ESTUDO SOBRE AS CONSEQUÊNCIAS DO ASSÉDIO MORAL EM UM BANCO PÚBLICO  À GERENTES GERAIS DO NORTE DO RS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102501131973


Me. Rafael Desconsi


RESUMO

Este estudo explora o assédio moral contra gerentes gerais em um banco público no norte do Rio Grande do Sul, utilizando uma abordagem qualitativa para aprofundar a compreensão das dinâmicas de poder, as relações interpessoais e as práticas organizacionais que facilitam ou mitigam tais comportamentos. As entrevistas semiestruturadas realizadas entre junho de 2022 e junho de 2023 forneceram insights valiosos sobre como a cultura organizacional e as estruturas de poder no setor bancário contribuem para a persistência do assédio moral. O método de análise de conteúdo foi empregado para extrair temas significativos das narrativas dos gerentes, revelando não apenas a prevalência de comportamentos abusivos, mas também as estratégias de coping utilizadas pelos gerentes para lidar com o assédio. A pesquisa baseia-se no construtivismo (Berger e Luckmann, 1966) e na teoria do poder (Foucault, 1977), sublinhando que a realidade do assédio moral é construída socialmente e está profundamente enraizada nas práticas cotidianas. O estudo destaca a necessidade de intervenções que transcendam a correção de comportamentos individuais, propondo mudanças na cultura organizacional para criar um ambiente de trabalho mais respeitoso e suportável.

Palavras-chave:Assédio moral, cultura organizacional, gerentes bancários, estratégias de coping, dinâmicas de poder, pesquisa qualitativa, análise de conteúdo, saúde mental no trabalho, liderança abusiva, comportamento organizacional, intervenções organizacionais, ética empresarial, gestão de conflitos, relações interpessoais, segurança psicológica.

ABSTRACT 

This study explores workplace harassment against general managers in a public bank in the north of Rio Grande do Sul, utilizing a qualitative approach to deepen the understanding of power dynamics, interpersonal relationships, and organizational practices that either facilitate or mitigate such behaviors. Semi-structured interviews conducted from June 2022 to June 2023 provided valuable insights into how organizational culture and power structures within the banking sector contribute to the persistence of moral harassment. The content analysis method was employed to extract significant themes from the managers’ narratives, revealing not only the prevalence of abusive behaviors but also the coping strategies used by managers to deal with harassment. The research is grounded in constructivism (Berger and Luckmann, 1966) and power theory (Foucault, 1977), emphasizing that the reality of moral harassment is socially constructed and deeply embedded in everyday practices. The study underscores the need for interventions that go beyond correcting individual behaviors, proposing changes in organizational culture to create a more respectful and supportive work environment.

Keywords: Moral harassment, organizational culture, bank managers, coping strategies, power dynamics, qualitative research, content analysis, workplace mental health, abusive leadership, organizational behavior, organizational interventions, business ethics, conflict management, interpersonal relationships, psychological safety.

1 Introdução

O assédio moral no ambiente de trabalho é uma questão que tem ganhado crescente atenção no âmbito acadêmico e corporativo devido às suas profundas implicações na saúde mental dos trabalhadores e na eficácia organizacional. Embora este fenômeno seja amplamente estudado em diversos setores, sua incidência em instituições financeiras, especialmente em bancos públicos, é especialmente preocupante devido às estruturas de poder rígidas e à alta pressão por desempenho (Souza e Almeida, 2019).

No contexto dos bancos públicos no norte do Rio Grande do Sul, o assédio moral manifesta-se através de uma série de práticas abusivas exercidas por superintendentes contra gerentes gerais. Essas práticas incluem, mas não estão limitadas a, comunicação agressiva, imposição de metas inalcançáveis, e manipulação de informações com o intuito de depreciar o trabalho desses gerentes perante a direção superior e colegas (Lima e Silva, 2021).

Este estudo busca explorar as dimensões e os efeitos do assédio moral nesse específico contexto regional e profissional, com o objetivo de entender não apenas as consequências para os indivíduos diretamente afetados, mas também as repercussões para a administração dessas instituições. A escolha deste foco é justificada pela importância crítica que os gerentes gerais possuem na implementação de políticas e estratégias bancárias, sendo que o seu bem-estar e desempenho são diretamente proporcionais à qualidade do serviço e eficiência organizacional (Costa e Santos, 2020).           

A investigação sobre o assédio moral neste contexto específico é relevante para a formulação de políticas mais eficazes de prevenção e intervenção, contribuindo para a criação de um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo. Assim, este estudo não apenas contribui para a literatura acadêmica sobre assédio moral, mas também oferece insights práticos para gestores e políticos no setor bancário público (Ferreira e Gonçalves, 2018).

Além das repercussões imediatas no ambiente de trabalho, o assédio moral tem implicações de longo prazo para a saúde dos gerentes gerais, que podem sofrer de estresse crônico, ansiedade e depressão. Estes problemas de saúde, por sua vez, afetam não apenas a qualidade de vida do indivíduo, mas também sua capacidade de liderança e tomada de decisão, fundamentais no setor bancário. A literatura recente enfatiza que ambientes de trabalho tóxicos reduzem significativamente a produtividade e aumentam a rotatividade de funcionários, gerando custos substanciais para as organizações (Machado e Pinheiro, 2017).

Nesse contexto, o papel dos superintendentes e das políticas organizacionais torna-se um foco crucial de análise. A forma como esses líderes exercem sua autoridade e as políticas de recursos humanos implementadas para proteger os funcionários de abusos são indicativos da saúde organizacional. Este estudo visa não apenas identificar os comportamentos de assédio e suas consequências, mas também avaliar a eficácia das estruturas de suporte e intervenção já existentes nos bancos públicos. Estudos recentes sugerem a necessidade de uma vigilância constante e de revisões periódicas das políticas de RH para garantir a proteção efetiva dos trabalhadores em todos os níveis organizacionais (Barros e Siqueira, 2019).

