ENSINO E EMPREENDEDORISMO: CONEXÕES CURRICULARES À LUZ DOS INDICADORES DE 2019 NO BRASIL

EDUCATION AND ENTREPRENEURS HIP: CURRICULAR CONNECTIONS IN LIGHT OF THE 2019 INDICATORS IN BRAZIL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202506052020


Tallis Tauan Gomes de Alcantara1
Lucas da Silva Souza2


Resumo

Este estudo teve como objetivo analisar a inserção do empreendedorismo no contexto educacional brasileiro e os objetivos do desenvolvimento sustentável a ele aplicados. A metodologia adotada foi qualitativa, baseada em revisão bibliográfica e análise documental de fontes oficiais e bases científicas, com dados coletados entre março e abril de 2025. Utilizou-se o método dedutivo para relacionar teorias consolidadas à realidade observada. Os resultados indicam que, em 2019, cerca de 53,4 milhões de brasileiros, ou 38,7% da população entre 18 e 64 anos, estavam envolvidos em atividades empreendedoras. Destaca-se a presença equilibrada de homens e mulheres no início dos negócios, embora haja queda na consolidação feminina, atribuída a fatores socioeconômicos. A faixa etária de 25 a 34 anos lidera o empreendedorismo inicial, enquanto a de 45 a 54 anos predomina nos negócios consolidados. A escolaridade não determina exclusivamente o ingresso no empreendedorismo, sendo maior o percentual de negócios duradouros entre aqueles com menor escolaridade formal. A renda influencia, mostrando maior empreendedorismo inicial entre faixas mais baixas e maior consolidação nas faixas mais altas. O estudo evidencia desigualdades que influenciam o empreendedorismo e ressalta a importância da educação empreendedora nas escolas para fomentar protagonismo, inovação e desenvolvimento sustentável, especialmente em consonância com os ODS 1, 4, 8 e 10.

Palavras-chave: Empreendedorismo. Desigualdade social. Educação. Objetivos do desenvolvimento sustentável.

1 INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, o conceito de empreendedorismo tem expandido os limites do setor econômico e empresarial, alcançando o campo educacional como uma estratégia formativa capaz de desenvolver competências essenciais para a vida pessoal, social e profissional. Nesse contexto, a inclusão do empreendedorismo no currículo escolar tem ganhado destaque como uma ferramenta pedagógica que estimula o protagonismo estudantil, a criatividade, a inovação e a resolução de problemas, elementos indispensáveis em um mundo cada vez mais dinâmico e interconectado (DORNELAS, 2024).

A partir dessa perspectiva, surge a problemática a qual este artigo se dedica a responder: De que forma a inclusão do empreendedorismo no currículo escolar alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento sustentável, pode contribuir para a expansão da cadeia de produtividade brasileira? Essa questão busca compreender não apenas os impactos individuais dessa abordagem educacional, mas também suas possíveis repercussões no desenvolvimento socioeconômico do país, especialmente no que tange ao fortalecimento da cultura empreendedora desde os anos iniciais da formação escolar.

Diante disso, este artigo tem como objetivo analisar a inserção do empreendedorismo no contexto educacional brasileiro, refletindo sobre como essa prática pode contribuir para a formação de sujeitos mais autônomos e inovadores, além de fomentar o desenvolvimento da produtividade nacional. A hipótese central é a de que a educação empreendedora, quando integrada de forma transversal ao currículo, tem o potencial de alinhar os processos de ensino-aprendizagem às exigências contemporâneas do mercado de trabalho, fortalecendo assim a cadeia produtiva a partir de uma base educacional sólida.

A metodologia utilizada consiste em uma abordagem qualitativa, com base em revisão bibliográfica de autores, além de documentos institucionais e diretrizes educacionais nacionais, buscando construir um panorama reflexivo sobre a aplicabilidade do empreendedorismo nas escolas e seus possíveis desdobramentos socioeconômicos.

