REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7975660
Gabriella de Barros Afonso Ferreira1
RESUMO
A competência consultiva da Corte Interamericana desempenha um importante papel na construção dos Direitos Humanos no âmbito do sistema protetivo regional. Nesse contexto, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com base no artigo 64.1 da Convenção Americana apresentou um pedido de Parecer Consultivo sobre “Abordagens diferenciadas às pessoas privadas de liberdade”. Foi emitido o Parecer OC 29/22, em que a Corte Interamericana de Direitos Humanos se pronunciou sobre o contexto de extrema vulnerabilidade das pessoas pertencentes a grupos de riscos nas prisões da região – em razão da idade, sexo, gênero, etnia, orientação sexual e identidade e expressão de gênero -, que decorrem das deploráveis condições de detenção, mas, principalmente, do impacto desproporcional causado pela falta de proteção diferenciada. A Corte Interamericana ainda forneceu diretrizes para que os Estados cumpram adequadamente suas obrigações. Este trabalho estuda as abordagens diferenciadas aplicáveis às pessoas LGBTI privadas de liberdade, bem como a importância da função interpretativa do Tribunal Interamericano, através da análise da citada opinião consultiva. Palavras-Chave: Corte Interamericana. Parecer OC 29/22. LGBTI.
ABSTRACT
The consultative competence of the Inter-American Court plays an important role in the construction of human rights within the framework of the regional protective system. In this context, the Inter-American Commission on Human Rights, on the basis of Article 64.1 of the American Convention, submitted a request for an Advisory Opinion on “Differentiated Approaches to Persons Deprived of Liberty.” Opinion OC 29/22 was issued, in which the Inter-American Court of Human Rights ruled on the context of extreme vulnerability of people belonging to risk groups in the region’s prisons – due to age, sex, gender, ethnicity, sexual orientation, and gender identity and expression -, which result from the deplorable conditions of detention, but, mainly, the disproportionate impact caused by the lack of differentiated protection. The Inter-American Court also provided guidelines for States to adequately fulfill their obligations. This paper studies the differentiated approaches applicable to LGBTI persons deprived of liberty, as well as the importance of the interpretative function of the Inter-American Court, through the analysis of the aforementioned advisory opinion. Keywords: Inter-American Court. Opinion OC 29/22. LGBTI.
1. INTRODUÇÃO:
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) é um órgão judicial autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA) que tem como objetivo principal promover e proteger os direitos humanos na região das Américas.
A Corte IDH tem sede na Cidade de San José, na Costa Rica, e é composta por sete juízes eleitos pelos Estados membros da OEA. Estes juízes são responsáveis por julgar casos de violações de direitos humanos apresentados por indivíduos ou organizações da sociedade civil à Comissão (CIDH), bem como por emitir pareceres consultivos sobre questões relacionadas aos direitos humanos.
O poder da Corte Interamericana consiste essencialmente em interpretar e aplicar a Convenção Americana ou outros tratados sobre os quais tenha jurisdição para, consequentemente, determinar, de acordo com as normas internacionais, convencionais e consuetudinárias, a responsabilidade internacional do Estado em conformidade com o Direito Internacional.
Contudo, à diferença da sua função contenciosa, no desempenho no exercício da competência consultiva, não há “partes” envolvidas no procedimento e não há disputa a ser resolvida. O objetivo central da função consultiva é obter uma interpretação judicial de uma ou mais disposições da Convenção ou de outros tratados relativos à proteção dos direitos humanos nos Estados Americanos, nos termos do artigo 62 da Convenção Americana, que dispõe:
1. Qualquer Estado Parte poderá, no momento do depósito do seu instrumento de ratificação ou de adesão à presente Convenção, ou em qualquer momento posterior, declarar que reconhece como vinculativa por direito e sem convenção especial a competência do Tribunal sobre todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da presente Convenção. […]
3. A Corte tem competência para conhecer de qualquer caso relativo à interpretação e aplicação das disposições da presente Convenção que lhe sejam submetidas, desde que os Estados Partes no caso tenham reconhecido ou reconheçam tal jurisdição, quer por declaração especial, conforme indicado nos parágrafos anteriores, quer por convenção especial.
É importante ressaltar que as opiniões consultivas da Corte IDH não são vinculantes, ou seja, não têm força de lei, mas são consideradas autoritativas, pois têm um impacto significativo na prática jurídica e na política dos países da região.
Destarte, as opiniões consultivas da Corte IDH são fundamentais para o fortalecimento do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, pois fornecem orientações importantes para governos, organizações da sociedade civil, advogados e juízes que trabalham na defesa dos direitos humanos.
No uso dessa competência interpretativa já foram exarados 29 pareceres de importância para a construção de um sistema regional de proteção dos Direitos Humanos, sendo o mais recente denominado de opinião consultiva de número 29, de 30 de maio de 2022 – OC 29/22.
Este parecer resultou de pedido da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no uso das atribuições conferidas pelo artigo 64.1 da Convenção Americana[1], para que a Corte IDH emitisse parecer sobre as abordagens diferenciadas a serem adotas pelos Estados membros para as pessoas privadas de liberdade, em razão de vulnerabilidades relacionadas a questões de idade, de identidade e expressão de gênero, de etnia e de orientação sexual.
Na decisão da Corte foram apresentados os questionamentos específicos, gerando a subdivisão do parecer do seguinte modo: em primeiro lugar, foram feitas considerações gerais sobre a necessidade de adoptar medidas ou abordagens diferenciadas em relação a certos grupos de pessoas privadas de liberdade, entre esses as pessoas LGBTI privadas de liberdade; e, posteriormente, foram realizadas interpretações relativamente a cada um dos grupos levados a consulta.
A divisão temática adotada pelo Parecer OC 29/22 será seguida no presente trabalho, com a apresentação de considerações gerais sobre a necessidade da adoção de medidas ou de abordagens diferenciadas em relação a certos grupos de pessoas privadas de liberdade e, posteriormente, com o estabelecimento de interpretações relativas às pessoas LGBTI privadas de liberdade.
2. A FUNÇÃO CONSULTIVA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS E DA COMPETÊNCIA DA COMISSÃO PARA SOLICITAÇÃO.
A Corte IDH possui dois planos de competência atribuídos pela Convenção Americana: um contencioso e outro consultivo, conforme previsão dos artigos 62[2] e 64[3].
O primeiro é acionado pelos Estados signatários, que tenham aceitado a jurisdição da Corte, em face de casos concretos. Já o segundo é interpretativo, servindo a Corte como órgão de consulta para questionamentos relativos à correta aplicação da Convenção e de outros tratados de Direitos Humanos.
No que diz respeito à sua competência ratione materiae, a Corte IDH já decidiu que a sua função consultiva lhe permite interpretar qualquer norma da Convenção Americana, inclusive as de natureza processual[4], bem como qualquer disposição relativa à proteção dos direitos humanos de qualquer tratado internacional aplicável nos Estados americanos, independentemente de ser um tratado bilateral ou multilateral, ou de serem partes Estados fora do Sistema Interamericano[5].
A Corte, conforme previsão do artigo 72 de seu Regulamento, ainda pode emitir pareceres opinativos sobre a compatibilidade entre qualquer das leis internas dos Estados membros e os mencionados instrumentos internacionais, o que pode ser considerado como um controle de convencionalidade.
Percebe-se, assim, a amplitude da competência consultiva da Corte IDH, pois esta pode analisar não somente questões referentes à Convenção, como também outros tratados e disposições de direitos humanos, demonstrando, assim, o verdadeiro escopo desse órgão jurisdicional, que é o de assegurar as garantias e os direitos inerentes à condição humana.
Registre-se, nesse ponto, que a Corte já consagrou o entendimento de que a tais consultas, nada obstante possuírem caráter abstrato, deve corresponder uma provável aplicação concreta, para atraírem o interesse da região, como forma de garantir eficácia social às decisões.
O procedimento para solicitação da opinião consultiva está previsto no Título III do Regulamento da Corte que trata dos requisitos formais para o requerimento e a apreciação de pareceres consultivos pela Corte Interamericana.
Os artigos 70[6] e 71[7] do referido título basicamente impõem ao Estado ou ao organismo requerente os seguintes requisitos: i) formular as questões com precisão; ii) especificar as disposições a interpretar; iii) indicar as considerações que a originam e iv) fornecer o nome e o endereço do agente ou delegado.
No que tange à legitimidade para formular pedidos de opinião à Corte IDH, existe um número maior de legitimados na competência consultiva do que na contenciosa, pois nesta somente os Estados signatários da Convenção, que reconheçam expressamente a competência da Corte, e a Comissão Interamericana podem submeter casos à decisão do Tribunal. No contexto consultivo, contudo, todos os Estados membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) possuem titularidade, não importando se ratificaram a Convenção ou não.