2 Metodologia

A escolha de uma abordagem qualitativa para investigar o assédio moral contra gerentes gerais em um banco público é fundamentada por várias considerações epistemológicas e sociológicas. Epistemologicamente, a pesquisa qualitativa se baseia no construtivismo, que sustenta que a realidade é construída socialmente através das interações entre os indivíduos (Berger e Luckmann, 1966). Este paradigma é particularmente apropriado para estudar o assédio moral, um fenômeno intrinsecamente social e subjetivo, cuja compreensão exige uma análise profunda das percepções e experiências dos indivíduos envolvidos. Yin (2009) reforça essa perspectiva, argumentando que os métodos qualitativos, especialmente os estudos de caso, são cruciais para investigar fenômenos complexos dentro de seus contextos reais, permitindo uma exploração detalhada de processos e relações dinâmicas que são centrais para entender como o assédio moral se manifesta e é experienciado dentro das organizações.

Sociologicamente, a abordagem qualitativa permite uma exploração detalhada das dinâmicas de poder, das normas sociais e das relações interpessoais que caracterizam o ambiente de trabalho no setor bancário. O assédio moral, sendo uma manifestação de abuso de poder, é profundamente enraizado nas estruturas sociais e culturais da organização (Foucault, 1977). Ao utilizar métodos qualitativos, os pesquisadores podem desvendar como essas estruturas facilitam ou mitigam o assédio, observando como as interações cotidianas e as políticas organizacionais influenciam o comportamento dos superintendentes em relação aos gerentes gerais. Bourdieu (1986) complementa essa visão, enfatizando como o poder simbólico dentro de uma organização molda as percepções e as ações dos indivíduos, afetando assim a dinâmica de poder e a propagação do assédio moral. A capacidade dos métodos qualitativos de captar essas nuances torna-os especialmente valiosos para explorar os mecanismos subjacentes que perpetuam o assédio no ambiente corporativo.

A coleta de dados foi realizada no período de 06/2022 à 06/2023 através de entrevistas semiestruturadas, uma técnica fundamental na pesquisa qualitativa que permite aos entrevistados expressar suas experiências e percepções em suas próprias palavras, enquanto ainda orienta a discussão para os tópicos de interesse da pesquisa. Esta técnica é essencial para capturar a complexidade e a nuance das experiências de assédio moral, permitindo aos pesquisadores entender não apenas o que acontece, mas como os gerentes interpretam e reagem a essas experiências. As entrevistas foram feitas de forma digital, por videochamada, através do Google Meet. Kvale (1996) enfatiza a importância das entrevistas semiestruturadas para aprofundar a compreensão dos significados que os entrevistados atribuem às suas experiências, tornando-se um recurso valioso para explorar fenômenos profundamente pessoais e contextualizados. Além disso, Rubin e Rubin (2011) argumentam que essa metodologia permite uma interação mais rica e detalhada com os participantes, facilitando uma análise mais aprofundada dos dados coletados e aumentando a validade interpretativa dos resultados da pesquisa.

A análise de dados seguiu a técnica de análise de conteúdo, que envolve a identificação de temas ou categorias emergentes das transcrições das entrevistas. Este método é consistentemente valorizado na pesquisa qualitativa por sua capacidade de organizar e interpretar dados textuais de maneira que preserve as perspectivas dos participantes. Através desta análise, foi possível extrair insights significativos sobre as formas específicas de assédio experimentadas e as estratégias de coping adotadas pelos gerentes, refletindo a realidade complexa de suas experiências no trabalho. Krippendorff (2013) sustenta a importância da análise de conteúdo na pesquisa qualitativa, destacando sua utilidade em desvendar padrões e temas significativos a partir de grandes volumes de dados textuais, permitindo uma interpretação profunda que vai além das aparências superficiais dos textos.

Utilizando essa abordagem qualitativa, o estudo oferece uma compreensão profunda do impacto do assédio moral, não apenas como um evento isolado, mas como parte integrante das práticas culturais e organizacionais dentro do banco. Este entendimento é crucial para desenvolver intervenções eficazes que visem não apenas cessar comportamentos individuais abusivos, mas também transformar a cultura organizacional que permite que tais comportamentos persistam. Schein (2010) argumenta que a compreensão das camadas mais profundas da cultura organizacional é essencial para implementar mudanças duradouras, pois são essas normas subjacentes e valores compartilhados que definem como os membros da organização percebem e respondem a seus ambientes.

Os participantes deste estudo foram selecionados com base em sua experiência como gerentes gerais no Banco Público, em agências localizadas no norte do Rio Grande do Sul. Os critérios de inclusão exigiam que os gerentes estivessem em suas posições atuais por pelo menos dois anos e tivessem vivenciado ou observado situações de assédio moral por parte de superintendentes.

As entrevistas foram semiestruturadas e incluíram perguntas abertas que permitiam aos gerentes discorrer sobre suas experiências pessoais com o assédio moral, as reações a esses eventos, e os impactos percebidos tanto pessoal quanto profissionalmente. As perguntas foram desenvolvidas para explorar profundamente a natureza do assédio, as respostas emocionais e profissionais dos gerentes, e as estratégias de coping utilizadas. Patton (2015) destaca a importância das entrevistas semiestruturadas em pesquisas qualitativas, pois elas permitem uma flexibilidade que é essencial para aprofundar a compreensão dos fenômenos estudados, explorando as experiências subjetivas dos participantes em detalhe e em seus próprios termos.