A presente pesquisa caracteriza-se como descritiva, com abordagem qualitativa, que possibilitou interpretar dados e informações a partir de uma análise crítica da literatura, legislações e documentos institucionais, contextualizando a relação entre o ensino empreendedor e o desenvolvimento socioeconômico sustentável. O levantamento teórico foi realizado por meio de revisão bibliográfica em autores contemporâneos, documentos oficiais e indicadores, a fim de embasar a discussão e sustentar as reflexões apresentadas ao longo do estudo.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Buscando propiciar maior entendimento sobre os assuntos abordados nesse artigo, na fundamentação teórica serão apresentadas as definições, contextualizações de empreendedorismo, incluindo seus aspectos históricos e conceituais; bem como a importância de uma educação empreendedora e sua aplicação na dinâmica educacional do país e apresentação dos objetivos de desenvolvimento sustentável aliados ao empreendedorismo.

2.1 FUNDAMENTOS DO EMPREENDEDORISMO E SUA INSERÇÃO NO CONTEXTO EDUCACIONAL

Embora muitas vezes seja percebido como um conceito contemporâneo, o empreendedorismo remonta aos séculos XVII e XVIII, período em que o termo já era utilizado, ainda que desprovido de uma definição formal ou sistematizada. Foi apenas no final do século XIX que o economista francês Jean-Baptiste Say atribuiu um significado mais preciso ao termo, ao descrever o empreendedor como o agente econômico responsável por realocar recursos de baixa produtividade para usos mais eficientes, capazes de gerar maior rentabilidade e retorno financeiro (Stockmanns, 2014).

Posteriormente, esse entendimento foi significativamente ampliado pelo economista austríaco Joseph Schumpeter, que introduziu novos elementos à definição clássica de empreendedor. Para Schumpeter, o empreendedor não se limitava à simples otimização de recursos, mas era, acima de tudo, um inovador, característica que considerava essencial para o desenvolvimento econômico e tecnológico, tendo papel central nas transformações estruturais do conceito moderno (Stockmanns, 2014).

No Brasil, o conceito de empreendedorismo representa, para grande parte dos estudiosos da área, uma junção dinâmica de múltiplos fatores interdependentes. Trata-se de um fenômeno complexo, que vai além da simples criação de negócios, envolvendo competências como inovação, proatividade e disposição para assumir riscos. De acordo com Hisrich, Peters e Shepherd (2014), o empreendedorismo pode ser compreendido como uma força intangível e transformadora, capaz de identificar oportunidades no ambiente, formular ideias inovadoras e desenvolver novos produtos, serviços ou processos que gerem valor econômico e social.

Atualmente, observa-se uma ampla diversidade de abordagens e publicações que exploram o empreendedorismo sob diferentes perspectivas, como o empreendedorismo social, consciente, corporativo e feminino. Essa multiplicidade de enfoques reflete a crescente complexidade e relevância do tema no cenário contemporâneo, evidenciando sua aplicabilidade em diversos contextos socioeconômicos e culturais.

No entanto, paralelamente a essa expansão conceitual, surge uma preocupação recorrente entre educadores e formuladores de políticas educacionais: a necessidade de integrar os conteúdos relacionados ao empreendedorismo e suas diversas vertentes ao currículo escolar de forma estruturada, sistemática e obrigatória. A inclusão desses temas no ambiente educacional é vista como uma estratégia fundamental para desenvolver competências como criatividade, resolução de problemas, protagonismo juvenil e visão crítica sobre oportunidades de transformação social e econômica (Moraes, Cezário, Kampff, 2024).

Nesse sentido, um estudo conduzido por Moraes, Cezário e Kampff (2024) traz importantes contribuições ao debate. Os autores entrevistaram, em 2021, dois educadores que participaram ativamente do processo de reformulação do Novo Ensino Médio no Brasil, especialmente no que se refere à implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM). As entrevistas revelam a preocupação em alinhar a formação dos estudantes às demandas do século XXI, promovendo uma educação mais contextualizada, flexível e conectada com questões tecnológicas e globais.

