ESTRESSE E RESILIÊNCIA NA PROFISSÃO DOCENTE: DESAFIOS EM TEMPOS PANDÊMICOS

STRESS AND RESILIENCE IN THE TEACHING PROFESSION: CHALLENGES IN PANDEMIC TIMES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10248291335


Jacob, Marcelo[1]
Medeiros, Sirley Damian De[2]
Teixeira, Jaime Ondino[3]


RESUMO

Durante a pandemia de COVID-19, os professores enfrentaram desafios sem precedentes devido à rápida transição para o ensino remoto e híbrido. As constantes mudanças nos métodos de ensino e as incertezas associadas à pandemia intensificaram os níveis de estresse ocupacional entre os docentes. No Brasil, muitos professores sofreram com ansiedade, depressão e outros problemas de saúde mental, especialmente com o retorno das aulas presenciais após dois anos de ensino remoto. Os professores tiveram que se adaptar rapidamente a novas demandas, e muitos estudos destacaram a importância da resiliência como uma habilidade fundamental para lidar com situações estressantes. Estratégias de enfrentamento eficazes, como planejamento e busca de apoio social, têm sido essenciais para ajudar os professores na adaptação positiva às mudanças. Apesar dos desafios enfrentados pelos professores, persistem problemas como a sobrecarga de trabalho e a necessidade de equilibrar responsabilidades profissionais e pessoais. Quanto a literatura, observa-se a escassez de pesquisas nacionais sobre estresse e resiliência na profissão docente durante a pandemia, em comparação com países como Japão e Estados Unidos. Diante disso, é importante continuar o desenvolvimento de pesquisas sobre práticas de resiliência e enfrentamento do estresse entre os professores para garantir seu bem-estar e eficácia em ambientes educacionais em constante transformação. As políticas institucionais e governamentais devem priorizar o apoio à saúde mental dos professores, oferecendo recursos e treinamento para ajudá-los a lidar com os desafios atuais e futuros. Somente com esse reconhecimento e apoio será possível garantir um ambiente educacional saudável e sustentável para toda a comunidade.

Palavras-chave: professores escolares, estresse ocupacional; Covid-19.

ABSTRACT

During the COVID-19 pandemic, teachers faced unprecedented challenges due to the rapid transition to remote and hybrid teaching. The constant changes in teaching methods and the uncertainties associated with the pandemic heightened levels of occupational stress among educators. In Brazil, many teachers struggled with anxiety, depression, and other mental health issues, especially with the return to in-person classes after two years of remote teaching. Teachers had to quickly adapt to new demands, and many studies have highlighted the importance of resilience as a key skill for dealing with stressful situations. Effective coping strategies, such as planning and seeking social support, have been essential in helping teachers positively adapt to changes. Despite the challenges faced by teachers, issues such as workload overload and the need to balance professional and personal responsibilities persist. In terms of literature, there is a scarcity of national research on stress and resilience in the teaching profession during the pandemic, compared to countries like Japan and the United States. Therefore, it is important to continue developing research on resilience practices and stress management among teachers to ensure their well-being and effectiveness in constantly evolving educational environments. Institutional and governmental policies should prioritize support for teachers’ mental health by offering resources and training to help them cope with current and future challenges. Only with this recognition and support will it be possible to ensure a healthy and sustainable educational environment for the entire community.

Keywords: school teachers; occupational stress; COVID-19

INTRODUÇÃO

Durante a primeira onda da pandemia de COVID-19 em 2020, medidas rigorosas de bloqueio resultaram, entre outras, num formato de ensino remoto em muitos países, causando uma mudança sem precedentes nas atividades escolares. No ano seguinte, a evolução incerta da pandemia, com mudanças abruptas nos números de contágio, levou à implementação de medidas específicas de contenção. Por exemplo, na Itália, as escolas primárias e secundárias adotaram um formato de ensino híbrido, dependendo do número de alunos com teste positivo em cada turma. Isso resultou em todas as turmas tendo que mudar rapidamente e de forma imprevisível de um formato de ensino presencial para um ensino remoto, contribuindo para a criação de um ambiente de trabalho turbulento para os professores (Levante et al., 2023).

No Brasil, de acordo com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE, 2022) são cada vez mais frequentes relatos de ansiedade, depressão, e outros problemas relacionados a saúde mental de professores, principalmente com a volta das aulas presenciais, após dois anos de pandemia, e o consequente retorno aos problemas na estrutura de ensino presentes no país desde bem antes da crise de saúde pública.