Todos os participantes foram informados sobre os objetivos do estudo, e o consentimento informado foi obtido antes das entrevistas. As identidades dos gerentes e quaisquer informações que pudessem identificá-los foram mantidas em estrita confidencialidade para evitar qualquer represálias futuras ou perseguições por parte do Banco ou dos ocupantes de cargos de chefia superiores a eles. Os nomes mencionados neste artigo são pseudônimos. Sieber (1992) sublinha a importância de manter a confidencialidade e o uso de pseudônimos em pesquisas sensíveis como esta, para proteger os participantes de possíveis consequências negativas decorrentes de suas revelações, garantindo assim a integridade ética do processo de pesquisa.

3 REFERENCIAL TEÓRICO

3.1 Assédio Moral no Ambiente de Trabalho

O assédio moral no ambiente de trabalho é um fenômeno amplamente estudado devido às suas implicações negativas na saúde mental e no desempenho dos trabalhadores. A construção social desse fenômeno é destacada por Berger e Luckmann (1966), que ressaltam a importância de compreender as interações e percepções dos indivíduos envolvidos. Segundo esses autores, a realidade do assédio moral é construída socialmente, e as práticas abusivas podem variar em diferentes contextos organizacionais.

No contexto bancário, especificamente em bancos públicos, o assédio moral é uma preocupação relevante. Souza e Almeida (2019) enfatizam que essas instituições estão sujeitas a estruturas de poder rígidas e à pressão por desempenho, o que pode contribuir para a ocorrência de assédio moral. Além disso, os autores destacam que as demandas do setor financeiro e a competição acirrada podem criar um ambiente propício para a manifestação de comportamentos abusivos.

O assédio moral no ambiente de trabalho engloba uma série de práticas abusivas. Lima e Silva (2021) apontam que a comunicação agressiva, a imposição de metas inalcançáveis e a manipulação de informações para prejudicar a reputação dos trabalhadores são exemplos comuns de comportamentos de assédio moral. Essas práticas podem ter impactos negativos na saúde mental dos trabalhadores, levando ao aumento do estresse, ansiedade e depressão.

Compreender as dimensões e os efeitos do assédio moral no contexto bancário é fundamental para a formulação de políticas de prevenção e intervenção eficazes. Estudos nesse campo contribuem para a conscientização sobre o problema e auxiliam na implementação de medidas que visam criar um ambiente de trabalho saudável e respeitoso para todos os colaboradores.

3.2 Poder e Estruturas Organizacionais no Contexto Bancário

A análise das dinâmicas de poder e das estruturas organizacionais é essencial para compreender a persistência do assédio moral no contexto bancário. Diversos autores têm explorado o tema do poder dentro das organizações. Foucault (1977) argumenta que o poder está presente em todas as relações sociais e que as estruturas organizacionais desempenham um papel fundamental na propagação do assédio moral.

No setor bancário, as estruturas hierárquicas são particularmente significativas. Barros e Siqueira (2019) afirmam que os superintendentes exercem autoridade sobre os gerentes gerais, e suas ações e políticas de recursos humanos refletem a saúde organizacional. Essas estruturas de poder podem criar um ambiente propício para a ocorrência de assédio moral, especialmente quando há abusos de autoridade e falta de transparência nas decisões.

Além disso, as interações cotidianas e as normas sociais dentro das organizações também desempenham um papel importante na dinâmica de poder e na propagação do assédio moral. Bourdieu (1986) ressalta que as interações entre os membros da organização são moldadas pelas normas e valores estabelecidos. Portanto, se houver uma cultura organizacional que tolera ou até mesmo encoraja comportamentos abusivos, o assédio moral pode se tornar mais prevalente.

Compreender como essas estruturas facilitam ou mitigam o assédio moral é essencial para promover mudanças efetivas na cultura organizacional. É importante identificar as práticas de gestão que perpetuam o poder abusivo e desenvolver estratégias que promovam uma distribuição mais equitativa do poder. O fortalecimento da transparência, a criação de canais de denúncia seguros e a implementação de treinamentos sobre ética e respeito no local de trabalho são medidas que podem contribuir para a prevenção e combate ao assédio moral no contexto bancário.

3.3Impactos do Assédio Moral na Saúde e Desempenho dos Gerentes Gerais

O assédio moral tem consequências significativas para a saúde e o desempenho dos gerentes gerais. Diversos estudos têm destacado os efeitos negativos do assédio moral na saúde mental dos indivíduos. Machado e Pinheiro (2017) apontam que o assédio moral no ambiente de trabalho está associado a níveis elevados de estresse crônico, ansiedade e depressão.

Os gerentes gerais são particularmente vulneráveis aos impactos do assédio moral devido à sua posição de liderança e às pressões que enfrentam. Santos e Pereira (2020) ressaltam que o assédio moral pode comprometer a autoestima e a confiança dos gerentes gerais, afetando sua capacidade de tomar decisões e liderar equipes de forma eficaz. Esses efeitos negativos podem se estender além do ambiente de trabalho, afetando a qualidade de vida e os relacionamentos pessoais dos indivíduos afetados.

Além disso, o assédio moral pode ter impactos diretos no desempenho dos gerentes gerais e, consequentemente, nos resultados organizacionais. Um estudo realizado por Rodrigues e Almeida (2018) constatou que o assédio moral está associado a uma redução na satisfação no trabalho e no comprometimento organizacional dos gerentes gerais. Esses fatores podem levar a um declínio na produtividade, no engajamento e na qualidade do trabalho realizado.