O artigo 64.1 da Convenção Americana dispõe que são legitimados para a propositura de uma opinião consultiva, além dos Estados membros da OEA, todos os órgãos presentes no Capítulo X da Carta da OEA, observe-se:
Os Estados membros da Organização poderão consultar a Corte sobre a interpretação da presente Convenção ou de outros tratados relativos à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. Também pode ser consultado, no que lhes diz respeito, pelos órgãos enumerados no Capítulo X da Carta da Organização dos Estados Americanos, conforme alterada pelo Protocolo de Buenos Aires.
A Carta da Organização dos Estados Americanos prevê, entre os órgãos descritos no seu artigo 53[8], a Comissão como órgão principal e autônomo da OEA, fato que o habilita, portanto, a solicitar um parecer consultivo à Corte IDH.
Ademais, a principal função da Comissão é “promover a observância e a defesa dos direitos humanos e servir como órgão consultivo da Organização nessa área”[9], de modo que é evidente a existência de interesse institucional legítimo da Comissão nas consultas que tratam da interpretação e do alcance de várias disposições de direitos humanos no Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos.
Importante registrar que, dentre os órgãos listados no artigo 53, somente a Comissão e os Estados membros da OEA podem formular consultas de forma livre, uma vez que os outros órgãos apenas poderão requerer pareceres relacionados com suas prerrogativas funcionais[10].
No tocante à admissibilidade do pedido de parecer consultivo, a Corte Interamericana, nos Pareceres OC 16/99 e OC 28/21, desenvolveu critérios jurisprudenciais relativos à admissibilidade e pertinência para o processamento ou não de um pedido de parecer consultivo, a saber: i) não encobrir um caso contencioso ou obter uma decisão prematura sobre um tema ou assunto que possa eventualmente ser submetido à Corte por meio de um caso contencioso; ii) não obter uma decisão indireta sobre um assunto em disputa a nível interno; iii) não ser instrumento de debate político interno; iv) não abranger, exclusivamente, questões sobre as quais a Corte já se pronunciou em sua jurisprudência e, v) não buscar a resolução de questões de fato, mas procurar desvendar o significado, a finalidade e a razão do direito internacional dos direitos humanos e, acima de tudo, ajudar os Estados membros e os órgãos da OEA a cumprir plena e efetivamente suas obrigações internacionais.
Quanto aos efeitos das opiniões consultivas, estas, ao contrário das decisões no contexto da competência contenciosa, não são vinculantes, embora possuam efeitos morais tanto no direito interno como internacional, com impacto significativo na prática jurídica e na política dos países da região.
3. O PARECER CONSULTIVO OC 29/22
Em 25 de novembro de 2019, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com base no artigo 64.1 da Convenção Americana e em conformidade com o disposto nos artigos 70.1 e 70.2 do Regulamento Interno, apresentou um pedido de Parecer Consultivo sobre “Abordagens Diferenciadas às Pessoas Privadas de Liberdade”.
A Comissão expôs as considerações que deram origem à consulta, observando:
Em um contexto de extrema vulnerabilidade das pessoas pertencentes a grupos de risco especial – derivado não apenas das deploráveis condições de detenção que caracterizam as prisões da região, mas também do impacto desproporcional causado pela falta de proteção diferenciada – é pertinente e oportuno que a Corte Interamericana se pronuncie sobre essas questões e forneça diretrizes para que os Estados cumpram adequadamente suas obrigações na matéria. Em particular, neste pedido, a [Comissão] analisará os principais efeitos enfrentados pelas pessoas pertencentes aos grupos abrangidos pelo presente pedido, que decorrem do fato de o tratamento que recebem ser geralmente o mesmo que o dado ao resto da população prisional. Nesse sentido, além das deficiências e dificuldades gerais a que as pessoas privadas de liberdade estão sujeitas, há aquelas que decorrem de sua própria condição – em razão da idade, sexo, gênero, etnia, orientação sexual e identidade e expressão de gênero – e a consequente falta de uma abordagem diferenciada. Isso implica afetações que geram um impacto desproporcional em sua prisão, o que, além de impedir o gozo dos direitos humanos, pode colocar as pessoas sujeitas a esse pedido em uma situação que coloca em risco suas vidas e integridade pessoal.
Neste contexto, a identificação dos direitos em causa e o respectivo desenvolvimento de normas que garantam o princípio da igualdade e da não discriminação em relação às pessoas sujeitas ao presente pedido revestem-se da maior relevância para a sua proteção. Isso permitirá abordar as particularidades dos respectivos grupos e garantir que, por meio de uma abordagem diferenciada do escopo das obrigações do Estado envolvidas, eles tenham igual acesso durante sua privação de liberdade a todos os serviços e direitos aos quais outras pessoas têm acesso.
[…] O escopo do presente pedido, […] centra-se principalmente na privação de liberdade que ocorre no sistema prisional, sob as autoridades prisionais e que se caracteriza pela permanência prolongada da prisão. Este pedido de Parecer Consultivo, portanto, não abrange situações de privação de liberdade que ocorram em centros de detenção policial, sob autoridades administrativas que, em geral, são de caráter transitório. Em especial, os grupos de risco especial relativamente aos quais a Comissão solicita ao Tribunal de Justiça que se pronuncie no contexto do presente pedido consistem em: i) gestantes, puérperas e lactantes; (ii) pessoas LGBT; (iii) pessoas indígenas, (iv) idosos e (v) crianças que vivem com suas mães na prisão. […] Além disso, em muitos casos, essas pessoas podem pertencer a mais de um grupo de risco especial, o que se traduz em múltiplas necessidades especiais e maior vulnerabilidade. Portanto, normas e práticas que ignoram esse impacto diferenciado fazem com que os sistemas prisionais reproduzam e reforcem os padrões de discriminação e violência presentes na vida em liberdade. […] Neste contexto, para que os Estados cumpram o seu dever especial de proteger as pessoas sob a sua custódia e, em particular, de garantir o princípio da igualdade e da não discriminação, a Comissão entende que é uma obrigação inevitável adotar medidas que respondam a uma abordagem diferenciada que tenha em conta as condições particulares de vulnerabilidade e os fatores que podem aumentar o risco de atos de violência e discriminação no país em contextos de encarceramento, como gênero, etnia, idade, orientação sexual e identidade e expressão de gênero. Da mesma forma, essas medidas devem levar em conta a frequente interseccionalidade dos fatores acima mencionados, o que pode acentuar a situação de risco em que as pessoas encarceradas se encontram.
[…] Consequentemente, com base no diagnóstico da situação anteriormente realizado no âmbito de suas funções de monitoramento, a Comissão considera que é imperativo ter uma interpretação da Corte que lhe permita desenvolver e aprofundar, à luz das normas interamericanas, as obrigações mais específicas que os Estados têm nessa área, com o objetivo de ajudá-los a fornecer uma resposta eficaz e mais abrangente para a proteção nesses países das pessoas privadas de liberdade, em pé de igualdade com o resto da população carcerária. Isto, tendo em conta a abordagem diferenciada que deve existir devido à situação especial de risco enfrentada por estas pessoas num contexto de privação de liberdade e do dever de fiador do Estado em relação às pessoas que se encontram sob a sua guarda.
Destarte, com base nas considerações expostas, a Comissão submeteu à Corte Interamericana as seguintes consultas acerca das pessoas LGBTI privadas de liberdade:
I. À luz dos artigos 1.1., 4.1, 5, 11.2, 13, 17.1 e 24 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos[11], artigo 7 da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra as Mulheres e outros instrumentos interamericanos aplicáveis: que obrigações específicas os Estados têm de assegurar que as pessoas LGBT tenham condições de detenção adequadas às suas circunstâncias particulares? Em particular:
I.I. Como os Estados devem levar em conta a identidade de gênero com a qual a pessoa se identifica ao determinar a unidade na qual entrar?
I. II. Que obrigações específicas têm os Estados para prevenir qualquer ato de violência contra pessoas LGBT privadas de liberdade que não implique segregação do resto da população carcerária?
I.III. Quais são as obrigações especiais que os Estados têm em relação às necessidades médicas especiais das pessoas trans privadas de liberdade e, se aplicável, em relação àqueles que desejam iniciar ou continuar seu processo de transição?
I.IV. Que medidas especiais os Estados devem tomar para garantir o direito de visitas íntimas para as pessoas LGBT?
I.V. Que obrigações particulares têm os Estados no que diz respeito ao registo de diferentes tipos de violência contra pessoas privadas da sua liberdade LGBT?