Dessa forma, uma das educadoras, Smole, enfatiza que as atuais diretrizes curriculares trouxeram para o espaço escolar discussões antes consideradas secundárias, como a educação para o trabalho. Em sua fala, ela defende que essa abordagem não deve ser vista como mercantilista, mas sim como um reconhecimento da relevância do trabalho na formação humana e na construção de projetos de vida. Segundo a autora, “a educação é um trabalho” e, portanto, é legítimo que a escola promova reflexões sobre o futuro profissional dos estudantes, aproximando o processo educativo da realidade socioeconômica em que estão inseridos (Moraes, Cezário, Kampff; 2024).

2.2 PEDAGOGIA EMPREENDEDORA

A pedagogia empreendedora é um conceito introduzido no Brasil por Fernando Dolabela, que propõe uma relação intrínseca entre a prática pedagógica e o desenvolvimento do espírito empreendedor. Essa abordagem consolida-se como uma vertente educacional cujo principal objetivo é fortalecer valores empreendedores na sociedade. Trata-se de promover uma sinalização positiva em relação à capacidade individual e coletiva de gerar valor para a comunidade, por meio do incentivo à inovação, à autonomia, à busca por sustentabilidade e ao protagonismo dos sujeitos no processo educativo (Stockmanns, 2014).

Com base nessa concepção, entende-se que a educação empreendedora não se baseia em fórmulas fixas ou técnicas específicas, mas sim em propostas pedagógicas que favorecem o autoconhecimento, o reconhecimento do outro e a leitura crítica do mundo. Essas propostas estimulam a construção de conceitos, valores e atitudes que contribuem para a formação de um sujeito mais autônomo e consciente de seu papel na sociedade. No que se refere às práticas e metodologias, a pedagogia empreendedora valoriza atividades fundamentadas em dinâmicas e experiências cotidianas dos alunos, promovendo um aprendizado significativo e contextualizado. Nesse sentido, Fillion (1999) destaca que a educação empreendedora se diferencia do modelo tradicional de ensino ao priorizar uma abordagem mais prática e experiencial, centrada na ação do estudante. Essa abordagem visa preparar o indivíduo para lidar com incertezas, escassez de recursos e situações complexas, além de estimular a criatividade, a imaginação e a capacidade de análise.

De acordo com Filion (1999), o empreendedorismo pode ser aprendido. O autor defende que é possível estruturar programas educacionais que adotem métodos de ensino alinhados à lógica do campo empreendedor, nos quais o aluno é protagonista do próprio processo de aprendizagem. Nessa abordagem, o estudante é estimulado a definir, organizar e refletir sobre os contextos em que está inserido, compreendendo as diferentes etapas de sua trajetória formativa. Essa perspectiva propõe uma ruptura com o modelo tradicional de ensino, centrado na transmissão de conteúdos, e caminha em direção a práticas pedagógicas ativas, voltadas à autonomia e à descoberta.

Nesse sentido, Morin (2003) reforça a necessidade de uma educação voltada à condição humana e às exigências do mundo contemporâneo, especialmente em uma realidade marcada pela interdependência global. Para o autor, a educação do futuro deve reconhecer tanto a unidade quanto a diversidade da experiência humana, promovendo uma formação integral que valorize o sujeito em suas múltiplas dimensões. Essa concepção exige uma revisão crítica das metodologias de ensino, com foco na inovação, no aperfeiçoamento contínuo e na construção de práticas pedagógicas que respondam aos desafios culturais e econômicos do século XXI.

Dolabela (1999), ao refletir sobre os fundamentos da educação empreendedora, afirma que mais importante do que o conteúdo em si é ensinar o indivíduo a aprender. Inspirado nos princípios da andragogia, o autor propõe um processo ativo em que o papel do professor se transforma: ele atua como orientador, mediador e facilitador. Uma das estratégias defendidas por Dolabela é a aproximação dos alunos com empreendedores reais, para que sejam contagiados pela cultura empreendedora, experimentando a aprendizagem como um processo de descobertas e desafios, sem respostas prontas ou soluções previamente estabelecidas.

