ENTRE O INTERESSE E A JUSTIÇA: A VALORAÇÃO DO LOBBY NA DINÂMICA LEGISLATIVA BRASILEIRA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202502181735


OLIVEIRA, Giordano Bruno¹


RESUMO

O presente artigo aborda a valoração da prática do lobby no contexto da dinâmica legislativa brasileira, analisando-o como instrumento de representação de interesses em democracias representativas. O estudo problematiza a ausência de regulação específica da atividade no Brasil, situação que perpetua ambiguidades entre a legítima defesa de interesses e práticas ilícitas que comprometem a transparência e a equidade do processo legislativo. A pesquisa adota abordagem qualitativa e exploratória, fundamentada em revisão bibliográfica. Conclui-se que a regulamentação do lobby, com mecanismos que garantam transparência e fiscalização, tem o potencial de fortalecer o pluralismo e a participação cidadã, promovendo uma formulação legislativa mais inclusiva e legítima. Foram identificados impactos negativos da falta de regulação, como a marginalização da prática e o favorecimento de condutas antiéticas, que comprometem a credibilidade das instituições democráticas. Ademais, verificou-se que a institucionalização de parâmetros normativos pode contribuir para abrandar assimetrias de poder entre grupos de interesse, promovendo maior equilíbrio no acesso às decisões legislativas. Por fim, o artigo sugere a criação de um marco regulatório específico e incentiva novos estudos que aprofundem a compreensão sobre a influência do lobby na democracia brasileira.

Palavras-chave: democracia; legislação; lobby; pluralismo; transparência.

ABSTRACT

This article addresses the valuation of lobbying practices in the context of Brazilian legislative dynamics, analyzing it as an instrument for representing interests in representative democracies. The study examines the lack of specific regulation for this activity in Brazil, a situation that perpetuates ambiguities between the legitimate advocacy of interests and illicit practices that undermine transparency and fairness in the legislative process. The research adopts a qualitative and exploratory approach, based on a literature review. The study concludes that regulating lobbying, with mechanisms ensuring transparency and oversight, has the potential to strengthen pluralism and citizen participation, promoting a more inclusive and legitimate legislative process. Negative impacts of the lack of regulation were identified, such as the marginalization of the practice and the promotion of unethical behaviors that compromise the credibility of democratic institutions. Furthermore, the institutionalization of normative parameters can help reduce power asymmetries among interest groups, fostering greater balance in access to legislative decisions. Finally, the article suggests the creation of a specific regulatory framework and encourages further studies to deepen the understanding of lobbying’s influence on Brazilian democracy.

Keywords: democracy; legislation; lobbying; pluralism; transparency.

INTRODUÇÃO

A prática do lobby, frequentemente envolta em controvérsias e interpretações reducionistas, emerge como um elemento intrínseco às democracias representativas, sendo um mecanismo de interação entre grupos de interesse e os poderes públicos. No Brasil, entretanto, a ausência de um marco regulatório claro para esta atividade tem gerado percepções ambíguas e fomentado a confusão entre a legítima representação de interesses e práticas ilícitas que corroem a transparência e a equidade do processo legislativo.

Nesse cenário, a discussão acerca da regulação do lobby adquire relevância, mas também sobrelevando seu potencial transformador para o fortalecimento da democracia participativa e do debate público plural.

A problemática que sustenta este estudo consiste na ausência de parâmetros normativos que disciplinem a atuação do lobby no Brasil, fato que perpetua sua marginalização enquanto prática legítima e, simultaneamente, facilita o surgimento de condutas antiéticas. Diante disso, surge a seguinte indagação norteadora: como a regulação do lobby pode contribuir para a promoção da transparência e da diversidade de vozes no processo legislativo brasileiro?

