REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202412281935
Fabiana Sousa Gomes Ferreira1
RESUMO
Este estudo analisa a relação entre o Colégio Estadual de Tanque Novo e os alunos oriundos de comunidades rurais e quilombolas, com foco na valorização de suas identidades culturais. A pesquisa, baseada em dados históricos e demográficos, busca compreender como a escola reconhece e integra as histórias, tradições e realidades dessas comunidades ao contexto educacional. Para isso, foram realizadas oficinas pedagógicas que incluíram atividades de cartografia e uso de GPS, além de ações de educação patrimonial e entrevistas com moradores locais. Os resultados destacam a relevância da valorização do patrimônio material e imaterial dessas comunidades para a construção de um ambiente escolar mais inclusivo e significativo. A integração dessas práticas fortalece o vínculo entre escola e comunidade, promovendo maior engajamento dos alunos e o resgate de suas memórias culturais.
Palavras-chave: cartografia, comunidades rurais, quilombolas, educação patrimonial, identidade cultural.
1 INTRODUÇÃO
O Colégio Estadual em Tempo Integral de Tanque Novo desempenha um papel crucial na formação de alunos provenientes de comunidades rurais e quilombolas, que possuem ricas histórias e identidades frequentemente não integradas ao ambiente escolar. Este estudo busca mapear a relação entre a escola e esses alunos, destacando a importância de incorporar o contexto cultural e geográfico ao currículo escolar. A problemática central investiga como a escola pode integrar e valorizar as identidades culturais dos alunos de comunidades rurais e quilombolas em sua prática educativa.
Os objetivos incluem identificar a origem geográfica e cultural dos alunos atendidos pelo Colégio Estadual de Tanque Novo, realizar oficinas educativas que promovam o uso de cartografia e tecnologia (como o GPS) para fortalecer a valorização das comunidades e produzir um memorial digital que retrate as histórias, mapas e identidades das comunidades atendidas.
A pesquisa seguiu uma abordagem qualitativa e participativa, estruturada em três etapas principais. A primeira etapa consistiu no mapeamento demográfico e cultural, com o levantamento de dados das matrículas escolares entre 2019 e 2023 e a identificação de alunos pertencentes a comunidades quilombolas reconhecidos oficialmente pela Fundação Palmares. A segunda etapa envolveu oficinas educativas, com duas sessões de quatro horas cada, abordando o uso de GPS para mapear trajetos entre a escola e as comunidades, além da realização de atividades de educação patrimonial com foco na valorização da memória comunitária. Na terceira e última etapa, foram realizadas a coleta de depoimentos e a produção de um memorial digital, que incluiu entrevistas com membros das comunidades e alunos, além da organização de fotografias e relatos orais em formato de e-book.
2 RESULTADOS
O levantamento realizado revelou que cerca de 60% dos alunos matriculados no Colégio Estadual de Tanque Novo são oriundos de comunidades rurais, enquanto 30% pertencem a comunidades quilombolas. Esses dados reforçam a complexidade dos contextos sociais atendidos pela escola, evidenciando as múltiplas barreiras enfrentadas por esses estudantes, como a distância significativa entre suas casas e o ambiente escolar, além da precariedade de infraestrutura básica. Conforme Caldeira e Ferreira (2020), essas dificuldades impactam diretamente o acesso e a permanência de estudantes de comunidades rurais na escola, expondo a necessidade de estratégias pedagógicas que considerem a realidade socioeconômica e cultural desses grupos. Além disso, a subvalorização das histórias e tradições das comunidades quilombolas no espaço escolar dificulta o fortalecimento da identidade desses alunos, um aspecto amplamente discutido por Santos e Almeida (2021), que destacam a importância de integrar a memória cultural local nas práticas educativas.
As oficinas desenvolvidas durante o projeto tiveram como principal objetivo capacitar os alunos no uso de ferramentas de geolocalização, como o GPS, para mapear as trajetórias que conectam suas comunidades à escola. Além disso, as atividades incluíram reflexões sobre a relação territorial dos estudantes com suas origens, estimulando um olhar crítico sobre os desafios e as potencialidades desses territórios. Para Silva e Gomes (2021), a integração de ferramentas tecnológicas como o GPS no ambiente educacional permite aos alunos compreenderem os aspectos geográficos e culturais que os cercam, promovendo um vínculo mais forte com sua identidade territorial. Durante as oficinas, foram criados mapas digitais que retratam as comunidades atendidas, evidenciando a diversidade cultural presente no ambiente escolar e a distância percorrida diariamente pelos alunos.
Outro aspecto importante abordado nas oficinas foi a educação patrimonial, que trouxe aos alunos a oportunidade de explorar e valorizar as memórias de suas comunidades. Conforme discutido por Oliveira et al. (2020), o uso da cartografia no contexto educacional transcende o conhecimento técnico, pois conecta os estudantes à sua história e promove o reconhecimento do valor cultural e social de suas origens. As atividades também incluíram dinâmicas voltadas à sensibilização sobre a preservação do patrimônio material e imaterial, criando um espaço de troca de experiências entre os participantes. Segundo Costa e Santos (2021), iniciativas de educação patrimonial em escolas rurais têm o potencial de ressignificar o papel dos alunos enquanto agentes de valorização cultural em suas comunidades.
