ESTUDO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10896137

Esteice Francielle Fontinele de Souza Van Neutgem1
Geovana Gabrieli Costa da Silva2


RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo propor a reflexão da eficácia das medidas socioeducativas focando principalmente nos adolescentes em conflito com a lei na cidade de Porto Velho, estado de Rondônia. Para contextualizar a pesquisa, foi necessário a observação in loco da aplicação de algumas medidas socioeducativas como a regime fechado nas unidades sentenciadas. A fundamentação baseada nas visitas ao Tribunal de Justiça e as unidades sentenciadas de internação masculina, que atesta a escassez de políticas públicas ao adolescente que comete atos infracionais, sendo estes uma parcela da sociedade que se encontra em vulnerabilidade econômica, social, cultural, educacional. Desse modo poderá ser apurada a eficiência das medidas socioeducativas adotadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA Lei 8069/90).

PALAVRAS-CHAVE: Medidas socioeducativas. Políticas Públicas. Escassez; Estatuto da Criança e do Adolescente.

ABSTRACT

The present work aims to propose a reflection on the effectiveness of socioeducational measures focusing mainly on adolescents in conflict with the law in the city of Porto Velho, state of Rondônia. To contextualize the research, it was necessary to observe in situ the application of some socio-educational measures such as the closed regime in the sentenced units. The reasoning is based on visits to the Court of Justice and male internment units, which attests to the lack of public policies for adolescents who commit infractions, as these are a part of society that is economically, socially, culturally and educationally vulnerable. In this way, the efficiency of the socio-educational measures adopted by the Child and Adolescent Statute (ECA Law 8069/90) can be determined.

KEYWORDS: Socio-educational measures. Public policy; Scarcity.  Child and Adolescent Statute.

1. INTRODUÇÃO 

O presente relatório visa analisar e articular a atual situação das medidas socioeducativas no município de Porto Velho, focando principalmente no adolescente que comete atos infracionais.

Para que esta análise ocorra de maneira adequada, é necessário que haja a contextualização por meio da observação do meio social, do meio econômico onde o adolescente está inserido, do número de reincidência do ato infracional, da eficácia de cada medida socioeducativa e dos estigmas e preconceitos que rodeiam o assunto.

A análise da pesquisa teve ordem qualitativa, tentando entender os aspectos subjetivos dos indivíduos, como também coletar informações sobre a real situação da aplicação das medidas sócio educadoras. Além desse método de pesquisa, tratase de um estudo de caso, no qual será observado toda a dinâmica de funcionalidade dessas medidas.

O objetivo desta pesquisa é familiarizar futuros profissionais de Direito com uma classe infracional que é, por muitas vezes, negligenciada. O Tribunal de Justiça, principalmente a Seção de Estudo Social e Psicológico – SESP, foi de suma importância no desenvolvimento e aprofundamento deste estudo na busca de humanizar os adolescentes que cometem atos infracionais.

2. ATO INFRACIONAL

São considerados penalmente  inimputáveis os jovens menores de 18 anos, conforme a CF de 88 em seu art. 228 e sujeitos a normas especiais, no caso dos adolescentes o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), prevista no art.112, o qual apresenta de forma gradativaas medidas a serem aplicadas, desde a advertência até a privação de liberdade.

De acordo com Cezar Roberto Bitencourt.(2014):

Imputabilidade é a capacidade ou aptidão para ser culpável, embora, convém destacar, não se confunda com responsabilidade, que é o princípio segundo o qual o imputável deve responder por suas ações. […] Assim, sem a imputabilidade entende – se que o sujeito carece de liberdade e de faculdade para comportar-se de outro modo, com o que não é capaz de culpabilidade, sendo, portanto, inculpável. (CEZAR ROBERTO BITENCOURT, 2014, p.79)

Os adolescentes são responsabilizados pela prática do ato infracional,no

qual comete um fato típico eilícito,mas queem razão da sua idade não poderá recebero mesmo tratamento do tipo penal do crime. Para Nazarethe Junior (2009, p.25), “a denominação de ato infracional, indica a prática de infração penal por adolescente, uma vez que indivíduos com idade inferior a dezoito anos não podem ser processados criminalmente, tampouco se submetem à aplicação da lei penal”.

