EQUIPARAÇÃO NA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE EMPRESAS AÉREAS E AGÊNCIA DE VIAGENS

EQUALIZATION IN JOINT LIABILITY BETWEEN AIRLINES AND TRAVEL AGENCIES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10219759


Luís Guilherme Silva de Carvalho1
Adriano Michael Videira dos Santos2


RESUMO

O presente trabalho aborda a responsabilização civil solidária das empresas aéreas e agências de viagem/turismo no contexto brasileiro, quando a prestação de serviços se mostra ineficaz e ocasiona prejuízos ao consumidor. Para alcançar esse objetivo, o estudo contextualiza conceitualmente a responsabilização civil, analisa os elementos essenciais desse processo e explora a responsabilização solidária do fornecedor de produtos e serviços. Ademais, investiga a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito da responsabilidade das empresas aéreas e agências de viagem em casos de má prestação de serviço contratado. Quanto à metodologia, o trabalho se enquadra como qualitativa, dedutiva, descritiva e bibliográfica. Como resultado, constata-se a necessidade de reconhecer a obrigação solidária entre agências de viagem e companhias aéreas quando o serviço é fornecido de maneira deficiente, respaldada pelo Código de Defesa do Consumidor. Esta constatação reforça a importância de proteger os direitos dos consumidores em situações de inadequação na prestação de serviços no setor de turismo e transporte aéreo no Brasil.

Palavras chave: Responsabilidade Civil. Responsabilização Solidária. Turismo. Empresa Aérea. Relação de Consumo.

ABSTRACT

This paper addresses the joint civil liability of airlines and travel agencies in the Brazilian context, when service provision proves to be ineffective and leads to consumer losses. In order to achieve this goal, the study provides a conceptual framework for civil liability, analyzes the essential elements of this process, and explores the joint liability of product and service providers. Furthermore, it investigates the jurisprudence of the Superior Court of Justice (STJ) regarding the responsibility of airlines and travel agencies in cases of poor service provision. Methodologically, the study is classified as qualitative, deductive, descriptive, and based on bibliographic research. As a result, it is evident that recognizing the joint obligation between travel agencies and airlines is necessary when services are provided inadequately, supported by the Consumer Protection Code. This finding reinforces the importance of safeguarding consumer rights in situations of service inadequacy in the tourism and air transportation sector in Brazil.

Keywords: Civil Liability. Joint Liability. Tourism. Airline. Consumer Relationship

1  INTRODUÇÃO 

No cenário contemporâneo, a indústria do turismo e a prestação de serviços aéreos têm se destacado como elementos essenciais na dinâmica globalizada da sociedade. Nesse contexto, a garantia da segurança e satisfação do consumidor torna-se uma questão premente. 

A relação entre agências de viagem e empresas aéreas no contexto do estado brasileiro é uma interligação fundamental para o funcionamento eficiente do setor de turismo e transporte aéreo. Ambos os atores desempenham papéis complementares e interdependentes na cadeia de prestação de serviços. 

De fato, as agências de viagem atuam como intermediárias entre os consumidores e as companhias aéreas, facilitando o acesso a opções de viagens, tarifas e itinerários, além de oferecerem serviços de assessoria e planejamento. Por sua vez, as empresas aéreas são responsáveis pela execução do transporte propriamente dito, garantindo a segurança e a eficiência das viagens. Logo, esta colaboração dinâmica é essencial para a promoção do turismo e o acesso facilitado a diversas localidades, impulsionando o desenvolvimento econômico e social. Além disso, a regulação e fiscalização por parte do Estado são cruciais para assegurar que ambas as partes cumpram com as normativas legais e garantam a segurança e satisfação dos consumidores. 

Dessa forma, a relação intrínseca entre agências de viagem e empresas aéreas desempenha um papel central na mobilidade e conectividade no Brasil, contribuindo significativamente para o crescimento do setor e para a experiência positiva dos viajantes. Contudo, pode gerar danos ao consumidor e, consequentemente, o dever de reparação.

Assim, dar-se-á seguimento à pesquisa pautando-se no seguinte problema: Como vem sendo responsabilizadas, do ponto de vista civil, as agências de viagem e as companhias áreas quando há danos ao consumidor em virtude de um serviço prestado inadequadamente? Há a responsabilização solidária?

Diante disso, este trabalho discorre sobre a responsabilização civil solidária das empresas aéreas e agências de viagem/turismo, no Brasil, quando a prestação de serviços é ineficiente e gera danos ao consumidor. Com o intuito de alcançar tal objetivo, os objetivos específicos incluem a contextualização conceitual da responsabilização civil, abordando seus elementos fundamentais, a análise da responsabilização solidária do fornecedor de produtos e serviços, bem como a investigação na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acerca da responsabilização das empresas aéreas e agências de viagem em situações de má prestação do serviço contratado. 

Destarte, ao cumprir esses objetivos, almeja-se contribuir para uma compreensão mais abrangente e fundamentada das nuances jurídicas que envolvem a prestação de serviços no setor de turismo e transporte aéreo, promovendo, assim, um ambiente mais seguro e transparente para os consumidores.

2  MATERIAL E MÉTODOS

 A pesquisa sobre equiparação na responsabilidade solidária entre empresas aéreas e agências de viagem envolve uma abordagem metodológica que combina métodos qualitativo, dedutivo e descritivo, bem como a técnica de pesquisa da revisão bibliográfica. 