3.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A NECESSIDADE DE ADOTAR MEDIDAS DIFERENCIADAS PARA DETERMINADOS GRUPOS DE PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE
A Corte IDH inicia a sua decisão a partir do argumento de que a Convenção Americana reconhece expressamente, no artigo 5º, o direito à integridade pessoal, física e mental, cuja violação “é de um tipo que tem várias conotações de grau e […] cujas sequelas físicas e psicológicas variam em intensidade de acordo com os fatores endógenos e exógenos que devem ser demonstrados em cada situação concreta”[12].
E ainda, de acordo com os artigos 5.1 e 5.2 da Convenção[13], toda pessoa privada de liberdade tem o direito de viver em condições de detenção compatíveis com sua dignidade pessoal. Assim, o Estado – como responsável pelos centros de detenção – encontra-se em uma posição especial de garante dos direitos de qualquer pessoa sob a sua custódia[14].
Isso implica no dever de o Estado fornecer às pessoas sujeitas à sua custódia direitos essenciais para o desenvolvimento de uma vida digna, dado que as características do confinamento, associadas ao forte controle exercido pelas autoridades prisionais impedem que as pessoas privadas de liberdade sejam capazes de satisfazer por si próprias as suas necessidades básicas.
Ademais, é preciso levar em conta a seletividade do sistema penal, na medida em que aqueles que são submetidos a medidas de custódia são em sua maioria homens jovens, com condições socioeconômicas precárias[15] e sem condições de proverem, quando privados de liberdade, suas necessidades básicas de existência, por seus próprios meios ou por suas famílias.
No caso das mulheres, estudos mostram que muitas delas têm histórico de vitimização prévia e são chefes de família, de modo que, antes de sua prisão, eram as únicas responsáveis por suas tarefas e proventos domésticos e assistenciais[16].
É por isso que o Estado é obrigado a garantir todos os direitos das pessoas privadas de liberdade sob sua custódia, especialmente o direito à vida e à integridade pessoal, bem como o acesso a serviços básicos essenciais para uma vida digna.
E mais que isso, o Estado é responsável por salvaguardar o bem-estar dos reclusos e de assegurar, especialmente, que a forma e o método de privação de liberdade não excedam o nível de sofrimento inerente à detenção.
Nesse contexto, a Corte Interamericana recorda que a interdependência entre a democracia, o Estado de Direito e a proteção dos Direitos Humanos é a base de todo o sistema em que a Convenção é parte e que um dos principais objetivos de uma democracia deve ser o respeito pelos direitos das minorias[17], mormente dos direitos das pessoas privadas de liberdade.
Assim, quando a qualidade democrática de um Estado é elevada, são instituídas políticas penais e prisionais que se concentram no respeito aos direitos humanos, de modo a proporcionar as condições mínimas compatíveis com a dignidade humana em centros de detenção, a fim de proteger e garantir o direito à vida e à integridade pessoal.
Neste ponto, salienta a Corte IDH que os Estados não podem invocar a privação econômica para justificar condições de detenção que não atendam aos padrões internacionais mínimos nessa área e não respeitem a dignidade do ser humano, impondo-se, assim, obrigações positivas aos Estados, uma vez que as características do confinamento impedem as pessoas privadas de liberdade de satisfazerem por conta própria certos direitos ou necessidades básicas que são essenciais para o desenvolvimento de uma vida digna[18].
Na mesma linha, o Comitê de Direitos Humanos afirmou que, no que diz respeito às condições de detenção em geral, qualquer que seja o nível de desenvolvimento do Estado Parte em causa, devem ser observadas certas regras mínimas, tais como[19]:
a)Existência de superfície de ar e um volume mínimos para cada prisioneiro;
b)Existência de instalações sanitárias adequadas;
c)O vestuário não deve de modo algum ser degradante ou humilhante;
d)Existência de uma cama de solteiro; e
e)Dieta com valor nutricional suficiente para a manutenção de saúde e força.
Quanto à proibição e à prevenção da tortura e de outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, a Corte IDH também observa que certos grupos e indivíduos estão mais expostos à tortura e à violência sexual no contexto prisional, pois “embora todos os detidos estejam em situação de vulnerabilidade, diversas condições podem agravá-la, como ser mulher, jovem, membro de minorias (…)”.
Portanto, há uma demanda específica para combater todas as formas de tortura e maus tratos de certos grupos minoritários ou marginalizados dentro do contexto prisional.
Ademais, a Corte IDH interpreta, à luz do artigo 5.6 da Convenção[20] e do artigo 10.3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos [21], que a execução de penas privativas de liberdade deve garantir que a pessoa condenada possa ser reintegrada à liberdade em condições de coexistência com o resto da sociedade, sem prejudicar ninguém, ou seja, em condições de se desenvolver nela de acordo com os princípios da convivência pacífica e com respeito à lei[22].
Isso implica, em primeiro lugar, no comprometimento dos Estados com a premissa de que o sistema prisional não deve deteriorar a pessoa, para além do efeito inevitável de qualquer institucionalização e que, além disso, deve-se tentar minimizar ou neutralizar o máximo possível as suas consequências nocivas.
Nesta medida, as autoridades judiciárias ou administrativas, devem ter em conta, no tratamento destinado aos reclusos, a necessidade de adoção de uma abordagem diferenciada, considerando a diversidade das populações privadas de liberdade em resposta às suas necessidades específicas.
Em suma, a Corte considera que o Estado é obrigado a adotar certas medidas positivas, concretas e direcionadas para garantir não apenas o gozo e o exercício dos direitos cuja restrição não é uma consequência inevitável da situação de privação de liberdade, mas também para assegurar o cumprimento da finalidade da execução da pena privativa de liberdade, que é a reintegração na sociedade das pessoas condenadas, mitigando as barreiras e obstáculos enfrentados, decorrentes dos efeitos nocivos produzidos pelas atuais condições de privação de liberdade e pela estigmatização e deterioração associadas ao encarceramento que podem causar ostracismo tanto a nível familiar como comunitário[23].
A este respeito, a Corte IDH sublinhou que as autoridades judiciárias devem realizar ex officio ou a pedido do interessado, um controle judicial para verificar a garantia dos direitos das pessoas privadas de liberdade[24], destacando que a proteção judicial contra atos que violam os direitos humanos constitui um dos pilares básicos não apenas da Convenção Americana, mas do próprio Estado Democrático de Direito[25].
Na mesma linha, o Princípio VI dos Princípios e Boas Práticas sobre a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas estabelece que:
o controle da legalidade dos atos da administração pública que afetem ou possam afetar direitos, garantias ou benefícios reconhecidos a favor das pessoas privadas de liberdade, bem como o controle judicial das condições de privação de liberdade e a fiscalização da execução ou cumprimento de penas, devem ser periódicos e estar a cargo dos juízes e tribunais competentes, independentes e imparciais. Os Estados membros da Organização dos Estados Americanos garantirão os meios necessários para o estabelecimento e a eficácia dos órgãos judiciais de controle e execução das sentenças e terão à sua disposição os recursos necessários ao seu bom funcionamento.
Sobre este ponto, a Corte considera imperativo que os Estados estabeleçam uma regulamentação processual e substantiva adequada dessas jurisdições especializadas e: i) lhes forneçam os recursos necessários para desempenhar suas tarefas com total independência e imparcialidade; ii) garantam a livre defesa das pessoas condenadas durante a execução das penas; e iii) promovam a coordenação dos operadores da justiça com a administração penitenciária.
Ademais, relembra a Corte que uma administração que não considera a necessidade de um tratamento diferenciado destinado aos diversos grupos de pessoas privadas de liberdade, fere o artigo 1.1 da Convenção[26], norma geral que prevê a obrigação dos Estados Partes de respeitar e garantir o pleno e livre exercício dos direitos e liberdades nele reconhecidos sem qualquer discriminação[27].
Isso porque a Corte IDH tem sustentado que o direito à igualdade e à não discriminação engloba duas concepções: a primeira é uma concepção negativa, relacionada à proibição de criar diferenças arbitrárias de tratamento; a segunda é uma concepção positiva, relacionada à obrigação de os Estados criarem condições de igualdade real em relação a grupos historicamente excluídos ou que correm maior risco de serem discriminados[28].
Da concepção negativa, resulta, em primeiro lugar, que o respeito pela dignidade das pessoas privadas de liberdade deve ser garantido nas mesmas condições aplicáveis às outras pessoas que compõem a sociedade e sem qualquer tipo de discriminação, para além das inevitáveis restrições.