Como hipótese principal, vislumbra-se que a legalização e regulamentação do lobby, acompanhadas de medidas que fomentem a transparência e a fiscalização, podem ampliar a participação cidadã no processo de formulação de políticas públicas, fortalecendo o pluralismo e a legitimidade das decisões legislativas. Em contraponto, admite-se como hipótese secundária que, na ausência de um marco regulatório, práticas ilícitas continuarão a prosperar, perpetuando desigualdades de acesso à esfera legislativa.

A escolha deste tema justifica-se pela sua pertinência tanto no âmbito social quanto no acadêmico. Socialmente, o assunto possui o condão de abrandar as assimetrias de poder entre diferentes grupos de interesse, promovendo uma representação mais equitativa e inclusiva no espaço legislativo. No plano acadêmico, a temática ainda é escassamente explorada no Brasil, o que ressalta a importância de investigações que subsidiem a formulação de políticas públicas mais democráticas.

O objetivo geral deste estudo é analisar o lobby como instrumento de representação de interesses na dinâmica legislativa brasileira. Para tanto, propõemse os seguintes objetivos específicos: identificar os fundamentos históricos, sociais e políticos que sustentam a prática do lobby como mecanismo de representação de interesses; avaliar os impactos de práticas ilícitas de lobby na transparência legislativa e na credibilidade das instituições democráticas; e discutir parâmetros regulatórios que promovam a legitimidade do lobby no processo legislativo.

A metodologia adotada é de natureza qualitativa, de caráter exploratório e fundamentada em revisão bibliográfica. O estudo articula aportes teóricos e análise documental que contribuam para a compreensão abrangente do tema. Espera-se, portanto, a construção de uma análise criteriosa e fundamentada sobre os desafios e potencialidades do lobby no Brasil, culminando na discussão de um marco regulatório que assegure maior transparência, diversidade de vozes e participação cidadã no processo legislativo. 

1 A REPRESENTAÇÃO DE INTERESSES NA DINÂMICA LEGISLATIVA

O fenômeno da representação de interesses constitui um dos pilares das democracias contemporâneas, na medida em que reflete a pluralidade de demandas da sociedade civil. Consoante Guimarães et al. (2024, p.14), “a retórica desempenha um papel crucial na persuasão e na construção de argumentos que moldam o processo legislativo”.

O lobby refere-se à atuação em defesa de interesses junto a agentes públicos que detêm poder de decisão sobre o assunto em questão (Gozetto, 2018). Nesse contexto, pode ser admitido como uma ferramenta hábil para viabilizar o diálogo entre os diferentes grupos sociais e os formuladores de políticas públicas, permitindo que as vozes da coletividade sejam ouvidas e consideradas no processo legislativo. 

De acordo com Silva (2013), o lobby consiste na prática de influenciar decisões políticas em prol de interesses específicos. Nacionalmente, a atividade é amplamente difundida e envolve a troca de informações, processos de persuasão e negociações entre representantes de grupos de interesse e agentes políticos, que podem ser associações empresariais, sindicatos, organizações não governamentais e empresas privadas, com o propósito de assegurar que as demandas e visões de determinados setores sejam contempladas na formulação de leis e políticas públicas.

Trata-se de uma prática legítima de representação de interesses perante os órgãos do Estado por meio de diálogos, amparada pelos direitos constitucionais fundamentais de petição e de associação, conforme estabelecido no inciso XVII e na alínea “a” do inciso XXXIV do artigo 5º da Constituição Federal (Brasil, 1988). Esses direitos garantem a todos o direito de defender seus interesses e apresentar informações capazes de influenciar as decisões da Administração Pública. 

Contudo, no Brasil, a prática é alvo de interpretações ambíguas, amiúde associada a práticas obscuras e antiéticas. No plano da legalidade, é importante destacar aquilo que preconiza o texto constitucional vigente em seu artigo 37, em que o princípio da legalidade consigna que, na seara pública, só se é possível fazer aquilo que tiver estrita previsão em lei (Brasil, 1988).