O método qualitativo é fundamental para a compreensão e a análise das nuances, interpretações e implicações da equiparação na responsabilidade solidária, na medida em que permite explorar as obrigações e deveres dos sujeitos envolvidos na relação consumerista que se estabelece entre as partes, sem, contudo, abordar análise estatística, por exemplo. 

Ainda, o método dedutivo é essencial para o estabelecimento de uma estrutura teórica sólida. Parte-se de uma premissa geral sobre responsabilidade civil e a responsabilização civil solidária no contexto do setor de turismo e, em seguida, aplica-se essa premissa ao caso específico das empresas aéreas e agências de viagem. A dedução ajuda a estabelecer relações lógicas e a extrair conclusões a partir de princípios e teorias estabelecidos.

No que tange o procedimento, o método adotado é o descritivo, relevante para a apresentação detalhada e minuciosa das práticas, políticas e regulamentações que envolvem a responsabilidade solidária no setor de turismo, considerando principalmente o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema. 

Por fim, a técnica de pesquisa da revisão bibliográfica é valiosa para contextualizar o tema e fundamentar a análise. Ela envolve a identificação, seleção e avaliação crítica de fontes relevantes, como artigos acadêmicos, livros e documentos normativos, que fornecem um embasamento teórico e histórico sobre a equiparação na responsabilidade solidária, bem como a análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 

Destarte, ao combinar os métodos supracitados, a pesquisa busca oferecer conclusões sobre a equiparação na responsabilidade solidária entre empresas aéreas e agências de viagem. Isso possibilita uma compreensão mais profunda das implicações legais, práticas de mercado e dinâmicas de relacionamento entre esses atores no setor de turismo, contribuindo para o avanço do conhecimento nesse campo específico do Direito.

3  RESULTADOS

A equiparação entre empresas aéreas e agências de viagem no âmbito da responsabilização civil é um tema de grande relevância no contexto do direito do consumidor, pois ambos os agentes desempenham funções relevantes na prestação de serviços de viagens e, muitas vezes, atuam de forma conjunta para proporcionar uma experiência completa e satisfatória ao consumidor. Portanto, é plausível e coerente responsabilizá-los solidariamente em situações em que a má prestação de serviços cause danos ao consumidor.

De fato, ao equiparar a responsabilidade das empresas aéreas e das agências de viagem, reconhece-se que ambas têm influência direta na experiência do consumidor e, consequentemente, na ocorrência de eventuais danos. Isso significa que ambas as partes devem assumir a responsabilidade pelos prejuízos causados, proporcionando ao consumidor uma via eficaz para buscar reparação.

A solidariedade na responsabilização também se alinha com os princípios de justiça e equidade, garantindo que o consumidor não fique desamparado diante de situações adversas. Por conseguinte, incentiva as empresas aéreas e agências de viagem a aprimorarem continuamente seus serviços, promovendo uma concorrência saudável e a busca pela excelência na prestação de serviços turísticos.

Portanto, ao considerar a equiparação na responsabilização civil entre empresas aéreas e agências de viagem, a abordagem solidária emerge como a mais viável e justa para proteger os direitos e interesses dos consumidores, ao mesmo tempo que promove a melhoria da qualidade e segurança nos serviços prestados no setor de turismo e transporte aéreo.

4  DISCUSSÃO 

4.1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL: CONCEITOS E ELEMENTOS 

A responsabilidade civil está diretamente ligada à pressuposição da realização de atividade geradora de dano para alguém. Ao gerar o dano, cria-se a obrigação de repará-lo, geralmente por meio de pagamento de compensação pecuniária, quando não for possível a restituição do bem ao estado anterior.

A noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar) (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014). 

De acordo com Diniz (2018), a responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ele mesmo praticado, de pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ele pertencente ou de simples imposição legal.   Logo, pode-se afirmar que a responsabilidade deriva da noção de capacidade, uma vez que o sujeito está apto a praticar os atos da vida civil, deve por eles ser responsável. 

Noronha (2017) complementa ressaltando que a responsabilidade civil é sempre uma obrigação de reparar danos causados a outrem ou ao seu patrimônio, ou, ainda, danos causados a interesses coletivos ou mesmo transindividuais ou difusos.

Resta evidente, portanto, que a responsabilidade civil é concebida, pela maioria dos estudiosos, é instituto que pressupõe o dano e o dever do agente causador em reparar os danos sofridos pela vítima.

No ordenamento jurídico brasileiro a responsabilidade civil foi tratada, pela primeira vez, no Código Civil de 1916, que reclamava a culpa lato sensu, que abrange dolo e culpa em sentido estrito ou aquiliana para a sua configuração. Em linhas gerais pode-se dizer que a responsabilidade civil subjetiva decorre de dano causado por ato doloso ou culposo (DINIZ, 2018).

Nesse norte, o Código Civil especifica os casos em que o agente comete o ato ilícito com dolo e culpa. Já na responsabilidade civil objetiva, não é relevante a demonstração da atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano, bastando, para a relação de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e o ato do agente, não importando se o causador agiu ou não de maneira culposa. 

Assim, atualmente no Brasil a responsabilidade civil está atrelada à culpa e ao dever de se indenizar a vítima, ou seja, subsistem as duas teorias, com maior enfoque na reparação da pessoa lesada, ressalvados os casos em que o legislador expressamente consagrou a responsabilização objetiva (CAVALIERI FILHO, 2023).

