ESTÁGIOS DA DEMÊNCIA DE ALZHEIMER E DECLÍNIO FUNCIONAL: AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO COGNITIVA, INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL E RISCO DE QUEDA

ALZHEIMER’S DISEASE AND FUNCTIONAL DECLINE: ASSESSMENT OF COGNITIVE FUNCTION,FUNCTIONALINDEPENDENCEANDFALL RISK


Autoras:
Lays Regina Brito Marques*, Hilkenia Dantas Barreto*, Dominique Babini Albuquerque Cavalcanti**

*Acadêmica de Fisioterapia, Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Maurício de Nassau Paulista (UNINASSAU PAULISTA), Paulista/PE

**Fisioterapeuta, Doutora, Docente do Curso de Fisioterapia, do Centro Universitário Maurício de Nassau Paulista (UNINASSAU PAULISTA), Paulista/PE


RESUMO

Introdução: A Demência de Alzheimer (DA) está relacionada à perda cognitiva progressiva, ao declínio funcional e perda gradual de autonomia. O interesse pela capacidade funcional do idoso com DA vem aumentado à medida que seu conhecimento se faz necessário, tanto para conhecer melhor a evolução da doença e a definição do diagnóstico precoce, como para identificar o grau de dependência para se determinar os cuidados que serão necessários. Objetivo: comparar o nível de função cognitiva, independência funcional e risco de quedas entre idosos com demência de Alzheimer leve, moderada e grave. Métodos: Trata-se de um estudo transversal, quantitativo, descritivo, do tipo série de casos, realizado na UNINASSAU Paulista, com 20 idosos com diagnóstico clínico de DA, na faixa etária entre 60 e 80 anos, de ambos os sexos. Aplicou- se a anamnese através de uma ficha de avaliação com dados pessoais, clínicos e de tratamento; o Mini Exame do Estado Mental (MMEM) para avaliar a função cognitiva; a Medida de Independência Funcional (MIF) para avaliar o desempenho do idoso nos domínios motor e cognitivo/social; e, o teste TimedUpandGo(TUG) desenvolvido para avaliar o risco de queda em idosos. A análise estatística foi realizada com IBM SPSS Statistics Software v. 25.0 (SPSS, Inc. IBM Company, New York, EUA). A fim de se comparar o nível de função cognitiva, independência funcional e risco de quedas entre os grupos de idosos com DA leve, moderada e grave utilizou-se o teste de Kruskal-Wallis. Resultados: A pontuação média do MEEM diminuiu à medida que o estágio de DA evoluiu, sendo de 20,66 ± 0,81 pontos para idosos com DA leve; 17,37 ± 1,98 com DA moderada; e, 10,50 ± 2,07 com DA grave (p<0,001). Quando comparadas as médias da MIF por estágio da DA, o escore total foi 95,33 ± 7,08 para o grupo com DA leve; 85,62 ± 3,66 para o grupo com DA moderada; e, 55,50 ± 3,72 para o grupo com DA grave (p<0,001). O tempo médio para realização do TUG aumentou à medida que a gravidade do quadro evoluiu, sendo de 18,16 ± 1,47 segundos para o grupo com DA leve; 29,50 ± 3,54 segundos para o grupo com DA moderada; e, 55,50 ± 3,72 segundos para o grupo com DA grave (p<0,001). Conclusão: O estágio da demência é um fator importante do declínio funcional do idoso com DA, com redução do nível de função cognitiva e independência funcional e aumento do risco de queda.

Palavras-chaves: Doença de Alzheimer. Idoso. Cognição. Estado Funcional. Acidentes por Quedas.