O projeto culminou na criação de um memorial digital em formato de e-book, que reúne relatos orais, mapas e fotografias das comunidades rurais e quilombolas atendidas pela escola. O desenvolvimento desse produto final envolveu diretamente os alunos, que participaram de entrevistas com moradores locais, bem como da coleta de informações sobre a história de suas comunidades. Para Lima e Rodrigues (2021), práticas que envolvem os estudantes no processo de pesquisa e documentação fortalecem o protagonismo estudantil, promovendo um aprendizado mais significativo e conectado às realidades vivenciadas pelos educandos.
O memorial digital também se destaca como um recurso pedagógico inovador, que pode ser utilizado pela escola para fomentar discussões sobre cultura, identidade e memória. Segundo Freitas e Souza (2020), materiais didáticos baseados em narrativas locais são fundamentais para promover uma educação contextualizada e inclusiva, permitindo que os alunos reconheçam o valor de suas comunidades no processo educativo. Além disso, o formato digital do e-book torna-o acessível para um público mais amplo, possibilitando a difusão do conhecimento e das memórias comunitárias em diferentes espaços educacionais e sociais.
O processo de criação do memorial envolveu atividades práticas que estimularam a criatividade e a colaboração entre os estudantes. As entrevistas realizadas com moradores das comunidades quilombolas e rurais trouxeram à tona histórias de vida, tradições e costumes que enriquecem o acervo cultural local. De acordo com Ribeiro e Pereira (2022), a valorização das narrativas orais em projetos escolares contribui para a preservação da memória comunitária, além de criar um espaço para o diálogo intergeracional. A organização das informações coletadas em um e-book também representa um avanço no uso de tecnologias digitais no ambiente escolar, como defendem Barreto e Silva (2020), ao argumentarem que a incorporação de recursos tecnológicos amplia as possibilidades de ensino e aprendizado.
Os relatos e registros visuais presentes no memorial digital reforçam a importância de conectar os currículos escolares às realidades sociais e culturais dos alunos. Para Santos e Lima (2020), a integração entre escola e comunidade deve ser um objetivo central da educação em áreas rurais, uma vez que promove o desenvolvimento de práticas pedagógicas que respeitam e valorizam a diversidade cultural. O memorial digital, nesse sentido, não apenas registra a história das comunidades atendidas pela escola, mas também atua como uma ferramenta de empoderamento para os alunos, que passam a enxergar sua origem como um recurso valioso para o aprendizado.
3 DISCUSSÃO
Os resultados deste estudo reforçam a importância de integrar o patrimônio cultural e as memórias das comunidades rurais e quilombolas ao currículo escolar, uma abordagem que permite fortalecer a identidade dos alunos e promover maior envolvimento no ambiente educacional. A prática de vincular a história e a geografia local às atividades escolares, como por meio de oficinas e produção de materiais educativos, contribui para a formação de cidadãos conscientes de sua herança cultural e da relevância de suas comunidades no contexto histórico e social. Segundo Santos e Almeida (2021), essa integração é essencial para uma educação inclusiva, que reconheça e valorize a diversidade cultural como um ativo no processo de ensino-aprendizagem. A valorização do patrimônio material e imaterial das comunidades quilombolas e rurais também contribui para a construção de um ambiente escolar mais significativo, no qual os alunos se sentem representados e engajados.
A utilização da cartografia no projeto foi particularmente relevante, pois permitiu aproximar os alunos de suas raízes por meio do mapeamento territorial das comunidades. Essa atividade, além de desenvolver habilidades técnicas, promoveu uma compreensão ampliada do contexto geográfico e cultural em que os estudantes estão inseridos. Oliveira et al. (2020) destacam que a cartografia é uma ferramenta didática poderosa para conectar o conhecimento escolar às experiências vividas pelos alunos, especialmente em áreas rurais, onde o espaço físico e simbólico exerce papel central na constituição da identidade. No caso deste estudo, a criação de mapas digitais possibilitou a visualização clara das relações entre a escola e as comunidades, além de estimular o reconhecimento do valor histórico desses territórios. Essa abordagem educacional vai ao encontro da análise de Freitas e Souza (2020), que argumentam que práticas pedagógicas centradas no reconhecimento territorial e na memória coletiva têm potencial transformador no fortalecimento do vínculo dos alunos com suas origens.