O Código Civil de 2002, ao regulamentar o instituto da responsabilização civil, não introduziu novidades nesta temática, dedicando poucos dispositivos. Assim, tem se, na Parte Geral, os arts. 186, 187 e 188, chancelando a regra geral da responsabilidade objetiva e algumas excludentes. E, na Parte Especial do Código Civil, por sua vez, tem-se o disposto no art. 389, que trouxe a regra clássica da responsabilidade contratual e cuidou em dois capítulos do direito à indenização e do dever de indenizar, sob o título “Da Responsabilidade Civil”.

Verifica-se, ainda, o disposto no art. 927, caput, do mesmo diploma legal, que conjuga a responsabilidade civil aquiliana, impondo ao agente causador do dano, independentemente de dolo ou culpa, a obrigação de indenizar (BRASIL, 2002). Entretanto, para que exista a responsabilidade civil, é necessária a presença de elementos essenciais: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e dano experimentado pela vítima, que serão abordados mais adiante.

A doutrina majoritária é uníssona ao pronunciar os elementos essenciais à caracterização do dever de reparar, quais sejam: ação ou omissão (conduta do agente), o nexo causal, o dano e a culpa, esta última dispensada na responsabilidade civil objetiva, pois não importa como o agente tenha agido, isto é, com ou sem culpa, já que nesta modalidade o causador do dano é obrigado a repará-lo independentemente de culpa.

Noronha (2017, p. 468-469), ao tratar dos pressupostos da responsabilidade civil, assim preleciona:

[…] 1. que haja um fato (uma ação ou omissão humana, ou um fato humano, mas independente da vontade, ou ainda um fato da natureza), que seja antijurídico, isto é, que não seja permitido pelo direito, em si mesmo ou nas suas consequências; 2. que o fato possa ser imputado a alguém, seja por dever a atuação culposa da pessoa, seja por simplesmente ter acontecido no decurso de uma atividade realizada no interesse dela; 3. que tenham sido produzidos danos; 4. que tais danos possam ser juridicamente considerados como causados pelo ato ou fato praticado, embora em casos excepcionais seja suficiente que o dano constitua risco próprio da atividade do responsável, sem propriamente ter sido causado por esta.

A conduta, primeiro elemento caracterizador da responsabilização civil, Dias (2006, p. 01) observa que “toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade”. Logo, quando o homem, por ação ou omissão, invade a vida de outrem, violando direito ou causando dano, comete um ato ilícito, e faz nascer a obrigação de reparar o dano.

Com efeito, o indivíduo inserido no convívio social, no gozo da sua cidadania, pressupondo-se a capacidade civil plena e ante a ofensa de bem jurídico alheio, é responsável pela reparação.  Logo, o Código Civil de 2002, no art. 186, conforme supra transcrito, preceitua que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Ensina Diniz (2018) que, para a responsabilização civil, o comportamento do agente poderá ser uma comissão ou uma omissão. A comissão vem a ser a prática de um ato que não se deveria efetivar, e a omissão, a não observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria realizar-se.

Trata-se a ação e a omissão também por conduta positiva e negativa, como se extrai dos ensinamentos de Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 29):

A conduta positiva traduz-se pela prática de um comportamento ativo positivo, a exemplo do dano causado pelo sujeito que, embriagado, arremessa o seu veículo contra o muro do vizinho. A conduta negativa, por sua vez, é de intelecção mais sutil. Trata-se da atuação omissiva, geradora de dano. Se, no plano físico, a omissão pode ser interpretada como um ‘nada’, um ‘não fazer’, uma ‘simples abstenção’, no plano jurídico, esse tipo de comportamento pode gerar dano atribuível ao omitente, que será responsabilizado pelo mesmo.  

Por seu turno, a “ação do agente” é analisada em sentido amplo como um procedimento comissivo diante da sociedade, que, sabedor do comportamento social convencional normatizado, fere o direito de outrem, ou mesmo, diante de um contrato, transgride cláusula previamente pactuada (CAVALIERI FILHO, 2023). Logo, a responsabilidade por ato próprio se justifica no princípio informador da teoria da reparação, pois se alguém, por ação pessoal, infringe dever legal ou social prejudicando terceiro é mister o dever de reparação.

A omissão, de outra banda, afigura conduta negativa, onde o agente abstém-se diante de dever jurídico ou contratual e em consequência causa dano a outrem.

Acerca da omissão leciona Diniz (2018, p. 38):

A omissão é, em regra, mais frequente no âmbito da inexecução das obrigações contratuais. Deverá ser voluntária no sentido de ser controlável pela vontade à qual se imputa o fato, de sorte que excluídos estarão os atos praticados sob coação absoluta; em estado de inconsciência, sob efeito de hipnose, delírio febril, ataque epilético, sonambulismo, ou por provocação de fatos invencíveis como tempestades, incêndios desencadeados por raios, naufrágios, terremotos, inundações etc.

Gagliano e Pamplona Filho (2014) para o problema da voluntariedade, que não deve ser compreendida como sinônimo de dolo, mas sim de consciência da ação praticada. Logo, no entender do autor, a conduta, enquanto maneira de proceder do agente, causadora do dano, deve ser voluntária.

Não obstante, o ato humano comissivo ou omissivo, direto ou indireto, que cause danos a outrem, criando assim o dever de reparação da responsabilidade civil, que visa reparar, compensar e indenizar a vítima pelo dano provado, é o primeiro pressuposto da responsabilidade civil.