ABSTRACT

Introduction: Alzheimer\’s Dementia (AD) is related to progressive cognitive loss, functional decline and gradual loss of autonomy. Interest in the functional capacity of elderly people with AD has increased as their knowledge becomes necessary, both to better understand the evolution of the disease and the definition of an early diagnosis, as well as to identify the degree of dependence to determine the care that will be needed. Objective: to compare the level of cognitive function, functional independence and risk of falls among elderly people with mild, moderate and severe Alzheimer\’s dementia. Methods: This is a cross-sectional, quantitative, descriptive, case-series study, carried out at UNINASSAU Paulista, with 20 elderly people with a clinical diagnosis of AD, aged between 60 and 80 years, of both sexes. Anamnesis was applied through an evaluation form with personal, clinical and treatment data; the Mini Mental State Examination (MMEM) to assess cognitive function; the Functional Independence Measure (FIM) to assess the elderly\’s performance in the motor and cognitive/social domains; and, the Timed Up and Go (TUG) test developed to assess the risk of falling in the elderly. Statistical analysis was performed with IBM SPSS Statistics Software v. 25.0 (SPSS, Inc. IBM Company, New York, USA). In order to compare the level of cognitive function, functional independence and risk of falls between the groups of elderly people with mild, moderate and severe AD, the Kruskal-Wallis test was used. Results: The mean MMSE score decreased as the AD stage progressed, being 20.66 ± 0.81 points for elderly people with mild AD; 17.37 ± 1.98 with moderate AD; and 10.50 ± 2.07 with severe AD (p<0.001). When comparing the FIM means by AD stage, the total score was 95.33 ± 7.08 for the group with mild AD; 85.62 ± 3.66 for the group with moderate AD; and, 55.50 ± 3.72 for the group with severe AD (p<0.001). The mean time to perform the TUG increased as the severity of the condition evolved, being 18.16 ± 1.47 seconds for the group with mild AD; 29.50 ± 3.54 seconds for the group with moderate AD; and, 55.50 ± 3.72 seconds for the group with severe AD (p<0.001). Conclusion: The stage of dementia is an important factor in the functional decline of elderly people with AD, with a reduction in the level of cognitive function and functional independence and an increase in the risk of falling.

Keywords:Alzheimer Disease. Aged. Cognition. Functional Status. Accidental Falls.

INTRODUÇÃO

O envelhecimento é um fator de risco para o desenvolvimento de Demência de Alzheimer (DA), visto que os idosos abrangem a faixa etária mais acometida por esse tipo de demência. A DA possui evolução lenta e pode afetar o indivíduo de diferentes maneiras, sendo mais comum o surgimento insidioso de sintomas, com a piora gradativa da memória, acompanhada de dificuldades na retenção de novas informações e perda da habilidade de realizar as atividades de vida diária (AVDs)1.

Com a progressão do quadro, o indivíduo passa por dificuldades no gerenciamento da sua vida, o que o torna dependente de ajuda para a realização de tarefas comuns do seu cotidiano. Na fase avançada da DA ocorre também a necessidade de supervisão para a realização das atividades básicas, além de alterações no comportamento como irritabilidade, agressividade e alucinações2.

A DA está relacionada à perda cognitiva progressiva, ao declínio funcional e perda gradual de autonomia. O mecanismo patológico ainda permanece em grande parte desconhecido, os principais achados são perda neuronal, degeneração sináptica intensa e aumento significativo da deposição de placas senis e emaranhado neurofibrilares no córtex cerebral. A perda da memória é o sintoma mais proeminente e precoce, podendo causar grande impacto nas AVDs, sendo a capacidade funcional considerada um novo paradigma de saúde para o idoso3.

Os estudos recentes observam o comprometimento da capacidade funcional que o doente com DA impõe, tornando patológicas as alterações fisiológicas do envelhecimento como, a perda progressiva das habilidades de raciocinar e memorizar, além de afetar as áreas cerebrais relacionadas à linguagem, alterações de comportamento e a capacidade do autocuidado. O interesse pela capacidade funcional do idoso com DA vem aumentado à medida que seu conhecimento se faz necessário, tanto para conhecer melhor a evolução da doença e a definição do diagnóstico precoce, como para identificar o grau de dependência para se determinar os cuidados que serão necessários4.

A necessidade de assistência para as AVDs é consequência da desorientação tempo-espacial, aliada às alterações de memória recente, se tornando mais evidente em fases intermediárias da doença5. A função motora (força, flexibilidade, capacidade aeróbia e equilíbrio) e a função cognitiva (função executiva, atenção e memória) influenciam na autonomia para desempenhar as AVDs6, constituindo aspectos importantes a serem avaliados pelos profissionais de saúde que acompanham o processo terapêutico de idosos com DA, a fim de disponibilizar uma visão mais precisa da gravidade da doença, do impacto da demência na família, e do conhecimento em relação ao nível de cuidados que o idoso necessita.

Nesse sentido, o presente estudo objetivou comparar o nível de função cognitiva, independência funcional e risco de quedas entre idosos com demência de Alzheimer leve, moderada e grave.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, quantitativo, descritivo, do tipo série de casos, realizado no laboratório de Cinesiologia e Biomecânica do Curso de Fisioterapia da Unidade de Paulista do Centro Universitário Maurício de Nassau – UNINASSAU Paulista, com 20 idosos com diagnóstico clínico de demência de Alzheimer, na faixa etária entre 60 e 80 anos, de ambos os sexos.

Os idosos assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido elaborado de acordo com a resolução nº 466/12 do Conselho Nacional da Saúde, o qual foi apresentado em duas vias, ficando uma delas sob a guarda da equipe de pesquisa e a outra com os participantes. O estudo só teve início após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UNINASSAU, segundo o parecer de número: 4.901.097.

Cada participante teve data e horário agendados previamente para coleta de dados. Um acompanhante foi permitido por idoso. Foram obrigatórios o uso de máscara facial, a temperatura foi aferida e foi disponibilizado álcool gel, bem como água e sabão para higienização das mãos. O laboratório foi higienizado pela equipe de limpeza antes do início da coleta de dados a cada dia, entre cada avaliação, e ao final da coleta diária. As pesquisadoras utilizaram capote, máscara facial, protetor facial e luvas estéreis durante todo o procedimento.

Aplicou-se inicialmente a anamnese através de uma ficha de avaliação elaborada pelas pesquisadoras e continha dados pessoais, clínicos e de tratamento. Seguiu-se com o Mini Exame do Estado Mental para avaliar a função cognitiva, considerando-se a nota de corte de 13 pontos para participantes analfabetos e 24 pontos para os demais. Também foi utilizada a Medida de Independência Funcional para avaliar o desempenho do idoso nos domínios motor e cognitivo/social nos aspectos: alimentação, higiene pessoal, banho, vestir metade superior do corpo, vestir metade inferior do corpo, uso de vaso sanitário, controle da urina, controle das fezes, transferências para leito, cadeira, cadeira de rodas, transferência para vaso sanitário, transferências para banheira ou chuveiro, locomoção, locomoção em escadas, compreensão, expressão, interação social, resolução de problemas, e memória. Considerou-se a pontuação total de 126 pontos.

Por fim, utilizou-se o teste Timed Up and Go desenvolvido para avaliar o risco de queda em idosos. A referência para resultado incluiu: Até 20 segundos – Normal para idosos frágeis ou com debilidade, mas que se mantêm independentes na maioria das atividades de vida diária (baixo risco de quedas); Entre 21 e 29 segundos – Avaliação funcional obrigatória e indicação de abordagem específica para a prevenção de queda (moderado risco de quedas); Maior ou igual a 30 segundos – Avaliação funcional obrigatória e indicação de abordagem específica para a prevenção de queda (alto risco para quedas).

A análise estatística foi realizada com IBM SPSS Statistics Software v. 25.0 (SPSS, Inc. IBM Company, New York, EUA). As variáveis contínuas foram expressas em média e desvio padrão e calculada a diferença de média com respectivo intervalo de confiança a 95% (IC95%). Admitiu-se a o nível de significância de 5%. As variáveis categóricas foram expressas em números de casos e frequência. Para apresentar a análise descritiva dos dados, foram utilizadas tabelas e figuras. A fim de se comparar o nível de função cognitiva, independência funcional e risco de quedas entre os grupos de idosos com DA leve, moderada e grave utilizou-se o teste de Kruskal-Wallis.

RESULTADOS

Este estudo envolveu vinte idosos com diagnóstico clínico de Alzheimer, sendo 6 com DA leve; 8 com DA moderada e 6 com DA grave. Os dados referentes à caracterização demográfica e clínica por estágio da DA estão apresentados na Tabela 1. Todos os participantes realizavam tratamento fisioterapêutico e médico.

Tabela 1. Caracterização demográfica e clínica dos idosos com DA por estágio de evolução da doença, Pernambuco, Brasil, 2021.

Variável
Estágio DA

Leve (n=6)Moderada (n=8)Grave (n=6)p-valor

Média ± DPMédia ± DPMédia ± DP
Idade (anos)69,50 ± 6,4472,50 ± 4,9874,00 ± 4,810,453a
Tempo diagnóstico (anos)3,83 ± 3,064,12 ± 3,044,066± 3,820,117a
Tempo início sintomas (anos)4,66 ± 3,884,75 ± 3,995,16 ± 4,350,028a
Qtd medicamentos por dia4,66 ± 1,033,75 ± 1,283,16 ± 0,750,084a