A inserção do ensino empreendedor nas instituições educacionais, desde as séries iniciais, é um movimento cada vez mais relevante. Trata-se da construção de novas responsabilidades, de relações sociais mais conscientes e do desenvolvimento de experiências significativas que visam à formação de sujeitos mais preparados para lidar com cenários incertos e complexos. Heinonen e Akola (2007) definem a aprendizagem empreendedora como um processo dinâmico, baseado na conscientização, reflexão, associação e aplicação de conhecimentos e experiências. Já o Consórcio para a Educação Empreendedora (2004) destaca que essa forma de aprendizagem pode assumir diferentes significados conforme os níveis de ensino, promovendo, em cada etapa, o desenvolvimento gradual de competências cognitivas, comportamentais e emocionais, em um processo contínuo de maturação e crescimento.

2.3 OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (ODS) APLICADOS AO EMPREENDEDORISMO

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) constituem uma agenda global composta por 17 metas interconectadas, estabelecidas em 2015 pela Organização das Nações Unidas (ONU), com o intuito de orientar os países rumo a um futuro mais justo, equitativo, próspero e ambientalmente sustentável até o ano de 2030. Essa iniciativa surgiu como um desdobramento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), ampliando sua abrangência e complexidade, de modo a incluir não apenas a erradicação da pobreza e da fome, mas também questões relacionadas à educação de qualidade, igualdade de gênero, trabalho decente, inovação, redução das desigualdades, consumo responsável e ação climática (ONU, 2025).

Os ODS reconhecem que o desenvolvimento sustentável só é possível por meio da integração entre crescimento econômico, inclusão social e proteção ambiental. Dessa forma, essa agenda representa um compromisso coletivo entre governos, setor privado, sociedade civil e cidadãos, convocando todos a agirem em prol de transformações significativas e duradouras para o planeta e para as futuras gerações. A compreensão e a implementação desses objetivos, portanto, são essenciais para repensar modelos de desenvolvimento e promover políticas públicas que atendam às reais necessidades da humanidade em equilíbrio com os limites ecológicos da Terra (ONU, 2025). A figura 1 demonstra os 17 objetivos globais.

Figura 1 – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)

Fonte: Organização das Nações Unidas, (2025).

Nesse contexto, o empreendedorismo se apresenta como um importante agente de transformação social, ao promover não apenas a geração de renda e emprego, mas também ao incentivar a inovação, o protagonismo individual e o desenvolvimento de soluções para os desafios sociais e ambientais contemporâneos. Quando alinhado aos princípios estabelecidos pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o empreendedorismo assume um papel ainda mais estratégico, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e sustentável. Para isso, é essencial que as organizações empreendedoras adotem práticas responsáveis, oferecendo aos seus colaboradores um ambiente de trabalho seguro, ético, organizado e voltado para o aprendizado contínuo. Os principais objetivos relacionados ao empreendedorismo são:

Quadro 1 – ODS aplicados ao empreendedorismo

Fonte: Elaborado pelos autores com base em ONU, (2025).

3 METODOLOGIA

A presente pesquisa caracteriza-se, quanto aos objetivos, como uma investigação descritiva, e, quanto à abordagem do problema, como qualitativa. O estudo tem como propósito analisar a inserção do empreendedorismo no contexto educacional brasileiro, bem como a aplicação de Objetivos do desenvolvimento sustentável, buscando compreender suas implicações na formação dos estudantes e na dinâmica escolar.

A pesquisa descritiva, conforme Lozada e Nunes (2019), tem por finalidade observar, registrar, analisar e correlacionar fatos ou fenômenos, sem, contudo, manipulá-los. Ao contrário da pesquisa exploratória, que se volta a temas ainda pouco investigados, a abordagem descritiva opera com objetos de estudo já consolidados, permitindo aprofundar a análise de suas características e identificar padrões ou tendências em contextos específicos. Tal natureza possibilita reunir informações consistentes e organizá-las de forma a oferecer novos olhares sobre fenômenos já reconhecidos.