Ademais, o envolvimento dos alunos no processo de produção do memorial digital consolidou a relevância de integrar as vivências comunitárias ao currículo escolar. A coleta de relatos orais e a documentação das histórias locais não apenas enriquecem o acervo cultural, mas também reforçam a importância da preservação da memória comunitária no ambiente educacional. Para Lima e Rodrigues (2021), práticas pedagógicas que promovem a participação ativa dos alunos no resgate e registro de sua história fortalecem o protagonismo juvenil e criam uma ponte entre o conhecimento escolar e as práticas culturais cotidianas. A produção de um e-book como resultado do projeto também demonstra o potencial da tecnologia como aliada na valorização do patrimônio cultural, conforme apontado por Barreto e Silva (2020), ao argumentarem que o uso de ferramentas digitais amplia o alcance e a acessibilidade das produções educacionais.
4 LIMITAÇÕES
Embora o projeto tenha apresentado resultados significativos, enfrentou algumas limitações que impactaram a execução e o alcance das atividades. Uma das principais dificuldades foi o acesso a algumas comunidades rurais e quilombolas, localizadas em áreas distantes ou com infraestrutura precária. Segundo Caldeira e Ferreira (2020), a logística em áreas rurais frequentemente representa um desafio para a implementação de projetos educacionais, devido às barreiras relacionadas à distância e à falta de transporte adequado.
Além disso, a limitação tecnológica foi outro obstáculo identificado, especialmente pela ausência de equipamentos modernos, como dispositivos GPS, em quantidade suficiente para atender às demandas das oficinas. Para Silva e Gomes (2021), a falta de recursos tecnológicos nas escolas rurais é um reflexo da desigualdade educacional no Brasil, que dificulta a incorporação de metodologias inovadoras e práticas pedagógicas que utilizam ferramentas tecnológicas. Apesar dessas dificuldades, o uso de soluções criativas e acessíveis, como o empréstimo de equipamentos e a adoção de abordagens participativas, permitiu que o projeto alcançasse seus objetivos principais.
5 CONCLUSÃO
Este estudo evidenciou a relevância de iniciativas que conectam o ambiente escolar às identidades culturais de seus alunos, especialmente no contexto do Colégio Estadual em Tempo Integral de Tanque Novo, que atende uma significativa população de comunidades rurais e quilombolas. A valorização do patrimônio cultural, articulada por meio de práticas educativas como a educação patrimonial e o uso de ferramentas cartográficas, mostrou-se uma estratégia poderosa para estreitar os laços entre a escola e as comunidades atendidas. Esses resultados corroboram os apontamentos de Santos e Almeida (2021), que destacam a importância de uma pedagogia que respeite e valorize as raízes culturais como parte integral do processo de ensino-aprendizagem.
As práticas de educação patrimonial desenvolvidas ao longo do projeto demonstraram ser um recurso eficaz para integrar o contexto cultural dos alunos ao currículo escolar, ao mesmo tempo que fomentaram o protagonismo juvenil e a valorização da memória comunitária. Segundo Costa e Santos (2021), iniciativas que destacam o patrimônio cultural no ambiente escolar não apenas fortalecem a identidade dos alunos, mas também contribuem para o reconhecimento das comunidades como espaços ricos em saberes e práticas culturais. No caso específico do Colégio Estadual de Tanque Novo, essas práticas revelaram-se fundamentais para dar visibilidade às histórias e tradições das comunidades rurais e quilombolas, promovendo um ambiente educacional mais inclusivo e representativo.
Além disso, o uso da cartografia como ferramenta pedagógica destacou-se como uma metodologia inovadora e significativa. O mapeamento das comunidades por meio de tecnologias como o GPS permitiu aos alunos uma compreensão mais ampla de sua relação com o território e fortaleceu o vínculo entre escola e comunidade. Oliveira et al. (2020) argumentam que o uso da cartografia em contextos educativos vai além da mera técnica, pois promove o entendimento dos alunos sobre sua inserção espacial e cultural, permitindo-lhes valorizar o território como parte de sua identidade.
Recomenda-se que o Colégio Estadual em Tempo Integral de Tanque Novo continue desenvolvendo ações que integrem cultura, história e tecnologia, consolidando a educação como um instrumento de inclusão e valorização das comunidades. A produção do memorial digital, que documentou histórias, mapas e imagens das comunidades, oferece um exemplo concreto de como o uso de tecnologias pode ampliar o alcance e o impacto de iniciativas pedagógicas. Segundo Barreto e Silva (2020), o uso de recursos tecnológicos na educação rural é essencial para aproximar os alunos das dinâmicas do século XXI, ao mesmo tempo que resguarda suas tradições culturais.
Por fim, reforça-se a necessidade de apoio institucional para ampliar iniciativas como esta, seja por meio de investimentos em infraestrutura, seja pelo fornecimento de equipamentos e formação continuada para professores. Como apontado por Freitas e Souza (2020), projetos que integram cultura e tecnologia no ambiente escolar dependem de políticas públicas que assegurem condições adequadas de implementação, especialmente em contextos rurais. Dessa forma, a experiência desenvolvida no Colégio Estadual em Tempo Integral de Tanque Novo pode servir como um modelo para outras escolas que atendem populações semelhantes, contribuindo para a construção de uma educação mais inclusiva, significativa e culturalmente contextualizada.
REFERÊNCIAS
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1Graduação em Geografia pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB)