REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202409151745
Micheline Ramalho Serejo da Silva
Deborah Dettmam
RESUMO
Este artigo investiga os impactos do autoritarismo nas democracias contemporâneas, com ênfase nos sistemas jurídicos inglês e norte-americano. A pergunta de pesquisa que orienta o estudo é: Quais são os mecanismos institucionais e jurídicos que as democracias modernas utilizam para resistir à ascensão do autoritarismo, e como esses mecanismos têm sido desafiados em diferentes contextos históricos e culturais? Utilizando uma abordagem metodológica qualitativa, o estudo realiza uma análise comparativa das estruturas legais e institucionais dos dois sistemas em questão, complementada por uma revisão da literatura clássica e contemporânea sobre teoria política e constitucionalismo. O artigo examina como o direito inglês, com sua constituição não codificada e flexível, e o direito norte-americano, baseado em uma constituição codificada e em um sistema de freios e contrapesos, enfrentam os desafios impostos pelo ressurgimento de tendências autoritárias. A análise também considera o impacto social e econômico do autoritarismo, destacando a erosão de direitos e a concentração de poder que ameaçam a estabilidade das democracias modernas. O estudo conclui que, apesar das diferenças históricas e culturais, ambas as democracias compartilham desafios semelhantes, especialmente no que tange à preservação dos princípios democráticos frente às pressões internas e externas.
Palavras-chave: democracia, autoritarismo, direito inglês, direito norte-americano, freios e contrapesos.
INTRODUÇÃO
O fenômeno do autoritarismo e seus impactos sobre as democracias contemporâneas têm sido objeto de estudo na ciência política e no direito, especialmente em um contexto global marcado por crises políticas, econômicas e sociais. O receio do ressurgimento de tendências autoritárias em diversas regiões do mundo coloca em questão a estabilidade dessas democracias e o papel das instituições jurídicas na preservação dos valores democráticos. Este artigo propõe uma investigação sobre os mecanismos institucionais e jurídicos que as democracias modernas utilizam para resistir à ascensão do autoritarismo, concentrando-se nos sistemas jurídicos inglês e norte-americano. A pergunta que orienta este trabalho foca em discutir os mecanismos institucionais e jurídicos que as democracias modernas utilizam para resistir à ascensão do autoritarismo, e como esses mecanismos têm sido desafiados em diferentes contextos históricos e culturais.
Para responder a essa pergunta, este estudo adota uma abordagem metodológica qualitativa, com ênfase na análise documental e comparativa das estruturas legais e institucionais dos dois sistemas em questão. O direito inglês, com sua longa tradição de common law, e o direito norte-americano, fundado em uma constituição codificada e rigidamente estruturada, oferecem um campo fértil para o estudo comparativo dos desafios enfrentados pelas democracias modernas diante do autoritarismo. Além disso, ambas são exemplos de democracias estáveis/governos liberais estáveis. Por sua vez, o uso de fontes primárias, como constituições, legislações e precedentes judiciais, é complementado por uma extensa revisão da literatura, que inclui obras clássicas e contemporâneas sobre teoria política e constitucionalismo.
Historicamente, as democracias foram adotadas como uma resposta ao autoritarismo, com a intenção de limitar o poder absoluto e garantir a participação popular nos processos decisórios. A Magna Carta de 1215, bem como a Declaração de Direitos de 1689 (também conhecida por sua forma estatutária: Bill of Rights of de 1689), na Inglaterra, e a Constituição dos Estados Unidos de 1787 são exemplos paradigmáticos de documentos que visavam criar freios ao poder centralizado. No entanto, a própria natureza das democracias, que busca equilibrar a liberdade com a ordem, torna-as suscetíveis a pressões internas e externas que podem levar ao autoritarismo. Esse paradoxo é central na teoria política e é explorado em profundidade por autores como Alexis de Tocqueville (2004), que alertou para os perigos da “tirania da maioria” das democracias, e Hannah Arendt (1973), que examinou as origens do totalitarismo no contexto da modernidade.
O direito inglês, com sua constituição não codificada, tem tradicionalmente dependido de convenções e precedentes judiciais para limitar o poder governamental e proteger os direitos dos cidadãos. A flexibilidade desse sistema tem sido vista tanto como uma força quanto como uma vulnerabilidade. Por um lado, permite adaptações rápidas às mudanças sociais e políticas; por outro, pode ser explorado por lideranças autoritárias que buscam expandir seu poder sem a necessidade de mudanças formais na lei. A obra de Vernon Bogdanor (2009) sobre a nova constituição britânica destaca como as recentes reformas constitucionais no Reino Unido, incluindo a devolução de poderes e a introdução da Lei dos Direitos Humanos de 1998, representam tentativas de fortalecer a democracia britânica contra tendências autoritárias. No entanto, essas reformas também expõem as tensões entre a soberania parlamentar e a proteção dos direitos individuais, especialmente em um contexto de populismo.
Nos Estados Unidos, a Constituição de 1787 estabeleceu um sistema de freios e contrapesos destinado a evitar a concentração de poder em um único ramo do governo. A teoria da separação de poderes, formulada por Montesquieu (1989) e adaptada pelos federalistas, foi concebida para proteger a democracia de eventuais derivas autoritárias. No entanto, como demonstrado pelos escritos de Alexander Hamilton, James Madison e John Jay em “O Federalista”, esse sistema também depende da boa-fé e do respeito às normas democráticas por parte dos governantes. O risco do populismo e a polarização política nos Estados Unidos têm desafiado essas normas, levando a questionamentos sobre a eficácia dos freios e contrapesos na proteção da democracia. A atuação da Suprema Corte em decisões controversas, como as relacionadas aos poderes executivos em tempos de crise, reflete as tensões inerentes a um sistema em que o judiciário é chamado a atuar como árbitro final em questões de grande relevância política e social.
Além das análises históricas e teóricas, este artigo também examina casos contemporâneos de erosão democrática e ascensão do autoritarismo. O caso da Hungria, sob o governo de Viktor Orbán, constitui-se como um exemplo de “democracia iliberal”, onde os mecanismos democráticos são utilizados para consolidar o poder de uma elite governante, ao mesmo tempo em que as instituições independentes, como o judiciário e a mídia, são enfraquecidas. Essa tendência não se limita à Europa Oriental; casos semelhantes têm sido observados em outras democracias, incluindo Turquia e Filipinas, onde líderes populistas têm conseguido minar as instituições democráticas por meio de reformas legais e manipulação política.
O estudo também aborda a questão do impacto social e econômico do autoritarismo nas democracias contemporâneas. A concentração de poder em regimes autoritários frequentemente resulta em políticas que favorecem elites econômicas e marginalizam grupos vulneráveis, exacerbando desigualdades sociais e tensionando o tecido social. As democracias, por sua vez, enfrentam o desafio de manter a coesão social e a legitimidade política em um ambiente onde a desconfiança nas instituições públicas é crescente. A literatura sobre economia política, como as obras de Acemoglu e Robinson (2012), sugere que a estabilidade democrática está intimamente ligada à distribuição equitativa dos recursos e ao fortalecimento das instituições que garantem a inclusão social e a participação política.
Em termos metodológicos, a presente pesquisa utiliza uma análise comparativa para identificar padrões e variáveis que influenciam a resiliência democrática frente ao autoritarismo. A comparação entre os sistemas inglês e norte-americano permite identificar como diferentes tradições jurídicas e culturais moldam as respostas institucionais ao autoritarismo. Além disso, o estudo emprega uma abordagem crítica para examinar como os conceitos de soberania, legitimidade e Estado de Direito são reinterpretados em contextos em que o autoritarismo ganha terreno.
O conceito de Estado de Direito é importante para a discussão dos impactos do autoritarismo nas democracias contemporâneas. Segundo Fuller (1969), o Estado de Direito implica não apenas na existência de leis, mas na observância de princípios fundamentais, como a publicidade, a estabilidade e a aplicabilidade das normas. Em regimes autoritários, o Estado de Direito é frequentemente subvertido, com leis sendo manipuladas para servir aos interesses daqueles no poder. A resposta das democracias a essa subversão envolve, muitas vezes, um reforço das instituições judiciais e a promoção de uma cultura de respeito às normas legais. No entanto, como argumenta O’Donnell (1999), a mera existência de instituições formais não garante a proteção contra o autoritarismo; é necessário que haja uma cultura política que valorize a legalidade e os direitos fundamentais, inclusive pelo poder judiciário.
Por fim, a internacionalização dos fenômenos autoritários é outro aspecto relevante deste estudo. A globalização e a interdependência econômica têm facilitado a disseminação de práticas autoritárias, com líderes autocráticos aprendendo uns com os outros e utilizando tecnologias de vigilância e propaganda para consolidar seu poder. Ao mesmo tempo, as democracias enfrentam o desafio de responder a essas ameaças em um ambiente internacional onde a cooperação multilateral está enfraquecida. O trabalho examina como organizações internacionais, como a União Europeia e as Nações Unidas, têm tentado lidar com o autoritarismo crescente e quais têm sido as limitações dessas tentativas.
Em suma, esta introdução estabelece o contexto teórico e metodológico para a investigação dos impactos do autoritarismo nas democracias contemporâneas, com um foco específico nos sistemas jurídicos inglês e norte-americano. O estudo busca contribuir para a compreensão dos desafios que as democracias enfrentam na atualidade e oferece uma análise crítica dos mecanismos institucionais e jurídicos que têm sido utilizados para resistir à erosão democrática. A análise comparativa e o enfoque nas interações entre diferentes tradições jurídicas e políticas visam fornecer insights valiosos para o fortalecimento da democracia em um mundo cada vez mais interconectado e desafiado por tendências autoritárias.
1. FUNDAMENTOS TEÓRICOS: DEMOCRACIA E AUTORITARISMO
1.1 Definições e histórico
A compreensão da tensão entre democracia e autoritarismo requer uma análise profunda de ambos os conceitos, que, embora amplamente debatidos, possuem definições que variam conforme o contexto teórico e histórico. A democracia, em sua essência, pode ser definida como um regime de governo em que o poder é exercido pelo povo, seja diretamente ou por meio de representantes eleitos, com base em princípios fundamentais como a igualdade, liberdade, e a participação política ampla. Autores como Dahl e Sartori destacam que a democracia se sustenta em instituições que garantem a representação política, a alternância no poder, e o respeito às liberdades civis e aos direitos humanos.
Por outro lado, o autoritarismo refere-se a uma forma de governo em que o poder é centralizado em um líder ou em uma elite, com pouca ou nenhuma participação do povo nas decisões políticas. É caracterizado pela ausência ou erosão de instituições democráticas, restrições às liberdades civis, e a repressão de vozes dissidentes. Juan Linz define o autoritarismo como um regime com características como pluralismo limitado, ausência de ideologia política abrangente, liderança carismática ou personalizada, e uma aparente falta de mobilização política da população (Linz, 1975, p. 264).
Embora tradicionalmente opostos, democracia e autoritarismo podem coexistir em um mesmo espaço político, criando zonas de transição ou áreas cinzentas, onde elementos de ambos os sistemas podem ser observados. A “democracia iliberal”, termo popularizado por Fareed Zakaria, exemplifica essa coexistência ao descrever regimes que, embora formalmente democráticos, apresentam práticas autoritárias, como o enfraquecimento do Estado de Direito e a limitação das liberdades civis (Zakaria, 1997, p. 22-43).
Historicamente, a evolução das democracias modernas, especialmente nos contextos inglês e norte-americano, está intimamente ligada ao desenvolvimento de estruturas legais e institucionais projetadas para limitar o poder autoritário. No Reino Unido, a Magna Carta de 1215 é frequentemente citada como um marco na limitação do poder monárquico e na promoção dos direitos dos cidadãos, estabelecendo a base para o desenvolvimento do parlamentarismo e da Common Law. O direito inglês, ao longo dos séculos, evoluiu para proteger os direitos individuais e limitar o poder do governo, especialmente após eventos como a Revolução Gloriosa de 1688, que solidificou a supremacia do Parlamento sobre a monarquia.
Nos Estados Unidos, a fundação da nação foi baseada em princípios democráticos claramente delineados na Constituição de 1787 e na Declaração de Direitos (Bill of Rights) de 1791. Inspirados pelas ideias do Iluminismo e pelas experiências coloniais de autogoverno, os fundadores dos Estados Unidos buscaram criar um sistema de governo que evitasse a concentração de poder, estabelecendo um sistema de freios e contrapesos entre os ramos executivo, legislativo e judiciário.
Alexander Hamilton, em The Federalist Papers, argumenta que uma união forte é essencial para proteger os estados contra facções internas e insurreições, utilizando como exemplos as pequenas repúblicas da Grécia e da Itália, que estavam constantemente envolvidas em tumultos e revoluções. Ele conclui que essas experiências demonstram a necessidade de uma estrutura governamental estável, como a que a união dos estados americanos poderia proporcionar (Hamilton, 2005, p. 41).
Adicionalmente, Hamilton destaca que os defensores do despotismo usaram os exemplos históricos de repúblicas instáveis para argumentar contra o governo republicano e a liberdade civil. O autor contrasta esses argumentos com a existência de “fábricas estupendas” (referindo-se a governos republicanos bem-sucedidos) que refutaram as teorias pessimistas sobre a inviabilidade de governos livres. Hamilton expressa sua esperança de que os Estados Unidos se tornem outro exemplo duradouro que comprove a viabilidade de um governo republicano (Hamilton, 2005, p. 41).
James Madison, também em The Federalist Papers, complementa essa discussão ao afirmar que uma das maiores vantagens de uma união bem estruturada é sua capacidade de controlar e mitigar a violência das facções. Define facção como um grupo de cidadãos, seja uma maioria ou minoria, unidos por algum impulso comum de paixão ou interesse, adverso aos direitos de outros cidadãos ou aos interesses permanentes e agregados da comunidade (Madison, 2005, p. 48).
Esses argumentos de Hamilton e Madison foram fundamentais para a consolidação de um sistema de governo que buscava equilibrar a proteção das liberdades civis com a necessidade de estabilidade e ordem, refletindo um entendimento avançado das lições históricas sobre a governança democrática.
1.2 Teorias
Diversas teorias têm sido propostas para explicar a relação entre democracia e autoritarismo, e como os sistemas legais podem atuar como barreiras ou facilitadores para a ascensão do autoritarismo. Uma das principais teorias é a da “Democracia de Lajes”, proposta por Fareed Zakaria, que sugere que as instituições democráticas devem ser suficientemente robustas para suportar pressões externas e internas que podem levá-las ao colapso ou à transição para o autoritarismo. Zakaria argumenta que, sem a proteção adequada das liberdades civis e dos direitos individuais, as democracias podem degenerar em regimes autoritários (Zakaria, 1997, p. 22-43).
Outra teoria relevante é a do “Paradoxo da Democracia”, discutida por Chantal Mouffe (Mouffe, 2000). Esse paradoxo sugere que as democracias, ao promoverem a liberdade de expressão e a participação política, podem inadvertidamente criar as condições para o surgimento de movimentos autoritários que utilizam as próprias liberdades democráticas para subverter o sistema. Esse fenômeno foi observado em várias democracias ao longo da história, onde líderes autoritários chegaram ao poder por meio de processos eleitorais legítimos, apenas para depois erodiram as instituições democráticas.
Além disso, a teoria dos “Freios e Contrapesos”, derivada do pensamento de Montesquieu e amplamente discutida por Madison, é fundamental para entender como as democracias podem se proteger do autoritarismo. Madison, em sua análise da separação dos poderes, argumenta que a concentração de todos os poderes em uma única mão pode ser considerada a própria definição de tirania. Defende que a separação dos poderes, conforme originalmente concebida por Montesquieu, não exige uma separação absoluta, mas sim uma estrutura em que nenhum órgão tenha todo o poder de outro, prevenindo assim a união total dos poderes que poderia levar à tirania (Madison, 1788, p. 261-263).
No contexto britânico, Vernon Bogdanor oferece uma análise detalhada da constituição britânica, que, diferentemente de muitas outras democracias, não é codificada em um único documento. Em The New British Constitution, Bogdanor destaca a peculiaridade da constituição britânica, que combina uma tradição histórica de flexibilidade com uma ausência de codificação formal, o que, segundo ele, contribui para sua resiliência e capacidade de adaptação (Bogdanor, 2009). Argumenta que, embora a Grã-Bretanha não tenha experimentado um “momento constitucional” que exigisse a criação de uma nova constituição, como ocorreu nos Estados Unidos em 1776, essa ausência de codificação tem permitido uma evolução contínua e adaptativa da constituição ao longo do tempo (Bogdanor, 2009).
Bogdanor também discute a soberania parlamentar como um princípio central da constituição britânica, que permite ao Parlamento legislar sobre qualquer matéria, sem restrições formais ou legais. Contudo, essa soberania parlamentar, como ressaltado por Lord Hailsham em 1978, pode levar a uma “ditadura eleita”, onde o governo, ao controlar o Parlamento, exerce poderes sem contrapesos efetivos (Bogdanor, 2009). A flexibilidade da constituição britânica, considerada uma vantagem por permitir rápidas adaptações, também pode ser vista como uma fraqueza em tempos de instabilidade política, quando as convenções que tradicionalmente limitam o poder governamental são contestadas ou reinterpretadas.
Além disso, a introdução do Human Rights Act de 1998 representou uma mudança significativa na proteção dos direitos humanos no Reino Unido, marcando uma transição de um sistema baseado em convenções e interpretações judiciais para uma estrutura mais formalizada de proteção de direitos. Esse ato permitiu que os direitos garantidos pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos fossem reivindicados nos tribunais britânicos, transformando o papel do judiciário e introduzindo novas limitações à soberania parlamentar (Bogdanor, 2009).
A evolução do constitucionalismo na Inglaterra e na França durante os séculos XVII e XVIII trouxe diferentes abordagens sobre a limitação do poder. Na Inglaterra, os liberais enfrentaram o desafio de superar o absolutismo monárquico, o que levou ao desenvolvimento da Rule of Law e da desconcentração dos poderes do monarca (Matos, 2017, p. 16). A soberania foi atribuída ao Parlamento, que, embora soberano, não possuía um poder ilimitado, sendo moderado por princípios como o King in Parliament (Matos, 2017, p. 15-16).
Em contraste, na França, a Revolução de 1789 resultou na centralização do poder legislativo na Assembleia Nacional, refletindo a teoria da soberania popular proposta por Rousseau, onde o poder legislativo era visto como indivisível e absoluto (Matos, 2017, p. 17). Enquanto na Inglaterra o poder legislativo era dividido e equilibrado entre diferentes potências sociais, na França, a igualdade cidadã e a supremacia legislativa foram elevadas ao máximo, eliminando os contrapesos que poderiam mitigar a tirania (Matos, 2017, p. 17).
Essa divergência é ilustrada pela proposta de Locke para resolver a aparente dicotomia entre supremacia legislativa e separação de poderes. Locke argumenta que a supremacia legislativa não deveria significar um poder absoluto, e que a separação de poderes era essencial para evitar a tirania (Matos, 2017, p. 21). Locke via a supremacia legislativa como necessária, mas sempre limitada pelo direito natural e pelos direitos dos indivíduos, prevenindo o abuso de poder através de mecanismos de resistência popular (Matos, 2017, p. 24-26).
Por outro lado, Montesquieu, na sua defesa da separação de poderes, argumentava que a liberdade política só é possível em um governo moderado, onde o poder é distribuído entre diferentes ramos que se controlam mutuamente (Montesquieu, 1989, Livro XI, capítulo VI). Sua teoria foi uma resposta tanto à tirania do monarca quanto à tirania potencial do Parlamento, enfatizando a necessidade de um equilíbrio de poder para garantir a liberdade dos cidadãos (Montesquieu, 1989, Livro XI, capítulo III).
Montesquieu também propôs a divisão do poder em três ramos: legislativo, executivo e judiciário, cada um com funções distintas e independentes. Ele defendia que não poderia haver liberdade se a mesma pessoa ou grupo exercesse o poder de fazer as leis, executá-las e julgar infrações contra elas (Montesquieu, 1989, Livro XI, capítulo VI). Essa divisão de poderes é crucial para evitar o abuso de poder e garantir um governo equilibrado, onde os poderes se contrabalançam mutuamente.
Apesar das críticas, a teoria de Montesquieu teve um impacto profundo no desenvolvimento do constitucionalismo moderno, especialmente nos Estados Unidos, onde sua ideia de separação de poderes foi adaptada para criar um sistema de checks and balances. Essa adaptação, no entanto, diverge em alguns aspectos da visão original de Montesquieu, especialmente no papel atribuído ao judiciário (Piçarra, 2015, p. 59-60).
No contexto francês, a Revolução de 1789 e a influência das ideias de Rousseau levaram a uma rejeição da constituição mista proposta por Montesquieu, em favor de uma separação pura de poderes baseada na soberania popular (Vile, 2005, p. 197-198). Rousseau argumenta que todo poder legislativo pertencia ao povo e que a soberania popular era indivisível. Rejeitava a ideia de divisão da soberania entre os poderes executivo e legislativo, característica dos governos mistos, e defendia que a soberania residia completamente no legislativo (Rousseau, 2002, p. 103).
Essa visão contrastava fortemente com a de Montesquieu e Locke. Enquanto Locke via a separação de poderes como uma característica de equilíbrio, Rousseau a considerava um imperativo, argumentando que seria impossível que todos legislassem e executassem suas deliberações ao mesmo tempo (Matos, 2017, p. 71-72). Para Rousseau, o legislativo deveria ser sempre coletivo e separado do executivo, uma posição que contrastava com a flexibilidade de Locke em relação à delegação de funções.
A teoria de Sieyès também refletia essa visão da soberania popular. Sieyès criticava o antigo regime como uma monarquia absolutista e defendia que a nação era a única fonte legítima de poder (Sieyès, 1997, p. 5). O autor via a nação como anterior à constituição e detentora do poder constituinte, que era superior a qualquer poder constituído (Sieyès, 1997, p. 56-60). Sua teoria rejeitava o mecanismo de veto do rei ou da corte, defendendo que o controle do poder deveria ser exercido pelo povo, refletindo sua visão de soberania popular.
A Constituição de 1791, influenciada por Sieyès, estabeleceu a soberania como uma e indivisível, exercida pela nação através de seus delegados. No entanto, ao manter o veto suspensivo do rei, o constituinte francês introduziu mecanismos de equilíbrio que ecoavam a constituição mista, demonstrando uma tentativa de conciliar as novas ideias revolucionárias com as tradições políticas existentes (Vile, 2005, p. 211).
Nos Estados Unidos, a separação de poderes foi utilizada como um mecanismo para proteger as minorias contra a maioria expressa no Congresso. A introdução do controle judicial sobre o legislativo, conferindo à Suprema Corte a autoridade de declarar nulas as leis, diferenciou o constitucionalismo americano do inglês e marcou uma adaptação significativa dos princípios de Montesquieu (Matos, 2017, p. 76-77). Essa inovação refletiu a preocupação dos fundadores americanos com a proteção dos direitos individuais contra a tirania da maioria, uma questão que estava no cerne das tensões entre democracia e autoritarismo.
No contexto da modernidade, as teorias de supremacia legislativa e separação de poderes foram desenvolvidas como estratégias de oposição ao absolutismo monárquico. Para Rousseau, o poder legislativo era inerente ao povo, enquanto para Locke, em sociedades bem organizadas, esse poder era delegado pelo povo a uma assembleia (Matos, 2017, p. 70-71). Locke sustentava que, em monarquias moderadas e governos bem constituídos, as funções legislativas e executivas deveriam estar em mãos distintas, estabelecendo assim um governo equilibrado.
Enquanto Locke via a separação de poderes como uma característica de equilíbrio, em que as funções do governo deveriam ser exercidas por órgãos ou pessoas distintas, Rousseau a considerava um imperativo, argumentando que seria impossível que todos legislassem e executassem suas deliberações ao mesmo tempo (Matos, 2017, p. 71-72). Para Rousseau, o legislativo deveria ser sempre coletivo e separado do executivo, uma posição que contrastava com a flexibilidade de Locke em relação à delegação de funções.
A Constituição inglesa conferia ao monarca tanto o poder legislativo quanto o executivo, mas isso não significava uma ausência de controle. Montesquieu argumentava que era necessário que um poder controlasse o outro, mas não sugeria que todos os poderes fossem iguais em status, apenas que todos deveriam ser igualmente controlados (Matos, 2017, p. 72-73). O poder do rei de vetar legislação, segundo Locke, não derivou de sua função executiva, mas de sua participação no poder legislativo, destacando assim a importância da divisão da autoridade legislativa.
Para Rousseau, o mecanismo de controle interno do legislativo estava na subordinação da vontade particular à vontade geral, o que resultava em um legislativo mais poderoso que o de Locke ou Montesquieu. A supremacia legislativa de Rousseau não necessitava de divisões em potências sociais e não estava sujeita aos direitos naturais, como em Locke. Isso fazia do legislativo de Rousseau uma força maior e menos limitada, o que levantava questões sobre a proteção de direitos individuais (Matos, 2017, p. 73-74).
John Locke, ao estabelecer novas bases para a supremacia parlamentar, insistia que o poder legislativo não poderia ser arbitrário. Ele concedia ao povo, e não aos magistrados ou reis, o poder de resistir ao legislativo quando este agisse contra a confiança depositada nele. No entanto, mesmo Locke não atribuía ao legislativo um poder ilimitado, mas também não estabelecia um mecanismo judicial explícito para fiscalizar o legislativo, diferenciando-se assim de Montesquieu (Matos, 2017, p. 74-75).
Nos Estados Unidos, a introdução do controle judicial sobre o legislativo, conferindo à Suprema Corte a autoridade de declarar nulas as leis, diferenciou o constitucionalismo americano do inglês e marcou uma adaptação significativa dos princípios de Montesquieu (Matos, 2017, p. 76-77). Esse desenvolvimento foi fundamental para a proteção dos direitos individuais e para a preservação do equilíbrio de poderes, que são essenciais para a manutenção de uma democracia robusta.
2. ESTRUTURAS INSTITUCIONAIS NO DIREITO INGLÊS E NORTE-AMERICANO
2.1 A estrutura constitucional britânica
A constituição britânica, conforme discutido anteriormente, é marcada por sua peculiaridade e flexibilidade, características que têm permitido sua adaptação contínua ao longo dos séculos. Esta constituição não codificada é composta por leis, convenções, precedentes judiciais e obras autoritativas, o que a distingue da maioria das constituições modernas. Vernon Bogdanor destaca que, apesar dessa natureza não codificada, a constituição britânica é uma força unificadora na política do Reino Unido, refletindo tanto sua história quanto às mudanças sociais e políticas ao longo do tempo (Bogdanor, 2009).
Historicamente, a constituição britânica tem sido vista como um modelo de estabilidade e liberdade, um orgulho nacional que, entretanto, começou a declinar a partir da década de 1960. Esta mudança de percepção está ligada às crescentes dificuldades econômicas e aos debates sobre a adequação das instituições britânicas para enfrentar os desafios contemporâneos. As reformas constitucionais iniciadas pelo governo de Tony Blair, a partir de 1997, introduziram mudanças significativas, que, embora fragmentadas, começaram a moldar uma nova constituição britânica (Bogdanor, 2009).
Essas reformas incluem a devolução de poderes para a Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, a introdução da Lei dos Direitos Humanos de 1998, e a independência do Banco da Inglaterra. Cada uma dessas mudanças, embora implementada de forma isolada, contribuiu para a criação de um novo paradigma constitucional no Reino Unido, movendo-se de um estado unitário para uma forma de estado quase federal. A devolução, em particular, transformou a relação entre as diferentes nações que compõem o Reino Unido, introduzindo complexidades adicionais na governança e na interpretação constitucional (Bogdanor, 2009).
A soberania parlamentar é o princípio central da constituição britânica, significando que o Parlamento pode legislar sobre qualquer matéria, sem estar sujeito a uma autoridade superior. Este princípio tem sido tanto uma fonte de força quanto de vulnerabilidade. Por um lado, ele permite uma flexibilidade e adaptabilidade raras em outras constituições; por outro, a ausência de limites formais ao poder do governo pode levar a abusos de poder, conforme destacado por Lord Hailsham, que descreveu o sistema como uma “ditadura eleita” (Bogdanor, 2009).
Bogdanor discute a importância das convenções na constituição britânica, que funcionam como restrições informais ao poder governamental. Essas convenções são fundamentais para a operação da constituição, mas em tempos de instabilidade constitucional, sua eficácia pode ser reduzida. Isso levanta a questão de como o poder é controlado e limitado em um sistema onde não existem restrições formais claras, mas sim uma dependência de normas não codificadas e da opinião pública (Bogdanor, 2009).
As reformas constitucionais recentes, especialmente a introdução da Lei dos Direitos Humanos de 1998, começaram a colocar em questão a noção de soberania parlamentar ilimitada. A Lei dos Direitos Humanos, ao incorporar a Convenção Europeia dos Direitos Humanos ao direito interno britânico, introduziu um elemento de limitação ao poder legislativo, exigindo que as leis sejam compatíveis com os direitos humanos. Embora o Parlamento continue soberano, essa mudança representa uma modificação significativa na relação entre o Parlamento e os direitos individuais (Bogdanor, 2009). Assim, mesmo que a ideia de soberania do Parlamento não implica uma teoria de concentração de concentração de poder, antes disso, a autoridade é internamente limitada, assim como externamente. Com isso, a Constituição inglesa não propugna a concentração de poder.
2.2 A estrutura federal nos Estados Unidos
Em contraste com o Reino Unido, os Estados Unidos possuem uma constituição codificada, criada em 1787, que delineia claramente as estruturas e os poderes do governo. A constituição americana foi desenvolvida em um contexto de desconfiança em relação ao poder centralizado, resultando na criação de um sistema federal com uma clara divisão de poderes entre os três ramos do governo: o legislativo, o executivo e o judiciário. Este sistema de checks and balances foi projetado para prevenir a tirania e garantir que nenhum ramo do governo pudesse acumular poder de forma excessiva (Madison, 1788).
Alexander Hamilton, em The Federalist Papers, argumenta que a união dos estados americanos era essencial para evitar os problemas enfrentados pelas repúblicas menores e instáveis, como as da Grécia e da Itália antigas. Ele enfatiza a importância de uma confederação forte para proteger os estados contra facções internas e insurreições, garantindo estabilidade e justiça no governo republicano (Hamilton, 1788, p. 41-43). Além disso, Hamilton destaca as melhorias na ciência política moderna, como a separação de poderes e os freios e contrapesos, que foram fundamentais para o fortalecimento dos governos republicanos (Hamilton, 1788, p. 42).
James Madison complementa essa visão ao discutir a importância de uma república grande para controlar as facções e proteger os direitos das minorias. Ele argumenta que, em uma república maior, é mais difícil para facções opressoras se formarem, o que ajuda a garantir que o governo atenda aos interesses de toda a comunidade, e não apenas de uma maioria temporária (Madison, 1788, p. 52-53). Esta estrutura federal, onde o poder é dividido entre o governo nacional e os estados, oferece uma “dupla segurança” para os direitos do povo, protegendo tanto contra a opressão do governo central quanto contra o abuso de poder pelos governos estaduais (Madison, 1788, p. 282-283).
A separação de poderes é um dos pilares fundamentais tanto do sistema britânico quanto do americano, embora aplicado de maneiras diferentes em cada país. Nos Estados Unidos, a separação de poderes é rigidamente definida, com o poder dividido entre o executivo, o legislativo e o judiciário. Este modelo foi inspirado pelas ideias de Montesquieu, mas adaptado às necessidades específicas da república americana. Madison, em The Federalist No. 47, explora a interpretação de Montesquieu sobre a separação de poderes, argumentando que o objetivo principal não é uma separação absoluta, mas sim a prevenção da concentração de todos os poderes em uma única mão (Madison, 1788, p. 261-263).
Hamilton, por sua vez, defende a necessidade de um executivo forte e unitário como um componente essencial para um governo eficaz. Ele argumenta que a unidade no poder executivo é fundamental para garantir a eficiência e a responsabilidade desse ramo do governo. Um executivo plural, segundo Hamilton, diluiria a responsabilidade e poderia levar a rivalidades e ineficiências, comprometendo a segurança nacional e a eficácia governamental (Hamilton, 1788, p. 375-378).