Em relação à abordagem metodológica, optou-se pela pesquisa qualitativa, a qual, segundo Gerhardt e Silveira (2009), busca compreender fenômenos sociais a partir de uma perspectiva subjetiva e interpretativa, atentando-se à complexidade das relações humanas e aos significados construídos pelos sujeitos. Trata-se, portanto, de um método que prioriza a profundidade da análise em detrimento da quantificação dos dados, sendo especialmente adequado para investigações que envolvem práticas educacionais e formação de competências.

No que tange aos procedimentos técnicos, este trabalho adotou a pesquisa por revisão bibliográfica, fundamentada na análise de fontes secundárias, tais como livros, dissertações, artigos científicos e documentos oficiais disponíveis em bibliotecas físicas e digitais, com ênfase em materiais obtidos por meio do Portal de Periódicos da CAPES, Google Acadêmico, Scielo, entre outras bases de dados confiáveis. Esse levantamento permitiu a construção do referencial teórico e a contextualização da temática estudada.

Complementarmente, foram coletados dados documentais extraídos de fontes governamentais oficiais, como relatórios e indicadores publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e por entidades que monitoram o empreendedorismo no Brasil. A coleta dos dados foi realizada entre os meses de março e abril de 2025, seguindo as seguintes etapas: (1) levantamento dos documentos e relatórios nos portais institucionais; (2) seleção dos dados relevantes conforme os objetivos da pesquisa; e (3) organização das informações em quadros e tabelas com fins analíticos.

Por fim, quanto ao raciocínio lógico adotado, empregou-se o método dedutivo, que parte de premissas gerais para a análise de casos específicos. Segundo Lozada e Nunes (2019), esse método se baseia no uso da razão como ferramenta central na construção do conhecimento, permitindo derivar conclusões específicas a partir de proposições universais. A lógica dedutiva possibilita, assim, estabelecer relações entre teorias amplamente consolidadas e a realidade concreta observada no contexto educacional.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Com base nos objetivos propostos, no referencial teórico adotado e na metodologia definida, esta seção apresenta os resultados da pesquisa referentes à implementação de disciplinas voltadas ao empreendedorismo no ambiente escolar. A análise está fundamentada em dados extraídos de relatórios nacionais sobre o empreendedorismo no Brasil, bem como nas contribuições de especialistas da área, permitindo uma abordagem crítica e contextualizada.

Um dos principais indicadores utilizados para mensurar o desempenho empreendedor de um país é a Taxa de Empreendedorismo Total (TEA). Esse índice é calculado com base na proporção da população adulta, compreendida entre 18 e 64 anos, que está engajada em atividades empreendedoras, seja na fase inicial do negócio ou já com empreendimentos consolidados. A TEA oferece uma visão abrangente sobre o dinamismo empreendedor de uma nação, permitindo avaliar não apenas o volume de novos empreendedores, mas também identificar tendências, desafios e oportunidades relacionadas ao ambiente de negócios. A Figura 1 demonstra essa Taxa de Empreendedorismo Total do Brasil em 2019.

Tabela 1 – Taxas (em %) e Estimativas (em unidades) de empreendedorismo segundo o estágio e potenciais empreendedores do Brasil nos anos de 2018 e 2019.

Fonte: Global Entrepreneurship Monitor – GEM Brasil, (2019).

Em termos absolutos, estima-se que, em 2019, aproximadamente 53,4 milhões de brasileiros estavam envolvidos em alguma forma de atividade empreendedora, o que corresponde a 38,7% da população na faixa etária entre 18 e 64 anos. Esse dado reflete uma participação significativa da população economicamente ativa no cenário empreendedor nacional. É relevante destacar que, entre 2018 e 2019, houve um crescimento de 0,7 ponto percentual nesse índice. Embora esse aumento possa parecer modesto à primeira vista, ele adquire relevância quando analisado no contexto das recentes reformulações nas políticas educacionais voltadas ao ensino médio, especialmente aquelas que buscaram incorporar conteúdos voltados ao desenvolvimento de competências empreendedoras.