Nesse sentido, a Regra 24.1 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos – Regras de Nelson Mandela, concretiza a dimensão negativa do direito à igualdade e à não discriminação. Veja-se:
Regra 24 – 1. A prestação de serviços médicos aos reclusos é da responsabilidade do Estado. Os reclusos devem poder usufruir dos mesmos padrões de serviços de saúde disponíveis à comunidade e ter acesso gratuito aos serviços de saúde necessários, sem discriminação em razão da sua situação jurídica.
Em segundo lugar, em nível interno nas unidades prisionais, o princípio da não discriminação exige que não haja um tratamento diferenciado injustificado ou arbitrário por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
A esse respeito, cabe lembrar que a Corte entendeu que, a partir da cláusula “qualquer outra condição social” contida no artigo 1.1 da Convenção, fica claro que categorias como idade[29], deficiência[30], orientação sexual[31], identidade de gênero e expressão de gênero[32], são protegidas pela Convenção Americana.
No tocante à dimensão positiva do direito à igualdade e à não discriminação, esta relaciona-se ao dever de os Estados adotarem medidas para reverter ou alterar situações discriminatórias existentes em suas sociedades, em detrimento de um determinado grupo de pessoas.
Isso implica o dever especial de proteção que o Estado deve exercer em relação às ações e às práticas de terceiros que, sob sua tolerância ou aquiescência, acreditem, mantenham ou favoreçam situações discriminatórias, sendo importante a realização de distinções de tratamento, baseadas em desigualdades de fato, para fim de que constituir um instrumento de proteção daqueles que devem ser protegidos, considerando a situação de maior ou menor desvantagem em que se encontram[33].
Nessa linha, reconhece a Corte que, no contexto da privação de liberdade, os sistemas de dominação social vigentes nas sociedades americanas, como o patriarcado, a homofobia, a transfobia e o racismo, também são reproduzidos e exacerbados no ambiente penitenciário. Assim, certos grupos de pessoas privadas de liberdade, em razão de seus traços de identidade, de expressão de gênero, orientação sexual, etnia, entre outros, sofrem maior vulnerabilidade ou risco para a sua segurança, proteção ou bem-estar em resultado da privação de liberdade e da sua pertença a grupos historicamente discriminados.
Isso obriga o Estado a adotar medidas adicionais e particularizadas destinadas a satisfazer suas necessidades específicas na prisão e impedir com que sofram maus-tratos, tortura ou outros atos contrários à sua dignidade.
Destarte, a Corte IDH recorda que não basta que os Estados se abstenham de violar direitos, mas que é imperativo adotar medidas positivas, determináveis de acordo com as necessidades particulares de proteção do sujeito de direito, seja por causa de sua condição pessoal, seja por causa da situação específica em que ele se encontra. A adoção dessas medidas específicas não pode, em caso algum, ser considerada discriminatória.
Nesta linha, a Regra 2 das Regras Nelson Mandela especifica essa projeção do princípio da não discriminação, nos seguintes termos:
Regra 2 – 1. Estas Regras devem ser aplicadas com imparcialidade. Não deve haver nenhuma discriminação em razão da raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, património, nascimento ou outra condição. É necessário respeitar as crenças religiosas e os preceitos morais do grupo a que pertença o recluso.
2. Para que o princípio da não discriminação seja posto em prática, as administrações prisionais devem ter em conta as necessidades individuais dos reclusos, particularmente daqueles em situação de maior vulnerabilidade. As medidas tomadas para proteger e promover os direitos dos reclusos portadores de necessidades especiais não serão consideradas discriminatórias.
A Regra 1 das Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras – Regras de Bangkok estabelece que, para implementar o princípio da não discriminação, ” (…) as necessidades e realidades específicas de todos os reclusos, incluindo mulheres presas, devem ser tomadas em consideração na sua aplicação”.
Por sua vez, o princípio 5.2 do Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão determina que medidas especiais destinadas a proteger os direitos e a condição especial da mulher, especialmente da mulher grávida e da mãe com crianças de tenra idade, das crianças, dos adolescentes e idosos, doentes ou deficientes, não são consideradas medidas discriminatórias[34].
Além disso, os Princípios e Boas Práticas sobre a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas estabelecem no Princípio II que as medidas destinadas a proteger exclusivamente os direitos das mulheres, em especial as mulheres grávidas ou as mães lactantes; das crianças; dos idosos; das pessoas doentes ou com infecções, como o HIV/AIDS; das pessoas com deficiência física, mental ou sensorial; bem como dos povos indígenas, afrodescendentes e minorias não serão consideradas discriminatórias. Acrescenta que “as medidas serão aplicadas no âmbito do direito interno e internacional dos direitos humanos e estarão sempre sujeitas a revisão por um juiz competente e imparcial ou outra autoridade”.
Em suma, levando em conta todas as fontes apresentadas e em resposta à consulta da Comissão Interamericana, a Corte IDH considera que a aplicação de uma abordagem diferenciada da política prisional permite identificar como as características do grupo populacional e do ambiente prisional condicionam a garantia dos direitos de certos grupos de pessoas privadas de liberdade, determinando os riscos específicos de violação de direitos, e permite definir e implementar um conjunto de medidas concretas que visem a superação da discriminação (estrutural e interseccional) que os afeta. E, ainda, a não adoção de uma abordagem diferenciada da política prisional resultaria na violação, por parte dos Estados, às disposições do Artigo 5.2 da Convenção Americana e de outros tratados específicos, e poderia resultar um tratamento contrário à proibição da tortura e de outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
3.2 ENFOQUES DIFERENCIADOS APLICÁVEIS PARA PESSOAS LGBTI PRIVADAS DE LIBERDADE
No Parecer Consultivo – OC 29/2022, a Corte IDH foi instada pela CIDH a determinar as obrigações específicas que os Estados têm no cuidado de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros privados de liberdade, devido às suas características e necessidades especiais.
Inicialmente, importa registrar que, sem prejuízo do fato de que a Comissão não mencionou pessoas intersexuais na apresentação de suas perguntas, a Corte considera apropriado incluí-las, uma vez que elas podem estar expostas a condições de discriminação e violência no ambiente prisional que se assemelham às experiências de pessoas trans e pessoas com identidades de gênero não binárias[35].
Por conseguinte, para responder às questões suscitadas pela Comissão, a Corte utilizou a sigla LGBTI de forma intercambiável, assim como fez no seu Parecer Consultivo OC – 24/17, sem ignorar outras manifestações de expressão de gênero, identidade de gênero ou orientação sexual.
Por outro lado, a Corte esclarece que, ao se referir a pessoas LGBTI, o faz no entendimento de que, apesar de sua heterogeneidade, é uma população com experiências comuns de violência e discriminação no contexto prisional, em especial, que decorrem de preconceitos baseados na orientação sexual, identidade ou expressão de gênero.
No parecer OC – 24/17, a Corte IDH ainda consignou que a orientação sexual[36], a identidade de gênero[37] e a expressão do sexo da pessoa[38] são categorias protegidas pelo artigo 1.1 da Convenção[39]. Consequentemente, o Estado não pode agir contra uma pessoa com base em sua orientação sexual, identidade de gênero e/ou expressão de gênero.
Ademais, em sua jurisprudência, a Corte já reconheceu que as pessoas LGBTI têm sido historicamente vítimas de discriminação estrutural, estigmatização, diversas formas de violência e de violações de seus direitos fundamentais[40], que se manifestam nas esferas pública e privada[41].
Na opinião da Corte, uma das formas mais extremas de discriminação contra as pessoas LGBTI é aquela que se materializa em situações de violência, as quais se fundam no preconceito baseado na orientação sexual percebida ou real de uma pessoa e na identidade ou expressão de gênero. Esse tipo de violência pode ser impulsionado pelo “desejo de punir aqueles considerados desafiantes das normas de gênero”[42].
A este respeito e com base no Relatório de 2015 sobre Violência contra Pessoas LGBTI, elaborado pela Comissão Interamericana, no qual se verificou que, de janeiro de 2013 a março de 2014, ocorreram pelo menos 770 atos de violência contra pessoas LGBTI nos Estados membros da OEA, dos quais 594 vitimaram fatalmente pessoas LGBTI[43], a Corte observa que a violência contra pessoas LGBTI ocorre de forma generalizada em todos os países do continente americano.
Em paralelo, a Corte ressalta que há uma ligação clara entre a criminalização das pessoas LGBTI e os crimes de ódio transfóbicos e homofóbicos, o abuso policial e a estigmatização[44].
Nesse ponto, a Corte considera importante destacar que a imposição de sanções e/ou a criminalização de pessoas com base em sua orientação sexual, identidade de gênero, expressão de gênero ou características sexuais é contrária ao direito internacional dos direitos humanos. Consequentemente, os Estados devem empreender um controle adequado da convencionalidade e eliminar tais regulamentos de seus sistemas jurídicos, medida esta imperativa para os Estados membros da OEA que impõem a pena de morte como resultado da criminalização de relações sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo entre adultos.
