ESCOLA NORMAL E INSTITUTOS DE EDUCAÇÃO: FORMAÇÃO E MEMÓRIA DE MULHERES NA HISTÓRIA DO MAGISTÉRIO NO BRASIL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202411262234


Fábia Luiza de Oliveira Andrioli1
Erica Piovam de Ulhôa Cintra (Orientadora)2


Resumo

Inicialmente Escola Normal, depois Institutos de Educação, essas instituições de formação de professores no magistério foram o território essencial para importantes transformações, dentre as quais, da emancipação feminina ao longo dos séculos XIX e XX, e comparar as principais instituições do Rio de Janeiro e de São Paulo, nos permite vislumbrar uma teia de imbricadas conexões cujo sentido último é a formação de qualidade e excelência das futuras gerações do país. Era também esse o foco de Lourenço Filho, importante intelectual da educação renovadora e que damos atenção mais ao final do texto. O presente artigo, vinculado ao Projeto de Pesquisa História da Educação – Histédiice, da Unespar, procura dar visibilidade a esses enredos que cooperam para esse fim ainda hoje, e comunicam a formação e a memória de mulheres na história do magistério no Brasil.

Palavras – chaves: Escola Normal. Educação. História. Brasil. Século-XX. 

Introdução 

Este estudo analisa a formação e a memória das mulheres na história do magistério no Brasil, com destaque para o impacto das escolas normais, e posteriormente os Institutos de Educação, nos séculos XIX e XX. Essas instituições desempenharam um papel importante na preparação das jovens brasileiras para atuarem como professoras na educação infantil e no ensino fundamental. As escolas normais abrem às jovens mulheres a possibilidade de atuação no mercado de trabalho num tempo em que os professores das séries iniciais, na maioria homens, buscavam condições mais rentáveis nos níveis posteriores de ensino. 

A pesquisa, baseada em análise bibliográfica, investiga como essas instituições influenciaram a entrada das mulheres no mercado de trabalho educacional, especialmente em centros urbanos como o Rio de Janeiro e São Paulo. O estudo também aborda a influência de Lourenço Filho, figura central do movimento da Escola Nova, na formação de professores e na reforma educacional no Brasil. Ademais, procura refletir como a educação oferecida por essas instituições moldou a identidade profissional das mulheres no magistério brasileiro. 

Para isso, algumas questões norteadoras são levantadas: de que forma as escolas normais contribuíram para a inserção das mulheres no mercado de trabalho educacional no Brasil nos séculos XIX e XX? Qual foi o impacto das reformas educacionais de Lourenço Filho na formação de professoras já nos Institutos de Educação? Como a formação recebida nessas instituições influenciou a identidade profissional das mulheres no magistério brasileiro? 

O texto está dividido em três partes. A primeira discute o contexto histórico da criação e desenvolvimento das escolas normais no Brasil, ressaltando seu papel na formação de professoras. A segunda parte explora, a partir de dissertações e artigos acadêmicos, as experiências das mulheres formadas nessas escolas. Por fim, a terceira parte examina a influência do movimento da Escola Nova, com foco no papel do professor e intelectual Lourenço Filho, na evolução do currículo e das práticas docentes nas escolas normais e Institutos de Educação do país.

1. ESCOLA NORMAL E INSTITUTOS DE EDUCAÇÃO:  elementos que perfazem a formação de mulheres para o magistério no Brasil   

A Escola Normal foi o passo inicial e fundamental na formação de mulheres para o magistério no Brasil. No século XIX, durante a organização do país como nação independente, o Rio de Janeiro se destacou como centro do poder. Foi nesse contexto que, em 1835, a primeira Escola Normal foi estabelecida no município de Niterói, na Província do Rio de Janeiro. O propósito dessas instituições era preparar indivíduos para o magistério de instrução primária, com um currículo abrangente que incluía disciplinas como leitura, escrita, aritmética, geometria, gramática da língua nacional, geografia, além de princípios da moral cristã e religião oficial. (ARATANGY, 2019).

Fundado em 1880, como Escola Normal da Corte, o atual Instituto de Educação do Rio de Janeiro (IERJ) é uma das mais antigas instituições de ensino para o magistério do Brasil. Sua criação foi um marco importante na qualificação de professores no país. Ao longo de sua trajetória, o IERJ se destacou pela qualidade acadêmica e pela inovação pedagógica, sendo pioneiro na adoção de métodos modernos e na promoção da pesquisa educacional. Localizado na antiga capital federal, o instituto teve grande influência nas políticas educacionais nacionais, adaptando-se às mudanças do cenário educacional e oferecendo uma variedade de cursos, desde a formação inicial até especializações e educação continuada. (TANURI, 1992 e VILLELA, 1992).

A formação oferecida por essas escolas era, fundamentalmente, com enfoque especial na didática e metodologias de ensino, que, seguiam princípios e normas estabelecidos para o ensino primário. Essas escolas não eram de nível superior, mas as preparavam para a formação inicial de professores, em nível profissionalizante. (WOJCIECH. A. K., 1998).

Ao longo dos anos, permaneceram como uma parte essencial do sistema educacional até a década de 1970, quando a Lei 5.692 de 1971 trouxe mudanças significativas, transformando o magistério em apenas uma das especializações profissionais do ensino médio. (TANURI. 2000).

Visando à preparação de professores para as escolas primárias, as Escolas Normais preconizavam uma formação específica. Logo, deveriam guiar-se pelas coordenadas pedagógico-didáticas. No entanto, contrariamente a essa expectativa, predominou nelas a preocupação com o domínio dos conhecimentos a serem transmitidos nas escolas de primeiras letras. (SAVIANI, 2009).

As Escolas Normais também tiveram um papel relevante no aumento paulatino da presença feminina na docência, especialmente num momento em que professores, na maioria homens, buscavam oportunidades mais rendosas nos níveis mais elevados de ensino. Ao longo do tempo, essa oportunidade de entrada das mulheres no mercado de trabalho incentivou a busca por maior qualificação acadêmica, como forma de enfrentar e compensar a disparidade salarial. “Portanto, os processos de formação inicial eram uma das faces da feminização do magistério.” (WERLE, 2005). Atualmente, as mulheres são maioria tanto na docência quanto na administração das escolas de educação básica no Brasil, é o que confere uma pesquisa oficial a respeito, o Censo Demográfico 2023. (cf. BRASIL, 2023).  

A imagem das estudantes do Instituto de Educação do Rio de Janeiro (Figura 1), todas elegantemente uniformizadas, da turma de 1954, registra um momento marcante na história da educação no Brasil. Essas jovens pertenciam a uma geração que testemunhou as mudanças no sistema educacional pós guerra, época em que o ensino era uma das principais carreiras disponíveis para as mulheres. (WOJCIECH, 1998). Outras possibilidades seriam a enfermagem, a contabilidade, etc.

Figura 1. Grupo de alunas do Instituto de Educação do Rio de Janeiro (turma de 1954).

Fonte: Arquivo particular de Rita Maria Neves Braz

Ainda da Figura 1, não apenas mostra essas futuras professoras em foto harmônica e bem preparada, com muitos sorrisos, mas também informa a importância da mulher na história da educação e o papel fundamental do Instituto de Educação na formação de profissionais capacitadas para bem exercer o magistério.A partir desse momento, a presença feminina no magistério, sobretudo nas séries iniciais, aumentava significativamente. Uma das explicações foi a busca dos homens por melhores salários em outros níveis de ensino, permitindo assim a entrada das mulheres nos anos iniciais. Outra explicação, por exemplo, mais pretérita, é a da observação das mulheres imigrantes, que apresentavam uma postura mais proativa com suas famílias, no trabalho da lavoura e na educação das crianças, estimulando assim uma mudança gradual do comportamento social a partir do convencionado e aceito à época. 

Em Minas Gerais, por exemplo, já nos anos 1946 a 1979, no Triângulo Mineiro e Alto Parnaíba, a escolha pela profissão de professora não era motivada por aspirações profissionais, mas sim por influências familiares e normas sociais, o que era permitido à essas mulheres à época. A Igreja Católica, por sua vez, valorizava o papel da mulher como educadora, associando-o à maternidade e à vocação. Todo esse cenário complexo resultou na predominância feminina no magistério, refletindo, em parte, a conquista da educação feminina ao longo da história. A ocupação de mulheres como professoras, apesar de inicialmente questionada, foi aceita após reconhecerem que as características consideradas femininas eram essenciais para o papel de educar. (SCHERER, 2018).

