SOCIAL STIGMA OF CRIMINAL CONVICTION AND THE RESOCIALIZATION OF EGRESSIVES
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202506041805
Fabrício Barbosa Campos Silva1
Me. Ana Paula Veloso de Assis Sousa2
Resumo
O presente texto visou abordar sobre a situação carcerária no Brasil e a promoção de uma ressocialização efetiva aos egressos do sistema prisional. Assim, partindo do questionamento acerca dos impactos que a estigmatização social pode acarretar a vida do egresso do sistema prisional objetivou-se compreender como essa estigmatização dificulta a ressocialização e aumenta a possibilidade de reincidência. Ainda, objetivou-se também apresentar a função da pena, entender a Teoria do Labelling Approach ou Teoria do Etiquetamento Social no processo de criminalização e por fim, demonstrar a eficiência do sistema prisional na promoção da ressocialização e fatores que contribuem para a reincidência. Utilizou-se de uma abordagem qualitativa sendo realizada uma revisão bibliográfica e documental da literatura sobre o tema, que evidenciou que a reação social, seja de acolhimento ou de segregação, diante de um egresso do sistema prisional é tão importante quanto as políticas públicas e o próprio processo de ressocialização que ocorre nos presídios.
Palavras-chave: Sistema Prisional; Teoria do Etiquetamento Social; Ressocialização; Reincidência.
Abstract
This text aimed to address the prison situation in Brazil and the promotion of effective resocialization for those released from the prison system. Thus, starting from the question about the impacts that social stigmatization can have on the life of those released from the prison system, the objective was to understand how this stigmatization hinders resocialization and increases the possibility of recidivism. Furthermore, the aim was also to present the function of the penalty, to understand the Labeling Approach Theory or Social Labeling Theory in the criminalization process and, finally, to demonstrate the efficiency of the prison system in promoting resocialization and factors that contribute to recidivism. A qualitative approach was used, with a bibliographical and documentary review of the literature on the subject being carried out, which showed that the social reaction, be it reception or segregation, in the face of an ex-prisoner is as important as public policies and the the resocialization process that takes place in prisons.
Keywords: Prison System; Social Labeling Theory; Resocialization; Recidivism.
INTRODUÇÃO
A execução penal no Brasil é regulamentada pela Lei de Execução Penal (LEP) é responsável, que assegura aos apenados uma série de garantias e assistências simbolizando um grande avanço na promoção efetiva de direitos para a população presa. Assim, a LEP, em teoria, assegura a aplicação de princípios constitucionais e direitos fundamentais determinando o dever do poder público em suprir necessidades básicas, condições dignas e favorecer a futura ressocialização do apenado (Cunha, 2020).
A função do sistema prisional e da aplicação da pena além de punir e reprovar socialmente aquela conduta praticada pelo sentenciado, é também de propiciar um ambiente em que seja possível reintegrar o indivíduo à sociedade após ele deixar o cárcere. Entretanto, não cabe somente ao Estado a responsabilidade na promoção da ressocialização, a participação da sociedade e a reação social impacta diretamente esse processo de realização, podendo influenciá-lo negativa ou positivamente (Nucci, 2020).
Diante disso, o intuito deste texto é trazer uma abordagem acerca do sistema carcerário brasileiro, objetivando compreender qual a influência da sociedade na estigmatização do egresso do sistema prisional e no aumento da possibilidade de reincidência no crime. Em específico, objetiva-se também: analisar a evolução e função da pena no direito brasileiro, entender a Teoria do Labelling Approach (Teoria do Etiquetamento Social) e sua relação com o processo de criminalização e apresentar a eficiência do sistema prisional para promover a ressocialização e fatores que levam a reincidência.
Para elaboração desta pesquisa e visando o cumprimento dos objetivos traçados foi realizada uma revisão bibliográfica e documental da literatura, com o intuito de reunir e analisar estudos e informações atualizadas sobre o sistema prisional brasileiro e os estigmas e dificuldades sofridos pelos egressos prisionais. A revisão abrangeu artigos científicos, dissertações, teses, monografias, periódicos disponíveis online em revistas jurídicas, doutrinas, as legislações e posicionamentos dos tribunais que tratem sobre a temática. Utilizou-se também pesquisas do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) e da Secretaria Nacional de Políticas Penais (SISDEPEN), que publicam dados anuais acerca das condições dos estabelecimentos prisionais e da população carcerária no Brasil.
Assim, considerando todos os direitos previstos na Lei de Execução Penal e na Constituição Federal de 1988, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana que norteia a aplicação de todo o ordenamento jurídico brasileiro, se faz importante discutir acerca da atual situação carcerária no Brasil, das dificuldades que os egressos do sistema prisional encontram para se reintegrar à sociedade e retomar a vida fora da criminalidade E ainda, como a atuação do Estado através da implementação de políticas públicas e também a sociedade tem trabalhado para tornar efetiva a ressocialização e reinserção social dos ex-condenados.