As medidas socioeducativas baseiam-se sobretudo em recomendações pedagógicas e visam a reintegração dos jovens na sociedade a partir de uma redefinição de valores e da reflexão interna.

Deve-se sublinhar que embora estas medidas não se destinem a punir os jovens, também limitam alguns direitos individuais, como o direito à liberdade, uma vez que os jovens estão sujeitos a sanções penais, mesmo que não estejam sujeitos ao direito penal. Sujeito à legislação (ECA), as violações desta lei terão consequências jurídicas.

Na verdade, a maioria dos adolescentes delinquentes tem uma infância difícil e não tem condições de vida adequadas, seus pais geralmente são viciados em drogas e os tratam com violência. Esta é uma triste realidade que acaba sendo um dos maiores fatores que levam ao comportamento criminoso entre os jovens.

Embora o seio familiar tenha sua parcela de culpa, a ainda na sociedade uma certa objetificação da criança e do adolescente, como exemplificado no Código dos Menores, que seria o entendimento da criança e do adolescente como propriedade de seus tutores, de certa forma.

É o entendimento da criança como ser não-humano, ignorando sua individualidade e seus direitos. Pode-se notar, por exemplo, no baixo número de denúncias de crimes cometidos contra crianças, ou no uso de violência e punição como meio de educar, ou seja, a objetificação intrínseca da criança na sociedade causa incontáveis danos na psique do indivíduo desde os acontecimentos até após a vida adulta.

É necessário considerar esta delinquência como resultado dos processos de exclusão sofridos por estes jovens, tais como: falta de acesso à escola, oportunidades de lazer, escolhas de vida, convivência familiar, relações com a comunidade, ou seja, falta de oportunidades como programas destinados ao atendimento desses menores delinquentes, que devem ser integrados em políticas mais amplas e que busquem a reinserção desses jovens na sociedade afim de resgatá-los das condições adversas que enfrentam, sujeitos a medidas socioeducativas baseadas em políticas formadas nos direitos desses sujeitos.

3. DO CÓDIGO DE MENORES ANTERIORES AO ECA 

A mudança no léxico, marcada pela publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, se vê necessária quando se analisa o estigma dos termos “menor” ou “de menor”. Estes termos remetem ao Código de Menores, publicado em 1979, onde não há humanização da criança e do adolescente; estes são tratados como abaixo de humanos detentores de Direito e sem distinção dos demais infratores.

Em outras palavras, o Código de Menores era inerentemente punitivo e baseava-se pesadamente no ato infracional como patologia. A Lei especial do ECA, por outro lado, traz à tona os direitos e deveres que todas as crianças e adolescentes possuem, independentemente de sua classe social e de suas infrações (ou ausência destas). 

Portanto, ao tratar do adolescente autor de ato infracional, é importante que não sejam denominados como “menores”. O termo visa a diferenciação social do que se considera um “jovem normal” e um “criminoso”. Seguindo este pensamento, também não é apropriado dizer que os adolescentes cometem crimes; conforme as leis vigentes no Brasil, apenas cometem crimes os maiores de idade, portanto os menores de idade cometem atos infracionais.

De acordo com, Nazareth e Junior (2009, p. 254): ato infracional indica a prática de infração penal por adolescente, uma vez que indivíduos com idade inferior a dezoito anos não podem ser processados criminalmente, tampouco se submetem à aplicação da lei penal.

4. DAS MEDIDAS SOCIO EDUCATIVAS

Por sua vez, as medidas socioeducativas são as respostas do Estado para como atos infracionais dos adolescentes em conflito coma lei, onde o magistrado competente dita tais medidas a serem aplicadas em crianças e adolescentes como objetivo de reeducar o menor para colocá-lo de volta na sociedade. Logo, é importante entender que as medidas socioeducativas não são sanções e sim meios educativos para ressocializar os adolescentes que comentem algum ato infracional.