A alteração de Escola Normal para Institutos de Educação acontece nos anos da década de 1920 com as reformas educacionais ocorridas a partir do Rio de Janeiro. Inclusive, o Instituto de Educação do Rio de Janeiro, antes Escola Normal, era uma das instituições mais prestigiadas do país, reconhecida por sua formação pedagógica rigorosa e contribuição para a estruturação do sistema educacional brasileiro. As alunas eram preparadas para lecionar nas séries iniciais do ensino fundamental, desempenhando um papel essencial na educação das crianças brasileiras. 

2. OS INSTITUTOS DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO (XIX) E DE SÃO PAULO (XX): instituições modelares na formação feminina para o magistério com crianças

Figura 2. A Escola Normal da Praça, em São Paulo, ou Escola Normal Caetano de Campos, SP: símbolo do progresso da educação paulistana. 

Foto: Daniel Guimarães. Fonte: SEED, São Paulo, 2016 [online].

A Figura 2 apresenta a riqueza do prédio que alojou a primeira Escola Normal de São Paulo, à Praça da República, por isso, muitas vezes, mencionada como “Escola Normal da Praça”, uma carinhosa menção ao lugar central que ocupava no cenário paulista. Palácio imponente, demonstrando requinte nos detalhes em estilo neoclássico, o prédio informa o anseio que se buscava para a educação na época. (MONARCHA, 1999). Na organização desta Escola, participaram importantes professoras de outras escolas locais, como da Escola Americana de São Paulo, que mais tarde tornou-se o Colégio Mackenzie, que auxiliou o Dr. Caetano de Campos nessa empreitada. 

Os Institutos de Educação de São Paulo, do Rio de Janeiro e também do Paraná, e até Paranaguá no litoral do estado, tiveram um papel essencial na formação de professores nos locais em que foram constituídos, especialmente no que diz respeito à educação infantil e ao ensino primário que são níveis de ensino coligados, a formação de professores e a educação de crianças. 

Estas instituições, estabelecidas nos principais centros urbanos e, logo, de formação do Brasil, possuem raízes históricas profundas e compartilham um compromisso comum com a qualificação profissional das mulheres para o magistério, embora cada uma tenha se desenvolvido em contextos e períodos distintos, refletindo as necessidades e desafios específicos de suas regiões.   

O Instituto de Educação do Rio de Janeiro, por exemplo, criado em 1857, como Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, é notável por ter sido pioneiro na educação de surdos no Brasil. (SOFIATO, CARVALHO e COELHO, 2021). Inspirado pelo modelo europeu, especialmente pelo Instituto Nacional de Surdos de Paris, ele incorporou elementos do legado educacional europeu, adaptando-os à realidade brasileira. A instituição não apenas ofereceu um currículo especializado para a educação de surdos, mas também se destacou na formação de professores qualificados para atuar nessa área, contribuindo de forma significativa para o avanço da educação especial no país. (Idem). 

Fundado em 1933, o Instituto de Educação de São Paulo teve um impacto relevante, especialmente sob a liderança de Fernando de Azevedo, um dos grandes reformadores educacionais do Brasil. O foco deste instituto era a preparação de professores para o ensino primário e a educação infantil, com a promoção de práticas pedagógicas inovadoras e reflexivas que influenciaram a educação em São Paulo e no Brasil. A ênfase na formação de professores competentes e na adoção de métodos pedagógicos modernos foram características marcantes dessa instituição, que desempenhou um papel crucial na modernização do sistema educacional paulista. (ALMEIDA e CIMINO, 2012).

No Paraná, à exemplo dos outros grandes centros, as Escolas Normais, depois Institutos de Educação, também tiveram um papel significativo, contribuindo para a formação de professores, especialmente, aqui, em um estado que passou por um intenso processo de urbanização e modernização a partir de sua emancipação em 1853 e ao longo de todo o século XX. Essas instituições foram essenciais na ampliação do acesso à educação e na qualificação do magistério, adaptando-se às particularidades regionais e promovendo um ensino que combinava tradição e inovação.

A escola destinava-se aos pretendentes à carreira docente e aos professores que exerciam o magistério. Para frequentá-la, os candidatos deveriam atender a exigências mínimas, ou seja, ser cidadão brasileiro, maior de dezoito anos, com boa morigeração , e saber ler e escrever. Quanto à primeira exigência, garantia o acesso dos brasileiros às instituições públicas; a segunda estabelecia a idade mínima para a habilitação de professor; a seguinte relacionava-se à moral, bons costumes e boa educação, e era condicionada ao aval de um juiz de paz. E a última exigência dependia da avaliação do diretor da Escola Normal, sendo que o candidato deveria ter habilidades suficientes para leitura e escrita. Contudo, a ênfase maior era dada à moralidade. (MARTINIAK, 2018).