A Tabela XX apresenta informações detalhadas sobre algumas variáveis sociodemográficas da população estudada. Entre os dados incluídos, destacam-se o sexo, categorizado em masculino e feminino; a faixa etária predominante, compreendida entre 25 e 34 anos; o grau de escolaridade dos respondentes; e a renda média familiar. Esses indicadores são fundamentais para compreender o perfil socioeconômico do público analisado, permitindo uma análise mais precisa das características da amostra e facilitando a interpretação dos resultados obtidos ao longo da pesquisa.

Tabela 2 – Taxas específicas¹ (em %), percentuais e estimativas² empreendedores iniciais e estabelecidos segunda as características sociodemográficas – Brasil – 2019

Fonte: Global Entrepreneurship Monitor – GEM Brasil, (2019).

Em 2019, a atividade empreendedora revelou que homens e mulheres iniciaram negócios em proporções semelhantes. No entanto, observa-se uma queda significativa na quantidade de empreendimentos consolidados por mulheres em comparação aos homens. Segundo uma pesquisa realizada em 2023 pela startup Olhi, focada no perfil de mulheres empreendedoras, essa disparidade está frequentemente relacionada à maternidade e à sobrecarga da dupla jornada de trabalho, fatores que dificultam a continuidade e o fortalecimento dos negócios liderados por elas (CNN, 2023).

No que diz respeito à idade, a faixa etária que mais se destaca no início de atividades empreendedoras é a de 25 a 34 anos, representando 27,7% do total de empreendedores, considerando tanto homens quanto mulheres. No entanto, apesar da forte presença desse grupo no momento de iniciar um negócio, os dados indicam que ele não é o que mais mantém empreendimentos consolidados ao longo do tempo. Segundo o relatório analisado, a maior concentração de negócios estabelecidos encontra-se entre indivíduos com idade entre 45 e 54 anos, em que aproximadamente um quarto dos indivíduos são proprietários e gestores de empreendimentos estáveis correspondem a 27,5% dos empreendedores consolidados, totalizando aproximadamente 6,1 milhões de pessoas.

Embora apresente a menor taxa de início de novos negócios, o grupo com mais de 55 anos reúne cerca de 2,5 milhões de empreendedores, um número expressivo que evidencia a relevância do chamado empreendedorismo sênior. Esse dado reforça a necessidade urgente de políticas públicas e iniciativas específicas voltadas à compreensão e ao apoio dessa parcela da população, que frequentemente busca no empreendedorismo uma alternativa de renda ou realização pessoal. Em contraste, os jovens de 18 a 24 anos apresentam a menor taxa de empreendedorismo estabelecido, com 7,2%. Ainda assim, esse percentual representa cerca de 1,8 milhão de jovens que não apenas iniciaram, mas também conseguiram manter seus negócios ativos por mais de três anos e meio, demonstrando determinação e capacidade de superação mesmo em um cenário desafiador.

A análise do empreendedorismo segundo o nível de escolaridade revela importantes aspectos do cenário brasileiro. Em 2019, observou-se que, embora haja variação entre os níveis de ensino, as diferenças nas taxas de empreendedorismo inicial não são tão acentuadas. A maior taxa foi registrada entre pessoas com ensino superior completo (27,6%), enquanto a menor ocorreu entre aquelas com ensino fundamental incompleto (18,4%). Apesar disso, esse último grupo representa cerca de 5,5 milhões de empreendedores iniciantes, número superior ao dos que possuem ensino superior. Isso demonstra que o nível de escolaridade influencia, mas não determina, o ingresso na atividade empreendedora.

No que diz respeito ao empreendedorismo estabelecido, as maiores taxas foram observadas entre indivíduos com escolaridade inferior ao ensino médio completo. Os grupos com ensino fundamental incompleto e completo apresentaram taxas de 23,2% e 20,2%, respectivamente, somando aproximadamente 13 milhões de empreendedores. Em contrapartida, entre os que concluíram o ensino médio ou superior, apenas 12% mantêm negócios consolidados. Essa diferença mostra que, apesar da escolaridade mais baixa, muitos empreendedores conseguem estabelecer negócios duradouros. Para cada empreendedor estabelecido com ensino superior, há cerca de seis que não completaram o ensino médio.