Segundo Barros et al. (2020), houve uma prevalência significativa de brasileiros que experimentaram sentimentos de tristeza ou depressão (40,4%) e ansiedade ou nervosismo (52,6%) durante a pandemia. Além disso, a pesquisa mostrou que 43,5% da população brasileira teve dificuldades para dormir durante a pandemia, com maior prevalência entre mulheres e indivíduos diagnosticados formalmente com depressão.

As mudanças repentinas e instáveis ​​nos formatos relacionados ao ensino pressionam as configurações educacionais, bem como a atuação dos professores em suas demandas de trabalho. Nesse sentido, vários estudos (Carroll et al., 2022; Sato; Oyanedel, 2022; Panadero et al., 2022; Procentese; Gatti; Ceglie, 2022; Shen et al., 2015) investigaram o impacto dessas mudanças nos professores, mostrando que tinham um risco elevado de desenvolver sintomatologia relacionada com o stress.

Todavia, ainda que num cenário em que o trabalho deixou de ser levado para casa e o ambiente doméstico se tornou o principal local de exercício profissional, o que implicou na precarização do trabalho docente (Silvestre; Figueiredo Filho, Silva, 2023), a literatura aponta para algumas práticas de enfretamento do estresse em professores (Cho et al., 2021; Levante et al., 2023; Oliveira, 2021), questão que motivou a investigação e análise dos principais aspectos da resiliência em professores escolares no período pandêmico, por meio de revisão de literatura.

Cabe ressaltar que no desenvolvimento deste trabalho os conceitos de Resiliência e Coping são abordados em seções distintas, pois há argumentações da diferença conceitual entre os termos. Wosnitza e Peixoto (2018 apud Alhawsawia; Alhawsawib; Sadeck, 2023) argumentam que o Coping (ou enfrentamento) é o elo que transforma o potencial (declarativo) em ação (procedimental), tornando o enfrentamento uma parte integral do processo de resiliência. Eles argumentam que, como processo, a resiliência abrange uma dimensão declarativa – status específico de estar em um determinado ponto no tempo em um contexto específico, que não é absoluto; e uma dimensão procedimental que se concentra em como uma situação estressante é tratada.

ESTRESSE OCUPACIONAL

O conceito de estresse, originalmente utilizado na Física para descrever uma força que tende a desgastar ou deformar um corpo, foi estudado por Selye (1998) em relação às reações do corpo a situações prejudiciais à saúde. Os resultados mostraram que o estresse é uma resposta biológica específica do corpo diante de exigências, podendo ser positivo (eustresse) ao motivar uma resposta adequada, ou negativo (distresse) ao causar intimidação diante de situações ameaçadoras, levando a emoções como ansiedade, medo, tristeza e raiva (Prado, 2016).

A definição de estresse de Montgomery e Rupp (2005 apud Montgomery, 2017) se originou de várias fontes diferentes. Eles utilizaram a definição de estresse de Derogatis (1987 apud Montgomery, 2017), que se refere à conceitualização do estresse como uma resposta. Eles também incorporaram a definição de estresse do professor de Kyriacou, como uma experiência de emoções desagradáveis e negativas, como raiva, ansiedade, tensão, frustração ou depressão resultantes do trabalho. Além disso, eles usaram o modelo transacional de estresse e enfrentamento de Lazarus e Folkman (1984 apud Montgomery, 2017), que considera o estresse como uma transação entre a pessoa e o ambiente. Dentro desse modelo transacional, uma pessoa primeiro avalia uma ameaça potencial, que é chamada de avaliação primária. Em seguida, a avaliação secundária é uma análise dos recursos de enfrentamento e opções da pessoa. Por fim, o enfrentamento é a terceira etapa em que o indivíduo faz esforços para regular o problema ou ameaça (Montgomery, 2017).

No âmbito ocupacional, os trabalhadores estão sendo significativamente afetados pelas mudanças sociais, econômicas e tecnológicas que a sociedade enfrenta atualmente, o que está transformando o significado e a natureza do trabalho. Os profissionais na era globalizada estão inseridos em um ambiente que é moldado por vários fatores, incluindo alta competitividade, aumento do uso de mão de obra terceirizada e concorrência acirrada, resultando em desgaste físico e mental. Aqueles cujas funções demandam grande responsabilidade, tomada de decisões rápidas e outras exigências que visam resultados satisfatórios estão cada vez mais abrindo mão do lazer e descanso necessários para a recuperação do corpo e da mente (Prado, 2016).