O que une essas entidades é o seu papel central na preparação de mulheres para o ensino, em um período em que ser professora era uma das poucas ocupações respeitáveis e acessíveis para mulheres no Brasil. Elas foram inovadoras em diferentes áreas: na educação especial no Rio de Janeiro, na modernização pedagógica em São Paulo, e na adaptação das práticas educacionais às necessidades locais no Paraná. Cada uma dessas organizações desenvolveu características únicas, que refletem as particularidades culturais, sociais e econômicas de suas regiões, contribuindo de forma singular para a história da educação no Brasil e a história das mulheres para o magistério.

A instituição de ensino conhecida como Escola Normal da Praça teve um papel relevante na história da educação paulista entre os anos de 1846 e 1930. No livro intitulado “A Escola Normal da Praça: o Lado Noturno das Luzes”, publicado em 1999, o autor Carlos Monarcha, analisa essa trajetória com detalhes, utilizando uma abordagem historiográfica da história das instituições e das culturas escolares para ressaltar as complexidades envolvidas. 

A história da Escola Normal da Praça foi marcada por constantes interrupções em suas atividades, devido a condições precárias tanto materiais como humanas, que demonstravam o descaso com a educação naquela época. Essas interrupções revelam os obstáculos enfrentados pela instituição paulista, que teve seu funcionamento comprometido diversas vezes pela falta de recursos e apoio. (MONARCHA, 1999).

O subtítulo do livro, “o lado noturno das luzes”, indica a dualidade da educação naquele período: apesar de ser vista como uma fonte de iluminação e progresso, muitas vezes a realidade a mantinha na obscuridade, sem alcançar todo o seu potencial transformador. Monarcha também explora o desenvolvimento do pensamento positivista comtiano no Brasil durante a 2ª República, destacando como esses ideais influenciaram e, por vezes, causam conflitos dentro da Escola Normal. (Idem). 

3. PENSAR A PROFESSORA, PENSAR O BRASIL: ensinamentos de Lourenço Filho no alvorecer da Escola Nova no Brasil

O papel central das docentes na formação da identidade nacional e no progresso da sociedade brasileira é o mote desta parte. As professoras, especialmente aquelas formadas nas Escolas Normais e nos Institutos de Educação do país, não apenas instruíram as novas gerações, mas também contribuíram para a definição dos valores e ideais que marcaram o Brasil nos séculos XIX e XX. 

Dentro do contexto da Escola Nova, um movimento educacional que surgiu no Brasil na primeira metade do século XX, pensadores como Lourenço Filho, Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo se destacaram por suas contribuições ao repensar a educação no país. Eles enxergavam a professora como uma figura fundamental na democratização do ensino e na construção de uma nação mais justa e igualitária. 

Lourenço Filho, por exemplo, foi um dos responsáveis por introduzir novas abordagens pedagógicas que valorizavam a prática em sala de aula e a formação contínua dos professores, sempre com o intuito de alinhar o ensino às demandas de uma sociedade em evolução. 

Segundo Cavaliere (2010), Anísio Teixeira, por sua vez, defendeu a escola como um ambiente democrático e inclusivo, onde todas as crianças tivessem acesso a uma educação de excelência.

“Em diversos momentos, Anísio Teixeira chegou a considerar perniciosa a alfabetização por si mesma e afirmava que “desacompanhado de educação, o miraculoso alfabeto, em verdade, só produz males”. (TEIXEIRA, 1997, p. 83).

Fernando de Azevedo (1932), por sua vez, líder do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, também ressaltou a importância de formar professores engajados com a mudança social. 

Ao refletir sobre a professora, entendemos que elas são agentes de transformação, transmitindo não apenas saberes, mas também os princípios que sustentam a democracia e o avanço social ao longo do tempo. Portanto, refletir sobre a professora é, inevitavelmente, refletir sobre o futuro do Brasil. É reconhecer que a qualidade da educação está diretamente relacionada à qualidade do cidadão que se quer formar e, por conseguinte, ao progresso do país.