Com relação a renda, a pesquisa mostrou que, entre a população com renda familiar de até três salários mínimos, a taxa de envolvimento com o empreendedorismo em estágio inicial é relativamente uniforme, variando entre 20,6% e 23,4%. Apenas nas faixas de até dois salários mínimos, quase 14 milhões de pessoas estão envolvidas com a criação ou estruturação de novos negócios. Curiosamente, embora a maior taxa de empreendedorismo inicial (31,8%) esteja entre os que recebem mais de seis salários mínimos, esse grupo representa apenas 3,6 milhões de pessoas, um reflexo da desigualdade de renda no Brasil, onde um grande número empreende por necessidade e um grupo muito menor por oportunidade.

Em relação ao empreendedorismo estabelecido, observa-se que as menores taxas também estão entre as famílias de renda mais baixa. Entre os que recebem até dois salários mínimos, apenas 13,5% têm negócios consolidados. Já nas faixas intermediárias, entre dois e seis salários mínimos, essa taxa sobe cerca de quatro pontos percentuais. O maior índice, porém, está entre aqueles com renda superior a seis salários mínimos, onde 24,6% são empreendedores estabelecidos. Nessa mesma faixa, mais de 56% das pessoas estão envolvidas com alguma atividade empreendedora, superando em mais de 10 pontos percentuais todas as demais categorias de renda.

Diante dos dados analisados, observa-se que o perfil do empreendedor brasileiro é marcado por desigualdades sociais, educacionais e econômicas, evidenciando que o empreendedorismo, embora acessível a diferentes faixas etárias, níveis de escolaridade e rendas, ainda é impulsionado, em muitos casos, por necessidade e não por oportunidade planejada. Essa realidade reforça a importância de se repensar a formação educacional desde os anos escolares, por meio da inclusão estruturada e crítica da educação empreendedora nos currículos escolares.

Ao proporcionar aos jovens conhecimentos, habilidades e atitudes empreendedoras desde a base, cria-se um ambiente propício para o desenvolvimento do protagonismo juvenil, da inovação e da autonomia econômica. Além disso, essa abordagem dialoga diretamente com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente os que tratam da erradicação da pobreza (ODS 1), educação de qualidade (ODS 4), trabalho decente e crescimento econômico (ODS 8) e redução das desigualdades (ODS 10). Portanto, inserir o empreendedorismo no ambiente educacional não é apenas uma estratégia pedagógica, mas uma ação transformadora com potencial de impactar positivamente a sociedade em diversas frentes, preparando cidadãos mais conscientes, resilientes e comprometidos com o desenvolvimento sustentável.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise conduzida ao longo desta pesquisa evidencia que o empreendedorismo no Brasil é um fenômeno multifacetado, impactado por uma complexa teia de fatores sociais, econômicos e educacionais. Embora os dados apontem um número expressivo de brasileiros à frente de algum tipo de atividade empreendedora, constata-se que grande parte desse movimento é impulsionado mais pela necessidade do que pela identificação de oportunidades reais de inovação e crescimento. Tal cenário reflete não apenas os desequilíbrios estruturais do país, mas também uma lacuna significativa na formação educacional de grande parcela da população.

As desigualdades de gênero, idade, escolaridade e renda escancaram as barreiras que muitos enfrentam para empreender com qualidade e sustentabilidade. Nesse contexto, torna-se evidente a urgência de incorporar a educação empreendedora nos currículos escolares de forma sistemática, transversal e contextualizada. Tal inserção deve ir além do ensino técnico de criação de negócios: é fundamental desenvolver competências como pensamento crítico, resolução de problemas, criatividade, cooperação e responsabilidade socioambiental, habilidades essenciais para a formação de cidadãos mais autônomos e preparados para os desafios do século XXI.