O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece seis medidas socioeducativas de acordo com o art. 112 do ECA: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; e internação em estabelecimento educacional.

O magistrado determina qual medida socioeducativa é a mais adequada conforme o ato infracional praticado, a reincidência e outros fatores que são analisados para que a decisão seja justa e de maior eficácia para o adolescente.

5. APLICAÇÃO E EFICÁCIA DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM PORTO VELHO

Sobre as medidas socioeducativas sabemos que dentro de Porto Velho se tem um índice para maior e menor aplicabilidade quando se trata de eficácia. As medidas de menor aplicabilidade cabe a reparação do dano juntamente com a advertência, talvez pela falta de registro, em questão de menor gravidade de dano a outro, e são pouco utilizadas pelas autoridades, visto que é notória a ineficácia que acaba trazendo a maior reincidência do jovem infrator.

Entretanto, do outro lado, sobre os índices de maior e melhor aplicabilidade, lidamos com as medidas socioeducativas de meio aberto, onde a prestação de serviços e liberdade assistida declaram, inclusive, melhores resultados, trazendo a pauta de eficácia, nosso principal tema.

Logo, apesar dos melhores índices de medidas socioeducativas serem propostos pelas medidas socioeducativas de prestação de serviços e liberdade assistida, ainda será necessário muito para que, de fato, seja alcançado uma efetividade que supra as expectativas para o processo ressocializador do adolescente, tendo em conta que não temos sequer políticas públicas que possam ajudar na execução de medidas socioeducativas dentro da nossa capital, tornado ainda mais difícil o desempenho e bons resultados das medidas socioeducativas, pois foi apontado que o CREAS, dentro de Porto Velho, não contém um envolvimento e responsabilidade necessária com o adolescente.

A maior problemática se dá com essa divergência do que está escrito na lei com a execução das políticas públicas para com os jovens, pois Estatuto da Criança e do adolescente, juntamente como Código Penal em questão e a Constituição Federal, pautam um conjunto de algo que teria um bom funcionamento, porém em sua execução falha completamente.

Assim, devemos tratar da aplicação e eficácia das medidas socioeducativas de regime fechados. Em Porto Velho, utiliza-se principalmente a medida socioeducativa de internação, mas fica o questionamento referente a eficácia de tal medida, afinal, uma medida tão rígida teria efeitos sobre o adolescente?

A internação fere o direito de liberdade dos adolescentes, e quando usamos liberdade, internação e adolescente, estamos contrapondo a ordem natural dos fatos, pois um adolescente busca exatamente pela liberdade, essa que quando ceifada pode prejudicar o desenvolvimento do adolescente se não executada da forma correta.

Para complementaras unidades de internação detentoras do poder disciplinar, devem se moldar aos padrões de atendimento àquele adolescente em conflito com a lei, o que de certa forma ocorre, visto que a justiça não vê mais a necessidade de internar quaisquer adolescentes que esteja à mercê de seus atos infracionais.

No ano de 2015 o centro de ressocialização masculino de Porto Velho, possuía cerca de 200 menores em sua unidade, em condições degradantes e ridicularizadoras; atualmente possui cerca de 30 menores infratores, com melhorias de desempenho e qualidade de vida.

O nível de reincidência decaiu consideravelmente nos últimos tempos, sempre com o propósito de reeducar o jovem infrator, onde diferença é óbvia e até satisfatória de se ver.

O velho modelo de atenção a infância e a adolescência, a internação era considerada eficiente, mas na verdade era um modo de controle e exclusão dos indesejados menores em ambientes públicos, mas já não ocorre visto a evolução dos centros.

Vale ressaltar que em Porto Velho os adolescentes vêm sendo tratados, acima de tudo, como humanos, descartando toda a ideia de tratamento não humanizado que um dia já fez parte do regime interno dos adolescentes infratores, pois apesar de tudo, a reeducação humanizada predomina no local, esse que fora local desumano e ineficaz.