1.1 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E POLÍTICOS DO LOBBY

Segundo Mancuso e Gozetto (2011), a origem do lobby remonta a contextos históricos em que a articulação entre grupos organizados e representantes do poder político se consolidou como um mecanismo legítimo de negociação e influência. 

Souza (2018) diz que a palavra “lobby” tem origem no inglês e originalmente significava um salão ou hall localizado na entrada de estabelecimentos como hotéis, teatros ou prédios, ou seja, um espaço de acesso a edifícios 

Fazer um lobby é algo muito natural, feito por todos nós. Entre alguns exemplos de lobbyes, podemos citar a ocasião de um filho tentar convencer seu pai a comprar um vídeo game ou quando um sindicato discute melhorias nas condições de trabalho com uma empresa (Souza, 2018, p. 2). 

Inicialmente, esses locais estratégicos eram frequentados por pessoas que aguardavam a oportunidade de influenciar, defender interesses e interagir com autoridades e políticos, especialmente em relação à formulação de políticas públicas ou processos decisórios. Assim, o termo que designava um espaço de passagem para tomadores de decisão passou a ser usado para descrever a própria ação de defender interesses impactados por decisões políticas e administrativas (Mancuso; Gozetto 2011).

Conforme Moreira (2021), a desenvoltura de arquitetar argumentos persuasórios e de comunicar com eficiência suas perspectivas é capital para o sucesso dos lobistas. Essa competência comunicativa se revela indispensável para obter o suporte dos legisladores, assim como para entusiasmar a opinião pública de modo eficaz.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o termo “lobby” se popularizou em referência aos grupos que buscavam pleitear interesses junto aos legisladores nos corredores (ou lobbies) do Congresso. Em outros países, práticas análogas nasceram pela busca de alinhamento de interesses econômicos, sociais e culturais às demandas estatais (Mancuso; Gozetto, 2011).

Assim, a retórica exerce uma função fundamental no lobby, pois tem a capacidade de moldar percepções e influenciar as decisões de parlamentares. Para tanto, os lobistas recorrem a estratégias retóricas que lhes permitem apresentar suas propostas de forma atrativa, enfatizando os benefícios das políticas sugeridas e reduzindo a relevância de possíveis consequências negativas (Moreira, 2021).

Nesse sentido, é relevante a lição de Rodrigues (1996), ao pontuar que no Brasil, o lobby no âmbito legislativo não se restringe exclusivamente a grupos de interesse do setor privado. Grupos do setor público também desempenham essa prática junto ao Parlamento. Durante a Revisão Constitucional, houve intensa presença de juízes e membros do Ministério Público, que visitaram reiteradamente o Congresso para inserir na pauta temas de relevância para suas categorias. Entre as demandas, as entidades procuravam a autonomia do Poder Judiciário, temendo a possível introdução na Constituição de um mecanismo de controle externo.

Guimarães et al. (2024) destacam casos de lobby legislativo envolvendo grandes corporações e setores econômicos específicos como a atuação da bancada ligada ao agronegócio, popularmente conhecida como “bancada ruralista”, que exerce considerável influência no Congresso Nacional e busca obter benefícios fiscais e outras vantagens para o setor agrícola. Os autores destacam o caso do setor de telecomunicações, marcante ao influenciar a elaboração de legislações que favoreçam suas operações e reduzam sua carga tributária.

No Brasil, o lobby desenvolveu-se em um cenário de iniquidades sociais profundas, o que adensou o desequilíbrio no acesso à esfera decisória. Historicamente, grupos econômicos e elites políticas ocuparam posição privilegiada nesse processo, relegando segmentos sociais mais vulneráveis a um papel secundário. 

Não obstante, a inexistência de um marco regulatório, aliada à desinformação e à falta de transparência, favoreceram o reforço da vinculação do lobby a práticas ilícitas. Os fundamentos sociais da prática repousam na premissa de que os indivíduos possuem interesses heterogêneos, sendo a articulação coletiva uma forma de maximizar a eficácia da representação política. 