Segundo SGANDERLA e CARVALHO (2010), Lourenço Filho foi um dos principais educadores do Brasil e uma figura central no movimento dos Pioneiros da Educação Nova, contribuindo significativamente para a renovação do ensino no país no século XX. Ele introduziu a psicologia no campo educacional brasileiro, integrando esses conhecimentos ao processo educativo reformando a formação de professores. Seu trabalho enfatizou a prática em sala de aula e a importância da educação como base para uma sociedade democrática. 

Ao lado de Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, Lourenço Filho ajudou a moldar um novo paradigma educacional no Brasil, promovendo uma educação inclusiva e democrática que continua a influenciar o sistema educacional até hoje. Teixeira, defensor da educação pública e gratuita, e Azevedo, líder do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, e importantes na reforma educacional e na formação de professores, deixam um legado duradouro na história das Escolas Normais e na educação brasileira. (MAGOGA e MURARO, 2020).

Para entender a trajetória histórica dessa profissão, as profissionais enfrentaram obstáculos por longos anos. A feminização do ensino, um fenômeno que se consolidou entre os séculos XIX e XX, trouxe à luz questões significativas, como a desvalorização da carreira, as condições de trabalho inadequadas e a luta por igualdade de gênero no setor educacional. A presença majoritária de mulheres na educação no Brasil começou a se acentuar com a fundação das Escolas Normais no século XIX (TANURI, 1992 e VILLELA, 1992).

Essas instituições pioneiras na capacitação de professoras refletiam a perspectiva social da época, que via o magistério como uma extensão das funções domésticas tradicionalmente atribuídas ao sexo feminino. A Igreja Católica, por sua vez, teve um papel relevante nesse contexto, promovendo a ideia de que as mulheres, devido à sua suposta vocação materna, eram naturalmente mais capacitadas para o cuidado e a educação infantil. Com o passar do tempo, a profissão docente se tornou predominantemente feminina, especialmente no ensino fundamental. 

A feminização trouxe novos desafios, como a desvalorização do trabalho educacional, os salários baixos e as condições de trabalho insatisfatórias. É fundamental que as pesquisas sobre a formação das professoras continuem a investigar como esses problemas se desenvolveram e quais políticas e práticas educacionais podem ser adotadas para promover maior equidade de gênero e valorização da carreira docente.

Um ponto significativo ao abordar essa narrativa é a comparação entre as Escolas Normais e os Institutos de Educação, que foram as principais entidades responsáveis pela formação de professoras. As Escolas Normais foram criadas com a finalidade de preparar educadores para o ensino fundamental, oferecendo uma formação de nível médio. A primeira dessas instituições foi estabelecida em Niterói, no Rio de Janeiro, em 1835, e, com o passar do tempo, elas se disseminaram por todo o território nacional. A formação oferecida era bastante elementar, focando em matérias essenciais como leitura, escrita, matemática e princípios de ética cristã.

Por outro lado, os Institutos de Educação surgiram mais tarde com uma abordagem mais abrangente e organizada para a formação de docentes. Com cursos de nível superior, esses Institutos tinham a meta de preparar professores de maneira mais completa, proporcionando uma formação mais robusta e diversificada, que incluía disciplinas pedagógicas mais avançadas. A criação dos Institutos de Educação, portanto, representou um avanço significativo na profissionalização do ensino, permitindo que os futuros educadores tivessem uma formação mais ampla e aprofundada. 

Ao analisarmos essas duas instituições, notamos algumas semelhanças relevantes. Tanto as Escolas Normais quanto os Institutos de Educação tinham como foco principal a formação de professores, com uma predominância feminina entre seus alunos e docentes. Ademais, ambas as instituições foram fortemente influenciadas pela moral cristã e pelos valores da Igreja Católica, o que impactou consideravelmente a formação oferecida. Entretanto, existem também diferenças notáveis entre as duas. Enquanto as Escolas Normais proporcionam uma formação de nível médio, voltada exclusivamente para o ensino básico, os Institutos de Educação ofereciam uma formação de nível superior, com um currículo mais diversificado, que incluía disciplinas pedagógicas e metodológicas mais avançadas. Os Institutos de Educação representaram um progresso na profissionalização do magistério, enquanto as Escolas Normais se restringiam a uma formação mais simples e rudimentar. Assim, a continuidade das pesquisas sobre a história e a memória das mulheres no magistério é fundamental para entender o papel que essas mulheres desempenharam na educação brasileira. 