2 A FINALIDADE DA PENA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO
Inicialmente as penas possuíam apenas o caráter aflitivo e retributivo com a utilização de castigos corporais, e posteriormente, evoluíram para a aplicação de pena privativa de liberdade, contendo um caráter preventivo e ressocializador. Sob este contexto, as teorias que buscavam demonstrar a finalidade da pena foram progredindo ao longo dos anos e serão expostas a seguir. A teoria retributiva ou absoluta delimita que a finalidade da pena reside na retribuição, assim, “impondo o mal da pena perante o mal do crime, a igualdade seria reinstaurada mediante a reparação moral alcançada pelo apenado e a Justiça imperaria” (Lobo, 2022, p. 13). Portanto, a pena tem por finalidade a punição do criminoso que cometeu o fato criminoso como uma forma de o Estado, em sua força punitiva, retribuir o mal que foi causado à vítima, sendo ela uma única pessoa ou toda a coletividade.
De certo modo, este caráter estritamente retributivo remete a própria Lei de Talião, tendo em vista que segundo a teoria absoluta, para que realmente haja uma compensação, a pena aplicada deve ser proporcional ao dano sofrido. No mesmo sentido, pode-se dizer que a pena teria como função a aplicação da justiça, na medida que impõe um mal necessário aqueles que praticam atos ilícitos (Silva, 2017).
Essa teoria teve como principais defensores Immanuel Kant, que considerava a pena como um fim em si mesmo e defendia enfaticamente a questão da proporcionalidade da pena com o mal causado pelo infrator. E era também defendida por Hegel que definia a pena como uma negação do crime, e através da retribuição era possível reestabelecer o direito que foi violado pelo criminoso e também a ordem pública (Fernandes, 2020).
A teoria retributiva ou absoluta não foi adotada, mas sim amplamente criticada, isso tendo em vista que ela não possui qualquer caráter ideológico ou finalidade social, ou seja, não traz resultados positivos para a sociedade ou para o infrator. Assim como também não proporciona qualquer segurança social, pois não busca impedir que novos delitos sejam praticados, portanto, não ressocializa o sujeito e também não previne a reincidência (Medeiros; Coelho, 2015).
Por outro lado, na visão de Greco (2017) quando se fala em aprovação da sociedade a teoria retributiva satisfaz certa parcela social, vez que alguns se satisfazem com a pena sob a forma de pagamento ou consequência, isso contanto que a pena seja privativa de liberdade. Haja vista que, penas como as restritivas de direitos ou de multa não trazem a mesma sensação de punição para a sociedade em geral.
Dando seguimento, a teoria relativa, utilitarista ou preventiva da pena se opõe à teoria retributiva, pois atribui a pena a finalidade de prevenir a reincidência daquele infrator. Essa teoria surge a partir do desenvolvimento da sociedade, da ascensão do Estado Liberal e assegurador de direitos e em consonância com o movimento de humanização da pena (Barbosa, 2016).
Ela se desdobra sob dois aspectos sendo estes geral e especial, que ainda se subdividem novamente em prevenção geral negativa ou positiva e prevenção especial negativa ou positiva. A geral negativa diz respeito a questão intimidatória que a pena possui e como essa intimidação reflete na sociedade e influencia os cidadãos a evitarem práticas criminosas. Enquanto que a geral positiva busca estimular consciência sobre o respeito à legislação vigente e aos valores defendidos pelas normas (Gomes, 2019).
Já no que se refere a prevenção especial negativa, a intimidação se dirige ao próprio autor do crime, com a punição aplicada sob a forma de privação de liberdade, buscando impedir que esse indivíduo pratique mais crimes. Nesse sentido, a prevenção especial positiva compreende o caráter ressocializador da pena, que visa estimular o apenado a refletir sobre o delito cometido e suas consequências, buscando evitar que ele se torne um reincidente e retorne ao convívio social (Lobo, 2022).
Sob este contexto, diante da dúvida acerca da eficiência das teorias existentes e buscando unificar os aspectos positivos da teoria absoluta e da teoria relativa, cria-se a teoria mista, eclética ou unificadora da pena. Assim, assegurando o aspecto retributivo da pena pois se mantém a segregação do sentenciado com a privação de liberdade, assim como também faz manutenção do caráter preventivo da pena no que concerne a intimidação social através do poder punitivo do Estado (Gomes, 2019).
Essa teoria unificadora foi desenvolvida por Claus Roxin, segundo ele a função primordial do Direito Penal é a prevenção geral com o objetivo de diminuir as práticas criminosas na sociedade, incentivando nos cidadãos a consciência sobre a necessidade de atuar dentro da legalidade. Assim, o Direito Penal é medida extrema que só deve ser aplicada quando outras sanções, sejam civis ou administrativas, não forem suficientes (Barbosa, 2016).
A ressocialização se enquadra como a última finalidade da pena. Logo, embora a função de aplicar uma punição e prevenir novas condutas semelhantes seja importante, a ressocialização deve ser o objetivo final, pois é a efetiva reintegração do indivíduo em sociedade que é capaz de diminuir a reincidência e, consequentemente, a criminalidade na sociedade de forma geral. Para que se justifique a aplicação da pena, para além da justiça quanto a seus preceitos, é preciso que se observe e mantenha condições essências da vida em sociedade. Desta forma, a execução da pena deve fazer combinar utilidade e justiça, visto que a pena só é considerada legítima quando também for útil e justa (Fernandes, 2020).