Mancuso e Gozetto (2011) acham oportuno ressaltar que o exercício do lobby vai além da simples pressão sobre os alvos, sendo um processo extenso que envolve pesquisa, organização de informações, interação com diversos atores e outras ações que exigem conhecimento e atenção na definição das estratégias a serem adotadas. Dessa forma, o lobby é uma atividade complexa e multifacetada, alinhada com os parâmetros legais e capaz de fortalecer os princípios democráticos de participação.

Assim sendo, sob enfoque político, o lobby é visto como um instrumento que fortalece a governança democrática ao conferir maior legitimidade às decisões legislativas, ao passo que reflete as demandas da sociedade de maneira plural e equitativa.

1.2 PRÁTICAS ILÍCITAS DE LOBBY E SEUS IMPACTOS NA DEMOCRACIA

Embora o lobby seja reconhecido em diversas democracias como um mecanismo legítimo de influência legislativa, sua prática, quando desvinculada de parâmetros éticos e legais, pode comprometer os fundamentos da democracia. 

A prática envolve a coleta de dados, elaboração de propostas políticas, estratégias adequadas para apoiar essas demandas, realização de pesquisas e busca por aliados. Ele facilita a troca de informações e ideias entre o governo e os setores privados, proporcionando um entendimento mais aprofundado e realista nas políticas públicas (Souza, 2018) 

O estágio final do lobby é a pressão, momento em que o lobista utiliza suas habilidades de comunicação e persuasão. Assim, pode-se ver o lobby como uma forma de saber especializado e representação técnica, visto que, ao representar interesses específicos, os lobistas desempenham o papel de sustentação da informação técnica e política especializada (Souza, 2018).

Sobre o tema, defendem Guimarães et al. (2024) que o lobby pode exercer impactos tanto benéficos quanto prejudiciais no âmbito legislativo. Em seu aspecto positivo, ele contribui para o aprimoramento das discussões parlamentares ao oferecer dados técnicos e especializados que, muitas vezes, não estão ao alcance dos legisladores. 

Contudo, os pesquisadores afirmam que, quando realizado sem a devida regulamentação, o lobby pode gerar efeitos negativos. A ausência de transparência nas práticas lobistas pode favorecer situações de corrupção e permitir que interesses privados prevaleçam sobre o bem coletivo (Guimarães et al., 2024)

No Brasil, a falta de regulamentação específica abriu margem para a proliferação de práticas ilícitas, como o tráfico de influência, a corrupção e o uso indevido de recursos públicos (Gontijo, 2019).

Um dos impactos mais graves das práticas ilícitas é o comprometimento da transparência no processo legislativo. A falta de regulamentação permite que interesses ocultos prevaleçam sobre as demandas coletivas, minando a confiança pública nas instituições. 

Quando os processos de negociação legislativa ocorrem à margem da fiscalização e da publicidade, o risco de favorecimento indevido aumenta, criando um ambiente fértil para a perpetuação de privilégios e desigualdades estruturais.

A pesquisa de Cunha e Santos (2015) para o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA constata que, para lidar com essa questão, os países que adotaram a regulamentação da atividade fundamentaram suas legislações na transparência pública e no acompanhamento das ações e do financiamento de campanhas, para reduzir a desigualdade de acesso entre os diversos grupos e os comportamentos impróprios nas interações entre interesses privados e agentes governamentais.

Alinhando-se aos estudos de Ferreira Júnior (2016), pode-se estimar que a credibilidade das instituições legislativas, por sua vez, é diretamente afetada quando o lobby se transforma em um mecanismo de manipulação e benefício exclusivo de grupos específicos. A percepção de corrupção associada à prática reduz significativamente o apoio popular às decisões parlamentares, além de enfraquecer os pilares do Estado de Direito. 

Nesse sentido, a ausência de um marco regulatório prejudica a transparência das ações legislativas, obstando ainda a construção de um diálogo público que respeite os princípios democráticos:

O cenário de desregulamentação e de preconceito pode também gerar, nos servidores do Congresso Nacional que lidam diretamente com as assessorias de Lobby, desconhecimento ou opacidade na percepção em relação à real função/atuação dos lobistas; sentimento de rejeição ou baixa propensão à cooperação desses agentes para com os lobistas; confusão entre a defesa de interesses dos órgãos públicos que realizam lobby institucional e defesa de interesses das classes ou categorias de servidores que o compõem (Ferreira Júnior, 2016, p 3).

No panorama brasileiro, Miranda, Santiago e Arbex (2021) relembram que casos emblemáticos envolvendo escândalos de corrupção associam a prática do lobby a conluios entre agentes públicos e privados, o que reforça a necessidade de uma regulamentação que priorize a fiscalização e o controle social. 

O autores ainda sinalizam que no Brasil, a palavra “lobby” frequentemente carrega uma conotação negativa, associada a escândalos e irregularidades. Dois casos ilustram essa percepção. O primeiro, publicado pela Revista Veja em agosto de 2011, detalha um escândalo no Ministério da Agricultura, envolvendo o lobista Júlio Froes. 

Ele foi acusado de práticas ilícitas, como interferências em licitações, resultando na saída do ministro Milton Ortolan. O segundo, divulgado pela Revista Isto É, menciona Arthur Teixeira, que teria intermediado pagamentos de propinas para a Alstom e Siemens em troca de contratos públicos Miranda, Santiago e Arbex (2021)

A publicidade das ações de lobby, bem como a adoção de medidas que promovam a prestação de contas, são apontadas como formas de suavizar os impactos negativos e restabelecer a confiança nas instituições democráticas.

2 PARÂMETROS REGULATÓRIOS E A LEGITIMAÇÃO DO LOBBY NO BRASIL

Apesar de sua não regulamentação, o lobby é amplamente praticado no Brasil, e no Congresso, diversos lobistas atuam em nome de diferentes segmentos da sociedade civil organizada, tanto da esfera pública quanto privada. Existem também instituições privadas, como consultorias, criadas com o propósito específico de oferecer serviços de lobby a grupos que optam por contratá-las (Ferreira Júnior, 2016). 

No entanto, a ausência de uma regulamentação mais robusta prejudica significativamente a atuação desses atores, conferindo à prática uma aparência de ilegalidade. Como resultado, Gontijo (2019) aponta que o lobby é frequentemente associado, principalmente por meio da mídia, a atividades ilícitas e corrupção.

Essa ausência, para Ferreira Júnior (2016), é um dos maiores entraves para sua legitimação como elo de representação de interesses. Apesar de amplamente reconhecido como uma prática legítima em diversas democracias avançadas, a inexistência de parâmetros legais claros alimenta a confusão entre a prática ética e os atos ilícitos, como tráfico de influência e corrupção. 

A importância da regulamentação do lobby no Brasil tem sido amplamente discutida, especialmente diante de escândalos de corrupção e influência indevida no processo legislativo. A falta de transparência e a potencial distorção das decisões legislativas em benefício de interesses particulares representam riscos significativos […] (Guimarães et al., 2024, p. 14).

Rodrigues (1996) pontuava que o Poder Executivo mantém assessores parlamentares em estreito contato com os membros do Legislativo, realizando um trabalho contínuo para influenciar as deliberações e decisões deste. Ademais, diversas empresas estatais desempenham um lobby significativo, tanto direto quanto indireto, ao estabelecer contato com parlamentares e moldar a opinião pública por meio de anúncios pagos nos meios de comunicação, frequentemente financiados com recursos públicos. 

Portanto, uma legislação sobre lobby no Brasil deveria incorporar essas entidades no âmbito dos lobistas, assegurando a transparência de seus gastos e ações. Assim, a formulação de um marco regulatório que promova a transparência e a participação cidadã ergue-se como pressuposto inadiável para a consolidação legítima da prática legítima no país (Rodrigues, 1996).