O segundo pressuposto da responsabilidade civil é o dano, prejuízo sofrido pelo agente, que pode ser individual ou coletivo, econômico ou não econômico. Tratando se a responsabilidade civil de uma forma de reparação, compensação e indenização a alguém, imperiosa a existência de um dano provocado por esse ofendido, nos termos da obra de Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 55), “indispensável a existência de dano ou prejuízo para a configuração da responsabilidade civil. […] Sem a ocorrência deste elemento não haveria o que indenizar, e, consequentemente, responsabilidade”.

Cavalieri Filho (2023) preconiza que o dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não há que se falar em reparação, nem em ressarcimento, se não houver se configurado o dano. Assim, pode haver responsabilidade sem culpa, porém nunca responsabilidade sem danos.  

O conceito de Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 56), “poderíamos conceituar o dano ou prejuízo como sendo a lesão a um interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não –, causado por ação ou omissão do sujeito infrator”. 

Conforme dispõe o art. 186 do Código Civil, para que ocorra ato ilícito e, portanto, para que o dano seja indenizável, é preciso que haja a violação de um direito ou prejuízo a terceiros, patrimonial ou extrapatrimonial, de uma pessoa física ou jurídica.

O dano patrimonial ou material subdivide-se em danos emergentes, que seria o efetivo prejuízo suportado, o que a vítima perdeu em razão da lesão sofrida, ou seja, a subtração concreta do patrimônio financeiramente calculável; e lucros cessantes, que seria o que o lesado deixou de ganhar em razão do dano ou o que razoavelmente deixou de lucrar. 

Quanto aos lucros cessantes, o art. 402 do Código Civil preconiza que, “salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar” (BRASIL, 2002).

Gagliano e Pamplona Filho (2014) lecionam que os danos emergentes e lucros cessantes devem ser devidamente comprovados na ação proposta, vaticinando acerca da fixação da indenização a título de danos patrimoniais.

E a segunda espécie de dano são aqueles inerentes à personalidade, vida e integridade moral, física, ou psíquica, denominados de danos morais. Assim, tem-se que o dano patrimonial ou material é aquele que causa prejuízo por meio de um bem que se possa calcular o valor econômico, seja pela perda ou diminuição patrimonial, danos emergentes, ou pelo que se deixou de ganhar, lucros cessantes; e o dano extrapatrimonial ou moral é aquele ligado a um bem que não é financeiramente mensurável ou redutível a dinheiro e não há possibilidade de retorno ao status quo ante.

O terceiro pressuposto da responsabilidade civil é o nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Ou seja, para que se possa caracterizar a responsabilidade civil do agente, não basta a conduta ilícita e o dano. É imprescindível que o dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente, existindo assim uma relação de causa e efeito, denominada nexo de causalidade.

A esse respeito ressalta Cavalieri Filho (2023, p. 66):

Quando se fala em responsabilidade civil, o nexo de causalidade é a primeira questão a ser averiguada. Não importa se o agente agiu com culpa ou não, se ele não tiver dado causa ao resultado. Destarte, não basta que o agente tenha praticado conduta ilícita e nem que a vítima tenha sofrido um dano. É necessário que a conduta ilícita do agente cause um dano à vítima, existindo entre eles uma relação de causa e efeito. O nexo de causalidade é elemento indispensável para a configuração da responsabilidade civil, pois pode haver responsabilidade sem culpa, mas não haverá responsabilidade sem o nexo causal.    

Conforme observam Gagliano e Pamplona Filho (2014), embora seja condição essencial à responsabilização civil a vista do nexo causal entre o prejuízo e a conduta, nem sempre o liame é de fácil caracterização. Portanto, decorre de fato simples, a questão não oferece dificuldade, pois o nexo causal é estabelecido direito entre o fato e o dano. A complexidade está nos casos em que existe uma cadeia de condições, várias circunstâncias concorrendo para o evento danoso, tendo que precisar qual delas é a causa que originou o resultado.

Por fim, mas não menos importante, tem-se a culpa como pressuposto da responsabilização civil, embora não exista, dentre os estudiosos do tema, consenso quanto a sua colocação dentre os elementos caracterizados do instituto.

Gagliano e Pamplona Filho (2014) preconizam que a culpa (em sentido lato, abrangendo o dolo) não é pressuposto geral da responsabilidade civil, sobretudo no novo Código, considerando a existência de outra espécie de responsabilidade, que prescinde desse elemento subjetivo para a sua configuração. Segundo eles, são elementos essenciais para a existência da responsabilidade civil apenas a conduta humana (positiva ou negativa), o dano ou prejuízo e o nexo de causalidade.

Contudo, boa parte da doutrina entende que o contido no art. 186 do Código Civil não deixa dúvidas que o ato ilícito só é configurado em caso de comportamento culposo, mediante dolo ou culpa stricto sensu, sendo a culpa, portanto, condição elementar do ato ilícito, e por consequente, também pressuposto da responsabilidade civil.

Destarte, a legislação torna possível ao magistrado graduar a indenização se houver excessiva desproporção entre o dano causado e a gravidade da culpa do agente causador do dano, já que a indenização deve ser suficiente para reparar o dano suportado pela vítima, conforme a lesão sofrida, e não pela culpa ou conduta do ofensor

4.2 RESPONSABILIZAÇÃO SOLIDÁRIA NO DIREITO BRASILEIRO À LUZ DO CDC

 Como visto, a noção de responsabilidade civil exprime a ideia de encargo, dever, obrigação, a qual pode ser definida como incumbência que o indivíduo passa a ter ao oferecer atividade que viole o dever jurídico de outrem, que sucumbe à obrigação de reparar o dano causado. Por isso diversos são os conceitos trazidos pelos civilistas, tendo todos certo grau de coerência ao prescrever sobre o assunto.