N (%)N (%)N (%)
Faixa etária



60-69 anos3 (37,5)3 (37,5)2 (25,0)0,826b
70-80 anos3 (25,0)5 (41,7)4 (33,3)
Sexo



Masculino3 (23,1)6 (46,2)2 (28,6)
Feminino3 (42,9)2 (28,6)2 (28,6)0,0621b
Raça



Branca4 (40,0)3 (30,0)3 (30,0)0,766b
Parda2 (25,0)4 (50,0)2 (25,0)
Negra1 (50,0)1 (50,0)
Escolaridade



Analfabeto3 (100,0)
Fundamental I1 (33,3)1 (33,3)1 (33,3)
Fundamental II2 (50,0)2 (50,0)0,181b
Ensino Médio1 (20,0)3 (60,0)2 (40,0)
Ensino Superior2 (40,0)3 (60,0)
Comorbidades



Sim6 (37,5)6 (37,5)4 (25,0)0,318b
Não2 (50,0)2 (50,0)
Distúrbios do sono



Sim3 (27,3)6 (54,5)2 (18,2)0,288b
Não3 (33,3)2 (22,2)4 (44,4)
Sintomas motores



Sim3 (23,1)5 (38,5)5 (38,5)0,472b
Não3 (55,3)3 (42,9)1 (14,3)
Sintomas respiratórios



Sim1 (25,0)2 (50,0)1 (25,0)0,901b
Não5 (30,0)6 (37,5)5 (31,3)
Queixa de IU



Sim1 (25,0)1 (25,0)2 (50,0)0,610b
Não5 (31,3)7 (43,8)4 (25,0)
Perda de apetite



Sim2 (25,0)3 (37,5)3 (37,5)0,826b
Não4 (33,3)5 (41,7)3 (25,0)
Alterações de linguagem



Sim2 (33,3)2 (33,3)2 (33,3)0,924b
Não4 (28,6)6 (42,9)4 (28,6)
N, número de casos; DP, desvio padrão; Qtd, Quantidade; IU, Incontinência Urinária.
a Teste Kruskal-Wallis;
b Teste Qui-quadrado.

Houve diferença estatística significativa na pontuação do MEEM entre os grupos avaliados, com redução do escore a medida que a DA evoluiu em gravidade (Figura 1). Entre os idosos com DA leve a média foi de 20,66 ± 0,81 pontos; com DA moderada, 17,37 ± 1,98; e, com DA grave, 10,50 ± 2,07 (p<0,001).

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Figura1. Representação gráfica da comparação da pontuação média do MEEM por estágio da DA, Pernambuco, Brasil, 2021.
MEEM, Mini Exame do Estado Mental; CDR, Classificação da Doença de Alzheimer.

Quando comparadas as médias da MIF por estágio da DA, o escore total foi 95,33
± 7,08 para o grupo com DA leve; 85,62 ± 3,66 para o grupo com DA moderada; e, 55,50
± 3,72 para o grupo com DA grave (p<0,001). As pontuações por domínio de função motora e cognição estão apresentados na Tabela 2. Registrou-se redução das pontuações médias para todos os domínios motores e cognitivos avaliados, com diferença estatística significativa para autocuidado, transferências, locomoção e cognição social.

Tabela 2. Pontuação média na Medida de Independência Funcional em idosos com DA por estágio de evolução da doença, Pernambuco, Brasil, 2021.

MIF

MIFEstágio DAEstágio DAEstágio DAEstágio DA

Leve (n=6)Moderada (n=8)Grave (n=6)p-valor
Média ± DPMédia ± DPMédia ± DP
MIF motora70,50 ± 4,8458,25 ± 2,9633,00 ± 3,03<0,001a
Autocuidado31,16 ± 1,7222,62 ± 1,7613,00 ± 2,68<0,001a
Controle de esfíncter10,16 ± 2,0410,87 ± 2,038,83 ± 2,780,324a
Transferências17,00 ± 2,3314,12 ± 2,795,83 ± 1,47<0,001a
Locomoção12,50 ± 0,8310,62 ± 1,185,33 ± 1,21<0,001a
MIF cognitiva26,50 ± 3,8327,37 ± 2,1921,66 ± 1,450,013a
Comunicação10,83 ± 2,1311,75 ± 1,8310,00 ± 1,670,278a
Cognição social15,66 ± 2,4215,62 ± 1,5911,66 ± 1,030,005a
Pontuação total95,33 ± 7,0885,62 ± 3,6655,50 ± 3,72<0,001a
DP, desvio padrão; MIF, Medida de Independência Funcional; DA, Demência de Alzheimer.
a Teste Kruskal-Wallis.