ESTRESSE E O TRABALHO DOCENTE DURANTE A PANDEMIA

É conhecido que os professores integram um dos grupos profissionais mais afetados pela intensificação do ritmo de trabalho, e sofrem com altos níveis de estresse e outras síndromes decorrentes de seu trabalho. O papel dos docentes agora é semelhante ao dos trabalhadores de fábricas, já que a escola tem a nova função de formar trabalhadores. De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), esses profissionais possuem habilidades específicas, relacionadas a preparar e ministrar aulas, participar na elaboração do projeto pedagógico e planejar o curso de acordo com as diretrizes educacionais. Além dessas habilidades, os professores estão envolvidos em reuniões administrativas e pedagógicas, organização de eventos e atividades sociais, culturais e pedagógicas, com o objetivo de investigar, orientar os alunos e interagir com os pais e/ou responsáveis dos alunos (Brasil, 2002).

Parece incontestável que ensinar pode ser uma profissão perigosa. Dados de 2015 do Bureau of Labor Statistics dos EUA mostraram uma taxa de incidência em 2014 de lesões e doenças ocupacionais de 4,2 casos por 100 professores de escolas públicas de ensino fundamental e médio, ultrapassando a taxa de incidência geral para indústrias de serviços (3,0), e até mesmo os setores de manufatura (4,0) e construção (3,6) (McIntyre; McIntyre; Francis, 2017).

Os resultados de amostras da Pesquisa sobre Qualidade de Vida no Trabalho do National Institute for Occupational Safety and Health dos EUA mostram que esse objeto de estudo é bem fundamentado. Dados cumulativos (2002-2014) da pesquisa sugerem, por exemplo, um padrão em que professores como um todo, desde a educação pré-escolar até o ensino superior, experimentam demandas de carga de trabalho além das normas da força de trabalho. Os resultados descritivos mostram que os professores relataram com muito mais frequência trabalhar além do horário normal de expediente, ter dificuldade em tirar folga e trabalhar em empregos secundários. Ao mesmo tempo, eles eram menos propensos a relatar que seus rendimentos mensais eram suficientes para suprir as necessidades da família – uma receita para o estresse segundo o modelo esforço-recompensa de Siegrist (1996 apud McIntyre; McIntyre; Francis, 2017). Correspondentemente, os professores relataram uma redução na qualidade de vida relacionada à saúde e uma experiência mais frequente de condições de trabalho estressantes (McIntyre; McIntyre; Francis, 2017).

No Brasil, pesquisa da Nova Escola e Fundação Lemann ouviu mais de 9,5 mil profissionais, no período de 16 a 28 de maio, por meio de um questionário online. Mais de 70% trabalham na rede pública e 23,67% na rede privada. Ao serem questionados sobre sua saúde emocional atual em comparação com o período pré-pandemia, 56,29% classificaram como péssima, ruim ou razoável, enquanto 39,56% afirmaram que sua saúde está boa ou excelente (ANAMT, 2020).

Esse panorama refletiu a situação nacional, onde problemas como ansiedade afetaram 68% dos educadores. Adicionalmente, 28% deles relataram sofrer ou ter sofrido de depressão até o período do estudo. Os sintomas mais comuns foram estresse e dor de cabeça (63%), insônia (39%), dores nos membros (38%) e alergias (38%) (ANAMT, 2020).

Tenho tido ansiedade, picos de pressão. Já dei aula parando para vomitar por conta da hipertensão, dores de cabeça e das náuseas que tenho tido regularmente. Muita pressão de todos os lados. Já cheguei a gravar oito vídeos por dia. Me sinto usada, desabafa uma professora da rede particular que prefere ser identificada como Tânia*. A docente tem receio de perder o emprego (ANAMT, 2020, online).