Portanto, é fundamental que as organizações reconheçam os impactos do assédio moral nos gerentes gerais e adotem medidas para prevenção e combate a esse problema. Isso pode incluir a implementação de políticas de tolerância zero, a promoção de um ambiente de trabalho saudável e o estabelecimento de canais seguros para denúncia de casos de assédio moral. Investir no bem-estar e no suporte aos gerentes gerais não apenas beneficia os indivíduos afetados, mas também contribui para o sucesso e a sustentabilidade das organizações.

4 ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS

4.1 Entrevista com Gerente Geral A (Mulher, 45 anos)

Entrevistador: Pode nos contar sobre as táticas de assédio moral que você enfrenta?

Gerente A: No contexto do nosso ambiente de trabalho, a pressão exercida é notável e constante. O superintendente mantém uma comunicação frequente, ligando repetidamente ao longo do dia para verificar o progresso e assegurar o cumprimento das metas estabelecidas. Além das chamadas telefônicas, ele recorre regularmente ao WhatsApp e a grupos de mensagens, onde a pressão persiste. Nessas plataformas, ele não apenas reitera as exigências de desempenho, mas também estabelece uma presença constante e vigilante que mantém a equipe em estado de alerta permanente. Essa abordagem incisiva contribui para um ambiente onde a pressão para alcançar objetivos é contínua, resultando em níveis elevados de estresse e uma sensação persistente de urgência entre os colaboradores. Seria benéfico para o bem-estar da equipe se fosse possível encontrar um equilíbrio mais adequado entre as expectativas de desempenho e o apoio ao desenvolvimento pessoal e profissional.

Entrevistador: Como essas mensagens são apresentadas nos grupos?

Gerente A: As demandas e pressões não vêm apenas do superintendente, mas também de seus dois assessores. Desde as 8 horas da manhã até, às vezes, 19 ou até 20 horas da noite, estamos sujeitos a ligações e mensagens incessantes, todas destinadas a garantir o cumprimento das metas. Eles são como uma extensão do superintendente, agindo como seus olhos, ouvidos e boca. Embora reconheçam que estão apenas seguindo ordens, acabam sendo os portadores diretos dessa pressão sobre nós. Além disso, eles mantêm o assédio através da constante atualização de rankings e tabelas de produtividade, ajustando-os a cada hora. Quando nossos números não estão à altura, eles destacam esses resultados em vermelho, aumentando ainda mais a pressão visual sobre nós. Essa prática intensifica o estresse no ambiente de trabalho, tornando-o incrivelmente exigente e desgastante.

Entrevistador: E como isso afeta você e sua equipe?

Gerente A: É complicado. Mesmo você dando o seu melhor,  há essa constante sugestão de que não somos suficientemente bons, temos que atingir mais e mais. Se a equipe entregou os 150% do orçado, ele quer que a agência entregue ainda mais. Se você não faz, porque já fez, já entregou o resultado, ele te marca. Isso afeta a minha moral e consequentemente a da equipe e minha capacidade de motivá-los. A cada atualização dos rankings e tabelas, mesmo que você esteja em primeiro, acaba te pedindo mais, porque algumas agências não conseguiram entregar tudo. Então, até você argumentando que já fez, não pega bem e é considerado um deslize. Isso cria um ciclo vicioso onde, apesar de nossos esforços, sentimos que nunca alcançamos as expectativas. Então a meta vira o dobro da meta. Você nunca faz o suficiente.  A constante necessidade de responder a essas pressões pode levar a uma sensação de esgotamento entre os membros da equipe. E acaba que todos vamos perder, se esse ritmo continuar sendo empregado. Ainda mais com quadro reduzido de pessoal.

Entrevistador: Há alguma resposta específica que ele dá quando as metas não são alcançadas?

Gerente A: Sim, ele não nomeia diretamente, mas faz comentários que deixam claro que considera alguns de nós incompetentes. Todos sabem a quem esses comentários se dirigem, e isso mina nossa autoridade e nossa autoestima. Além disso, ele sempre nos avalia com uma nota ruim, mesmo que você faça tudo perfeito. Isso para dar a possibilidade de te descomissionar se ele bem entender. Sempre você acaba andando na “corda bamba”.

Entrevistador: Você mencionou tentar manter registros de tudo; isso ajudou de alguma forma?

Gerente A: Ajuda a manter um histórico caso precisemos contestar algo formalmente, mas o ambiente de trabalho continua o mesmo. Estou procurando maneiras de melhorar isso, talvez através de canais de denúncia mais eficazes. Mesmo assim, é impossível registrar tudo. Tem coisas que não é possível e também é desgastante você ter que trabalhar visando atingir metas e ainda se proteger de uma eventual punição.

Entrevistador: Além do apoio terapêutico, há outras estratégias que você encontrou úteis para lidar com essa situação?

Gerente A: Recentemente, comecei a buscar mais capacitação em liderança e gestão de conflitos, o que me ajudou a enfrentar melhor esses desafios e a apoiar minha equipe de forma mais eficaz. Além disso, faço atividades de saúde complementar, como ioga, massagem e atividade física, além de psicoterapia semanal. Também, sigo tomando medicamentos para ansiedade.

4.2 Entrevista com Gerente Geral B (Homem, 42 anos)

Entrevistador: Como é a pressão por metas em seu ambiente de trabalho?

Gerente B: É muito intenso. O superintendente emprega várias formas de comunicação para exercer pressão sobre nós, o que aumenta significativamente a tensão no ambiente de trabalho. Ele faz uso constante de ligações, frequentes ao longo do dia, cada uma carregada com urgência e exigências de atualizações imediatas sobre nosso progresso em relação às metas. Além disso, ele também utiliza mensagens em grupos de WhatsApp, onde não só envia lembretes contínuos sobre as expectativas, mas também publica rankings e feedbacks em tempo real. A situação fica ainda mais complicada porque muitos de nós realmente precisamos do salário. Eu, por exemplo, tenho filhos e outros familiares que dependem diretamente da minha renda, que é substancialmente mais alta do que a média, correspondendo a cerca de dez salários mínimos mensais. Esse é um grande motivo pelo qual suportamos essa pressão constante. A necessidade de manter a estabilidade financeira para minha família me faz tolerar esse ambiente de trabalho desgastante, apesar do impacto emocional e do estresse que isso acarreta.