Guilherme F. de Melo Barros, 2011, p. 213, conceitua o princípio guarda relação com o principal postulado do Estatuto da Criança e do Adolescente, a proteção integral. Mesmo com privação da liberdade decorrente da internação é preciso tutelar de forma ampla o adolescente (…). O objetivo da imposição da medida socioeducativa de internação é ressocializar o adolescente. 

Para isso, o Estatuto prevê um rol de direitos garantidos ao adolescente privado de sua liberdade art.124, dentre os quais se destacam o direito de receber escolarização e profissionalização, inciso XI, de realização de atividades culturais, esportivas e de lazer, inciso XII e de receber os documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade.

Direitos esses que são atendidos dentro das unidades da capital nos últimos 2 (dois) últimos anos, trazendo assim a qualidade necessária para os adolescentes infratores.

A antropóloga Alba Zaluar, um ícone nos estudos de violência e juventude, diz que existe uma estreita relação entre o envolvimento de jovens com a criminalidade e a busca por status de poder. A autora explica que durante a realização de sua pesquisa “os jovens entrevistados falam do fascínio que tanto esses bens quanto a figura dos bandidos exercem sobre eles e os fizeram aproximar-se das quadrilhas. Hoje, homens cada vez mais jovens assumem o domínio no mundo do tráfico” (ZALUAR, 1993, p. 193).

Portanto, apenas se frisa todo o contexto social desses adolescentes e que, apesar de haver uma grande falha na educação pela parte do estado e pela política de assistência, o adolescente já estava inserido em um contexto de violência antes do ato infracional, e essa violência afeta completamente a vida dele, e que apesar das mudanças dentro dos centros de ressocialização, quando fora de tais locais a realidade pode sufocar o adolescente para que ele volte a cometer o ato infracional.

Mas enquanto dentro dos centros de ressocialização, o ambiente onde o adolescente tem que ficar por cumprimento da lei, hoje em dia tem a capacidade de cumprir com a medida imposta pelas autoridades.

Já que isso afeta completamente seu desempenho, pois que as políticas públicas fora dos centros de ressocialização em Porto Velho não buscam melhorias. Mas, atualmente, tal medida tem mais caráter pedagógico do que de sanção, portanto, a mudança parece surgir mesmo que parcialmente ineficaz.

6. POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTO VELHO

Para efeitos de fundamentação na presente pesquisa no que se refere a aplicação das medidas socioeducativas na cidade Porto Velho, fez-se necessário a realização in loco junto ao Tribunal de Justiça, a unidade sentenciada de internação masculina e a unidade sentenciada de internação masculina provisória para coletar dados.

De acordo com estudos realizados ano de 2017 pelo Núcleo Psicossocial, existe vários fatores que faz com que o adolescente cometa um ato infracional, um dos principais motivos é que este adolescente nunca teve seu direito constitucional reconhecido, o direito a dignidade, a uma vida pautada em educação, saúde, segurança, moradia e alimentação, adequados conforme prevê a Constituição Federal e reafirmado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Essa ausência de direito relaciona-se principalmente pelo descaso das políticas públicas para com as famílias de baixa renda onde grande parte dos pais tem que se ausentar, pois necessitam trabalhar para sustentar a família, logo o adolescente, quando não negligenciado pela família, se vê sendo negligenciado pela sociedade e governo a qual não lhe dá nenhum apoio ou estabilidade. 

Simas Filho, em sua obra, já nos alertava que “o adolescente que não tem lar, cujos pais são ausentes, que não possui atendimento específico às suas mínimas necessidades; as portas se abrem às mais negras perspectivas” (SIMAS FILHO, 1992, p. 40).