A articulação entre o empreendedorismo e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) amplia ainda mais o potencial transformador dessa abordagem. Ao integrar valores como inclusão, sustentabilidade, igualdade de gênero, educação de qualidade e trabalho decente ao ensino empreendedor, a escola se torna um espaço de formação integral que contribui não só para a emancipação individual, mas também para a construção de comunidades mais resilientes e economicamente dinâmicas.

Portanto, ao responder à pergunta que norteia este estud, entende-se que a inclusão do empreendedorismo no currículo escolar, quando alinhada aos ODS, pode contribuir significativamente para a expansão da cadeia de produtividade brasileira ao formar indivíduos mais capacitados para identificar e aproveitar oportunidades de forma sustentável e inovadora. Essa formação precoce tende a gerar impactos positivos na economia ao fomentar a criação de negócios com maior valor agregado, estimular cadeias produtivas locais, reduzir o desemprego estrutural e promover uma cultura de inovação alinhada aos desafios globais. Em última instância, essa integração estratégica entre educação, empreendedorismo e desenvolvimento sustentável pode ser um vetor decisivo para transformar o potencial econômico do país em prosperidade compartilhada.

REFERÊNCIAS

CNN Brasil. Mais da metade das mulheres empreendem sobrecarregadas. São Paulo: CNN, 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/negocios/mais-da-metade-das-mulheres-empreendem-sobrecarregadas-diz-pesquisa/ Acesso em: 05 abr. 2025.

DOLABELA, F. Oficina do empreendedor. 6ª ed. São Paulo: Ed. Cultura, 1999.

DORNELAS, José. Empreendedorismo: Transformando Ideias em Negócios. 9. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2023.

FILION, L. J. Empreendedorismo: empreendedores e proprietários-gerentes de pequenos negócios. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 34, п.2 р 5-28, 1999. Disponível em: http://rausp.usp.br/wp-content/uploads/files/3402005.pdf. Acesso em: 01/05/2025.

GERHARDT, Tatiana E.; SILVEIRA, Denise T. Métodos de pesquisa. 1.ed. Porto Alegre/RS: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), 2009.

GLOBAL ENTREPRENEURSHIP MONITOR (GEM). Relatório de empreendedorismo no Brasil. 1. ed. Brasília/DF: GEM, 2019.

HEINONEN, J. e AKOLA, E. EntlearnPorject Team. Entrepreneurship training andentrepreneuriallearning in Europe: resultsfromtheEntlearn Project. Filândia: TSE Entre, Turku Schoolof Economics, 2007.

HISRICH, Robert D.; PETERS, Michael P.; SHEPERD, Dean A. Empreendedorismo. 9. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014.

LOZADA, Gisele; NUNES, Karina S. Metodologia científica.1.ed. Porto Alegre/RS: Sagah Educação S.A, 2019.

MORAES, R.M.; CEZÁRIO, G.L.; KAMPFF, A.J.C. Educação empreendedora à luz da base nacional comum curricular. Revista Educação (PUC), Porto Alegre/RS, v.47, n.1, p.01-12, jan./dez. 2024. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/faced/article/view/45217. Acesso em: 01 jun. 2025.

MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2003.

ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Os objetivos de desenvolvimento sustentável no Brasil. Brasília/DF: 2025. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs.  Acesso em: 03 mai. 2025.

STOCKMANNS, Jussara Isabel. Pedagogia empreendedora. 1. ed. Guarapuava/PR: Editora da Universidade Estadual do Centro Oeste (UNICENTRO), 2014.


1Graduado em Ciências Contábeis pela Universidade Estácio de Sá (UNESA). Especialização em Docência do Ensino Superior pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), Campus de Pimenta Bueno/RO, e-mail: tallisalcantara@gmail.com

2Graduado em Ciências Contábeis pela Universidade Federal de Rondônia (UNR), Campus Cacoal. Pós-graduando em Gênero e Diversidade na Escola pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Campus Rolim de Moura, e-mail: ls29102002@gmail.com.