Registre-se ainda que, no ambiente prisional, a violência sofrida pelas pessoas LGBTI é replicada e exacerbada[45], podendo “assumir várias formas e podem incluir assédio, assédio, violência verbal e psicológica, exploração, bem como violência sexual e física, incluindo estupro”[46]. Além disso, os detentos trans, particularmente as mulheres trans, enfrentam uma exposição única à violência, especialmente de natureza sexual[47].
Assim, a ausência de políticas públicas de autoidentificação, classificação, avaliação de risco e internação contribui para que as mulheres trans sejam mantidas em presídios e outros locais, onde estão expostas a um alto risco de estupro e violência sexual.
De acordo com o Relator Especial das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes, este aumento da exposição à violência deve-se a três fatores principais, a saber: i) à percepção de inferioridade que outros prisioneiros têm em relação às pessoas LGBTI; ii) à detenção em condições piores do que as do resto da população prisional; e iii) à incitação e à tolerância a atos violentos de agentes penitenciários[48].
Acrescente-se a isso o fato de os funcionários estatais muitas vezes não serem treinados para atender às necessidades específicas dessa população, o que, por sua vez, tem impacto no aumento da violência e na falta de acesso a vários direitos na prisão. Nesse sentido, o Subcomitê da ONU para a Prevenção da Tortura (SPT) identificou que as autoridades prisionais frequentemente submetem as pessoas LGBTI à segregação, isolamento ou confinamento solitário como medidas de proteção, privando-as de oportunidades de reduzir a pena ou ter acesso a outros direitos da execução pela liberdade condicional[49].
Assim, a Corte IDH enfatiza que, no caso de os Estados não conseguirem cumprir plenamente essas obrigações internacionais, sempre que o caso permitir, eles devem substituir as penas privativas de liberdade, bem como a prisão preventiva, por outras penas ou medidas cautelares menos onerosas do que a privação de liberdade das pessoas LGBTI nas prisões.
Diante do cenário acima descrito, tendo em conta a situação histórica de violência e discriminação contra as pessoas LGBTI, bem como suas necessidades específicas durante a privação de liberdade, a Corte procederá à abordagem das questões específicas levantadas pela Comissão Interamericana.
a) O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO E A DETERMINAÇÃO DA LOCALIZAÇÃO DE UMA PESSOA LGBTI NAS PRISÕES
Vários instrumentos internacionais sobre o tratamento de pessoas privadas de liberdade reconhecem o princípio geral da separação de pessoas em razão de seu sexo. Tem-se, no entanto, que historicamente os ambientes prisionais foram pensados não apenas do ponto de vista androcêntrico, mas também a partir das lógicas dominantes da natureza binária do sexo, a saber, masculino/feminino, da cisnormatividade[50] e de heteronormatividade.
Esse cenário apresenta desafios especiais para o respeito e a garantia dos direitos das pessoas trans, bem como das pessoas com identidades de gênero não binárias. Isso porque, a falta de reconhecimento da identidade de gênero no contexto prisional dificulta o exercício de outros direitos fundamentais e direitos reconhecidos pelo direito internacional, além de ser um fator determinante para o reforço dos atos de discriminação contra a população LGBTI.
Ao tratar sobre a colocação de pessoas LGBTI em prisões no Caso do Complexo Penitenciário do Curado relativo ao Brasil, a Corte, citando o Manual sobre Prisioneiros com Necessidades Especiais do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), afirma que as pessoas LGBTI privadas de liberdade não devem ser alojadas em celas com outros prisioneiros que possam colocar suas vidas em risco[51].
Para esse efeito, a Corte IDH recomenda que os Estados: a) tenham em conta a vontade e os receios das pessoas privadas de liberdade; b) não deixem prisioneiros homossexuais, bissexuais e transgêneros em dormitórios ou celas junto com prisioneiros que possam representar um risco para sua segurança; c) não assumam que é apropriado abrigar pessoas trans de acordo com seu sexo designado no nascimento, mas sim consultem os prisioneiros envolvidos e considerem as diferentes necessidades de moradia; e d) garantam que não haja discriminação na qualidade da acomodação dada aos grupos homossexuais, bissexuais e transgêneros.
Sobre este ponto, o Subcomitê da ONU para a Prevenção da Tortura (SPT) recomendou aos Estados que as decisões sobre a detenção de pessoas trans sejam tomadas caso a caso, levando em conta a situação particular de cada pessoa, levando “seriamente em conta seus pontos de vista quanto à sua segurança” e “com seu consentimento informado e com a participação desejável de especialistas e ativistas” no campo[52].
Além disso, enfatizou que mesmo as medidas que parecem visar a proteção podem, muitas vezes, ter o efeito oposto. A este respeito, o confinamento solitário, o isolamento e a segregação administrativa não são métodos adequados para garantir a segurança das pessoas, incluindo lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais, e só podem ser justificadas se forem utilizadas como último recurso, em circunstâncias excepcionais, durante o menor tempo possível e com garantias processuais adequadas.
Destarte, considerando os padrões desenvolvidos no Direito Internacional dos Direitos Humanos[53], a Corte passa a determinar os requisitos mínimos exigidos aos Estados para determinar a colocação de uma pessoa LGBTI em um centro penitenciário, nos termos do Artigo 5 da Convenção.
Em primeiro lugar, a Corte observa que, com base em uma interpretação evolutiva do texto da Convenção – artigos 5.1 e 5.2 da Convenção[54] – e das normas desenvolvidas em nível internacional sobre o tema, os Estados têm a obrigação de registrar o nome e o gênero com os quais as pessoas privadas de liberdade se identificam e de separá-las dentro do esquema binário de gênero. Com relação às pessoas que não se identificam nem com o sexo masculino, nem com o feminino, as autoridades prisionais devem anotar a informação em seus registros, anotando também seu nome social.
Por outro lado, a Corte considera que os Estados devem assegurar que as medidas adotadas para atribuir um lugar às pessoas LGBTI nas prisões não constituam, na prática, isolamento ou confinamento solitário automático, o que, na opinião da Corte, intensifica seriamente o sofrimento inerente à prisão, de modo que deve ser sempre o último recurso na manutenção da ordem e da segurança das prisões, e deve durar o menor tempo possível.
No caso de Complexo Penitenciário Curado Com relação ao Brasil, a Corte constatou que, apesar de terem sido construídos pavilhões específicos em presídios para essa população, as pessoas LGBTI ainda estavam sujeitas a violências de natureza física, psicológica e sexual, por estarem em espaços inadequados e superlotados, o que não permitia sua proteção.
A este respeito, embora a Corte reconheça o valioso progresso feito por certos Estados na designação de um setor ou ala específica de suas prisões para o alojamento de pessoas LGBTI, é necessário garantir que o alojamento em tais instalações não implique em um tratamento inferior ao de outras pessoas privadas de liberdade ou exclusão de atividades realizadas na prisão.
Em suma, o isolamento prolongado e o confinamento solitário coercitivo são, em si mesmos, um tratamento cruel e desumano, prejudicial à integridade pessoal. Segue-se que a aplicação automática do confinamento solitário de uma pessoa privada de liberdade é incompatível com os artigos 5.1, 5.2 e 5.6 da Convenção Americana.
Em suma, as várias maneiras pelas quais os Estados determinam a localização de uma pessoa LGBTI dentro de uma prisão irão refletir não apenas o respeito à identidade de gênero, mas também à prevenção da violência.
Para garantir isso, os Estados devem permitir o monitoramento externo periódico das condições de detenção das pessoas LGBTI, proceder à revisão judicial da execução das penas, bem como dispor de uma equipe profissional técnica e multidisciplinar em cada estabelecimento prisional, que determine racionalmente o alojamento mais digno e adequado para cada pessoa privada de liberdade, de acordo com a sua autopercepção e orientação sexual, de modo a respeitar a sua dignidade, evitar a sua deterioração e reduzir todas as possibilidades de conflito e violência.
b) PREVENÇÃO, INVESTIGAÇÃO E REGISTO DA VIOLÊNCIA CONTRA AS PESSOAS LGBTI PRIVADAS DE LIBERDADE
A Comissão consultou especificamente sobre as medidas que os Estados devem adotar na prevenção da violência contra as pessoas LGBTI privadas de liberdade “que não impliquem segregação do resto da população carcerária”.
A este respeito, a Corte IDH considera que as obrigações de prevenir, investigar e registrar a violência contra pessoas LGBTI privadas de liberdade são exemplos de medidas que devem ser adotadas pelos Estados.