A independência do judiciário é outro aspecto crucial da separação de poderes, especialmente nos Estados Unidos. Hamilton, em “The Federalist No. 78”, defende que o judiciário deve ser independente para proteger tanto a Constituição quanto os direitos dos indivíduos. Ele argumenta que o poder de revisão judicial é essencial para garantir que a Constituição permaneça como a lei suprema do país e que a independência dos juízes, assegurada pelo mandato vitalício, é fundamental para proteger o judiciário de pressões políticas e influências indevidas (Hamilton, 1788, p. 412-416).
2.3 Comparação e contraste
Embora tanto o Reino Unido quanto os Estados Unidos tenham desenvolvido sistemas eficazes de governança democrática, suas abordagens refletem diferenças significativas em termos de estrutura e filosofia. A constituição britânica, com sua flexibilidade e dependência de convenções, permite uma adaptação contínua, mas também enfrenta desafios em termos de clareza e controle do poder. Em contraste, a constituição americana, com sua codificação e sistema de checks and balances, oferece uma estrutura clara e formal para o governo, mas pode ser menos adaptável a mudanças rápidas e imprevistas.
Essas diferenças refletem as distintas trajetórias históricas e contextos políticos de cada país. Enquanto o Reino Unido desenvolveu sua constituição ao longo de séculos de evolução gradual, os Estados Unidos criaram a sua em um momento de ruptura e fundação, buscando evitar os erros que os fundadores percebiam nas monarquias europeias. A codificação dos princípios de governança na constituição americana reflete essa preocupação com a limitação do poder e a proteção dos direitos individuais, enquanto a flexibilidade da constituição britânica reflete uma confiança na tradição e na evolução orgânica das instituições (Madison, 1788; Hamilton, 1788).
Um aspecto importante da governança democrática é a capacidade de revisão e adaptação das constituições para enfrentar novos desafios e realidades. No Reino Unido, a ausência de uma constituição codificada significa que as mudanças podem ser implementadas de forma relativamente rápida e flexível, através de atos do Parlamento. No entanto, essa mesma flexibilidade pode levar à instabilidade e à falta de clareza sobre os limites do poder governamental, especialmente em tempos de crise (Bogdanor, 2009).
Nos Estados Unidos, a revisão constitucional é um processo muito mais formal e rígido, exigindo emendas que devem ser ratificadas por uma supermaioria dos estados. Esse processo garante uma estabilidade e continuidade na governança, mas também pode tornar difícil a adaptação a novas circunstâncias. Madison, em “The Federalist No. 49”, discute as dificuldades de apelar frequentemente ao povo para revisões constitucionais, argumentando que isso pode minar a veneração necessária para a estabilidade do governo (Madison, 1788, p. 274-276).
Essa diferença na abordagem à revisão constitucional reflete as diferentes prioridades e contextos de cada país. No Reino Unido, a prioridade tem sido a flexibilidade e a adaptação, enquanto nos Estados Unidos, a ênfase tem sido na estabilidade e na proteção dos direitos fundamentais. Ambos os sistemas têm seus méritos e desafios, e a escolha entre um e outro depende em grande parte das circunstâncias históricas e das necessidades específicas de cada país.
As estruturas institucionais no Direito Inglês e Norte-Americano refletem abordagens diferentes, mas igualmente válidas, para a governança democrática. Enquanto o Reino Unido confia na flexibilidade e na adaptação contínua através de uma constituição não codificada, os Estados Unidos dependem de uma constituição codificada e de um sistema de checks and balances para garantir a estabilidade e a proteção dos direitos individuais.
Essas diferenças destacam a importância da estrutura constitucional na formação e manutenção de uma democracia saudável. As lições tiradas de cada sistema podem oferecer insights valiosos para outros países em busca de construir ou reformar suas próprias constituições. Em última análise, o sucesso de uma democracia depende não apenas das leis e instituições, mas também da cultura política e da vontade do povo de defender e fortalecer essas estruturas ao longo do tempo.
3. IMPACTOS DO AUTORITARISMO NAS DEMOCRACIAS CONTEMPORÂNEAS
3.1 A Ascensão do Autoritarismo e os Desafios para as Democracias
Desde o início do século XX, a ascensão do autoritarismo tornou-se uma das maiores ameaças às democracias em todo o mundo. Esse fenômeno é frequentemente impulsionado por líderes populistas que, ao prometerem restaurar a ordem e combater a corrupção, acabam por concentrar poder e minar as instituições democráticas que deveriam servir de contrapeso ao poder executivo. Esse processo é visível em várias democracias consolidadas e emergentes, onde governos eleitos democraticamente começam a implementar políticas que corroem as fundações da democracia, como a independência do judiciário, a liberdade de imprensa e os direitos civis (MATOS, 2017, p. 10).
Um exemplo notável dessa dinâmica é a erosão democrática observada na Hungria sob a liderança de Viktor Orbán. Desde que assumiu o poder em 2010, Orbán e seu partido, o Fidesz, implementaram uma série de reformas que enfraqueceram o sistema de pesos e contrapesos. Alterações na Constituição, reformas eleitorais que favorecem o partido governista e o controle sobre a mídia e o judiciário ilustram como a democracia húngara foi progressivamente substituída por um regime que Orbán descreve como “democracia iliberal” (Bánkuti, Halmai & Scheppele, 2012, p. 137).
Essa tendência não é exclusiva da Hungria. Em outras partes do mundo, incluindo países como a Turquia e as Filipinas, líderes eleitos democraticamente têm adotado medidas que minam as instituições democráticas. Na Turquia, por exemplo, o presidente Recep Tayyip Erdoğan consolidou poder por meio de referendos e decretos que expandiram as prerrogativas do executivo, enquanto silenciava a oposição e controlava a imprensa (Güney & Gökcan, 2019, p. 2). Esse padrão de governança autoritária disfarçada de democracia destaca os perigos que o autoritarismo representa para as democracias contemporâneas.
Ademais, o autoritarismo contemporâneo frequentemente se alimenta de crises econômicas e políticas. Em momentos de instabilidade, líderes populistas são capazes de explorar o descontentamento popular, oferecendo soluções simplistas que, embora atrativas, envolvem a erosão dos princípios democráticos. Em muitos casos, esses líderes se apresentam como “salvadores” que precisam de poderes extraordinários para resolver problemas complexos, justificando assim a centralização do poder e o enfraquecimento das instituições democráticas (MATOS, 2017, p. 11).