 O Código de Defesa do Consumidor (CDC) versa essencialmente sobre a responsabilidade objetiva, ou seja, independe de existência de culpa. A inocorrência do elemento culpa como fator determinante tornou-se um ganho imenso na esfera dos direitos dos consumidores, visto que se não houvesse a responsabilidade objetiva, o consumidor dificilmente conseguiria ter os seus prejuízos ressarcidos e acabaria inevitavelmente lesado (NUNES, 2015).

Para a ocorrência da reparação dos prejuízos sofridos, na responsabilidade objetiva, a existência do dano e nexo causal são os dois fatores determinantes para que o causador da lesão seja civilmente responsabilizado, ou seja, para o CDC a culpa é prescindível.

Observa Almeida (2013) que a regra geral da responsabilidade civil do fornecedor é a objetiva. Entretanto, há uma exceção quando se trata da responsabilidade em contratos estabelecidos com profissionais liberais, previsto no art. 14, § 4 do CDC, onde se deve verificar a culpa do agente, pois profissionais liberais como médicos, advogados, dentistas, não se comprometem com o resultado, seu compromisso é técnico. 

No campo dos direitos dos consumidores, todo fornecedor que coloca à disposição do consumidor produtos ou serviços e proporciona meios para que sejam experimentados, utilizados ou adquiridos, sem observar os requisitos mínimos de qualidade, deve enfrentar os riscos que o seu negócio venha apresentar. Isso se deve porque o CDC, ao disciplinar a responsabilidade civil objetiva, faz garantir o ressarcimento dos lesados em sua total integralidade, assim como previsto em seu art. 6º, inciso VI, o qual preconiza a “efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos” (BRASIL, 1990).

De acordo com Carvalho (2008), o fornecedor de produtos e serviços responde objetivamente pelos danos causados por ser o responsável direto pela atividade, presumido o seu risco por eficácia da previsão legal de adequação imposta a ele. 

O CDC trata de dois institutos da responsabilidade civil, ou seja, a responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, prevista na Seção II, nos arts. 12 ao 17, e responsabilidade pelo vício do produto e do serviço, elencada na Seção III, do art. 18 ao 25. 

Os produtos e serviços ofertados no mercado são destinados a satisfação do consumidor, criando-se assim uma expectativa de funcionalidade e que atinjam a finalidade que o consumidor espera, entretanto, pode haver um defeito no produto ocasionando o dano, sendo assim não é o fornecedor o causador do dano e sim o defeito na fabricação, produção do produto, um fato deste que ocasionou dano, dispensando-se a necessidade de demonstrar a culpa do fornecedor ou fabricante (MIRAGEM, 2019).

Sobre a responsabilidade por vício do produto e serviço, ressalte-se que o código de defesa do consumidor tratou em seção diferente da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, não se confundindo estes institutos, pois o primeiro não tem potencial danoso ao consumidor, existindo apenas anomalias que afetam sua funcionalidade ou existam vícios em sua qualidade ou quantidade (BENJAMIN; BESSA; MARQUES, 2022).

De outro norte, vale dizer que respondem solidariamente pelo vício do produto ou do serviço todos os participantes da produção do produto, pois pode ocorrer um defeito em algum material ou peça que componha o produto, esta que veio a ser fabricada por outro fabricante. Assim, são responsáveis solidários, todos aqueles que participaram da cadeia econômico-produtiva, bem como o fornecedor, conforme o disposto no art. 19 do CDC (TARTUCE; NEVES, 2021).

Ainda, tem-se que a responsabilidade por vício do produto, poderá responder subsidiariamente o comerciante, quando não puder identificar o fabricante, construtor ou produtor, quando o produto for fornecido sem identificação clara de seu fabricante ou caso o comerciante não conservar adequadamente o produto. Estas hipóteses estão previstas no art. 13 do CDC e visam obrigar que os comerciantes sejam cautelosos na comercialização de produtos de boa qualidade (ALMEIDA, 2013).

Nesse contexto é que surge a discussão acerca da solidariedade a que se refere o Código de Defesa do Consumidor ao colocar todos os integrantes da cadeia de consumo como sujeitos hábeis a responder por eventuais danos causados. E a questão é tratada no referido diploma legal no art. 18, que dispõe sobre o vício do produto.

O termo vício, previsto no art. 18, caput, do CDC, pode ser constatado quando os produtos ou serviços apresentarem qualidade ou quantidade que o tornem impróprios para o consumo, ou ainda, diminuam o seu valor agregado. Além disso, quando a informação publicitária não condiz com as informações constantes nos recipientes e embalagens dos produtos, também é considerado vício (MIRAGEM, 2019).

Entretanto, ao contrário do que será exposto em caso de defeito, o vício não apresenta risco à saúde e à integridade física do consumidor, mas culmina na responsabilidade do fornecedor pelos prejuízos materiais causados. Existem dois tipos de vícios, os quais podem ser aparentes ou ocultos. No primeiro caso, como o próprio nome diz, são aqueles que são constatados com o simples uso do produto ou serviço, enquanto o segundo só é constatado após um longo período de uso, ou até mesmo são inacessíveis ao consumidor, não podendo ser detectados na utilização ordinária.