Desta forma, a pena é “sanção imposta pelo Estado, através da ação penal, ao criminoso, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a novos crimes” (Nucci, 2020, p. 512). Assim, a imposição de penas pelo Estado compreende questão de sobrevivência e necessidade social, à medida que sua aplicação representa retribuição ao criminoso pela prática criminosa, é também prevenção ao cometimento de novos delitos pelo sentenciado e pela sociedade.
Posto isso, a legislação penal brasileira incorporou as características e finalidades da pena, quais sejam, o castigo, a reafirmação do poder punitivo estatal e a privação de liberdade com foco na ressocialização. Assim, o Código Penal em seu artigo 59, adotou a teoria mista da pena, nota-se por esse dispositivo legal que o legislador ao determinar a aplicação da pena também estabelece que ela deve acumular, de forma necessária, tanto a reprovação como a prevenção do crime. Assim, a pena adquire, portanto, uma tríplice finalidade e caráter polifuncional, sendo: retributiva, preventiva (especial e geral) e reeducativa (Cunha, 2020).
Desta forma, no momento em que o legislador positiva o crime em lei, tipificando a conduta como criminosa e determinando uma sanção penal, ou seja, a pena em abstrato, demonstra-se o exercício do caráter preventivo da pena. Isto porque, a partir deste momento ele cria-se o crime e o senso coletivo de que, qualquer indivíduo que cometa aquela conduta será punido. Portanto, ao combinar os limites mínimos e máximos da pena “afirma-se a validade da norma desafiada pela prática criminosa (prevenção geral positiva), buscando inibir o cidadão de delinquir (prevenção geral negativa)” (Cunha, 2020, p. 473).
Neste raciocínio, a partir da prática da conduta criminosa e do desenrolar da ação penal, no momento da sentença em que a pena é administrada e que se observa as circunstâncias trazidas pelo artigo 59 do Código Penal, o magistrado já deve atuar em consonância com as finalidades retributiva e preventiva especial da pena. Deste modo, nesta fase do processo em que o juiz prolata a sentença, a pretensão da aplicação da pena não é fazer da decisão exemplo social para evitar novos delitos (prevenção geral positiva ou negativa) (Barbosa, 2016).
Sendo assim, é na última fase do processo, ou seja, na execução da pena que se concretiza o caráter retributivo, haja vista a punição de cerceamento de liberdade aplicado, e também a prevenção especial, no que se refere à promoção da ressocialização. Portanto, a execução da pena, no que concerne a estrutura do presídio e execução prática das diretrizes previstas na Lei de Execução Penal, deve proporcionar condições para que o condenado consiga se reintegrar socialmente quando finalizar o cumprimento de sua pena (Barbosa, 2016).
3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI DE EXECUÇÃO PENAL
O objeto da execução penal encontra-se definido no art. 1º da LEP que consiste em “efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (Brasil, 1984). Portanto, os objetivos se subdividem em dois, primeiramente com foco em trazer efetividade a todas as disposições prolatadas pela sentença ou decisão criminal, e em segundo lugar a ressocialização, buscando conseguir proporcionar os meios e as condições necessárias para que o reeducando possa finalizar a pena e ser reinserido novamente na sociedade.
Portanto, a execução da pena é a fase processual em que “o Estado faz valer a pretensão executória da pena, tornando efetiva a punição do agente e buscando a concretude das finalidades da sanção penal” (Nucci, 2018, p. 17). De forma que o objetivo de proporcional a ressocialização não é no sentido de impor, mas sim por constituir dever do Estado fornecer aos condenados os meios para que seja possível que eles se recuperem socialmente.
Complementando o que dispõe o art. 1º, a LEP em seu art. 3º assegura ao reeducando todos os direitos que não foram alcançados pela sentença, assim como proíbe o tratamento diferenciado devido a motivações sociais, raciais, religiosos ou políticos, obedecendo também ao princípio da igualdade. O art. 5º, XLIX da Constituição Federal determina o respeito à integridade física e moral do preso, da mesma forma o art. 30 do Código Penal estabelece que o proteção à integridade física e moral do preso, assim como a efetivação de todos os direitos que não foram atingidos pela perda da liberdade (Gonzaga, 2021).
O reeducando, ainda que privado de liberdade, é sujeito de direitos que devem ser garantidos pelo Estado, assim como também possui deveres a serem cumpridos. Os direitos dos presos estão descritos em um extenso rol no art. 41, do inciso I até o XVI da Lei de Execução Penal, dentre eles, o direito à alimentação, vestuário, trabalho, previdência social e assistências material, médica, educacional, social, religiosa, e também assistência ao egresso do sistema prisional.