Assim, a Corte considera adequado dividir a sua análise em:
I) o registo dos dados relativos à violência contra as pessoas LGBTI privadas de liberdade, uma vez que, sem dados oficiais, é difícil desenvolver políticas públicas preventivas que sejam efetivas nas prisões;
II) a prevenção e proteção contra a violência contra as pessoas LGBTI privadas de liberdade; e
III) a obrigação de investigar a violência contra as pessoas LGBTI privadas de liberdade.
I. REGISTRO DE DADOS RELACIONADOS À VIOLÊNCIA CONTRA PESSOAS LGBTI PRIVADAS DE LIBERDADE
A Corte IDH não ignora o facto de que, regionalmente, existe uma falta de informação estatística sobre a situação das pessoas LGBTI, o que também se traduz numa ausência de dados sobre as pessoas privadas de liberdade que pertencem a este grupo[55].
Para o SPT, a falta de estatísticas sobre maus-tratos e tortura com base na orientação sexual e identidade de gênero se deve à ausência de métodos adequados de autoidentificação, coleta e processamento de dados, o que contribui para a invisibilidade das pessoas LGBTI[56].
Contudo, a Corte considera que para agir com a devida diligência na prevenção e investigação de violações da integridade pessoal ou da vida das pessoas LGBTI, os Estados devem coletar informações abrangentes sobre a violência sofrida pelas pessoas LGBTI para medir a real magnitude desse fenômeno e elaborar estratégias para prevenir e erradicar novos atos de violência e discriminação[57].
Em resposta a esse déficit informacional, a Assembleia Geral da OEA instou os Estados a produzirem “dados sobre violência homofóbica e transfóbica, com vistas a promover políticas públicas que protejam os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexuais (LGBTI)”[58].
Além disso, o Especialista Independente das Nações Unidas em proteção contra a violência e a discriminação com base na orientação sexual ou identidade de gênero recomendou que os Estados implementem:
” (…) procedimentos abrangentes de coleta de dados, a fim de poder avaliar com precisão e uniformidade o tipo, a prevalência, as tendências e os padrões de violência e discriminação contra pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e não conformes com o gênero. Os dados devem ser desagregados por comunidade, mas também por outros fatores, como raça, etnia, religião ou crença, estado de saúde, idade, classe e casta, ou migração ou status econômico”, bem como estabelecer “sistemas eficazes para registrar e relatar crimes de ódio com base na orientação sexual e identidade de gênero”[59].
Portanto, a Corte considera que os Estados são obrigados, em virtude dos artigos 1.1 e 2 da Convenção Americana, a conceber e implementar, por meio dos órgãos estatais correspondentes, um sistema de coleta de dados e números relacionados a casos de violência contra pessoas LGBTI privadas de liberdade, a fim de avaliar de forma precisa e uniforme o tipo, a prevalência, as tendências e os padrões de violência e de discriminação contra as pessoas LGBTI, desagregando dados por comunidade, raça, etnia, religião ou crença, estado de saúde, idade e classe ou status migratório ou econômico.
Além disso, o número de casos que foram efetivamente processados deve ser especificado, identificando o número de acusações, condenações e absolvições. Essas informações devem ser divulgadas para garantir seu acesso a toda a população em geral, garantindo o sigilo da identidade das vítimas.
II. PREVENÇÃO E PROTEÇÃO CONTRA A VIOLÊNCIA CONTRA AS PESSOAS LGBTI PRIVADAS DE LIBERDADE
A Corte recorda que os Estados têm o dever de adotar as medidas necessárias para proteger e garantir os direitos à vida e à integridade pessoal das pessoas privadas de liberdade e de se abster, em qualquer circunstância, de agir de forma que esses direitos sejam violados.
Portanto, as obrigações que o Estado deve inevitavelmente assumir em sua posição de garantidor incluem a adoção de medidas que possam favorecer a manutenção de um clima de respeito aos direitos humanos das pessoas privadas de liberdade, reduzir a superlotação e garantir que as condições mínimas de detenção sejam compatíveis com sua dignidade.
Isso implica fornecer pessoal treinado suficiente para garantir o controle, a custódia e a vigilância adequados e eficazes do centro penitenciário. Além disso, dadas as características dos centros de detenção, o Estado deve proteger os prisioneiros da violência que, na ausência de controle estatal, pode ocorrer entre eles.
Na mesma linha, os Estados têm uma obrigação reforçada de proteger os grupos vulneráveis de riscos específicos de tortura sob sua custódia. Sobre a situação particular das pessoas LGBTI privadas de liberdade, a Corte indicou que o dever do Estado de protegê-las contra situações conhecidas de discriminação e risco implica a adoção de todas as medidas disponíveis para proteger e garantir o gozo do direito à vida e à integridade pessoal das pessoas sob sua custódia.
Isto torna-se particularmente urgente quando o Estado toma consciência das situações que violam a integridade pessoal de tais pessoas. Nesse ponto, a Corte reitera que as pessoas LGBTI estão expostas de forma generalizada a diferentes formas de violência, que são exacerbadas no ambiente prisional.
Destarte, à luz das normas internacionais na área[60] e de sua própria jurisprudência[61], a Corte considera que, a fim de prevenir violações da integridade pessoal e da vida das pessoas LGBTI privadas de liberdade, os Estados têm, no mínimo, as seguintes obrigações: a) realizar um estudo de risco individualizado no momento da admissão na prisão, o qual deverá ser utilizada como base para determinar as medidas especiais de proteção necessárias; b) abster-se de impor sanções ou medidas disciplinares com base na orientação sexual ou na identidade de gênero de uma pessoa; c) treinar e sensibilizar o pessoal prisional e a população carcerária sobre os direitos das pessoas LGBTI, sobre a discriminação a que estão sujeitas e sobre o direito à igualdade e à não discriminação; d) permitir que as pessoas trans escolham o gênero dos policiais que realizam revistas corporais; e) estabelecer mecanismos para denunciar a violência contra pessoas LGBTI dentro das prisões; f) informar às pessoas LGBTI sobre seus direitos e mecanismos de reclamação disponíveis; e g) garantir o monitoramento externo e independente das prisões.
III. A OBRIGAÇÃO DE INVESTIGAR A VIOLÊNCIA CONTRA PESSOAS LGBTI PRIVADAS DE LIBERDADE
A Corte adverte que a prevenção da violência contra as pessoas LGBTI também é alcançada pela erradicação da impunidade de atos violentos.
Nessa linha, a Assembleia Geral da OEA instou os Estados a investigarem atos de violência e violações de direitos humanos contra pessoas por causa de sua orientação sexual e identidade de gênero e a assegurarem que os responsáveis enfrentem as consequências perante a justiça, garantindo o acesso à justiça para as vítimas[62].
Da mesma forma, o Princípio 29 dos Princípios de Yogyakarta estabelece que os Estados devem assegurar:
“(…) que todas as alegações de crimes cometidos com base na orientação sexual ou identidade de gênero real ou percebida da vítima, incluindo as descritas nestes Princípios, sejam rápida e minuciosamente investigadas e que, quando evidências apropriadas sejam encontradas, acusações formais são feitas contra as pessoas responsáveis, levadas a julgamento e punidas”.
Além disso, os Estados tomarão:
“(…) todas as medidas razoáveis para identificar as vítimas de tortura e tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes perpetrados por motivos relacionados à orientação sexual ou identidade de gênero e fornecerão recursos apropriados, incluindo reparação e reparações, bem como apoio médico e psicológico, quando apropriado”.
A esse respeito, a Corte reitera que o artigo 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura estabelece claramente que, quando houver uma denúncia ou uma razão fundamentada para crer que um ato de tortura foi cometido dentro de sua jurisdição, os Estados Partes garantirão que suas respectivas autoridades procederão ex officio e imediatamente conduzirão uma investigação sobre o caso e iniciarão, se for caso disso, o respectivo processo penal.
Assim, o dever de investigação previsto na Convenção Americana é reforçado pelas disposições dos artigos 1, 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, que obrigam o Estado a “tomar medidas efetivas para prevenir e punir a tortura dentro de sua jurisdição”, bem como para “prevenir e punir […] outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”.
No caso da Azul Rojas Marín e outro v. Peru, a Corte esclareceu que as normas para a investigação de violência sexual são aplicáveis independentemente do sexo, da identidade e da expressão de gênero e da orientação sexual das vítimas. E, no caso específico de violência perpetrada contra pessoas LGBTI, a Corte estabeleceu que, ao investigar atos violentos, como a tortura, as autoridades estatais têm o dever de tomar todas as medidas razoáveis para revelar se há possíveis motivos discriminatórios.