O tempo médio para realização do TUG aumentou à medida que a gravidade do quadro evoluiu, sendo de 18,16 ± 1,47 segundos para o grupo com DA leve; 29,50 ± 3,54 segundos para o grupo com DA moderada; e, 55,50 ± 3,72 segundos para o grupo com DA grave (p<0,001) (Figura 2). Ao considerar a classificação de risco de queda pela interpretação do teste, verificou-se que todos os idosos com DA leve apresentaram baixo risco de queda; todos com DA moderada apresentaram moderado risco de queda; e, 66,7% com DA grave apresentaram alto risco de queda (p<0,001).

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Figura 2. Representação gráfica da comparação do tempo médio do TUG por estágio da DA, Pernambuco, Brasil, 2021.
TUG, Timed Up and Go; CDR, Classificação da Doença de Alzheimer.

DISCUSSÃO

Os resultados registrados apontaram para declínio da capacidade cognitiva com a evolução do quadro clínico da demência. A DA acomete o indivíduo interferindo no seu desempenho social e ocupacional, sendo as disfunções cognitivas as primeiras manifestações da doença7. Estas disfunções interferem em um conjunto de aspectos que fazem parte do processamento das informações. Dentre estes fatores estão: percepção, aprendizado, memória, atenção, vigilância, raciocínio, e elucidação de problemas8. Yaari e Bloom9 ressaltam que na fase inicial, o paciente apresenta comprometimento de memória recente e, com a evolução do quadro clínico, ocorrem distúrbios de memória semântica, com dificuldade de nomeação e de elaboração da linguagem3, déficits de atenção, prejuízos nas habilidades visuoespaciais e nas funções executivas4, o que explica a redução na pontuação do MEEM com a evolução da doença.

A Alzheimer’s Association completa que o quadro clínico da DA cursa com comprometimento cognitivo, motor e comportamental progressivos. Inicialmente, os sintomas mais comuns são dificuldade de recordar de eventos, nomes e conversas recentes, dificuldades em solucionar problemas, o que pode estar relacionado com apatia e sintomas depressivos. Nos estágios mais avançados, há dificuldade na fala, deglutição, habilidade visuoespacial e marcha, tendo como consequência a redução da funcionalidade e independência do indivíduo10,11.

Estudos prévios nacionais e internacionais12-16 corroboram com nosso achado e associam o declínio cognitivo a dificuldade em realizar as atividades diárias, piora do nível de independência funcional, déficit de equilíbrio, além da presença de comorbidades, idade avançada, depressão e ansiedade, e distúrbios do sono. Østergaard e colaboradores17 destacam a associação entre doenças crônicas como: hipertensão, diabetes mellitus tipo 2, cardiopatias, dislipidemia e obesidade e o agravamento do quadro clínico, com repercussões cognitivas e físicas. Para os pacientes que apresentam distúrbios do sono é sabido que a doença causa a atrofia da parte do cérebro que controla a temperatura do corpo e a produção de melatonina, um hormônio que regula o sono, o que estabelece uma ligação direta entre Alzheimer e sono. Assim, o perfil do sono pode ter um papel preditivo em relação à função cognitiva de indivíduos com Alzheimer, mesmo em estágios iniciais18.

Sobre esse aspecto, vale ainda ressaltar que embora a causa específica da DA não esteja totalmente elucidada, é conhecida a ocorrência de atrofia cortical, predominantemente nas regiões frontal, temporal e parietal, bem como, em áreas corticais associativas19. Essas áreas se relacionam a funções cognitivas importantes, como a elaboração de pensamento, planejamento, emoções, codificação da memória, linguagem e percepção visual. Estudo que objetivou comparar a capacidade cognitiva de idosos com DA no estágio leve com idosos sem DA evidenciaram que mesmo no estágio leve já há presença de declínio cognitivo, confirmado através de eletroencefalograma, com diferenças na velocidade de processamento20.

Com relação a independência funcional, constatou-se aumento do nível de dependência com a evolução da DA, tendo sido registrado diferença estatística significativa para os domínios autocuidado, transferências, locomoção e cognição social da MIF entre os diferentes estágios da demência. Pesquisas anteriores corroboram esse achado21,22. Atividades relacionadas ao autocuidado, como banho, vestuário e higiene pessoal, tendem a ser afetadas durante a evolução da doença, quando os idosos, principalmente, tornam-se mais dependentes de seus cuidadores. Outra atividade que geralmente é influenciada pela progressão da DA é a transferência, e se deve a dificuldade de mobilidade e as alterações cognitivas associadas. Identificar o nível de dependência dos idosos com Alzheimer torna-se essencial para que seja possível traçar um plano de cuidados juntamente com a família para que eles estejam preparados para melhor enfrentar a progressão da doença23.