3.1 Crise carcerária: a superlotação do sistema prisional brasileiro
Ainda que tenham sua liberdade cerceada, sendo retirados do convívio em sociedade e tendo alguns direitos restringidos judicialmente, a legislação prevê algumas assistências e direitos que são assegurados aos presos e aos ex-condenados. Sendo sempre importante ressaltar que os encarcerados ainda são sujeitos de direitos e de deveres, que devem ter sua dignidade, integridade física e moral respeitados. No entanto, a realidade prática do sistema prisional brasileiro e o tratamento fornecido à população carcerária é incompatível com todos os direitos e garantias previstos em lei.
Conforme a Pastoral Carcerária Nacional (CNBB), que defende a vida, a integridade física e psíquica dos cidadãos encarcerados, em seu relatório “Tortura em Tempos de Encarceramento em Massa II”, no período de junho de 2014 até agosto de 2018 foram expostas denúncias de 175 casos de tortura e de outras violações ocorridas no sistema penitenciário. A CNBB também revelou que o procedimento adotado pelo sistema judiciário para documentar e apurar as denúncias realizadas é extremamente moroso e inepto, vez que o percentual de casos abertos e sem resolução é muito alto, chegando a 71%, mesmo que as denúncias tenham sido feitas há mais de quatro anos (CNBB, 2018).
O conteúdo das denúncias evidenciou diversas condutas ilegais e que carecem de responsabilização. A agressão física se fez presente em 58% das denúncias e geralmente relacionada à tortura, já as condições degradantes e de insalubridade dos estabelecimentos prisionais constavam em 41% das denúncias. Quanto as assistências que devem ser prestadas aos presos, 35% das denúncias eram sobre negligências em assistência material, ou seja, em alimentação, vestuário, produtos de higiene e roupas de cama, 33% denunciaram a falta de prestação de assistência à saúde, no que diz respeito a recusa de fornecimento de atendimento médico, primeiros socorros e medicação. Já 15% dos casos se tratavam de relatos acerca do uso de armas de fogo e outros armamentos menos letais como instrumentos de tortura (CNBB, 2018).
A Secretária Nacional de Políticas Penais (SISDEPEN), que coleta dados da população carcerária e do sistema penitenciário brasileiro, no Relatório de Informações Penais (RELIPEN) do 1º semestre de 2023 revelou que a população carcerária total de presos, seja em celas físicas, em regime domiciliar ou sob custódia das Polícias Judiciárias, Batalhões de Polícias e Bombeiros militares, é de 839.672 mil pessoas (RELIPEN, 2023).
Entendendo melhor estes dados, em celas físicas, ou seja, aqueles que independentemente de direito a saída diurna retornam para dormir no estabelecimento prisional, é de 649.592 mil pessoas. Já cumprindo pena em regime fechado são 336.340 mil detentos, sendo importante destacar que conforme o relatório o número de presos provisórios é de 180.167 mil pessoas. Quanto às pessoas que cumprem pena em regime domiciliar, seja com monitoramento eletrônico ou não, constam 190.080 sentenciados.
Em análise a estes dados é possível compreender o quanto o sistema penitenciário brasileiro tem sofrido com a superlotação, visto que o número de pessoas privadas de liberdade é de 649.592 mil, a capacidade de vagas é de 481.835 mil, ou seja, um déficit -162.470 mil vagas. A superlotação dos presídios brasileiros já é de conhecimento público há anos, visto que a maioria dos estabelecimentos prisionais não possuem a estrutura e condições necessárias para dispensar um tratamento digno a qualquer ser humano (RELIPEN, 2023).
Segundo informa Gomes (2020) que desde 2008 a situação dos presídios brasileiros chama a atenção frente ao cenário mundial quando a Human Rights Watch, organização internacional não governamental que atua em prol da defesa dos direitos humanos, publicou um documento evidenciando as condições desumanas e degradantes a que a população carcerária é submetida. No ano de 2009 o nível de calamidade dos estabelecimentos prisionais no Brasil foi objeto de denúncia a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), e diante de toda essa repercussão foi criada neste mesmo ano a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do sistema carcerário brasileiro.
O relatório publicado por essa CPI que analisou a situação carcerária em todos os estados brasileiros demonstrou não existir nenhum presídio no Brasil que estivesse de acordo com o previsto nas legislações acerca do tratamento dispensado aos presos, seus direitos e as condições estruturais dos presídios. Evidenciando uma série de ilegalidades e inobservâncias aos direitos dos presos e as assistências asseguradas pela Lei de Execução Penal, e destacando a superlotação como desencadeadora de todos os demais problemas enfrentados (Brasil, 2009).
Diante do grande e crescente déficit de vagas, além de superlotadas as celas dos estabelecimentos prisionais pelo país são imundas e insalubres, as pessoas são acumuladas nestes locais que estão totalmente incompatíveis com os direitos e garantias previstos pela legislação. Essa situação de calamidade impede que algum detento consiga escapar das consequências, frequentemente contraem graves enfermidades e sofrem com a violência, pois a superlotação e aglomeração de pessoas transforma o cárcere em uma zona de guerra (Kallas, 2018).