No Japão, os dados de um estudo nacional com professores de escolas públicas realizada entre junho de 2019 e dezembro de 2022, com uma população entre 270,777, em 2019, e 307,866 professores em 2022, apontam que, independentemente do tipo de escola, a carga de trabalho quantitativa e as longas horas de trabalho foram os fatores mais significativos que afetaram as respostas ao estresse dos professores. No entanto, os fatores relacionados ao estresse entre os professores variaram significativamente entre os tipos de escola. A porcentagem de professores do ensino fundamental II que consideraram as “atividades de clubes extracurriculares” como seu principal estressor foi a mais alta entre todos os tipos de escola. A maior proporção de professores do ensino fundamental I considerou “lidar com alunos difíceis” como seu principal estressor. Enquanto isso, as pontuações de conflito interpessoal foram as mais altas entre os professores de escolas de necessidades especiais. A carga de trabalho e os níveis de estresse dos professores aumentaram significativamente no terceiro ano da pandemia de COVID-19 (2022) em comparação com o ano anterior à pandemia (2019) em todos os tipos de escola, apesar das diferenças de pontuação marginalmente pequenas (Tsubono; Mito, 2023).

Nesse contexto, a resiliência pode ser brevemente definida como a capacidade de manter a saúde mental em uma situação estressante. Para os professores, inúmeras situações podem levar a estresse leve ou intenso. Novos fatores de estresse para professores surgiram durante a pandemia, incluindo mudanças inevitáveis no ambiente de ensino, como salas de aula com distanciamento social ou ensino híbrido, além de uma maior incerteza. No caso dos professores, a resiliência demonstra sua capacidade de se adaptar positivamente ao lidar com tais situações. Vários fatores de risco e proteção afetam a resiliência dos professores. A crença ou confiança negativa em si mesmo é um fator de risco, enquanto o senso de humor e a paciência são fatores de proteção (Cho et al., 2021), conforme será observado a seguir.

RESILIÊNCIA E O ESTRESSE DOCENTE EM PERÍODO PANDÊMICO

Na transição da década de 1970 para a de 1980, cientistas americanos e britânicos começaram a estudar pessoas que permaneciam saudáveis mesmo enfrentando adversidades severas. Inicialmente, chamaram essas pessoas de “invulneráveis” e o fenômeno de “invulnerabilidade”, e mais tarde substituíram esses termos por “resiliência”. As primeiras pesquisas sobre resiliência foram realizadas por pesquisadores de diferentes partes do mundo, que estudaram o tema sob diferentes perspectivas, organizadas por alguns autores (Fantova, 2008; Ojeda, 2004) em três correntes: a norte-americana ou anglo-saxônica, a europeia e a latino-americana (Brandão; Mahfoud; Gianordoli-Nascimento, 2011).

A corrente norte-americana é mais pragmática e focada no indivíduo, avaliando a resiliência com base em dados observáveis e quantificáveis, com ênfase no comportamentalismo ou na ecologia transacional. A resiliência, nesse caso, é vista como resultado da interação entre o indivíduo e o ambiente em que está inserido. A corrente europeia tem uma perspectiva ética mais relativista, com enfoque geralmente psicanalítico, considerando a visão do indivíduo como relevante para a avaliação da resiliência. Segundo Fantova, para essa corrente, a resposta do indivíduo às adversidades vai além dos fatores ambientais, sendo tecida a partir da dinâmica psicológica da pessoa, permitindo uma narrativa íntima e uma narrativa externa sobre a própria vida. Por fim, a corrente latino-americana é mais comunitária, enfocando a resposta social aos problemas do indivíduo em meio às adversidades (Brandão; Mahfoud; Gianordoli-Nascimento, 2011).

Dentre os problemas que afligem o indivíduo, o estresse docente durante a pandemia de COVID-19 tem sido objeto de estudo, relacionado a resiliência como modo de manutenção da saúde dos professores da Educação Básica.

Investigação conduzida por Stachteas e Stachteas (2020) analisou os efeitos psicológicos da pandemia de COVID-19 em 226 professores do ensino médio na Grécia. Os resultados delinearam um perfil de professores que não demonstraram grande preocupação com o surto do Novo Coronavírus. Esses profissionais não exibiram sinais evidentes de sobrecarga de trabalho devido à depressão associada à pandemia. Além disso, mantiveram uma atitude predominantemente otimista em relação ao desfecho da crise, e a transição para o ensino remoto não gerou muita apreensão entre eles.

Apesar do estresse e da ansiedade causados pela COVID-19, a capacidade de resiliência adquirida durante a transformação do sistema educacional pode ser crucial na adaptação dos profissionais acadêmicos durante o período de quarentena para lidar com o estresse (Delgado-Gallegos et al., 2021).

Bartosiewicz et al. (2022) afirmam que a natureza da profissão docente indica a necessidade de os professores possuírem traços de personalidade e uma alta resiliência mental. Considerando as diversas idades e predisposições individuais dos professores, para alguns, o trabalho escolar pode representar uma carga, tornando-os incapazes de atender sempre às demandas da profissão.