Para corroborar com o descaso das políticas públicas e da comunidade como um todo o autor Azevedo (1991) dispõe:

Tais adolescentes só cometem atos infracionais porque existe uma sociedade adulta que utiliza seus serviços baratos. São traficantes de drogas que os recrutam como entregadores, revendedores de mercadorias roubadas, que adquirem objetos furtados, por um preço insignificante; enfim, constituem uma gama de patrocinadores do ilícito. Atrás de tudo isso, há uma indústria criminosa, ligada a determinadas fatias da máquina policial, que lucra com os atos destes jovens e mais tarde garante a impunidade de seus assassinos. (AZEVEDO, 1991, p.34)

A precariedade de políticas públicas, a falta de estrutura dos próprios programas, é algo inadequado em relação ao previsto do SINASE. O apoio que essas políticas deveriam efetuar não ocorrem, dessa forma como seria possível que os adolescentes fossem acolhidos e capazes de gozarem 100% de seus direitos? O adolescente já vive com 50% dos direitos roubados, aonde a qualidade de suas vidas é ceifada e os meios para sobrevivência são completamente contra a lei.

A maior incidência de adolescentes envolvidos na prática de ato infracional encontra-se na faixa etária que compreende entre 16 e 17 anos, com 49% dos adolescentes, seguido daqueles de 14 e 15 anos, com 33%. Em sua grande maioria do sexo masculino. Quase metade dos atendimentos em Porto Velho é da zona leste em regiões mais periféricas, sendo considerada a mais populosa da cidade, com grande escassez de recursos públicos e os níveis socioeconômicos da população são considerados baixos, além da apresentação de elevado índice de violência.

Nesse raciocínio, observa Nogueira (1996) que:

Não há dúvidas que o menor carente, abandonado e infrator é fruto de nossa sociedade, marcada por uma brutal diferença entre a classe pobre e a abastada, pois, enquanto aquela sofre as consequências do pauperismo, esta esbanja de forma acintosa o que é subtraído ilicitamente dos menos favorecidos e a justiça passa a ser instrumento contra os humildes, enquanto os poderosos continuam a agir impunemente. (NOGUEIRA, 1996, p.5)

A evasão escolar, que já se dá no 6°ano do ensino fundamental, ocorre a partir do fato que o aluno não tem um suporte adequado para esta transição escolar, tanto com o acolhimento dos professores como também em toda a estrutura pedagógico ofertada a esses jovens, principalmente tratando-se de escola sem lugares periféricos.

Foi realizada uma palestra para alunos de Ensino Médio da Escola Major Guapindaia, e em tal palestra houve interação chamando alguns alunos para o palco para fazer perguntas como: ‘O que você espera do seu futuro?’, ‘Qual seu sonho?’, ‘Você acha que com sua realidade hoje você consegue realizá-lo?’. E ao final de cada questionamento os alunos traziam a reposta de que tais sonhos para o futuro são quase que impossíveis na realidade atual, o que apenas comprova todo o assunto abordado nesse tópico.

Logo, a ineficácia para com o adolescente já surge quando sequer contemos políticas públicas na nossa capital, tendo em conta de que esse acolhimento e responsabilização deve-se ocorrer através da união de vários fatores.

Assim, na definição de Liberati (2000):

Quando o Estado e a sociedade, por qualquer motivo, não assegurou aqueles direitos ou, oferecendo proteção aos direitos infanto-juvenis, o fizerem de forma incompleta ou irregular, estarão permitindo que os direitos da criança e do adolescente sejam ameaçados ou violados. (LIBERATI, 2000, p.65)

Segundo pesquisa feita pelo núcleo psicossocial do Tribunal de Justiça em 2017, 87% dos adolescentes declararam estar matriculados na escola. Destes, apenas 42% frequentam a escola, de fato.

As reprovações e desistências concentram-se na virada do ensino fundamental I ao ensino fundamental II, ou seja, o 5º, 6º e 7º ano. Pode-se apontar uma correlação entre a idade esperada do adolescente que esteja nestas séries e a idade que mais se comete ato infracional, mas este não pode ser o único fator apontado nesse fenômeno.

O estudo letivo começa a tornar-se difícil, principalmente se não houver incentivos. Há neste período a substituição de um professor para todas as matérias para um professor por matéria. A idade também coincide com a época da vida do adolescente onde ele se vê em necessidade de começar a trabalhar.