O amontoamento de pessoas dentro dessas de celas pequenas e fechadas geram calor e falta de ventilação, não existindo condicionamento térmico para seres humanos, mas torna o local propício para proliferação de vírus, bactérias e por consequência doenças. Entre as principais doenças infecciosas que acometem a população carcerária estão a sarna, a lepra, a hepatite e a tuberculose. Além disso, existe um alto índice de contaminação de HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis, e também de doenças transmissíveis por insetos como a dengue.
Quando se considera todos estes fatores de superlotação e estruturas precárias associados ao sedentarismo (visto que grande parte dos estabelecimentos não fornecem atividades laborais), ao uso de substâncias ilícitas, a falta de profissionais da área da saúde e psicológica, entre outros, se torna impossível que mesmo um indivíduo que tenha entrado neste local em condições sadias consiga sair e retornar a sociedade em um estado saudável, seja física ou psicologicamente (Soares et. al., 2017).
Outra grande consequência das condições insalubres nos presídios brasileiros é o crescimento e a atuação das facções criminosas dentro do cárcere. No Brasil existem cerca de 70 facções criminosas atuantes nos presídios federais por volta de 50% da população carcerária é composta por integrantes do Comando Vermelho (CV), principal facção do Rio de Janeiro, e também do Primeiro Comando da Capital (PCC), facção de São Paulo.
Diante disso, entende-se que atualmente os estabelecimentos prisionais no Brasil se tornam grandes ambientes de recrutamento para as facções e uma verdadeira escola para o crime. O fato de o Poder Público não poder ofertar o mínimo de dignidade e segurança faz com que os encarcerados procurem essas facções em busca de proteção da violência dos presídios, pois dentro deste cenário apenas quem consegue assegurar a sobrevivência de um indivíduo são estes grupos criminosos, e fazem isso em troca de servidão e de conseguir novos agentes que recrutem outros presos (Gomes, 2018).
Este problema da violência afeta também diretamente a atuação dos agentes penitenciários. São estes profissionais que estão diariamente em contato com os presidiários e são responsáveis por garantir que o cumprimento de pena seja feito dentro do que é estipulado por lei. Ainda, são responsáveis também por assegurar que a ordem seja mantida sem que a dignidade, a integridade física e moral dos presos seja violada.
Todavia, realizar essa tarefa dentro de um sistema falho é improvável. O número de agentes penitenciários é insuficiente para atender ao crescente número de detentos e, inseridos em um ambiente onde a violência permeia e conduz as relações sociais faz com que o uso da força seja frequentemente utilizado visando impor respeito. Deste modo, “a dinâmica das relações de poder e convivência em cada unidade carcerária suscita a criação de uma ordem informal, consubstanciada pelo conjunto de regras produzidas pela massa carcerária” (Lobo, 2022, p. 41).
Desta forma, uma vez que o cidadão ingressa no sistema penitenciário, muito além de perder o seu direito à liberdade em razão da sentença, ele tem também todos os seus direitos fundamentais violados. As condições estruturais e o tratamento dispensado dentro dos presídios destroem a dignidade e a personalidade dos presos o que dificulta e em grande parte das vezes impossibilita qualquer processo de ressocialização para que futuramente ele retorne à convivência em sociedade.
4 A ESTIGMATIZAÇÃO DO APENADO E A TEORIA DO LABELLING APPROACH (OU ETIQUETAMENTO SOCIAL)
Explica Tanferri e Giacoia (2019) que o termo estigma significa em latim tatuagem, podendo ser entendido como uma marca ou característica capaz de diferenciar uma pessoa das demais. Atualmente a palavra estigma, pela definição da sociologia, é amplamente utilizada para mencionar alguma característica objetiva de alguém, que não precisa ser somente sobre aspectos físicos, mas que é usada para definir sua identidade, possuindo um valor social negativo ou depreciativo para a sociedade.
Essa estigmatização de pessoas (mas que também podem acontecer com grupos) ocorre devido a cultura social de categorizar ou etiquetar as pessoas, selecionando-as conforme questões e fatores culturais, sociais, econômicos e históricos. É comum, ainda que involuntariamente, ao encontrar uma pessoa desconhecida categorizá-lo observando a sua identidade, aspectos físicos e subjetivos ou principalmente pelo seu status social e econômico.
Desta forma, para (Soratto, 2019, p. 12) o estigma seria: “o desacordo entre a identidade real (características que o indivíduo atribui a si mesmo) e a virtual (imagem construída por um outro sujeito)”. A estigmatização de alguém é justamente a construção de uma visão negativa a partir da imputação de representações, valores e características pejorativas a determinado indivíduo, por uma pessoa ou todo um grupo social.
Sendo assim, quando alguém tem um desvio de conduta e pratica um ato ilícito a sociedade como um todo, mesmo que de forma inconsciente para algumas pessoas, repudia o comportamento e estigmatiza o indivíduo como um delinquente. Para isso, basta que o indivíduo cometa condutas contrárias ao esperado legal e socialmente “quando uma regra é imposta, a pessoa que presumivelmente a infringiu pode ser vista como um tipo especial, alguém de quem não se espera viver de acordo com as regras estipuladas pelo grupo” (Tanferri, Giacoia, 2019, p. 05).