A pesquisa de Delgado-Gallegos et al. (2021) examinou os impactos da pandemia na saúde mental de 223 professores no México. Conforme os resultados do perfil sociodemográfico, os professores com mais de 50 anos relataram ansiedade e estresse relacionados à COVID-19, mas também demonstraram níveis elevados de resiliência. Os autores questionaram se a resiliência poderia se desenvolver ao longo da vida, ou se a antiga expressão “a sabedoria vem com a idade” se aplica especialmente aos profissionais acadêmicos.

No estudo de Cho et al. (2021), 400 professores responderam a uma pesquisa online que incluiu a Escala de Estresse e Ansiedade diante de Epidemias Virais-9, que observou o bem-estar subjetivo e a depressão dos professores influenciados por altos níveis de estresse e ansiedade relacionados à epidemia viral, e sua resiliência mediou essa relação nessa era da pandemia de COVID-19.

Para avaliar os níveis de resposta às situações estressantes, foi utilizada a Escala Breve de Resiliência (EBR) desenvolvida para medir a resiliência de uma pessoa, ou seja, a capacidade de se recuperar rapidamente de situações difíceis. No estudo vários itens do SAVE-9 estavam correlacionados com crença negativa em si mesmo ou confiança, como “Você tem medo de que sua saúde piore por causa do vírus?”, “Você está preocupado em se infectar?”, “Você está preocupado que outros possam evitá-lo mesmo após o risco de infecção ter sido minimizado?” E, “Você acha que seus colegas terão mais trabalho a fazer devido à sua ausência por uma possível quarentena e podem culpá-lo?”. Portanto, pode-se assumir que os participantes com mais estresse e ansiedade em relação à COVID-19 provavelmente tiveram níveis reduzidos de resiliência (Cho et al., 2021, p. 6).

Ramakrishna e Singh (2022) entrevistaram 20 professores na Região da Capital Nacional de Deli, Índia, a fim de refletir sobre suas experiências de ensino durante o lockdown para explorar sua resiliência em se adaptar a uma nova realidade. O retorno dos professores foi classificado em duas vertentes. A primeira destacou a sensação de desconexão que os professores experimentaram com seus papéis profissionais, ambientes sociais e familiares. A mudança abrupta e avassaladora em suas vidas causou um desequilíbrio em suas identidades profissionais e pessoais, e as entrevistas ressaltam as dificuldades que enfrentaram para restaurar a normalidade. No início, enquanto se adaptavam ao conceito de trabalho remoto, os professores tiveram dificuldade em encontrar espaço físico e mental para separar suas responsabilidades familiares e profissionais. Um achado interessante é que a maioria das professoras reconheceu a dificuldade em equilibrar trabalho e vida em comparação com seus colegas do sexo masculino.

Mal tenho tempo para falar com meu marido ou minha filha. Apenas deixo a comida pronta para eles e depois estou ocupada o dia todo com o trabalho da escola. Como a pandemia foi uma luta para todas as partes interessadas, incluindo os pais, alguns professores notaram o desconforto de ter um pai ou mãe envolvido ativamente na sala de aula (por que os pais estão se metendo tanto em nossas aulas… todos os professores estão bastante incomodados, porque estamos dando 200%, deixando nossa família, não fazendo nada por eles (família). Estamos fazendo isso pelas crianças, seus filhos, em benefício deles). É importante destacar que, embora os professores entendessem os motivos por trás do envolvimento dos pais, foi desafiador traduzir essa percepção em comportamento, dado o quão intrusivo isso parecia em comparação com a experiência de uma sala de aula física (Ramakrishna; Singh, 2022, p. 4).

O segundo aspecto da pesquisa é sobre reconhecer pequenas vitórias. Relatos de professores dessas entrevistas destacaram a natureza otimista inerente ao ensino e aos professores. Apesar da pandemia, professores de diferentes contextos socioeconômicos, idades e gêneros tinham um objetivo em mente: se adaptar à pedagogia digital e garantir que o processo de aprendizagem não fosse interrompido, ao mesmo tempo em que zelavam pela saúde física e mental de seus alunos (Ramakrishna; Singh, 2022).