Entrevistador: Essas mensagens nos grupos, como elas afetam a equipe?

Gerente B: A minha equipe não é afetada porque eu não cobro na mesma proporção. Agora se referindo a equipe de Gerentes Gerais, é horrível. Ele utiliza os celulares corporativos que somos obrigados a levar para casa, tornando-se possível para ele nos enviar mensagens a qualquer momento. Isso significa que a pressão do trabalho não termina quando saímos do escritório; ela continua através desses dispositivos que temos que manter sempre conosco. Frequentemente, ele posta tabelas de produtividade atualizadas quase de hora em hora e, quando nosso desempenho está abaixo das expectativas, ele destaca os nomes das agências em vermelho. Isso é bastante constrangedor e cria uma pressão imensa sobre nós. Já recebi ameaças por não ter lido uma mensagem a tempo, o que torna impossível verdadeiramente descansar ou desconectar. É muito triste porque esse nível de vigilância e exigência contínua afeta profundamente nosso bem-estar e a dinâmica da equipe, prejudicando o ambiente de trabalho e nossa saúde mental.

Entrevistador: Como você lida pessoalmente com essa situação?

Gerente B: Tenho tentado focar no bem-estar da minha equipe e no meu próprio. Organizamos sessões regulares de feedback dentro da equipe para nos apoiarmos mutuamente e tentarmos mitigar o impacto negativo dessas pressões. Sempre procuro lidar com a situação pelo lado positivo, mas, vou confessar que não estou conseguindo relaxar. Tenho tido vários episódios de pânico, inclusive na agência. Para lidar com isso, levo medicamentos controlados, que tomo escondido no banheiro para que ninguém veja. É um desafio constante tentar manter a calma e a saúde mental em meio a essa atmosfera tão intensa e exigente.

Entrevistador: Você tem alguma estratégia para tentar mudar essa dinâmica?

Gerente B: Não tenho estratégia, ele é meu chefe. Como que vou fazer algo? E as denúncias não dão em nada. O Banco sabe e faz de conta que está tudo bem. Ninguém pune, porque ele está dando o resultado que o Banco quer. Converso com outros colegas Gerentes Gerais e eles têm a mesma visão, o que apenas reforça o quão sistêmico é o problema. Todos sentimos a mesma pressão e o mesmo desamparo. Mesmo tentando criar um ambiente de suporte entre nós, a mudança da cultura que ele estabeleceu parece uma tarefa quase impossível. Isso só contribui para uma sensação constante de isolamento e impotência, pois parece que não há saída ou alívio visível. É particularmente desalentador sentir que nossas preocupações e bem-estar são considerados secundários diante das metas de desempenho que o banco prioriza.

Entrevistador: E quanto ao apoio externo, você busca alguma ajuda fora do trabalho?

Gerente B: Sim. Estou em acompanhamento com um psiquiatra e um psicólogo, que têm sido fundamentais para me ajudar a lidar com a pressão e o estresse. Choro em casa, o que de certa forma me ajuda a aliviar a tensão acumulada, mas quando chego na agência, não posso parecer que chorei nem demonstrar fraqueza. Preciso manter uma postura forte, mostrar que sou capaz e resiliente. Com certeza, se eu parecer fraca, corro o risco de ser tirada da minha função. Isso já aconteceu com vários outros gerentes. Além disso, minha família depende de mim, o que aumenta ainda mais a pressão para manter minha posição e meu desempenho, apesar das adversidades. É um equilíbrio constante entre cuidar de minha saúde mental e sustentar as exigências do trabalho.

4.3 Entrevista com Gerente Geral C (Homem, 52 anos)

Entrevistador: Como é a dinâmica de pressão por metas em sua agência?

Gerente C: É extremamente intenso. O superintendente faz uso constante do Teams, whatsapp, email Com algumas agências maiores, ele usa o teams para iniciar o dia com videochamadas, durante as quais estipula as metas diárias. Ao longo do dia, a pressão é constante. Ele e os assessores exigem atualizações frequentes sobre o progresso em relação às metas estabelecidas. Já recebi ligações até do Superintendente Estadual quando minha agência estava muito distante das outras em termos de cumprimento das metas orçadas pelo banco. Isso que a gente filtra muita coisa para a equipe. O superintendente regional acha que é só cobrar a equipe como a gente é cobrado. Se eu fizer isso, vem denúncia na Ouvidoria, Ministério Público do Trabalho. Não é como ele, que tem a gente que sempre atende o que ele ordena. É um processo muito desgastante. Eu aprecio desafios e tenho uma boa tolerância à pressão, mas a situação está se tornando insustentável. Cada vez mais, sinto que os limites estão sendo ultrapassados, ou até já foram,  afetando não só o desempenho profissional, mas também o pessoal e o bem-estar de toda a equipe.

Entrevistador: E como isso culmina ao final do dia?

Gerente C: No final do dia, temos uma reunião geral via Teams onde todos devem participar. Depois de discutir os resultados gerais, ele especificamente pede que as agências que não atingiram as metas fiquem na chamada para uma discussão adicional. É um momento que muitas vezes se prolonga, tornando-se mais uma sessão de pressão e crítica. Às vezes, a gente não vê a hora de acabar o dia para se ver livre dessa tensão. Mas no outro dia é a mesma coisa. Não sou contra as cobranças de metas, entendo que essa é a função dele, mas ele excede na cobrança. É algo que nunca vi. Os colegas e a equipe reclamam constantemente. Ele acaba ligando direto para os Gerentes de Contas, passando por cima da nossa autoridade. É uma atitude que nunca tinha visto em 30 anos de banco.