Para Nogueira (2016), a falta de regulamentação do lobby no Brasil cria um cenário opaco quanto aos direitos e prerrogativas dos atores envolvidos, especialmente no Legislativo. Na Câmara dos Deputados, a regulamentação permite o credenciamento de lobistas que representem órgãos públicos ou entidades de classe, mas muitos outros atuam sem reconhecimento oficial, como consultorias e lobistas autônomos. Isso resulta em uma falta de transparência e controle sobre suas atividades. 

Alguns lobistas contornam a falta de credenciamento utilizando subterfúgios, como obter acesso através de parlamentares ou se credenciar como profissionais de imprensa. No Senado, os procedimentos de credenciamento são igualmente ambíguos, o que impede uma supervisão eficaz e favorece a opacidade nas relações entre lobistas e o Congresso (Nogueira, 2016).

Destarte, Almeida, Abdallah e Ferreira (2022) corroboram que a inexistência de regulamentação do lobby delineia um cenário de fragilidade nas relações institucionais e governamentais, tornando-as suscetíveis a pressões empresariais e carentes de transparência por parte do governo. Esse desenho favorece a existência de relações desequilibradas de poder e processos voltados para influenciar os atores públicos envolvidos em entidades reguladoras.

2.1 DIRETRIZES PARA UM MARCO REGULATÓRIO ÉTICO E TRANSPARENTE

Rodrigues (1996) há tempos ressalta que a regulamentação do lobby no Brasil vem sendo objeto de debates no Congresso Nacional, culminando na apresentação de projetos de lei que visam estabelecer normas claras, promover a transparência e garantir a ética na representação de interesses perante o poder público.

A partir da metade da década de 1970, registrou-se um crescente interesse por parte dos parlamentares brasileiros em estabelecer normas que regulassem as ações dos grupos de pressão, com o objetivo de exercer influência sobre o processo legislativo e a definição das decisões de interesse público (Rodrigues, 1996).

No Brasil, o debate é antigo e tem feito parte das preocupações de vários parlamentares de diferentes partidos. A partir de 1984 começaram a tramitar diversas proposições legislativas visando à regulamentação da atividade. A preocupação também pode ser percebida no âmbito do Poder Executivo, pois, em 2008, a Controladoria-Geral da União (CGU) realizou um evento cujo título fala por si: Seminário Internacional sobre Intermediação de Interesses: a Regulamentação do Lobby no Brasil (Cunha; Santos, 2015, p. 7).

O Projeto de Lei nº 4.391/2012, apresentado pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP), trata da regulamentação da atuação de representantes de interesses perante os órgãos da administração pública federal. A proposta tem como objetivo estabelecer normas para o registro e a atuação de lobistas, promovendo maior transparência e responsabilidade em suas atividades (Brasil, 2012). 

Outro projeto significativo é o Projeto de Lei nº 1.202/2007, que também propõe a regulamentação do lobby no país, incluindo a criação de um cadastro específico para lobistas e a obrigatoriedade de publicização das reuniões entre esses profissionais e autoridades públicas (Brasil, 2007).

No entanto, toda essa convergência ainda não promoveu um processo legislativo mais amplo e determinante. As razões para o insucesso, ao menos até o momento, Segundo Cunha e Santos (2015), são compreensíveis. Mesmo na literatura especializada, não há um consenso definitivo sobre se a regulamentação do lobby de fato traz benefícios. O debate permanece controverso, com argumentos favoráveis e contrários, ambos respaldados por razões justificáveis e plausíveis.

A prática do lobby, quando pautada por critérios éticos e transparentes, pode enriquecer sobremaneira o debate democrático. Ao proporcionar que grupos diversos expressem suas demandas e contribuam para a formulação de políticas públicas, o lobby fortalece os processos deliberativos e aproxima os legisladores das necessidades reais da sociedade (Ferreira Júnior, 2016).