O autoritarismo contemporâneo é marcado por uma abordagem gradual e muitas vezes legalista para enfraquecer as instituições democráticas. Diferentemente dos regimes autoritários tradicionais, que frequentemente tomavam o poder através de golpes militares ou revoluções violentas, os autoritarismos modernos tendem a se consolidar por meio de mecanismos democráticos, como eleições, reformas legislativas e mudanças constitucionais.
Um exemplo claro dessa abordagem pode ser visto na Venezuela sob Hugo Chávez e, posteriormente, Nicolás Maduro. Chávez, eleito democraticamente em 1998, usou sua popularidade para aprovar uma nova Constituição em 1999, que ampliou significativamente os poderes do executivo e enfraqueceu os mecanismos de controle e balanço (Corrales & Penfold, 2011, p. 35). Com o tempo, Chávez e Maduro consolidaram um regime autoritário que, apesar de manter uma fachada democrática, restringe severamente as liberdades civis e políticas.
Esse processo de erosão institucional é frequentemente incremental, o que torna difícil sua detecção e combate no estágio inicial. Líderes autoritários costumam usar a retórica democrática para justificar suas ações, afirmando que estão agindo em nome do povo ou para proteger a democracia de ameaças internas e externas (Levitsky & Ziblatt, 2018, p. 78). A captura do judiciário é uma das táticas mais comuns nesse processo. Quando os tribunais são controlados ou subordinados ao poder executivo, o Estado de Direito é comprometido, e as garantias constitucionais tornam-se meras formalidades.
Outra característica central dos regimes autoritários contemporâneos é a manipulação do poder legislativo para servir aos interesses do executivo. Em muitos casos, líderes autoritários utilizam sua maioria parlamentar para aprovar legislações que consolidam seu poder, enfraquecem a oposição e restringem liberdades civis. Esse processo pode incluir a reforma de leis eleitorais para favorecer o partido governista, a aprovação de leis de emergência que ampliam os poderes do executivo, e a coação de parlamentares através de incentivos ou ameaças (MATOS, 2017, p. 20).
Na Rússia, o presidente Vladimir Putin utilizou o parlamento para aprovar uma série de leis que ampliaram o poder do executivo e restringiram as atividades da oposição e da sociedade civil. A legislação antiterrorismo aprovada em 2016, por exemplo, aumentou o controle estatal sobre a internet e as comunicações privadas, enquanto leis anteriores já haviam restringido o financiamento estrangeiro para ONGs, o que praticamente silenciou a sociedade civil russa (Soldatov & Borogan, 2015, p. 67). Putin também conseguiu aprovar emendas constitucionais em 2020 que lhe permitem permanecer no poder até 2036, demonstrando como a manipulação do legislativo pode ser uma ferramenta poderosa para líderes autoritários.
No entanto, a supremacia do executivo nem sempre é absoluta. Em algumas democracias, o poder legislativo consegue resistir às pressões do executivo, especialmente quando há uma forte tradição de independência parlamentar ou quando a oposição consegue mobilizar apoio suficiente para bloquear iniciativas autoritárias. No México, por exemplo, durante a presidência de Andrés Manuel López Obrador (AMLO), o Congresso demonstrou resistência a várias propostas do presidente, como a reforma elétrica, que teria aumentado o controle estatal sobre o setor energético (Meyer, 2021, p. 24). Embora AMLO tenha uma base popular significativa, a resistência parlamentar mostrou que, mesmo em contextos de autoritarismo emergente, há espaço para resistência institucional.
O papel das instituições judiciais é crucial na defesa da democracia contra o autoritarismo. Em muitas democracias contemporâneas, o judiciário tem se mostrado uma das últimas linhas de defesa contra a erosão democrática. A independência judicial permite que os tribunais atuem como árbitros imparciais, protegendo os direitos constitucionais e garantindo que o executivo e o legislativo atuem dentro dos limites da lei (MATOS, 2017, p. 80).
Nos Estados Unidos, o judiciário desempenhou um papel central na limitação dos poderes do presidente Donald Trump. Durante sua administração, Trump enfrentou uma série de desafios legais em resposta a suas políticas de imigração, ao uso de decretos executivos e às suas tentativas de contestar os resultados da eleição presidencial de 2020. Em vários casos, os tribunais federais bloquearam ações do executivo, destacando a importância de um judiciário independente em uma democracia (Levitsky & Ziblatt, 2018, p. 142).
Contudo, a eficácia do judiciário em resistir ao autoritarismo depende de sua capacidade de manter a legitimidade e a confiança pública. Quando o judiciário é percebido como parcial ou politicamente influenciado, sua capacidade de atuar como um contrapeso ao poder executivo é severamente comprometida. Além disso, em muitos casos, regimes autoritários tentam minar a autoridade judicial através de reformas que alteram a composição dos tribunais ou que restringem suas competências (MATOS, 2017, p. 84).
Na Polônia, o governo do partido Lei e Justiça (PiS) tem sistematicamente enfraquecido o judiciário desde 2015, alterando a composição do Tribunal Constitucional e criando um Conselho Nacional da Magistratura controlado pelo governo, que tem o poder de nomear juízes. Essas mudanças foram amplamente criticadas pela União Europeia e por organizações de direitos humanos, que veem nelas uma ameaça direta ao Estado de Direito na Polônia (Sadurski, 2019, p. 82).
3.2 Impactos sociais e econômicos do autoritarismo
Os impactos do autoritarismo não se limitam ao campo político; eles também têm profundas repercussões sociais e econômicas. Regimes autoritários tendem a promover políticas que beneficiam a elite governante e seus aliados, resultando em um aumento da desigualdade econômica e na deterioração dos serviços públicos. Essa concentração de poder também leva a altos níveis de corrupção, uma vez que a falta de mecanismos de controle efetivos permite que os recursos do Estado sejam desviados para enriquecer a classe dirigente (MATOS, 2017, p. 123).
Na Venezuela, o governo de Nicolás Maduro, que sucedeu Hugo Chávez, implementou políticas econômicas que levaram o país a uma crise sem precedentes. A hiperinflação, a escassez de alimentos e medicamentos, e o colapso dos serviços públicos são alguns dos efeitos das políticas autoritárias que priorizaram a manutenção do poder sobre o bem-estar da população. Além disso, a corrupção endêmica e a má gestão dos recursos do petróleo contribuíram para agravar a crise econômica e humanitária no país (Corrales & Penfold, 2011, p. 138).