Conforme destacado na vertente anterior, a identidade do professor está intimamente ligada à sua motivação e satisfação profissional. Apesar dos reveses causados pelos múltiplos lockdowns e pelas mudanças nas políticas nos níveis institucionais e governamentais, os professores mantiveram sua motivação e compromisso elevados ao encontrar um lado positivo em suas experiências (Ramakrishna; Singh, 2022).

Se eu conseguir alcançar 150 alunos corretamente e eles entenderem, isso me dá satisfação. Eles também estão sofrendo muito. Mas quando vejo seus rostos alegres na minha aula e eles respondem bem…. Isso me dá uma satisfação muito sólida no final do dia. Que, enfim, nesta pandemia, estou fazendo o que está ao meu alcance. A satisfação profissional também aumentou quando os professores puderam transcender as barreiras interdepartamentais, o que antes era difícil devido às restrições de infraestrutura. É interessante notar que professores mais jovens (com menos de 35 anos) ficaram mais entusiasmados com a oportunidade de colaborar com professores de outros departamentos (Colaborar com professores de outros departamentos…. Acho que isso também me abriu muitos canais na minha própria mente, forma de pensar e forma de trabalhar, pois houve muitos novos insights para mim como professor. Então, nesse sentido, me sinto muito mais aberto…. Acho que minha visão se ampliou) Ramakrishna; Singh, 2022, p. 5).

Essas narrativas de encontrar uma mudança interior foram uniformemente observadas entre professores homens e mulheres que expressaram ter crescido como ouvintes e aprendizes durante a pandemia.

Ramakrishna e Singh (2022) resssaltam que para uma melhor análise da temática é importante, como pesquisadores, estudar as atitudes e comportamentos dos professores durante períodos de ensino difíceis para compreender e antecipar corretamente seus mecanismos de enfrentamento, denominados como Coping, conforme será abordado no próximo tópico.

Coping

O conceito de Coping ou enfrentamento tem sido importante na psicologia há mais de quarenta anos. Ele forneceu um tema organizador na descrição e avaliação clínica nas décadas de 1940 e 1950 e atualmente é o foco de várias psicoterapias e programas educacionais que têm como objetivo o desenvolvimento de habilidades de enfrentamento. Tal questão tem recebido ampla atenção do público em geral, como pode ser visto ao observar qualquer banca de revistas, lista de best-sellers ou grade de programação televisiva. De fato, o enfrentamento é tanto um termo coloquial quanto científico. No entanto, apesar da rica história e da popularidade atual associadas ao enfrentamento, há pouca coerência em teoria, pesquisa e compreensão. Mesmo a mais superficial inspeção de leituras selecionadas de publicações acadêmicas e populares revela confusão sobre o que se entende por enfrentamento e como ele funciona no processo de adaptação (Lazarus; Folkman, 2019).

O conceito de enfrentamento é encontrado em duas literaturas teóricas/pesquisas muito diferentes, uma derivada da tradição da experimentação com animais e a outra da psicologia do ego psicanalítico. A primeira, baseada no modelo animal de estresse e controle, é fortemente influenciada pelo pensamento darwiniano, segundo o qual a sobrevivência depende de o animal descobrir o que é previsível e controlável no ambiente para evitar, escapar ou superar agentes nocivos. O animal depende de seu sistema nervoso para fazer a discriminação necessária relacionada à sobrevivência. Dentro do modelo animal, o enfrentamento é frequentemente definido como atos que controlam condições ambientais aversivas, reduzindo assim a perturbação psicofisiológica. Miller (1980 apud Lazarus; Folkman, 2019) afirma, por exemplo, que o enfrentamento consiste em respostas comportamentais aprendidas que são bem-sucedidas em diminuir a excitação ao neutralizar uma condição perigosa ou nociva. Da mesma forma, Ursin (1980 apud Lazarus; Folkman, 2019) afirma que:

O desenvolvimento gradual de um decremento de resposta em experimentos com animais, bem como em experimentos com humanos, é o enfrentamento. O animal está aprendendo a lidar com isso por meio da redução da tensão impulsiva por reforço positivo Ursin (1980 apud Lazarus; Folkman, 2019, p. 190).

No modelo de psicologia do ego psicanalítica, o enfrentamento é definido como pensamentos e ações realistas e flexíveis que resolvem problemas e, assim, reduzem o estresse. A principal diferença entre o tratamento do enfrentamento neste modelo em comparação com o modelo animal é o foco nas formas de perceber e pensar sobre a relação da pessoa com o ambiente. Embora o comportamento não seja ignorado, ele é tratado como menos importante do que a cognição (Lazarus; Folkman, 2019).