Nunes (2015, p. 320-321) caracteriza vícios como as características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam e também que lhes diminuam o valor. Vícios também podem ser aqueles decorrentes da distinção havida em relação às indicações constantes num recipiente, embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem publicitária.

Afirma, ainda, que os vícios são problemas que fazem com que o produto não funcione como deveria, tal como um liquidificador que não gire, ou então, que o produto funcione mal, como uma televisão sem som, ou ainda que diminuam o valor do produto, como por exemplo, comprar um automóvel com riscos na lataria e por último, tratando de serviços, que estes apresentem, características como um serviço inadequado, tais como um banheiro que é desentupido e que no dia seguinte, o problema volta a ocorrer, ou ainda, o caso bastante comum com a globalização de hoje em dia, que é o extravio de malas no transporte aéreo (NUNES, 2015).

O termo “vício”, especialmente aquele que relaciona a um produto, faz lembrar do vício redibitório, que é instituto do direito civil, e tem com ele alguma relação, na condição de vício oculto, porém nada que se confunda. Até mesmo porque é regra própria da sistemática do Código de Defesa do Consumidor (NUNES, 2015).

Relativamente ao vício do produto do Código de Defesa do Consumidor, Nunes (2015) enfatiza que o direito assegurado pelo legislador é o da substituição da coisa, devolução ou abatimento do preço. Frise-se que o fato de o alienante “responder” pelo vício redibitório não significa que ele tem de indenizar. Logo, a responsabilidade pelo vício do produto é um princípio de garantia que guarda similaridade, mas é inconfundível com os vícios redibitórios da teoria civilista.

Já Marques, Benjamin e Bessa (2022) defendem que a disciplina dos vícios dos produtos é paralela à regulamentação dos vícios redibitórios. Assim, havendo relação de consumo, aplicam-se primordialmente os arts. 18 a 25 do Código de Defesa do Consumidor. Caso contrário, incide, em favor do comprador, a disciplina própria do Código Civil.

Portanto, a responsabilidade por vícios busca proteger a esfera econômica ensejando tão-somente o ressarcimento segundo as alternativas previstas na lei de proteção. Assim, a diferenciação entre responsabilidade pelo fato do produto e responsabilidade pelo vício do produto permite a conceituação desta última como aquela atribuída ao fornecedor por anormalidades que, sem causarem riscos à saúde ou segurança do consumidor, afetam a funcionalidade do produto ou do serviço nos aspectos qualidade e quantidade, tornando-os impróprios ou inadequados ao consumo, ou lhes diminuam o valor (ALMEIDA, 2013).

Marques, Benjamin e Bessa (2023) complementam aduzindo que, responsabilidade pelo fato a preocupação maior é com a segurança dos produtos e serviços, porém na responsabilidade pelo vício o foco principal é a sua adequação real às finalidades próprias.

Em suma, os vícios de quantidade no serviço são aqueles que desrespeitam o que informam, tal como o conteúdo líquido é inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária (art. 19). Existe diferença no indicado ao consumidor, havendo quantidade inferior, causando prejuízos ao consumidor, porém sem distorcer a qualidade do produto.

Os vícios de qualidade no serviço são os que fazem do resultado, serviços impróprios, que diminuam o valor, tornando-os inadequados para os fins a que se destinam, ou então não atendam as normas regulamentares de prestabilidade (art. 20, caput e § 2º). Incluem-se também aqueles em que se verifica disparidade qualitativa entre o serviço ofertado e o executado (ALMEIDA, 2013).

Se, na responsabilidade pelo fato do produto a responsabilidade pertence a quem introduziu o produto no mercado, na responsabilidade pelo vício do produto toda a cadeia de fornecedores, do fabricante ao comerciante, do produtor ao feirante, responde solidariamente pelos defeitos (vício de qualidade) ou pelo vício de quantidade. Assim, é o caso típico de obrigação solidária passiva, podendo o consumidor optar por demandar tanto o comerciante, que lhe tenha efetuado a venda diretamente, como o fabricante do bem, caso oposto à responsabilidade pelo fato do produto, quando esta é objetiva e subsidiária (MIRAGEM, 2019).

Nesse contexto, acionado somente um dos participantes da cadeia, no caso de procedência da ação, e sendo este o responsável pelo dano suportado pelo consumidor, caber-lhe-á depois de indenizar o consumidor, voltar-se contra o eventual responsável pelo dano, em ação de regresso, em processo autônomo ou nos mesmos autos, conforme preceitua o art. 88 do Código de Defesa do Consumidor. 

Em suma, a responsabilidade pelo fato do produto decorre da exteriorização de um vício de qualidade, ou seja, de um defeito capaz de frustrar a legítima expectativa do consumidor quanto a sua utilização ou fruição. Assim, se a utilização do produto ou serviço vem ocasionar danos à incolumidade física e moral do consumidor, danos esses que tem por causa de um defeito de concepção, fabricação ou informação, tem se um acidente de consumo e por ele deve o seu fornecedor responder (MIRAGEM, 2019).

Marques, Benjamin e Bessa (2022, p. 115) ensinam que o “fato do produto” se refere ao dano causado por um produto ou por um serviço, ou seja, dano provocado (fato) por um produto ou um serviço. Desta feita, o adequado é falar-se em “responsabilidade pelos acidentes de consumo”, pois “responsabilidade pelo fato” enfatiza o elemento material, que é causador da responsabilidade, já aquela, prefere focar ao elemento humano consequencial e, o dado fundamental não é a origem do fato – do produto ou serviço- mas sim a localização humana de seu resultado, ou seja o acidente de consumo.