A teoria do Etiquetamento Social (Labelling Approach) surge nos Estados Unidos em 1960 como uma abordagem crítica, sob a ótica da criminológica, acerca da forma com que a sociedade pode reagir a certas condutas humanas e julgar se o autor destes comportamentos se trata ou não de um delinquente. Esse julgamento ocorre em decorrência de diversos fatores estigmatizados, transformando a imagem de determinadas pessoas que se tornam “etiquetados como delinquentes e passam a ser encarados como pessoas não confiáveis para viver de acordo com as regras do grupo” (Tanferri, Giacoia, 2019, p. 03).
Segundo Silva (2019) a teoria do Etiquetamento Social tem como objetivo principal demonstrar e discutir sobre a marginalização, visando entender que a marginalidade não é uma característica da pessoa, mas uma etiqueta atribuída socialmente ao indivíduo que teve condutas criminosas e que a partir disso começou a ser definido como delinquente. Essa teoria busca trazer a importância de perceber como esse comportamento da sociedade de imputar estigmas é capaz de influenciar na reincidência e continuar a estimular a marginalização.
A teoria do Etiquetamento Social pressupõe a existência de dois processos de criminalização que acometem o acusado. A primeira é a criminalização primária que consiste na tipificação da conduta pelo legislador e na implementação de uma punição visando a responsabilização do sujeito. Enquanto que a criminalização secundária acontece em razão da aplicação da própria legislação penal, ou seja, a repressão e punição por parte do Estado. É na criminalização secundária principalmente que se nota a estigmatização, pois o Estado (polícia e Poder Judiciário), assim como a sociedade, se reveste de discriminações quando suspeita ou reprime um crime.
Desta forma, a teoria do Etiquetamento Social vem revelar que esse etiquetamento e estigmatização geralmente é aplicado somente a certos grupos de minorias sociais, principalmente aqueles menos favorecidos economicamente, residentes de comunidades carentes e áreas afastadas dos grandes centros, negros, a população transexual, pessoas em situação de rua, usuários de drogas, e dentre tantos outros grupos que são diariamente marginalizados e vivem a margem da sociedade.
No caso específico do apenado, a estigmatização pode ter início desde a abordagem policial quando essa é feita levando em consideração características pessoais do indivíduo e discriminatórias, vez que existe um “perfil de criminoso culturalmente construído, sendo em sua maioria pobre negro e morador da periferia” (Tanferri, Giacoia, 2019, p. 05). Uma vez que o sujeito é considerado suspeito de crime, mesmo que na fase investigatória, instantemente ele é tido como criminoso pela sociedade, mídia e todos aqueles à sua volta. Situação que se estende por todo o curso processual e que se consolida com a condenação, quando inserido no sistema carcerário o estereótipo de criminoso e delinquente está fixado para aquele indivíduo, estereótipo que posteriormente apenas se modifica para egresso ou ex-presidiário.
A legislação penal e a Constituição Federal asseguram o princípio da inocência e o direito à ressocialização. No entanto, diante de todas essas questões é inegável que a sociedade e a estigmatização feita por ela se torna um grande obstáculo ao sucesso da ressocialização e fomenta a reincidência.
5 A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NA EXECUÇÃO PENAL E NA RESSOCIALIZAÇÃO
O cometimento de um crime traz legitimidade para que o Estado aplique o seu poder punitivo. Da mesma forma, frente a um fato criminoso a sociedade almeja sempre que o indivíduo que tenha praticado tal fato seja responsabilizado e punido. A punição do criminoso é um desejo social e também uma forma de o Estado reafirmar o seu poder e rigor punitivos, buscando evitar que aquela conduta volte a se repetir. A ressocialização é tida como “o fenômeno observado quando o indivíduo, tendo cumprido sua pena, abandona a trajetória delitiva, mostrando-se apto à convivência social” (Sousa, 2020, p.07). Assim, as interpretações do senso comum acerca do conceito de ressocialização no Brasil geralmente vão no sentido de ser uma responsabilização exclusiva do apenado e dos servidores que atuam dentro do sistema de segurança pública.
Portanto, acontece uma individualização do processo de ressocialização que é atribuído somente ao preso e aos profissionais envolvidos no sistema, construindo um plano específico para cada apenado. A consequência disso é que muitas vezes o sucesso deste processo, ou seja, evitar a reincidência e conseguir se reintegrar à sociedade depende somente da força de vontade do sentenciado e da capacidade dos profissionais/sistema.
Ocorre que, o processo de ressocialização não deve ser conduzido ou visto com foco exclusivo no condenado, mas sim considerando também a relação que este possui com a sociedade. Mais ainda, é preciso aprofundar e buscar entender a conduta criminosa e os fatores sociais que influenciaram o cometimento do crime, isso principalmente quando se considera o contexto de marginalização no Brasil que atinge sempre a população mais vulnerável (Barcinski; Cúnico; Brasil, 2017).