A feminização do magistério trouxe avanços significativos, como a ampliação do acesso das mulheres à educação e à carreira docente, mas também gerou desafios importantes, como a desvalorização da profissão e a luta constante por melhores condições de trabalho. Ao refletir sobre as diferenças e semelhanças entre as Escolas Normais e os Institutos de Educação, podemos perceber a relevância de uma formação mais completa e profissionalizada para o desenvolvimento do magistério no Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A investigação acerca das Escolas Normais e dos Institutos de Educação evidencia a importância fundamental que essas entidades tiveram na formação de educadoras no Brasil, especialmente entre os séculos XIX e XX. Essas instituições não apenas capacitaram mulheres para a carreira docente, mas também influenciaram a identidade profissional e social das professoras, desempenhando um papel significativo na feminização do ensino e na organização da educação pública no país. A trajetória de criação das Escolas Normais, que começou em 1835, representa um marco na educação brasileira, quando o processo de formação de educadores começou a ser estruturado, promovendo uma maior profissionalização da atividade docente. Com currículos que integravam disciplinas pedagógicas e conteúdos das áreas de conhecimento, as Escolas Normais estabeleceram a base do ensino primário no Brasil, ao mesmo tempo em que reforçava a noção de que a profissão docente era uma vocação feminina. 

A feminização da profissão docente, embora observada em diversos países, assume características particulares no Brasil. A carreira de professora no ensino primário foi amplamente associada ao papel social da mulher, considerada naturalmente capacitada para cuidar e educar crianças devido às suas qualidades maternais. Esse discurso, sustentado por valores religiosos e morais, levou muitas mulheres à docência, muitas vezes sem que essa fosse uma escolha verdadeiramente pessoal. Nesse contexto, o magistério tornou-se um espaço de inserção das mulheres no mercado de trabalho, mas também refletia as restrições impostas pelas expectativas sociais sobre o papel feminino. A docência passou a ser percebida como uma extensão das responsabilidades domésticas, o que contribuiu tanto para sua aceitação quanto para a desvalorização salarial e profissional que se observou ao longo do tempo.

Os Institutos de Educação, que surgiram posteriormente, ampliaram a formação de educadores, oferecendo um ensino superior e contribuindo para a maior profissionalização da carreira docente. Eles se distinguiram das Escolas Normais ao oferecer uma formação mais abrangente e metodologicamente inovadora, buscando atender às exigências de um sistema educacional cada vez mais complexo e em crescimento. Essa ampliação do escopo formativo trouxe benefícios significativos para a prática docente, promovendo uma visão mais integral e crítica do ensino e da aprendizagem. Além de serem espaços de formação, tanto as Escolas Normais quanto os Institutos de Educação tornaram-se locais de construção de memórias e identidades para as mulheres que ali estudaram. Esses ambientes possibilitaram a criação de redes de apoio, solidariedade e troca de experiências entre professoras, que eram essenciais não apenas para sua atuação profissional, mas também para a sobrevivência em um contexto social que, muitas vezes, desvaloriza seu trabalho. 

A memória dessas instituições está intimamente ligada à trajetória do magistério no Brasil e reflete as transformações políticas, sociais e culturais do país. Cada geração de educadoras que passou por esses centros formativos deixou sua marca na educação brasileira, contribuindo para o desenvolvimento de uma cultura escolar que se mantém até os dias atuais. 

A historiografia dedicada ao estudo das Escolas Normais têm demonstrado, especialmente a partir da década de 1980, como essas instituições foram fundamentais para a formação da identidade docente no Brasil. A Nova História Cultural tem contribuído para a compreensão das práticas, valores e representações que permeavam a formação dessas educadoras, evidenciando as complexas interações entre gênero, educação e cultura. Essa abordagem historiográfica tem ressaltado a riqueza do campo de estudo sobre o magistério, revelando aspectos antes negligenciados, como as formas de resistência e de ressignificação das práticas pedagógicas por parte das professoras. Mas esses são temas para outras pesquisas.

FONTES 

Arquivo particular de Rita Maria Neves Braz, fotografia da turma de 1954.

ARATANGY, C. Um pouco de história da docência no Brasil – a Escola Normal. Blog Centro de Formação da Vila. 20 set. 2019. Disponível em:https://cfvila.com.br/blog/2019/09/20/um-pouco-de-historia-da-docencia-no-brasil-a-escola-normal/. Acesso em: 12 ago 2024.

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REFERÊNCIAS

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1Graduanda em Pedagogia da Unespar
2Professora de Pedagogia da Unespar