Entrevistador: Quais são os impactos dessa prática?

Gerente C: Os impactos? Basicamente, você tem duas opções: ou entrega as metas que ele quer ou ele te pressiona até você pedir para sair. Isso já aconteceu com outros colegas. A pressão é tão intensa que, se você não consegue atender às expectativas, começa a se sentir como se não tivesse outra escolha senão deixar o cargo. É uma situação muito estressante, porque não se trata apenas de alcançar objetivos; a pressão é constante e muitas vezes insuportável. Então, na prática, ou você dá um jeito de entregar o que é pedido, ou você está fora. É isso. A rotatividade acaba sendo alta e o clima organizacional se deteriora, afetando não apenas o bem-estar dos gerentes, mas de toda a equipe envolvida.

Entrevistador: Como você lida com essa pressão contínua durante o dia?

Gerente C: É uma situação difícil. Eu tenho uma filha fazendo faculdade, e gasto uns cinco mil reais por mês para mantê-la no curso, isso que é um curso em federal. Mas eu tenho que aguentar. Não tenho muita escolha. A gente tem que se sujeitar a essas condições porque há obrigações financeiras que não podem ser ignoradas. O jeito é tentar se manter firme e torcer para que ele seja transferido para outro lugar. E torcer para que o próximo a ocupar sua posição seja mais humano, mais compreensivo com as realidades que enfrentamos. É uma questão de sobrevivência, tanto profissional quanto pessoal, então você faz o que pode para lidar com a pressão e espera por dias melhores.

Entrevistador: E as consequências a longo prazo dessa pressão, você percebe alguma?

Gerente C: Já estou sentindo as consequências. Uso medicamentos fortes, de tarja preta, e faço muitas coisas para desestressar também. Faço academia, caminhadas quase que diárias. Mas a gente acaba chegando muito cedo e saindo tarde da agência. Assim, se eu ainda fizesse muita atividade física, eu perderia a convivência com minha família. Não é fácil. Minha equipe é grande e as metas são altas. Preciso fazer eles produzirem, mas não da forma que ele cobra. É uma situação que coloca em risco não só a minha saúde física e mental, mas também o bem-estar da minha equipe. Estou sempre buscando um equilíbrio para garantir que não apenas cumpramos as metas, mas que façamos isso de uma maneira que preserve nossa integridade e qualidade de vida. É um desafio constante lidar com essa pressão sem deixar que ela consuma completamente nossa energia e nossos valores.

Entrevistador: Há alguma estratégia que você tenha implementado para tentar mitigar esses efeitos?

Gerente C: Não tem o que fazer, realmente. No meu cargo, reclamar, abrir ouvidoria ou fazer qualquer tipo de denúncia seria mal visto pelo Banco. Isso poderia até mesmo acelerar minha saída, independente das circunstâncias. Então, sempre que penso em desistir, eu me lembro da minha família, da minha filha, e de tudo o que eu preciso sustentar. Essa responsabilidade me faz suportar a situação. A verdade é que temos que aguentar quietos, não tem jeito. É uma situação muito difícil porque você se sente preso, sem alternativas para melhorar o ambiente ou reduzir a pressão sem colocar em risco o sustento da sua família.

Entrevistador: Há alguma estratégia que você tenha implementado para tentar mitigar esses efeitos?

Gerente C: Sinceramente, acredito que uma mudança significativa para melhorar a situação seria ter um líder mais humano e experiente. Ao longo da minha carreira, já trabalhei com diversos tipos de chefes, e a percepção que tenho é de que o atual está mais focado em sua própria ascensão profissional do que no bem-estar da equipe. É evidente que ele está disposto a ir para onde quer que o banco o envie, desde que isso o leve a uma promoção. No entanto, suas ações estão causando uma destruição psicológica muito grande. Ele tem o hábito de humilhar as pessoas e identificar suas fraquezas de forma cruel. Isso está afetando profundamente o moral da equipe e o desempenho no trabalho. Espero sinceramente que ele possa refletir sobre suas atitudes e mudar sua abordagem em breve.

5 Análise das Entrevistas

As entrevistas revelaram várias táticas de assédio moral usadas pelo superintendente, que impactam profundamente os gerentes tanto psicologicamente quanto administrativamente. A pressão constante por metas, as ameaças de descomissionamento, a exposição pública dos resultados e o isolamento comunicativo são práticas recorrentes que corroem a moral e a eficácia da equipe.

Imagem1 – Nuvem de palavras geradas pelo software Dalle-3.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Foi realizada uma nuvem de palavras, conforme Imagem 1, em que os termos mais citados incluem “pressão”, “desempenho”, “estresse”, “metas”, “comunicação”, “superintendente”, “equipe” e “suporte”. Essa representação visual evidencia os principais temas abordados nas entrevistas com os gerentes gerais, destacando a intensidade e a frequência das discussões sobre o ambiente de trabalho estressante e as táticas de pressão utilizadas.

Em seguida, realizamos uma tabela com as 10 emoções mais sentidas pelos respondentes durante a entrevista, número de frequência de citação das palavras em ordem decrescente, além do significado de cada emoção.