Conforme dados coletados pelo SESP, a idade que mais comete ato infracional é dos 14 aos 17 anos. É um período marcado pela imaturidade do córtex pré-frontal, parte do cérebro responsável pela tomada de decisões e pela preparação do comportamento, as chamadas funções executivas.

Hormônios, mudanças, rebeldia, a passagem da infância para a vida adulta. Todos estes fatores e outros mais contribuem para que o adolescente venha a cometer ato infracional.

7. ALÉM DO ATO INFRACIONAL

A vara da infância e juventude, apesar de ser instituição de foco no ato infracional, não se prende ao ato infracional. Os psicólogos e assistentes sociais desempenham trabalho investigativo na vida do adolescente infrator, a fim de analisar e compreender o porquê do ato, para que se possa determinar a medida socioeducativa necessária para que não haja reincidência.

O ato infracional não pode ser visto como situação isolada que vem a existir por abiogênese. Existe uma raiz da questão, e mesmo que o adolescente autor de ato infracional cumpra sua pena, não se considera que o problema esteja resolvido.

Alguns dos aspectos avaliados são as questões próprias do adolescente, seu desenvolvimento, escolaridade, vínculo familiar, saúde, uso de substâncias lícitas e ilícitas, local e condição de moradia, distribuição de funções, abuso físico, psicológico ou sexual, negligência, violência, influências externas.

8. JUSTIÇA RESTAURATIVA 

O ideal da Vara infracional e de execução de medidas socioeducativas, atualmente, é empregar a justiça restaurativa como forma de resolução de conflitos. A justiça restaurativa visa chegar a um consenso de forma estruturada ao estimular o diálogo entre o ofensor e a vítima de atos violentos e os outros membros da comunidade que possam ter sido afetados por estes atos.

Esse método segue princípios de voluntariedade, confidencialidade, imparcialidade, reparação de danos e corresponsabilidade por meio do respeito, colaboração, tolerância, compreensão, empatia, solidariedade, responsabilidade, verdade, humanidade.

O processo é dividido em três etapas: o pré-círculo, onde o facilitador conversa individualmente com o ofensor e com a vítima e seus responsáveis; o círculo restaurativo, onde o facilitador estimula a vítima e o ofensor a recontar os fatos de acordo com seu ponto de vista e juntos analisarem o ocorrido a fim de chegarem a um acordo sobre como resolver a problemática; e o pós-círculo, onde se verifica o cumprimento dos acordos firmados durante o círculo.  O autor Zher, (2008) dispõe: 

Tal responsabilidade talvez ajude a resolver as coisas para a vítima, pois poderá atender as necessidades dela. Talvez traga uma resolução também para o ofensor, pois um pleno entendimento da dor que causou pode desestimular um comportamento semelhante no futuro. A oportunidade de corrigir o mal e de torna-se um cidadão produtivo poderá aumentar sua autoestima e encorajá-lo a adotar um comportamento lícito. (ZHER, 2008 p. 42-43).

A justiça restaurativa representa uma forma de engrandecer as partes interessadas de um conflito na busca por soluções que possam reestabelecer relações harmoniosas na comunidade. Além de reestabelecer a relação, exprime uma chance para que haja a reinserção do ofensor na sociedade com mudança de comportamento que é um dos principais objetivos quando se lida com o crime.

Como disse Howard Zehr, uma mudança de perspectiva também pode transformar a empatia e o respeito pelos direitos humanos porque, ao dar a todas as partes envolvidas a oportunidade de compreender os antecedentes e as razões de todos os que contribuíram para a situação criminal, podem inspirar solidariedade e reciprocidade laços de respeito que geram ou fortalecem uma cultura de paz.

Por fim, a justiça restaurativa também pode ser um parceiro importante na busca de uma justiça mais decisiva, que reduza os danos e reduza o sofrimento, e também pode ajudar a reduzir o número alarmante de encarceramentos em nossa cidade.

