a formação do profissional, pois capacita o estudante a desenvolver uma visão crítica reflexiva, humanista com relação a si próprio e dos demais e diante das situações, condutas e decisões a serem estabelecidas. Estando apto ao exercício da atividade profissional com base no conhecimento técnico científico, de acordo com princípios éticos e legais e na compreensão da realidade social, cultural e econômica do meio, dirigindo a sua atuação para a transformação da realidade em benefício da sociedade. (ABENO, 2002).
A bioética surgiu em 1970 nos Estados Unidos sendo incorporada ao ensino nas Universidades de Ciências Biomédicas estadunidenses. Em seguida, na Europa em 1980, e em 1990 na Ásia. E em meados de 1990 nos países em desenvolvimento. No Brasil há aproximadamente 20 anos do ensino bioético nos cursos de graduação da área da saúde. (REICH, 1994).
O primeiro Instituto de Ensino Superior brasileiro a incorporar a disciplina bioética nos cursos da área da saúde foi a Universidade Católica (PUC) em 1988, no curso de pós-graduação em Medicina, tendo como objetivo preparar os profissionais da área médica a resolverem conflitos e ou dilemas éticos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1998).
O programa de ensino a bioética deve, apresentar algumas competências muito importantes dentre elas se destacam: Conhecimentos de dados históricos e dos desenvolvimentos recentes (o que se pensa e se pratica na atualidade), conhecimento de publicações em bioética, definição de noções básicas, esclarecimento das ambiguidades e do que está em jogo, conhecimentos de princípios regras e controvérsias, conhecimento das teorias éticas e das problemáticas da ética, conhecimento do mundo da saúde, sensibilização com o concreto da clínica, sensibilização com os sofrimentos dos doentes e aos que se aplicam aos tratamentos, aptidão à escuta e ao diálogo, habilidade para analisar casos, para refletir eticamente, e capacidade para tomar decisões (DURAND, 2010).
A ética prioriza e valoriza os direitos humanos, a liberdade e a igualdade, a solidariedade, determinando o diálogo como o meio para lidar com os conflitos morais. (CORTINA, 2003).
A ética na formação profissional é contextualizada no processo de “formação profissional” remete ao ensino da aprendizagem, caracterizando o ensino aprendizagem e vivência da ética em bases não deontológicas, tendo como responsabilidade a transmissão de valores humanizadores. Em outras palavras, é tudo aquilo que determina ou contribui para que o estudante reflita, aja e reaja a situações profissionais de determinada forma ou com padrão de atitudes. (DUBAR, 2005).
O ensino da ética apresenta limites e possibilidades, justos ou tolerantes não nos tornamos a partir da leitura, mas sim a partir das ações justas e tolerantes. Neste caso, a educação possui limites quanto à capacitação moral dos estudantes, pois os alunos já trazem consigo as marcas da formação anterior e, além disso, recebem a influência das atividades extracurriculares no meio familiar e no ciclo de amizade. Responsabilizar a instituição de ensino por todas as falhas do aluno significa desconhecer os limites da educação. (HOFFE, 2004).
A “função do docente” é ser ponte entre o conhecimento disponível, e as estruturas intelectuais e afetivas dos alunos. Os professores são modelos de referência para os alunos, com relação às suas habilidades técnicas, quanto a sua postura ética nas situações cotidianas e atendimento às pessoas. (GONÇALVES, 2005; FINKLER, 2009).
Ao observar o professor, o estudante assimila a sua conduta, portanto é responsabilidade do professor contribuir para a formação ética do aluno (GONÇALVES, 2005; FINKLER, 2009).
Assim o ensino da ética/bioética em uma disciplina específica ministrada por um professor habilitado pode contribuir para a formação ética dos graduandos. Ressalta- se a importância do envolvimento de todo corpo docente do curso, uma vez que os mesmos são responsáveis pelo aprendizado e construção da competência política e ética dos futuros profissionais da área da saúde. (FIGUEIREDO, 2009).
Como disciplina autônoma a bioética vem sendo incluída na grade curricular de diversos cursos, e inserida como linha de pesquisa de vários programas de pós-graduação lato sensu e stricto sensu. (FIGUEIREDO, 2009).
Estudos desenvolvidos por Figueiredo(2011), em seu doutorado na área médica da Universidade Pontifícia Católica (PUC), em Porto Alegre, avaliou cursos de lato sensu e stricto sensu na grande área das Ciências da Saúde registrado pela Capes. Sendo avaliados 691 cursos, e apenas 163 cursos possuem a Bioética inserida na grade curricular dos cursos, o perfil profissional dos professores, onde a predominam médicos, sexo masculino, e a minoria possuiam especialização na área ética, bioética ou filosofia.
O estudo de acordo com os resultados demonstrou a necessidade do aprimoramento profissional dos professores em Bioética, a realização de mestrados e doutorados na área ética e bioética além da participação em Comitês de Ética e Pesquisa (FIGUEIREDO, 2011).
O professor em bioética, de acordo com as novas orientações pedagógicas, deve ser um profissional com formação básica multidisciplinar, como filósofos, teólogos, advogados, médicos, enfermeiros, farmacêuticos, com diferentes saberes e experiências, e pós-graduação em ética, bioética e filosofia. Sendo importante experiência prática em bioética, com a participação em Comitê de Ética como coordenador ou membro (SIQUEIRA, 2000; MUNOS, 2003).
A bioética é um método ético – filosófico, tornando- se necessário que o professor de bioética faça uma análise de suas características pessoais tais como: capacidade dialógica e a não imposição de convicções pessoais. (GUERRA, 2007).
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1Faculdade Santa Casa De Bh. psicoluizoliveira@gmail.com
2Centro universitário uma-Divinópolis-MG. cinthia.neca@prof.una.br
3Faculdade Anhanguera Divinópolis. dr.matheuselias2@gmail.com
4Centro universitário Estácio de sá BH. dr.matheuselias2@gmail.com