O objetivo final da execução penal é a reintegração social do indivíduo. Entretanto, diante da desigualdade social e econômica presente no Brasil, para uma pessoa que sempre esteve à margem da sociedade pertencente às minorias e grupos mais excluídos, tais como a população negra, pobre, residentes das comunidades, entre outros, é impossível ser reintegrado vez que eles nunca sequer foram integrados de início. É imprescindível que frente a realidade social no país para a maioria dos encarcerados não houve oportunidade além da vida do crime.
Em pesquisa realizada em conjunto com pela ONG Visão Mundial, o Gabinete de Assessoria Jurídica das Organizações Sociais (Gajop) e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) com servidores que trabalham com adolescentes infratores demonstrar a violência sistemática sofrida por estes jovens. Cerca de 71% dos defensores públicos, 61% dos promotores e 50% dos magistrados entrevistados afirmaram que os relatos de adolescentes que afirmam viver sob ameaças de morte e outros tipos de violência provenientes de gangues e facções criminosas são muito frequentes. Existem relatos também de opressão de policiais civis, militares e milicianos: “88% dos defensores públicos dizem ouvir relatos de violência policial contra os adolescentes infratores antes mesmo do ato infracional cometido por eles — 70% dos promotores e 65% dos juízes concordam” (Machado, 2021).
Segundo explica Soratto (2019) a Criminologia Moderna surge neste cenário para trazer como objeto de estudo a Justiça Restaurativa, que consiste em uma técnica aplicada com intuito de solucionar o conflito a partir do envolvimento ativo do agressor e da vítima, não é sobre atribuir culpa a vítima, mas entender qual o papel de cada agente diante do contexto de agressão. Assim, busca-se trazer a discussão para a além de apenas a figura do agressor, mas sim tentando compreender quais as causas que levaram este indivíduo a conduta criminosa e ir contra do padrão moral e as regras sociais. Ao buscar entender e solucionar as causas que deram origem ao desvio de conduta é possível aumentar as chances de sucesso do processo de ressocialização e de evitar a reincidência.
Sobre este tema, a Lei de Execução Penal em seu art. 4º dispõe: “o Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança” (Brasil, 1984). Os Conselhos da Comunidade, previstos nos artigos 80 e 81 da LEP surgem como órgãos de execução penal para auxiliar essa participação da sociedade do processo de ressocialização. Ele deve ser formado pelo magistrado é composto por profissionais com formação jurídica e outros membros da sociedade, dentre suas atribuições previstas no artigo 81 da LEP estão: “diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento”.
Conforme a teoria do Etiquetamento Social estuda anteriormente, a participação social durante a execução da pena e o acolhimento para com o egresso são fatores fundamentais para ter sucesso na ressocialização. Segregar e discriminar o ex-presidiário com base em estereótipos e preconceitos são comportamentos sociais que impedem a reinserção social, visto que a reação da sociedade é decisiva para abrir oportunidades e permitir que o ex-detento abandone a vida criminosa.
5.1 POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS A RESSOCIALIZAÇÃO: DADOS RELATIVOS À REINCIDÊNCIA
A ressocialização deve ser tratada como um processo contínuo com início desde o aprisionamento do cidadão, durante a execução (com a participação social e atuação efetiva do Estado) e deve se estender também após o cumprimento da pena, momento em que o egresso enfrenta grandes dificuldades na tentativa de se reintegrar socialmente, conseguir um trabalho e uma vida dignas.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou em 2015 um relatório de Reincidência Criminal no Brasil de pesquisa feita com 817 presos de cinco estados diferentes, destes 199 ou (24,4%) retornaram às práticas criminosas (Ipea, 2015). Já a Secretaria Nacional de Políticas Penais no relatório de Reincidência Criminal no Brasil de 2022 confirmou realizado com dados do sistema prisional de todo o Brasil demonstrou que 37,6% dos ex-detentos se tornam reincidentes em até 5 anos após deixarem o presídio (DEPEN, 2022).
Por isso, além do trabalho e estudo dentro dos presídios, direitos assegurados pela LEP aos detentos e que são fundamentais para evitar a ociosidade e auxiliar no processo de ressocialização, pois possibilita que o preso aprenda um novo ofício. É essencial que o Poder Público disponibilize políticas públicas eficazes e elabore programas voltados à ressocialização dos egressos do sistema prisional.
No Brasil os principais programas nessa vertente buscam trabalhar com a inserção no mercado de trabalho, qualificação profissional e atendimento psicossocial, como no projeto Começar de Novo instituído pela resolução nº 96 do CNJ. O foco deste programa é a promoção da cidadania e a redução da reincidência, conscientizando os órgãos públicos e a sociedade para auxiliar nas oportunidades de capacitação profissional e trabalho para presos e egressos do sistema prisional. Com este projeto foi criado o Portal de Oportunidades, uma página online em que constam vagas de trabalho e cursos profissionalizantes.
Tendo como público alvo as mulheres, o projeto Mulheres Livres criado pelo DEPEN em 2018 busca promover o desencarceramento de mulheres privadas de liberdade na condição de mães de crianças na primeira infância e gestantes. Esse programa visa resguardar não só o direito das mães, mas também o direito da criança de convivência e acolhimento pelos pais, e se estende além dos presídios fornecendo assistência jurídica e capacitação profissional para auxiliar na independência financeira dessas mulheres (Carneiro; Santos; Souza, 2021).