Já Nunes (2015) preconiza que a expressão acidente de consumo, utilizada como sinônimo de fato do produto para definir um defeito, deveria ser evitada, sendo utilizada em hipóteses que tenham ocorrido mesmo um acidente, tais como uma queda de avião, a batida de um veículo por falha no sistema de freios, a quebra da roda-gigante no parque de diversões, etc., deixando fato ou defeito para as demais ocorrências danosas.

Quanto ao defeito, Nunes (2015) observa que é o vício acrescido de um problema extra, alguma coisa extrínseca ao produto ou serviço, que causa um dano maior que simplesmente o mau funcionamento, o não-funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago – já que o produto ou serviço não cumpriram o fim ao qual se destinavam. O defeito causa, além desse dano do vício, outro ou outros danos ao patrimônio jurídico material e/ou moral e/ou estético e/ou à imagem do consumidor. Logo, o defeito tem ligação com o vício, mas, em termos de dano causado ao consumidor, é mais devastador.

Almeida (2013) explica que é o fornecedor o responsável pelo fato do produto ou do serviço conforme prescreve o art. 12 do Código de Defesa do Consumidor, pelo simples fato de que o fabricante, o produtor, o construtor e o importador são os autores da colocação no mercado do produto defeituoso, sendo natural, portanto, que assumam os riscos dessa conduta e arquem com os encargos decorrentes da reparação de danos das atividades que lhes são próprias, como projeto, fabricação, construção, montagem, manipulação ou acondicionamento, além daquelas decorrentes de insuficiência ou inadequação de informações sobre utilização de riscos dos produtos e serviços. Em todos os casos a responsabilidade se mostra clara e evidente, tendo em vista o elo entre o fornecedor e o produto ou serviço.

Destarte, cabe então averiguar como a jurisprudência se posiciona acerca da responsabilização solidária entre empresas aéreas e agências de viagem, objeto da próxima seção. 

4.3 RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE EMPRESAS AÉREAS E AGÊNCIAS DE VIAGEM À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ

Com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, houve uma alteração substancial na forma de responsabilização, transferindo os riscos do consumo para o fornecedor. Estabeleceu-se a responsabilidade objetiva para todos os casos de acidentes de consumo, seja decorrente do fato do produto, seja do fato do serviço. Nesse contexto, podemos afirmar que o código das relações de consumo adotou a teoria do risco do empreendimento, em contraposição à teoria do risco do consumo.

Conforme a teoria do risco do empreendimento, qualquer indivíduo que se disponha a realizar alguma atividade no mercado de consumo tem a obrigação de responder por eventuais defeitos ou vícios nos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. A responsabilidade surge do simples fato de se envolver em uma atividade econômica, seja na produção, estocagem ou distribuição. O fornecedor passa a ser o garantidor dos produtos e serviços que coloca no mercado de consumo, assumindo a responsabilidade pela qualidade e segurança dos mesmos (CARNEIRO, 2013).

O consumidor não deve arcar sozinho com os riscos das relações de consumo, nem suportar os prejuízos advindos de serviços defeituosos sem devida indenização. Assim como na responsabilidade do Estado, os riscos devem ser compartilhados pela sociedade, uma vez que os benefícios são igualmente desfrutados por todos. Compete ao fornecedor, por meio de mecanismos de precificação, efetuar essa distribuição dos custos sociais dos danos. Isso se alinha com o princípio da justiça distributiva, que equitativamente divide os riscos da sociedade de consumo no seio social, seja por meio da alteração de preços ou por meio de seguros sociais, evitando assim o repasse desproporcional desses ônus para o consumidor individual (CARNEIRO, 2013).

Nesse contexto é que tem-se algumas decisões no âmbito do Superior Tribunal de Justiça que merecem atenção, a exemplo da proferida no Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial refere-se a uma ação de indenização por danos materiais e morais relacionada à não restituição de valores referentes a passagens aéreas não utilizadas. A Parte Autora não conseguiu comprovar a solicitação de cancelamento da compra junto à companhia aérea, tendo mantido tratativas diretamente com a agência de viagens (BRASIL, 2021).

O julgamento ressalta que para modificar a convicção formada pelo colegiado de instância anterior, seria necessário reexaminar os fatos e provas apresentados no caso. No entanto, tal procedimento não é admitido em sede de recurso especial, conforme estabelece a Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça. Isso significa que o tribunal superior não pode reavaliar as provas do caso, limitando-se a analisar questões de direito (BRASIL, 2021).

Outrossim, a decisão destaca a importância do prequestionamento da matéria. Ou seja, é necessário que a questão tenha sido devidamente discutida e decidida nas instâncias ordinárias, ou que tenha sido objeto de apresentação em embargos de declaração. A ausência desse prequestionamento inviabiliza o conhecimento da matéria no recurso especial, conforme preveem as Súmulas n. 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2021).

Por fim, a conclusão da decisão é de que o Agravo Interno foi improvido, ou seja, não foi acolhido. Isso significa que a parte que interpôs o recurso não obteve sucesso em modificar a decisão anterior, mantendo-se a convicção formada pelo tribunal de instância inferior (BRASIL, 2021).

A decisão em questão refere-se a uma ação indenizatória por danos morais decorrentes do extravio de bagagem em um voo doméstico. O cerne da questão é a responsabilidade solidária da empresa que simplesmente vendeu a passagem aérea, sem, no entanto, configurar-se como a transportadora responsável pelo serviço (BRASIL, 2022).