No ambito do trabalho docente, pesquisas tem evidenciado a adoção do Coping em período pandêmico, por meio de estratégias de enfrentamento das situações estressantes.

Por meio de um questionário online, pesquisa de Truzoli, Pirola e Conte (2021) explorou a experiência na pandemia de 214 professores italianos da região da Lombardia, atuantes no ensino online, segundo o nível de fatores de risco (por exemplo, estresse) e fatores de proteção (por exemplo, locus de controle) e seu impacto nos níveis de satisfação durante o distanciamento social. Os resultados do questionário sugerem que, no geral, os participantes foram capazes de lidar adequadamente com o desafio da transição para o ensino online durante o lockdown da COVID-19. No entanto, surgiram algumas questões (diferenças entre homens e mulheres, áreas de insatisfação como falta de interação direta, critérios de avaliação, impacto no humor e angústia).

Significativas diferenças surgiram na impressão geral da experiência de ensino, comparando homens e mulheres. As mulheres tendiam a ter uma impressão mais positiva da experiência de ensino em comparação com os homens, e isso apesar de terem que lidar significativamente mais do que os homens com alguns elementos de incerteza (dúvidas sobre o que fazer, como avaliação de alunos e aspectos de comunicação, que foram avaliados como adequados, mas aprimoráveis). Além disso, a transição para o novo modo de ensino teve um impacto no humor dos professores (cerca de um quarto dos participantes relata que estão lutando para gerenciar a situação). As mulheres relatam um maior impacto no humor. As diferentes estratégias de enfrentamento poderiam razoavelmente explicar essa aparente contradição. Na verdade, além de planejar melhor a atividade didática, as mulheres tendem a usar mais estratégias de comparação social e apoio social do que os homens. No geral, a estratégia de enfrentamento pareceu adequada, envolvendo a busca de apoio dos colegas, planejamento (focado na cognição) ou a procura por distrações relaxantes (Truzoli; Pirola; Conte, 2021).

Baker et al. (2021) utilizaram dados de avaliação de necessidades coletados de 454 professores de escolas charter[4] de Nova Orleans, EUA (81% mulheres; 55% negros; 73% educação regular) durante os primeiros meses da pandemia. Em média, os professores experimentaram sete estressores (de 18 pesquisados) e quatro fatores de proteção (de seis pesquisados). Professores que enfrentaram mais estressores relataram pior saúde mental e tiveram mais dificuldade para lidar e ensinar. A experiência de mais fatores de proteção foi associada a uma maior facilidade para lidar e ensinar. Em comparação com os professores brancos, os professores negros relataram melhor saúde mental, mais fatores de proteção, menos impacto negativo dos estressores e mais impacto positivo dos fatores de proteção. A falta de conexão e os desafios do ensino online foram os aspectos mais difíceis do ensino durante a pandemia; o apoio dos colegas e administradores foi o mais útil.

Pesquisa de Klapproth et al. (2020) avaliou o nível de estresse que os professores enfrentaram durante o fechamento das escolas na Alemanha, suas estratégias para lidar com isso e as barreiras externas e internas para o ensino à distância com um questionário online. Um total de 380 professores de diferentes formas de ensino participaram. Eles enfrentaram níveis médios a altos de estresse. Mais de 50% deles passaram mais de quatro horas diárias ensinando remotamente, com os professores do ensino médio experimentando significativamente mais estresse e trabalhando mais horas diariamente do que os professores de educação especial. A grande maioria deles enfrentou barreiras técnicas, mas a maior parte se sentiu capaz de lidar funcionalmente com o estresse. As professoras enfrentaram significativamente mais estresse, mas lidaram com isso de forma mais funcional; os professores usaram mais estratégias de enfrentamento funcional quando esperavam fatores externos como barreiras para o ensino à distância.

O resultado de que os professores, em média, aplicaram mais estratégias de enfrentamento funcionais (por exemplo, planejamento ou busca de apoio social) do que estratégias de enfrentamento disfuncionais (por exemplo, desistir de tentar atingir metas ou beber álcool) destaca que a maioria deles se sentiu capaz de gerenciar ativamente e deliberadamente o ensino à distância. No entanto, embora muitos professores prefiram estratégias funcionais em vez de disfuncionais, quase todos também utilizaram estratégias disfuncionais, como, por exemplo, assistir mais TV ou abandonar metas pessoais. Os professores eram mais propensos a utilizar estratégias de enfrentamento funcionais do que disfuncionais quando atribuíam as causas de suas restrições a fatores externos, como baixa motivação dos pais ou baixo nível de organização da escola. No entanto, quando internalizavam as restrições, por exemplo, quando reclamavam de seu próprio nível de organização ou do baixo nível de competência digital, preferiam estratégias disfuncionais em vez de funcionais (Klapproth et al., 2020).