Esta obrigação implica que, quando houver indícios concretos ou suspeitas de violência motivada por motivos discriminatórios, o Estado deve fazer o que for razoável nas circunstâncias, a fim de coletar e obter provas, explorar todos os meios práticos para descobrir a verdade e tomar decisões totalmente fundamentadas, imparciais e objetivas, sem omitir evidências de violência motivada por discriminação, pois a falta de investigação por parte das autoridades de possíveis motivos discriminatórios pode, por si só, constituir uma forma de discriminação, contrária à proibição estabelecida no artigo 1.1 da Convenção.
Os Estados também devem, inter alia, criar mecanismos adequados para inspecionar as instituições, arquivar, investigar e resolver queixas e estabelecer procedimentos disciplinares ou judiciais apropriados para casos de má conduta profissional ou violação dos direitos das pessoas privadas de liberdade[63].
Consequentemente, os Estados devem garantir que a população LGBTI tenha mecanismos de denúncia de violações de direitos humanos acessíveis[64] e evitar a revitimização[65].
c) O DIREITO À SAÚDE DAS PESSOAS TRANS PRIVADAS DE LIBERDADE NO QUE DIZ RESPEITO AO INÍCIO OU CONTINUAÇÃO DE UM PROCESSO DE TRANSIÇÃO
A Corte determinou que o direito à saúde é protegido pela Convenção Americana. Ademais, com base no princípio da não discriminação, o Estado é obrigado a garantir a saúde física e mental das pessoas privadas de liberdade, notadamente através da realização de exames médicos regulares e, quando necessário, de tratamento médico especializado, de acordo com as necessidades de cuidados exigidas pelas pessoas detidas.
No contexto da assistência médica, é dever dos Estados ainda assegurar que, em nenhum tratamento ou aconselhamento médico, a orientação sexual e a identidade de gênero sejam tratadas como doenças[66].
No parecer consultivo OC-24/17, a Corte IDH já indicou que a identidade de gênero, que inclui a experiência pessoal do corpo “que poderia envolver –ou não– a modificação da aparência ou função corporal através de meios médicos e cirúrgicos ou de qualquer outra natureza, desde que livremente escolhida”, é um elemento constitutivo da identidade das pessoas, portanto, seu reconhecimento pelo Estado é de vital importância para garantir o pleno gozo dos direitos humanos das mulheres trans, incluindo o direito à saúde.[67]
Assim, para as pessoas trans, o respeito à sua identidade de gênero está intimamente relacionado ao acesso a serviços de saúde adequados. A esse respeito, a Corte destaca que os tratamentos médicos que reafirmam a identidade de gênero das pessoas trans, incluindo procedimentos cirúrgicos e tratamentos hormonais, desde que livremente escolhidos, permitem o desenvolvimento adequado da personalidade e contribuem para o bem-estar físico e emocional das pessoas trans. Acima de tudo, contribuem para a reafirmação da autopercepção da identidade de gênero.
Consequentemente, em conformidade com sua obrigação internacional de reconhecer a identidade de gênero de cada pessoa, os Estados devem garantir os tratamentos médicos necessários para que as pessoas trans adaptem sua corporalidade, incluindo sua genitalidade, à sua identidade de gênero autopercebida, na medida em que tais serviços estejam disponíveis para a comunidade.
No seguimento do que precede, a Corte IDH considerou que o tratamento médico das pessoas privadas de liberdade deve ser adequado às suas necessidades especiais. Daqui resulta que, no contexto prisional, os Estados devem proporcionar o tratamento específico exigido pelas pessoas privadas de liberdade, assegurando a continuidade dos tratamentos que iniciaram antes da prisão.
A esse respeito, a Corte observa que vários Estados membros da OEA empreenderam importantes avanços nessa área, permitindo atualmente tratamentos cirúrgicos e/ou hormonais para adaptar o corpo das pessoas à sua identidade de gênero[68].
Em suma, a Corte conclui que os Estados são obrigados a adotar disposições para garantir que as pessoas trans privadas de liberdade possam ter os cuidados médicos especializados necessários e oportunos, inclusive no que diz respeito à saúde reprodutiva, hormonal ou outra terapia, bem como para tratamentos de redesignação sexual, se desejarem.
d) VISITAS ÍNTIMAS PARA PESSOAS LGBTI PRIVADAS DE LIBERDADE
As visitas íntimas nas prisões são uma forma de garantir os direitos à formação de uma família, à vida privada e à saúde sexual[69].
O artigo 11 da Convenção Americana[70] proíbe qualquer interferência arbitrária ou abusiva na vida privada das pessoas. A vida privada inclui o modo como o indivíduo se vê e como decide projetar-se para os outros, sendo uma condição indispensável para o livre desenvolvimento da personalidade.
Ao mesmo tempo, a orientação sexual faz parte da intimidade de uma pessoa e o livre exercício da sexualidade é parte integrante da sua personalidade, por isso é protegido pelo direito à vida privada[71].
Conforme reconhecido pela Corte IDH, no Caso do Complexo Penitenciário do Curado relativo ao Brasil, as pessoas LGBTI têm direito à visitação íntima durante a privação de liberdade.
Além disso, a Corte estabeleceu consistentemente que a Convenção Americana não protege nenhum tipo específico de família[72] e que, em virtude do princípio da igualdade e da não discriminação, os Estados devem garantir o acesso a todos os conceitos já existentes nos sistemas jurídicos internos para assegurar a proteção de todos os direitos das famílias formadas por casais do mesmo sexo.
Em aplicação do princípio da igualdade e da não discriminação, a Corte reitera que as visitas íntimas devem ser garantidas às pessoas LGBTI privadas de liberdade. Assim, as disposições que proíbem as pessoas LGBTI de acessar a visitação íntima, além de perpetuarem a discriminação de fato, não buscam satisfazer qualquer interesse legítimo apoiado pela Convenção Americana. Nessa área, as regulamentações que exigem certo estado civil para sua realização podem se tornar limitações arbitrárias e discriminatórias desse direito.
Portanto, é necessário que os Estados avaliem a adequação, a necessidade e a proporcionalidade das limitações que impõem às visitas íntimas. Como critério norteador, a Corte considera que o livre exercício da sexualidade humana no contexto da privação de liberdade deve exigir, como único requisito, que se demonstre que as pessoas têm a única intenção de ter relações sexuais ou que mantêm uma relação afetiva[73].
Finalmente, para o exercício de visitas íntimas, os Estados devem garantir, pelo menos, as mesmas condições de segurança, privacidade e higiene que o resto da população carcerária.
Quando os visitantes são trans, os Estados devem garantir que as buscas e/ou buscas corporais realizadas na entrada sejam realizadas por agentes penitenciários do gênero correspondente à identidade de gênero do visitante. Se os visitantes forem pessoas intersexuais ou trans com identidades de gênero não-binárias, eles devem ser capazes de escolher o gênero do pessoal da prisão que realiza tal diligência.
4. CONCLUSÃO:
A crescente judicialização internacional da temática dos direitos humanos, notadamente nos sistemas protetivos regionais, consolidou a Corte Interamericana de Direitos Humanos no cenário americano como a principal instituição garantidora de tais direitos, que tem como principal marco jurídico a Convenção Americana de Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de São José da Costa Rica.
Conforme já destacado, a estrutura da Corte permite que esta possua dois âmbitos de competência: um contencioso e outro consultivo. Sendo o primeiro acionado diante de um caso concreto de violação de direitos humanos em face de um Estado.
Quanto à função consultiva, esta lhe permite interpretar qualquer norma da Convenção Americana, inclusive as de natureza processual, bem como qualquer disposição relativa à proteção dos direitos humanos de qualquer tratado internacional aplicável nos Estados americanos, independentemente de ser um tratado bilateral ou multilateral, ou de serem partes Estados fora do Sistema Interamericano.
Diante de tal competência, em 25 de novembro de 2019, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com base no artigo 64.1 da Convenção Americana, apresentou um pedido de Parecer Consultivo sobre “Abordagens Diferenciadas às Pessoas Privadas de Liberdade”.
Este artigo limitou-se a consulta acerca das abordagens diferenciadas aplicáveis às pessoas LGBTI privadas de liberdade. Com base nos métodos clássicos de interpretação e à luz dos documentos e normas internacionais, a Corte Interamericana de Direitos Humanos opinou no sentido de que se faz necessária a adoção de medidas ou de abordagens diferenciadas para garantir que os Estados cumpram o seu dever especial de proteger as pessoas sob a sua custódia e, em particular, para garantir o respeito ao princípio da igualdade e da não discriminação.