Afirmam Cunha e Santos (2015), que as propostas de regulamentação para o lobby se intensificaram, especialmente nas democracias liberais, em torno de dois grandes aspectos. O primeiro diz respeito às vantagens que os grupos de interesse mais poderosos obtêm no processo político, em comparação com aqueles que não dispõem de recursos para profissionalizar suas ações. 

O segundo está relacionado à visão amplamente difundida sobre as práticas antiéticas e a influência excessiva que representantes de interesses privados exercem sobre os agentes públicos durante suas interações (Cunha; Santos, 2015). A criação de um marco regulatório deve estar fundamentada em princípios assecuratórios de sua transparência e legitimidade, sem tolher a diversidade de interesses que ele pretende representar.

Experiências internacionais, como a legislação norte-americana (Lobbying Disclosure Act) e europeia, oferecem exemplos de pressupostos que carreiam maior publicidade às atividades lobísticas, regulando o acesso dos grupos de interesse às instituições políticas (Guimarães et al., 2024).

Moreira (2021) sugere que o Brasil adote iniciativas similares às dos Estados Unidos e na União Europeia, como a instituição de um cadastro obrigatório de lobistas, a obrigatoriedade de relatórios regulares sobre as atividades realizadas e a criação de códigos de ética direcionados aos profissionais dessa área. 

Essas ações teriam o potencial de ampliar a transparência e fortalecer a confiança da sociedade no processo legislativo, assegurando que as decisões políticas sejam fundamentadas no interesse coletivo, em vez de priorizar interesses particulares (Moreira, 2021). 

Esclarecem Cunha e Santos (2015) que modelos de regulamentação do lobby costumam envolver três abordagens principais. A primeira é a legislação indireta, que geralmente se manifesta por meio de códigos de ética e conduta, com o objetivo de prevenir a corrupção entre servidores públicos e políticos. 

No entanto, essa regulamentação não estabelece normas de comportamento para lobistas ou outros agentes que influenciem politicamente, sendo usualmente composta por decretos e resoluções, que são instrumentos infralegais, ou seja, coercitivos, mas não leis abrangentes sobre o tema (Cunha; Santos, 2015).

A segunda abordagem é a regulação direta, que envolve a criação de uma legislação específica, geralmente por meio de normas legais superiores dentro da hierarquia jurídica. Por fim, alguns países optam pela autorregulação, onde os próprios lobistas e outros envolvidos na representação de interesses estabelecem seus próprios códigos de conduta (Cunha; Santos, 2015).

Ademais, estima-se que a regulamentação deve prever sanções rigorosas para práticas ilícitas, como o uso de recursos financeiros em negociações que comprometam a moralidade administrativa (Gontijo, 2019). Destaca-se, ainda a educação da sociedade sobre a prática do lobby, que deve ser apropriadamente esclarecida sobre os limites éticos da atividade, bem como sobre seu papel na consolidação da democracia. 

2.2 INCLUSÃO E DIVERSIDADE NA CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Um dos maiores desafios da prática de lobby no Brasil é garantir que ele não se restrinja à defesa de interesses de grupos economicamente privilegiados, pois como bem argumenta Ferreira Júnior (2016, p. 2), “o processo decisório, para ser democrático, precisa considerar o ponto de vista de todos os segmentos sociais”.

Para ele, em um país marcado por profundas desigualdades sociais e regionais, é imprescindível que o lobby seja usado como um canal para amplificar as vozes de setores vulnerabilizados, como comunidades indígenas, movimentos sociais e organizações não governamentais (Ferreira Júnior, 2016).

A inclusão desses grupos no processo legislativo pode ser alcançada por meio de iniciativas que estimulem sua participação ativa na formulação de políticas públicas. Para tanto, é necessário fortalecer as organizações da sociedade civil, oferecendo capacitação e recursos que lhes permitam atuar de maneira eficaz e articulada. 