O Tribunal concluiu que a vendedora da passagem aérea não pode ser responsabilizada solidariamente pelos danos morais sofridos pelo passageiro em decorrência do extravio de bagagem. Isso se deve ao entendimento de que a venda da passagem aérea, embora seja um antecedente necessário para o dano, não representa, em si, uma das causas do incidente. O nexo de causalidade, no caso, está ligado exclusivamente à conduta da transportadora aérea (BRASIL, 2022).

De igual forma, a decisão fundamenta-se em uma interpretação sistemática dos artigos 12, 13 e 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que excluem a responsabilidade solidária do comerciante não apenas pelos fatos do produto, mas também pelos fatos do serviço. Isso significa que a vendedora da passagem aérea não pode ser equiparada à transportadora em termos de responsabilidade pelos danos causados (BRASIL, 2022).

Assim, o Recurso Especial foi provido, ou seja, acolhido pelo tribunal superior. Isso implica na reforma da decisão anterior e na exclusão da vendedora da passagem aérea como parte responsável pelos danos morais decorrentes do extravio de bagagem, mantendo a responsabilidade exclusiva da transportadora aérea nesse caso específico (BRASIL, 20222).

Contudo, ao julgar o Agravo Regimental em Agravo de Instrumento a Corte se manifestou no sentido de que a agência de turismo que vende pacote de viagem é responsável solidária por qualquer vício na prestação do serviço (BRASIL, 2014).

Desta feita, tem-se que é necessário considerar a especial atenção que os contratos de turismo devem receber. Isso se deve tanto ao seu significado social, representado pela transferência das responsabilidades de organização da viagem para uma empresa especializada, com o objetivo de garantir a expectativa de uma experiência plena em termos de lazer, cultura, diversão e prazer, quanto ao aspecto econômico, dada a expansão significativa do setor nos últimos anos. Logo, é importante ressaltar as características singulares que permeiam esses contratos.

Por fim, é essencial rejeitar qualquer proposta legislativa que tenha a intenção de restringir a responsabilidade das empresas turísticas. Fazê-lo poderia resultar na eliminação de todas as garantias conquistadas com esforço pelos usuários do turismo ao longo dos últimos tempos.

Destarte, tem-se que a responsabilização civil solidária de agências de turismo e companhias aéreas diante de uma prestação inadequada de serviço é relevante para proteger os consumidores. Essa medida implica que ambas as partes podem ser consideradas conjuntamente responsáveis por eventuais danos. Enquanto as agências organizam a viagem, as companhias aéreas são responsáveis pelo transporte.

Portanto, em situações de falhas na organização da viagem, atrasos ou cancelamentos de voos, os consumidores têm o direito de buscar reparação junto a ambas as partes envolvidas. Essa responsabilização incentiva a manutenção de padrões de qualidade elevados e garante que os consumidores não fiquem desamparados diante de uma prestação de serviço inadequada.

5  CONSIDERAÇÕES FINAIS

A responsabilização civil solidária das agências de turismo e das companhias aéreas diante de uma prestação inadequada de serviço é um tema de grande relevância no contexto do Direito do Consumidor. Essa medida se configura como um instrumento essencial para a proteção e resguardo dos direitos dos consumidores que, ao contratarem serviços de viagem, depositam confiança na qualidade e na eficiência dos prestadores.

A solidariedade na responsabilização significa que tanto a agência de turismo quanto a companhia aérea podem ser consideradas conjuntamente responsáveis pelos danos causados ao consumidor. Isso se dá pelo fato de ambas desempenharem papéis fundamentais na prestação do serviço de viagem. A agência é responsável pela intermediação e organização da viagem, enquanto a companhia aérea tem a incumbência de assegurar o transporte adequado.

Quando a prestação de serviço não atende aos padrões de qualidade esperados, seja por falhas na organização da viagem, atrasos ou cancelamentos de voos, ou qualquer outro problema relacionado à viagem, é imprescindível que o consumidor possa acionar tanto a agência quanto a companhia aérea para obter a devida reparação pelos danos sofridos.

Essa responsabilização solidária tem o intuito de garantir que o consumidor não fique desamparado diante de uma prestação de serviço inadequada, permitindo que ele possa buscar a reparação dos danos de forma efetiva e justa, sem ignorar que incentiva as agências de turismo e companhias aéreas a manterem padrões elevados de qualidade e eficiência na prestação de seus serviços, contribuindo para o aprimoramento contínuo do setor.

Em síntese, a responsabilização civil solidária das agências de turismo e das companhias aéreas em casos de prestação inadequada de serviço é um importante mecanismo jurídico que visa proteger os direitos e interesses dos consumidores, promovendo a equidade nas relações de consumo e incentivando a busca pela excelência na prestação de serviços turísticos.

Contudo, apenas no caso concreto é que será possível identificar o liame entre a atuação da agencia de viagem e da empresa aérea, bem como a responsabilização de ambas pelos danos suportados pelo consumidor decorrentes do serviço inadequadamente prestado. 

REFERÊNCIAS

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1 Acadêmico do curso de Direito. E-mail: gcarvalho.imoveis@outlook.com. Artigo apresentado ao Centro Universitário Aparício Carvalho, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2023.
2 Professor Orientador. Professor do curso de Direito. E-mail:adriano.videira@fimca.com.br username@domínio.com.