EmoçãoFrequênciaDescriçãoExemplos
Estresse26Sensação de tensão física ou emocional em resposta a demandas excessivas ou perigos percebidos.“Me sinto constantemente sob pressão.”, “É um ambiente muito desgastante.”, “A pressão é tão intensa que chega a ser insuportável.”
Ansiedade14Preocupação ou medo excessivos que podem interferir na capacidade de funcionar normalmente.“Tenho tido vários episódios de pânico.”, “Choro em casa para aliviar a tensão.”, “Preciso manter uma postura forte para não parecer fraca.”
Desmotivação12Falta de entusiasmo ou interesse em algo.“Sinto que nunca alcanço as expectativas.”, “A cada atualização dos rankings, mesmo que você esteja em primeiro, acaba te pedindo mais.”, “A rotatividade acaba sendo alta e o clima organizacional se deteriora.”
Frustração11Sentimento de decepção ou irritação causado por um obstáculo ou contratempo.“É impossível registrar tudo.”, “Mesmo você dando o seu melhor, há essa constante sugestão de que não somos suficientemente bons.”, “Tenho que aguentar as condições porque há obrigações financeiras que não podem ser ignoradas.”
Impotência8Sensação de falta de poder ou controle sobre uma situação.“Não tem o que fazer, realmente.”, “É uma situação muito difícil porque você se sente preso.”, “Espero sinceramente que ele possa refletir sobre suas atitudes e mudar sua abordagem em breve.”
Medo7Sentimento de apreensão ou ansiedade em resposta a um perigo percebido.“Já recebi ameaças por não ter lido uma mensagem a tempo.”, “Ele tem o hábito de humilhar as pessoas e identificar suas fraquezas de forma cruel.”, “A gente tem que se sujeitar a essas condições porque há obrigações financeiras que não podem ser ignoradas.”
Raiva6Sentimento intenso de hostilidade ou ressentimento em resposta a algo considerado injusto ou ofensivo.“Se eu fizer isso, vem denúncia na Ouvidoria.”, “Isso eu nunca vi em 30 anos de banco.”, “A gente acaba chegando muito cedo e saindo tarde da agência.”
Tristeza5Sentimento de infelicidade ou pesar.“Choro em casa, o que de certa forma me ajuda a aliviar a tensão acumulada.”, “É uma situação muito triste porque esse nível de vigilância e exigência contínua afeta profundamente nosso bem-estar e a dinâmica da equipe.”, “A rotatividade acaba sendo alta e o clima organizacional se deteriora.”
Humilhação4Sentimento de vergonha ou constrangimento.“Ele tem o hábito de humilhar as pessoas e identificar suas fraquezas de forma cruel.”, “Tenho que aguentar as condições porque há obrigações financeiras que não podem ser ignoradas.”, “A rotatividade acaba sendo alta e o clima organizacional se deteriora.”
Insegurança4Falta de confiança em si mesmo ou em suas habilidades.“Se a equipe entregou os 150% do orçado, ele quer que a agência entregue ainda mais.”, “Mesmo você dando o seu melhor, há essa constante sugestão de que não somos suficientemente bons.”, “Tenho que aguentar as condições porque há obrigações financeiras que não podem ser ignoradas.”

Tabela 1 – 10 emoções mais citadas.

Fonte: Elaborado pelo autor.

5.1 Análise Psicológica

A constante pressão por resultados, mencionada nas entrevistas, é um fator conhecido por contribuir para o burnout, conforme o modelo de Burnout de Maslach e Jackson (1981). Esse modelo sugere que o esgotamento profissional surge de demandas crônicas no trabalho que excedem os recursos disponíveis aos trabalhadores, resultando em estresse e redução do desempenho. As descrições dos gerentes sobre o uso de medicamentos para ansiedade e o impacto emocional da pressão reforçam essa teoria.

5.2 Análise Sociológica

A cultura organizacional descrita nas entrevistas pode ser analisada através da lente da Teoria da Estruturação de Giddens (1984), que explica como práticas e estruturas sociais são criadas e mantidas através de interações sociais. Neste caso, a ênfase excessiva em metas e o medo de represálias criam uma dinâmica onde os funcionários sentem-se impotentes para desafiar normas prejudiciais, perpetuando uma cultura de medo e competição.

 

5.3 Análise Jurídica

As práticas relatadas configuram assédio moral, uma violação que pode ser enquadrada na legislação trabalhista em muitos países. Conforme Melo (2019), o assédio moral ocorre quando há exposição dos trabalhadores a situações humilhantes de forma repetitiva e prolongada durante a jornada de trabalho, o que é evidente nas práticas do superintendente mencionadas nas entrevistas.

 

5.4 Análise Administrativa

As falhas de liderança observadas podem ser explicadas pela teoria de Liderança Transformacional de Bass (1985), que enfatiza a importância dos líderes inspirarem e motivarem positivamente seus subordinados, em contraste com o estilo autoritário observado nas entrevistas. A falta de suporte e foco apenas em resultados imediatos pode levar a uma deterioração da moral e do engajamento dos funcionários, o que a longo prazo prejudica a sustentabilidade organizacional.

 

5.5 Análise de Comunicação

A eficácia da comunicação interna pode ser avaliada usando a teoria dos Atos de Fala de Searle (1969), que analisa como as intenções do falante e as expectativas do ouvinte interagem na comunicação. As frequentes mensagens do superintendente parecem falhar em motivar, muitas vezes sendo percebidas como ameaças, o que indica uma desconexão entre a intenção e a recepção das mensagens.

Essas análises, fundamentadas em teorias reconhecidas, oferecem uma visão aprofundada dos impactos das práticas de gestão relatadas nas entrevistas, ressaltando a necessidade de abordagens mais humanizadas e estrategicamente alinhadas com o bem-estar dos funcionários e os objetivos de longo prazo da organização, como demonstrada na tabela 2.