Além disso, a criação de espaços institucionais destinados à interlocução entre legisladores e grupos sociais diversos pode reduzir as barreiras de acesso às esferas decisórias, democratizando o processo legislativo. Essa perspectiva democrática na discussão da regulamentação do lobby no brasil é amplamente defendida no estudo de Oliveira (2023). 

Por outro lado, a ausência de mecanismos que promovam a equidade na prática do lobby tende a perpetuar as disparidades existentes, concentrando o poder de influência em mãos de poucos. “Com isso, o ambiente em que se dão as relações se torna menos transparente e sensível nas esferas ética, política e empresarial” (Almeida; Abdallah; Ferreira, 2022, p. 262).

 A regulamentação do lobby, nesse sentido, deve ser acompanhada de políticas que incentivem a participação de grupos marginalizados, assegurando que as decisões legislativas reflitam os interesses de toda a sociedade, e não apenas de uma parcela restrita.

Gontijo (2019) enfatiza a importância de garantir a moralidade, a integridade e a transparência nas interações entre lobistas e agentes públicos, defendendo a adoção de normas claras para regulamentar essas relações. Esse tipo de abordagem tem sido adotado por diversos países ao redor do mundo como uma forma de assegurar um controle adequado sobre essas atividades.

Desse modo, aqueles que primam pela regulamentação fundamentam suas posições, sobretudo, na concepção de que quanto mais participativo e deliberativo for o processo decisório, maior será sua legitimidade e caráter democrático (Oliveira, 2023). Essa perspectiva repousa, em linhas gerais, na crença de que as decisões expostas à discussão e ao debate público são mais legítimas e democráticas do que aquelas tomadas sem a devida transparência e fora do alcance do controle social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo abordou o lobby como instrumento de representação de interesses na dinâmica legislativa brasileira, analisando sua relevância, desafios e potencialidades no fortalecimento da democracia. O objetivo geral foi compreender como a regulação dessa prática pode promover transparência, legitimidade e pluralidade no processo legislativo. 

Partindo da questão norteadora os resultados confirmam a hipótese principal de que a regulamentação clara e fiscalizável do lobby é um passo necessário para consolidar o pluralismo democrático e reduzir práticas ilícitas que prejudicam a confiança nas instituições.

A análise dos fundamentos históricos e políticos deixou evidente que o lobby, longe de ser uma atividade exclusivamente negativa, perfaz uma ferramenta singular para garantir a representatividade de grupos sociais nos processos decisórios. Não obstante, a ausência de um marco regulatório específico no Brasil tem fomentado interpretações equivocadas e confundido a legítima defesa de interesses com condutas corruptas. 

Casos notáveis, como os envolvendo Júlio Froes e Arthur Teixeira, ilustram a vulnerabilidade do ambiente legislativo brasileiro diante de práticas antiéticas, reforçando a importância de normas claras que delimitem os limites da atuação dos lobistas.

O estudo também destaca que o lobby pode ser uma atividade pujante, caracterizada por pesquisa, organização estratégica e diálogo entre agentes públicos e privados, enriquecendo o debate público e promovendo políticas mais informadas e realistas. No entanto, a persistência da marginalização dessa prática, sem parâmetros normativos adequados, perpetua desigualdades no acesso ao poder e dificulta a democratização do processo legislativo.

Dessa forma, conclui-se que a regulamentação do lobby deve incluir medidas de transparência, como a criação de registros públicos de lobistas e a divulgação de suas atividades, aliadas a mecanismos de fiscalização. Tais medidas podem fomentar a confiança social no processo legislativo, assegurando uma representação mais inclusiva e ética.

Sugere-se, assim, o estabelecimento de marcos legais inspirados em modelos internacionais bem-sucedidos, adaptados às particularidades brasileiras. Outrossim, recomenda-se a realização de novos estudos que aprofundem a relação entre o lobby e a democratização da participação política, bem como a análise comparativa de legislações de outros países para embasar políticas públicas substanciais no Brasil.

REFERÊNCIAS

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¹Mestrando em Direito pela Universidade de Marília – UNIMAR,