Socialmente, o autoritarismo também tem efeitos devastadores. A repressão das liberdades civis, como a liberdade de expressão, de imprensa e de associação, cria um ambiente de medo e censura, onde a dissidência é severamente punida. A perseguição a opositores políticos e a ativistas de direitos humanos se torna comum, e a sociedade civil enfrenta enormes desafios para operar em um ambiente de repressão constante (MATOS, 2017, p. 125).
A repressão social e a concentração de poder também têm impactos negativos sobre a coesão social. Em muitos casos, os regimes autoritários promovem divisões na sociedade, seja por meio de políticas que favorecem determinados grupos étnicos ou religiosos, seja por incentivar a polarização política. Essas divisões podem levar a conflitos internos, ao aumento da violência política e, em casos extremos, à guerra civil (Gurr, 1970, p. 15).
O fenômeno do autoritarismo não está confinado às fronteiras nacionais; ele se espalha globalmente, influenciando e sendo influenciado por dinâmicas internacionais. Com a globalização da informação e o aumento da interdependência econômica, regimes autoritários têm encontrado novas maneiras de expandir sua influência além de suas fronteiras. Um dos métodos mais notórios é a exportação de tecnologias de vigilância e censura, que são utilizadas para monitorar e reprimir dissidências em outras partes do mundo (MATOS, 2017, p. 130).
A China é um exemplo emblemático de como regimes autoritários podem expandir sua influência internacional. O governo chinês não apenas implementou um dos sistemas de vigilância mais abrangentes do mundo, como também exporta essa tecnologia para outros países, principalmente na África e na Ásia, ajudando a consolidar regimes autoritários em regiões onde a democracia ainda é frágil (Creemers, 2015, p. 32). Além disso, a China utiliza sua força econômica para pressionar governos e silenciar críticas, exemplificado pela censura de empresas e indivíduos ocidentais que criticam a política chinesa em relação aos direitos humanos (Shambaugh, 2013, p. 56).
Além da exportação de tecnologia, a internacionalização do autoritarismo também ocorre por meio de alianças políticas e econômicas entre regimes autoritários. Essas alianças são frequentemente usadas para resistir à pressão internacional e para criar blocos de poder que protegem e promovem interesses comuns, como o enfraquecimento dos direitos humanos e da governança democrática. A Rússia e a China, por exemplo, têm cooperado estreitamente em fóruns internacionais, bloqueando resoluções que visam sancionar violações de direitos humanos em países aliados, como a Síria e a Venezuela (Tsygankov, 2016, p. 93).
Essa globalização do autoritarismo apresenta desafios significativos para as democracias ao redor do mundo. A eficácia das respostas democráticas depende em grande parte da cooperação internacional. Sanções econômicas, pressões diplomáticas e apoio a movimentos pró-democracia são ferramentas que podem ser utilizadas para combater o autoritarismo, mas sua eficácia é muitas vezes limitada pela falta de coordenação entre os países democráticos e pela influência econômica e política dos regimes autoritários (Levitsky & Way, 2010, p. 39).
Os impactos do autoritarismo nas democracias contemporâneas são profundos e abrangentes. Eles desafiam as instituições democráticas, comprometem o Estado de Direito e colocam em risco os direitos e liberdades fundamentais. No entanto, a história demonstra que a resistência é possível, e que as instituições democráticas, quando fortes e legitimadas, podem atuar como barreiras eficazes contra o avanço do autoritarismo (MATOS, 2017, p. 137).
A preservação da democracia exige não apenas a vigilância constante das instituições, mas também o engajamento ativo da sociedade civil. Em um contexto global onde o autoritarismo está em ascensão, a defesa da democracia depende de uma resposta coletiva e coordenada, tanto em nível nacional quanto internacional. As democracias devem se fortalecer internamente, garantindo a independência das instituições e a proteção dos direitos fundamentais, ao mesmo tempo em que colaboram internacionalmente para resistir às influências autoritárias (MATOS, 2017, p. 140).
A luta pela preservação da democracia é, portanto, uma responsabilidade compartilhada que exige o compromisso de todos os setores da sociedade. A história recente mostra que, embora o autoritarismo possa ter um impacto devastador, a resistência é possível e pode ser eficaz quando há um compromisso coletivo em proteger os valores e as instituições democráticas. A sobrevivência da democracia no século XXI dependerá, em grande parte, da capacidade dos povos e das nações de defender seus princípios fundamentais contra as ameaças autoritárias que continuam a emergir no cenário global.
4. CONCLUSÃO
A análise dos impactos do autoritarismo nas democracias contemporâneas, com foco nos sistemas jurídicos inglês e norte-americano, revela a complexidade e a diversidade das respostas institucionais a essa ameaça. Ao longo deste estudo, observou-se que, apesar das diferenças históricas e culturais, ambas as democracias compartilham desafios semelhantes, particularmente no que diz respeito à preservação dos princípios democráticos frente a pressões autoritárias internas e externas.
O sistema jurídico inglês, caracterizado por uma constituição não codificada e uma dependência de convenções e precedentes, demonstra tanto resiliência quanto vulnerabilidade. A flexibilidade do direito inglês permite respostas rápidas a mudanças políticas e sociais, mas também expõe o sistema a manipulações que podem enfraquecer as salvaguardas democráticas. As reformas recentes, como a devolução de poderes e a Lei dos Direitos Humanos de 1998, refletem esforços para fortalecer a democracia, embora enfrentem tensões entre soberania parlamentar e proteção dos direitos individuais.
Nos Estados Unidos, a Constituição codificada e o sistema de freios e contrapesos representam uma tentativa deliberada de prevenir a concentração de poder. No entanto, a eficácia desse sistema depende da integridade dos atores políticos e do respeito às normas democráticas. A polarização política e o populismo recente têm desafiado esses mecanismos, levantando questões sobre a capacidade das instituições americanas de resistir a tendências autoritárias.
Em ambos os contextos, a globalização e a interdependência econômica intensificam os desafios à democracia, facilitando a disseminação de práticas autoritárias e minando a cooperação internacional necessária para enfrentá-las. A resposta das democracias a essa ameaça requer não apenas a defesa das instituições jurídicas e políticas, mas também o fortalecimento da cultura democrática, que valorize o Estado de Direito e os direitos humanos.
Este estudo contribui para a compreensão dos desafios contemporâneos enfrentados pelas democracias e enfatiza a importância de uma vigilância contínua e de uma adaptação institucional constante para preservar os valores democráticos em um mundo em transformação. A análise comparativa dos sistemas inglês e norte-americano oferece insights valiosos para fortalecer a resistência ao autoritarismo, destacando a necessidade de um compromisso renovado com a democracia e a justiça.
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