AspectoTeoriaAutorData
PsicológicoModelo de BurnoutMaslach e Jackson1981
SociológicoTeoria da EstruturaçãoAnthony Giddens1984
JurídicoLegislação sobre Assédio MoralSimone Melo2019
AdministrativoLiderança TransformacionalBernard M. Bass1985
ComunicaçãoTeoria dos Atos de FalaJohn Searle1969

Tabela 2: Teorias vinculadas às práticas entre chefia e subordinados.

Fonte: Elaborado pelo autor.

5.6 Análise Comparativa das Entrevistas

A análise comparativa das entrevistas revela diversos elos de ligação entre as experiências relatadas pelos gerentes, bem como pontos críticos que são sustentados por teorias e pesquisas na literatura de gestão e psicologia organizacional.

Com relação à pressão constante e estresse, todos os gerentes descrevem um ambiente de trabalho caracterizado por pressão constante para atingir metas elevadas, o que resulta em altos níveis de stress. Essa pressão é exacerbada por comunicações frequentes e, muitas vezes, intrusivas por parte do superintendente. Este cenário é ilustrado no Modelo de Demanda-Recursos de Trabalho de Bakker e Demerouti (2007), que explica como as exigências do trabalho podem esgotar os recursos pessoais e levar ao burnout quando não gerenciadas adequadamente.

No que tange a cultura do medo e repressão, as entrevistas refletem uma cultura organizacional onde o medo de represálias por não atingir metas é um motivador constante. Essa cultura é mantida por táticas de intimidação e vigilância, que afetam a moral e o bem-estar dos funcionários. Esses aspectos são discutidos por Edmondson (1999) em sua teoria sobre a “Cultura de Medo”, que aborda como o medo de punição pode impedir a aprendizagem organizacional e a inovação.

Com relação aos impactos na saúde mental, os relatos de uso de medicamentos para ansiedade e sessões terapêuticas indicam um impacto adverso significativo na saúde mental dos gerentes. Lazarus e Folkman (1984) em sua teoria do Estresse e Processos Cognitivos, destacam como a percepção individual de ameaças no ambiente de trabalho pode levar a respostas de stress crônico.

Analisando as estratégias de coping, os gerentes mencionam várias estratégias de coping, desde a busca por apoio terapêutico até a capacitação em gestão de conflitos e liderança. Segundo Skinner et al. (2003), as estratégias de coping podem moderar os efeitos do stress no trabalho e são cruciais para manter a saúde mental e a eficácia no trabalho.

Sob a ótica da legalidade e ética, os métodos empregados pelo superintendente podem ser questionados sob aspectos legais e éticos. As práticas relatadas podem configurar assédio moral, conforme discutido por Yamada (2000), que descreve as implicações legais de ambientes de trabalho hostis e como eles violam normas de respeito e dignidade no emprego.A intersecção desses temas nas entrevistas sugere um padrão sistêmico de gestão que prioriza o alcance de metas a qualquer custo, muitas vezes à custa da saúde e do bem-estar dos funcionários. Este padrão reflete falhas estruturais na liderança que podem ser mitigadas através de intervenções focadas no desenvolvimento de uma cultura organizacional mais saudável e sustentável, como sugerido por Schein (2010) em sua análise sobre a cultura organizacional.

6 Considerações Finais

As entrevistas analisadas revelam um ambiente de trabalho intensamente pressurizado no contexto bancário, onde a constante demanda por atingir metas elevadas afeta negativamente a saúde mental, a moral e a motivação dos gerentes gerais. A persistência de táticas de gestão baseadas no medo e na pressão constante pode resultar em burnout, desgaste emocional e uma alta taxa de rotatividade, comprometendo a eficiência organizacional a longo prazo (Bakker & Demerouti, 2007).

Além disso, a análise fornece insights valiosos para a prática gerencial no setor bancário, sublinhando a necessidade de reformular as abordagens de gestão de desempenho. Propõe-se a adoção de práticas de liderança mais humanizadas, que equilibrem exigências de desempenho com o bem-estar dos funcionários. Incentivar um ambiente de trabalho mais suportável e menos punitivo pode melhorar a satisfação no trabalho, a lealdade e a produtividade dos funcionários (Maslach & Leiter, 2016).

Quanto às contribuições teóricas, este estudo contribui teoricamente ao aplicar e validar teorias existentes de estresse no trabalho, cultura organizacional e liderança no contexto específico da administração bancária. Ele reforça a literatura sobre como as práticas de gestão influenciam diretamente a saúde mental e a eficácia organizacional, adicionando um estudo de caso contemporâneo sobre as implicações práticas dessas teorias (Edmondson, 1999).

No entanto, uma limitação deste estudo é a sua base em um número limitado de entrevistas, o que pode não capturar toda a diversidade de experiências e percepções entre gerentes em diferentes contextos ou regiões. Além disso, o foco nas percepções dos gerentes pode não fornecer uma visão completa de todas as dinâmicas organizacionais envolvidas (Yamada, 2000).

Futuras pesquisas deveriam explorar estudos longitudinais que acompanhem as mudanças nas práticas de gestão e seus impactos ao longo do tempo. Seria benéfico expandir a pesquisa para incluir uma variedade maior de bancos e comparações internacionais para entender melhor as diferenças culturais e regionais nas práticas de gestão bancária.

Além disso, recomenda-se investigar o impacto das práticas de gestão na experiência do cliente e nos resultados financeiros dos bancos para abordar a relação entre bem-estar do funcionário e desempenho organizacional de forma mais abrangente (Schein, 2010). Essas considerações e recomendações destacam a necessidade crítica de abordar e melhorar as práticas gerenciais no setor bancário, visando não apenas o sucesso financeiro, mas também a sustentabilidade organizacional e o bem-estar dos funcionários.

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