As professoras estavam mais estressadas do que os professores, mas as também usavam com mais frequência estratégias de enfrentamento funcionais do que seus colegas do sexo masculino. O estresse elevado no trabalho das mulheres pode decorrer de diferenças de gênero em domínios fora do trabalho, de modo que as professoras podem enfrentar uma carga de trabalho maior para o ensino e tarefas domésticas ao mesmo tempo ou um conflito mais acentuado entre os papéis de trabalho e familiares (Klapproth et al., 2020).

CONCLUSÕES

Passados um pouco mais de 5 anos desde os primeiros casos de pneumonia Covid-19 na cidade chinesa de Wuhan, em dezembro de 2019, observa-se que a pandemia de COVID-19 gerou desafios sem precedentes para o setor educacional global, resultando em mudanças significativas nos métodos de ensino e impactando profundamente a saúde mental e o bem-estar dos professores. As constantes mudanças nas abordagens de ensino e as incertezas da pandemia intensificaram os níveis de estresse ocupacional entre os docentes, que tiveram que se adaptar rapidamente às novas demandas do trabalho remoto e híbrido.

Apesar do ambiente de trabalho tumultuado e da pressão adicional que contribuíram para aumentar a ansiedade, a depressão e outras questões de saúde mental entre os professores, também surgiram oportunidades para a resiliência e o desenvolvimento de estratégias eficazes para lidar com essas situações. Os estudos mencionados enfatizam a importância da resiliência como uma habilidade fundamental para os professores enfrentarem situações estressantes e se adaptarem de forma positiva às mudanças.

Os professores demonstraram uma notável capacidade de adaptação ao empregar estratégias de enfrentamento funcionais, como o planejamento, a busca de apoio social e a criatividade no ensino. No entanto, persistem desafios, incluindo a necessidade de equilibrar responsabilidades profissionais e familiares, além de lidar com barreiras técnicas e enfrentar a sobrecarga de trabalho.

A literatura no Brasil acerca do estresse e resiliência na profissão docente em tempos pandêmicos ainda é escassa, assim como não foram observados na literatura inqueritos nacionais desenvolvidos para identificar e analisar os efeitos da carga de trabalho dos professores da rede pública durante a pandemia, realidade diferente de países como Japão e EUA, que trabalharam com universos significativos de participantes.

Portanto, é importante o desenvolvimento de pesquisas acerca das práticas de resiliência e enfrentamento do estresse entre os docentes para garantir seu bem-estar e eficácia em ambientes educacionais em constante mudança. As políticas institucionais e governamentais devem priorizar o apoio à saúde mental dos professores, oferecendo recursos e treinamento para ajudá-los a enfrentar os desafios presentes e futuros. Somente por meio do reconhecimento e do apoio adequado aos professores será possível assegurar um ambiente educacional saudável e sustentável para toda a comunidade.

REFERÊNCIAS

ALHAWSAWI, J.; ALHAWSAWI, S.; SADECK, O. Understanding resilience and coping in a digitally transformed educational environment during COVID-19. Journal of Further and Higher Education, [S.l.], v. 47, n. 2, p. 242-254, 2023.

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[1] Mestre em Educação. Docente de Ciências e Biologia, Rede Estadual de Ensino – E.E.B. Marcos Konder, Ilhota – SC. E-mail: marcelojacob20@gmail.com.

[2] Especialista em Educação. Docente de Química e Física, Rede Estadual de Ensino – Secretaria de Estado da Educação – SC. E-mail: sirleydamian@sed.sc.gov.br.

[3] Especialista em Educação. Docente em História, Secretaria de Estado da Educação -SC. E-mail jaimeteixeira@sed.sc.gov.br.

[4] Escola charter é uma escola mantida com recursos públicos, mas cuja gestão é privada. Tal modelo surgiu nos Estados Unidos. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/educacao/charter-school-uma-escola-publica-que-caminha-e-fala-como-escola-privada/.