O aumento da dependência funcional impacta negativamente na percepção de qualidade de vida do idoso com DA, com diferentes níveis de comprometimento na execução segura das atividades de autocuidado e ou de maior complexidade. Geralmente as atividades funcionais de maior complexidade como por exemplo: tomar conta do próprio dinheiro e da medicação, conseguir ir sozinho a lugares distantes sem ajuda, são as primeiras funções que são perdidas ou esquecidas. Com a progressão da doença, as atividades básicas de autocuidado como: tomar banho, ir ao banheiro, trocar de roupa, ou mesmo ter continência urinária são funções esquecidas e que irão necessitar de um cuidador supervisionando a execução da mesma, ou mesmo realizar pelo idoso acometido pela Doença de Alzheimer24.

A capacidade funcional e a perda da autonomia entre idosos com Doença de Alzheimer também podem estar relacionadas a presença da bradicinesia e sedentarismo, que associados a falta de estímulo e da ausência de uma vida ativa, favorecem a maiores chances do desenvolvimento da tríade, queda-fratura-dependência, o que leva a muitos idosos a diminuírem sua qualidade de vida25.

Em estudo transversal3 com 20 idosos com DA e seus cuidadores, sendo aplicada a MIF para avaliar a percepção da funcionalidade de acordo com o relato do idoso com DA e seu cuidador os autores constataram que a média da MIF foi de 116,5±9,8 pontos, segundo a visão dos idosos, e a média foi de 88,5±19,0 pontos nas tarefas avaliadas pela MIF, de acordo com seus cuidadores (p < 0,001). Os autores concluíram que idosos com DA subestimam suas dificuldades quando comparados com a percepção de seus cuidadores e, à medida que a gravidade da doença aumenta, há piora progressiva da percepção da sua funcionalidade.

Por fim, verificou-se que o risco de quedas aumentou com a evolução da DA nos idosos participantes da pesquisa. Idosos com DA tem três vezes mais risco de cair quando comparados a idosos saudáveis hernandez. É sabido que os fatores de risco são múltiplos, e incluem riscos ambientais, uso de medicamentos, gravidade da doença, alterações comportamentais e nível de atenção dos cuidadores, entre outros fatores26.

A diminuição da força muscular afeta a capacidade laboral, a atividade motora e a adaptabilidade ao ambiente, contribuindo para que ocorram instabilidades, ou seja, torna o idoso mais propenso a desfechos adversos de saúde como quedas, medo de cair, dependência de terceiros e incapacidade funcional27. Nas fases mais avançadas da DA, ocorre distúrbio frontal da marcha, o que compromete o equilíbrio, causando encurtamento e lentificação da passada, podendo ainda haver hesitação ou congelamento dos passos28.

Além dos fatores já citados, soma-se a influência do uso de medicamentos que causam sonolência ou vertigem, as deficiências visuais e as alterações do sistema vestibular, que podem prejudicar o controle postural29. Leva-se, ainda, em consideração o desenvolvimento de apraxias que incluem a inabilidade cognitiva de planejar e realizar conjuntos de movimentos coordenados que desempenham uma função, que podem contribuir para o idoso reduzir a mobilidade funcional, e evoluir com diminuição da força muscular e equilíbrio, um ciclo que retoalimenta o risco de quedas30.

Como limitação do estudo, destaca-se a pequena amostra, justificada pela dificuldade em econtrar portadores de DA sem outras demências associadas e ainda com possibilidade de marcha, além da dificuldade em transportar idosos com DA, visto que é necessária a presença de um acompanhante e os idosos já apresentam algum défict relacionado a locomoção. Acrescenta-se, também, a importância da análise de fatores psicoemocionais nos quadros de idosos com DA, como ansiedade e depressão, os quais não foram incluídos na presente pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estágio da demência é um fator importante do declínio funcional do idoso com DA, com redução do nível de função cognitiva e independência funcional e aumento do risco de queda, evidenciados pelas pontuações registradas no MEEM, MIF e TUG, respectivamente. Logo, pode-se perceber que o Alzheimer traz um comprometimento significativo da capacidade cognitiva e funcional dos idosos acometidos, e que se agrava com a progressão da doença.

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