Recentemente em 2023 foi lançado a Força Penal Nacional, um programa que une forças dos estados e da União para solucionar a crise penitenciária no país. Essa medida visa combater o crime organizado e a atuação das organizações criminosas dentro dos presídios, retomando o controle destes estabelecimentos, executando atividades em prol da ordem pública e segurança das pessoas e também do patrimônio no sistema penitenciário (Brasil, 2023).
Em relatório do IPEA publicado em 2015, realizou-se uma pesquisa sobre a ressocialização do ponto de vista dos detentos. Na maioria dos casos os presos afirmaram que a reintegração social é questão que depende principalmente de esforços pessoais quando se considera todos os efeitos negativos que o cárcere causa, as condições insalubres dos estabelecimentos, a violência e a falta de assistência: “é uma morte em vida, o cárcere” (Ipea, 2015, p. 40).
No decorrer dessa pesquisa foi possível compreender que o processo de ressocialização de presos e egressos do sistema prisional é uma questão que envolve múltiplos fatores para que atinja o sucesso. Atualmente, o número de reincidentes ainda é alto e associado aos problemas observados no sistema carcerário em todo o país. A solução da crise carcerária e da extrema criminalidade é a combinação entre melhores condições nos presídios, políticas públicas eficazes e o acolhimento social para com esses egressos. Assim, apesar dos avanços nos últimos anos, é notável que grande parte dos estabelecimentos prisionais ainda são utilizados para segregar e acumular aqueles considerados delinquentes, e não como um espaço em que seja possível a ressocialização.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A aplicação de uma punição aos sujeitos infratores é feita mediante a imposição de sanções pelo Estado. No direito penal, consoante ao previsto constitucionalmente e na Lei de Execução Penal a pena imposta, além de punir o criminoso, deve visar também desestimular a sociedade a cometer novos atos ilícitos e conscientizar o apenado de que sua conduta não deve ser repetida. Todavia, o objetivo primordial da pena e de sua execução é a promoção da ressocialização dos infratores, sendo assim o período que o reeducando passa segregado da sociedade deve ser revertido em benefício dela mesma e aproveitado para fornecer o tratamento e as condições necessárias para que o preso não reincida em novos crimes.
A Lei de Execução Penal traz uma série de deveres, direitos e garantias assegurados aos presos, dentre eles, instrumentos pensados para propiciar o processo de ressocialização, como a progressão de regime, o trabalho e o estudo, bem como condições dignas de higiene, habitação e outras assistências. No entanto, muito distante do que é previsto legalmente, esta pesquisa evidenciou que a realidade do cárcere brasileiro é precária.
Atualmente, o principal problema do sistema carcerário nacional é a superlotação, o déficit de vagas nos presídios é muito alto e diariamente novos presos precisam ser recebidos pelo sistema. Com isso, a superlotação tem desencadeado diversos outros problemas, além da falta de espaço, a própria estrutura dos presídios não é capaz de cumprir o previsto legalmente, os ambientes são apertados, sujos, insalubres, sem ventilação e com infestação de pestes, parasitas e proliferação de diversas doenças. A alimentação, roupas e itens de higiene pessoal também raramente são ofertados, bem como as demais assistências aos presos previstas pela LEP, como a própria assistência médica, são ineficientes. Além disso, a violência e a criminalidade de organizações criminosas predominam nos presídios, que se tornam verdadeiras escolas e locais de recrutamento para o crime.
Não obstante todas essas questões, o egresso do sistema prisional, mesmo aquele que tenta deixar a criminalidade, encontra ainda mais dificuldade ao sair do cárcere. Conforme foi apresentado, a teoria do etiquetametno social que trata do processo de estigmatização sofrido pelos apenados, demonstra que a segregação, o preconceito e a discriminação social são fatores de grande influência no aumento da criminalidade e na ineficiência do processo de ressocialização.
Portanto, este estudo demonstrou que a reação social ao ex-detento, ou seja, o seu acolhimento ou segregação, são fatores decisivos para evitar que aquele indivíduo se torne um reincidente. Desta forma, a eficiência no processo de ressocialização não depende somente da vontade do egresso ou de políticas de reinserção social, mas de mudanças na própria mentalidade e cultura da sociedade.
Cabe a reflexão de que a violência geralmente ocorre em ciclos, o Brasil é um país que enfrenta diversos problemas relacionados a desigualdade social e a criminalidade. Essa marginalização tende a afetar as populações mais vulneráveis social e economicamente, e a sociedade contribui ao estigmatizar, criminalizar e continuar a perpetuar este ciclo de violência. Logo, a criminalidade somente pode ser vencida quando suas causas são determinadas e sanadas.
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1 Discente do Curso de Bacharel em Direito da Universidade Evangélica de Goiás Campus Ceres. E-mail: fabricio_campos98@outlook.com.
2 Docente do Curso de Bacharel em Direito da Universidade Evangélica de Goiás Campus Ceres. E-mail: ana.sousa@docente.unievangelica.edu.br.