9.CONCLUSÃO 

Este estudo teve a proposta de analisar toda a trajetória após a conduta de um ato infracional, bem como entender quais medidas socioeducativas o jovem infrator terá que cumprir. Além de buscar identificar de que maneira essa política pública está sendo aplicada, utilizando-se como campo de pesquisa, duas Unidades de Internação Masculina Sentenciada do Município.

De início foi elaborado um cronograma, onde realizamos um estudo nas dependências do Tribunal de Justiça, na Seção de Estudo Social e Psicológico – SESP, que é de suma importância no desenvolvimento e aprofundamento deste estudo na busca de humanizar os adolescentes que cometem atos infracionais.

As questões envolvendo uma infância abandonada, fora das escolas, nas ruas, sendo aliciadas, sem um contexto familiar, envolvidas com práticas de atos ilícitos, acaba sendo um dos maiores fatores responsáveis pela prática de ato infracional entre os jovens.

A partir da pesquisa em campo, realizada em centros de internação em Porto Velho e dados referentes a aplicação das medidas socioeducativas, é possível concluir que as medidas poderiam ser eficazes se fossem bem executadas com o auxílio de políticas públicas no retorno do jovem para a comunidade.

O Estado é responsável por manter a estrutura adequada e acesso a escolaridade, no entanto em uma visitação a um centro de internação de Porto Velho a situação não condizia com o que a lei especial prometia, local totalmente insalubre e não acolhedor, no entanto, o espaço era enorme, e poderia servir para várias oficinas na tentativa de ressocializar o indivíduo, mas estava se deteriorando com o tempo e a falta de recurso, precedente este importante que inviabiliza ou melhor impossibilita que as medidas sejam aplicadas de forma adequada na vida desses jovens.

Em um outro centro de internação, pode-se observar que o administrador fazia malabarismos com o recurso que era aplicado, além de manter dentro da unidade uma expansão de uma escola, oficinas de artes, montagens de aviões aeromodelos, hortas e zelava pelo paisagismo do ambiente com plantas, tudo feito pelos jovens que ali cumpriam suas penas, além dos projetos futuros, com a construção de uma cozinha industrial para oficina de panificação. Fora o recurso disponibilizado pelo governo, o administrador ia atrás de parceiros da comunidade, na esperança de recursos para a infraestrutura do local, assim como objetos e materiais utilizados para a confecção das oficinas e até trabalhos para menores que realmente havia esperança na ressocialização.

Ademais, uma preocupação constante é a falta de acompanhamento depois que a medida é cumprida. Muitos daqueles que cometem atos infracionais estão em estado de vulnerabilidade social, seja por questões financeiras e estarem a margem da sociedade.

Analisando os fatos, denota que aqueles que se mantém a margem não são prioridade para o Estado, sendo privados de oportunidades de melhores condições de vida, encurralados e presos a um só destino, a criminalidade. E apesar de existir pessoas que acreditam que com boa administração e melhorias no orçamento o objetivo será cumprido, ainda está muito longe de alcançar esse objetivos, pois estas mesmas pessoas não aceitariam contratar um menor infrator.

Entende-se por fim, que este trabalho contribuiu para manter em pauta as questões referentes ao sistema socioeducativo, considerando que ainda há muitos desafios pela frente à serem enfrentados neste âmbito, portando, muito a se fazer.

Cabe a todos em sociedade a luta pela “defesa implacável dos direitos humanos”, precisando avançar cada vez mais, incluindo nestes os direitos humanos de crianças e adolescentes, em especial, nos lugares a margem da sociedade onde esses direitos são mais testados, pois mistura a dor da vítima com o ato praticado do infrator. O ato praticado gera também dores para os familiares daquele/a que o praticou, embora não sejam vistas e nem admitidas pelo conjunto da sociedade.

REFERÊNCIAS

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1Analista contábil e estudante de  Direito  pela Faculdade São Lucas de Porto Velho – RO. Email: esteice12@hotmail.com

2Estudante de Direito pela Faculdade São Lucas de Porto Velho – RO.
Email: geovannalimamalta@gmail.com