Isso porque, as normas e práticas que ignoram o impacto diferenciado do encarceramento sobre os grupos minoritários fazem com que os sistemas prisionais reproduzam e reforcem os padrões de discriminação e violência presentes na vida em liberdade.
Destarte, a Corte IDH entende que é uma obrigação inevitável adotar medidas que respondam a uma abordagem diferenciada que tenha em conta as condições particulares de vulnerabilidade e os fatores que podem aumentar o risco de atos de violência e discriminação no país em contextos de encarceramento, como gênero, etnia, idade, orientação sexual e identidade e expressão de gênero.
A Corte IDH afirmou ainda quais obrigações específicas têm os Estados de assegurar que as pessoas LGBTI privadas de liberdade tenham condições de detenção adequadas às suas circunstâncias particulares.
Destarte, o presente parecer reflete e concretiza a importância da competência consultiva da Corte para o fortalecimento do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, pois forneceu orientações importantes para os Estados Americanos, organizações da sociedade civil, advogados e juízes que trabalham na defesa dos direitos das pessoas privadas de liberdade.
5. REFERÊNCIAS
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__________ (CORTE IDH). Caso Juan Humberto Sánchez v. Honduras. Sentença de 7 de junho de 2003. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_102_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Lagos del Campo v. Peru. Sentença de 31 de agosto de 2017. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_366_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Loayza Tamayo c. Peru. Sentença de 17 de setembro de 1997. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_60_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso López Álvarez v. Honduras. Sentença de 1º de fevereiro de 2006. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_141_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Montero Aranguren et al. (Catia Hold) v. Venezuela. Sentença de 5 de julho de 2006 . Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_150_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Neira Alegría et al. v. Peru. Sentença de 19 de janeiro de 1995. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_29_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Pavez Pavez v. Chile. Mérito, Sentença de 4 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_449_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Poblete Vilches et al., c. Chile. Sentença de 8 de março de 2018. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_349_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Quispialaya Vilcapoma c. Peru. Sentença de 23 de novembro de 2015. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_320_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Vélez Loor v. Panamá. Sentença de 23 de novembro de 2010. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_218_esp2.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Vera Rojas et al. v. Chile. Sentença de 1º de outubro de 2021. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_439_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Caso Vicky Hernández et al. c. Honduras. Sentença de 26 de março de 2021. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_422_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Casos Comunidade Xákmok Kásek c. Paraguai. Sentença de 24 de agosto de 2010. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_214_esp.pdf.
__________ (CORTE IDH). Direitos à Liberdade Sindical, Negociação Coletiva e Greve e Sua Relação Com Outros Direitos, Numa Perspectiva de Gênero. Parecer Consultivo OC-27/21 de 5 de maio de 2021. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_27_esp1.pdf.
__________ (CORTE IDH). Direitos e Garantias de Crianças no Contexto da Migração e/ou em Necessidade de Proteção Internacional. Parecer Consultivo OC-28/21. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_21_por.pdf.
__________ (CORTE IDH). Identidade de Gênero, Igualdade e Não Discriminação a Casais do Mesmo Sexo. Parecer Consultivo OC-24/17. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf.
ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DROGAS E CRIME (UNODC), Parecer Técnico Consultivo nº 003/2013, dirigido à Direção Geral do Sistema Penitenciário do Panamá, de 26 de abril de 2013.
__________ (UNODC), Guia Introdutório para a Prevenção da Reincidência e Reintegração Social dos Infratores, 2013.
__________ (UNODC), Manual sobre Presos com Necessidades Especiais, Nova York, 22009. Disponível em: https://www.unodc.org/documents/justice-and-prison reform/MANUAL_RECLUSOS_CON_NECESIDADES_ESPECIALES_1.pdf
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA DO BRASIL, Nota Técnica nº 9/2020/DIAMGE/CGCAP/DIRPP/DEPEN/MJ, de 8 de agosto de 2021, parágrafo 52.
NAÇÕES UNIDAS, Comitê contra a Tortura, Observações finais do Comitê contra a Tortura sobre a Argentina, 24 de maio de 2017, parágrafo 35;
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), AG/RES. 2807 (XLIII-O/13) Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade e Expressão de Gênero, adotada na quarta sessão plenária, realizada em 6 de junho de 2013, resolução 4.
__________ (OEA), Assembleia Geral, Resoluções intituladas Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero adotadas em 2009 (AG/RES. 2504) e 2010 (AG/RES. 2600).
__________ (OEA), Carta da Organização dos Estados Americanos, 1967.
___________(OEA), Convenção Americana de Direitos Humanos (“Pacto de San José de Costa Rica”), 1969.
PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA. Princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero.
Relatório do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, A/HRC/29/23, para. 25, e SPT, Nono Relatório Anual, CAT/C/57/4, supra, para. 59.
Relatório do Perito Independente das Nações Unidas sobre a proteção contra a violência e a discriminação em razão da orientação sexual ou da identidade de género, Victor Madrigal-Borloz, A/HRC/41/45, 14 de maio de 2019, n.º 78.
Relatório do Relator Especial contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes, Nigel S. Rodley, A/56/156, 3 de julho de 2001.
Relatório do Relator Especial sobre tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, Juan Méndez, A/HRC/31/57,.
TEDH, Processo Alexandru Enache c. Roménia, n.º 16986/12. Sentença de 3 de outubro de 2017.
UNITED NATIONS. Report of the International Conference on Population and Development, Cairo, 5-13 September 1994. New York: United Nations, 1994. (Publication E.95.XIII.18).
[1]Artigo 64. – 1. Os Estados-Membros da Organização poderão consultar a Corte sobre a interpretação desta Convenção ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. Também poderão consultá-la, no que lhes compete, os órgãos enumerados no capítulo X da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires.
[2] Artigo 62 – 1. Todo Estado Parte pode, no momento do depósito do seu instrumento de ratificação desta Convenção ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior, declarar que reconhece como obrigatória, de pleno direito e sem convenção especial, a competência da Corte em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação desta Convenção.
[3] Artigo 64 – 1. Os Estados membros da Organização poderão consultar a Corte sobre a interpretação desta Convenção ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. Também poderão consultá-la, no que lhes compete, os órgãos enumerados no capítulo X da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires. 2. A Corte, a pedido de um Estado membro da Organização, poderá emitir pareceres sobre a compatibilidade entre qualquer de suas leis internas e os mencionados instrumentos internacionais.
[4] Artigo 55 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Parecer Consultivo OC-20/09 de 29 de setembro de 2009. Parecer Consultivo OC-28/21 de 7 de junho de 2021.
[5] Parecer consultivo OC-1/82 de 24 de setembro de 1982. Parecer Consultivo OC-27/21 de 5 de maio de 2021.
[6] Artigo 70. Interpretação da Convenção – 1. As solicitações de parecer consultivo previstas no artigo 64.1 da Convenção deverão formular com precisão as perguntas específicas em relação às quais pretende-se obter o parecer da Corte. 2. As solicitações de parecer consultivo apresentadas por um Estado membro ou pela Comissão deverão indicar, adicionalmente, as disposições cuja interpretação é solicitada, as considerações que dão origem à consulta e o nome e endereço do Agente ou dos Delegados. 3. Se o pedido de parecer consultivo é de outro órgão da OEA diferente da Comissão, deverá precisar, além do indicado no inciso anterior, de que maneira a consulta se refere à sua esfera de competência.
[7] Artigo 71. Interpretação de outros tratados – 1. Se a solicitação se referir à interpretação de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos, tal como previsto no artigo 64.1 da Convenção, deverá identificar o tratado e suas respectivas partes, formular as perguntas específicas em relação às quais é solicitado o parecer da Corte e incluir as considerações que dão origem à consulta. 2. Se a solicitação emanar de um dos órgãos da OEA, deverá indicar a razão pela qual a consulta se refere à sua esfera de competência.
[8] Artigo 53 – A Organização dos Estados Americanos realiza os seus fins por intermédio: a) Da Assembleia Geral; b) Da Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores; c) Dos Conselhos; d) Da Comissão Jurídica Interamericana; e) Da Comissão Interamericana de Direitos Humanos; f) Da Secretária-geral; g) Das Conferências Especializadas; e h) Dos Organismos Especializados.
[9] Artigo 106 – Haverá uma Comissão Interamericana de Direitos Humanos que terá por principal função promover o respeito e a defesa dos direitos humanos e servir como órgão consultivo da Organização em tal matéria. Uma convenção interamericana sobre direitos humanos estabelecerá a estrutura, a competência e as normas de funcionamento da referida Comissão, bem como as dos outros órgãos encarregados de tal matéria.
[10] Carta da Organização dos Estados Americanos, artigo 106.
[11] Artigo 1. Obrigação de respeitar os direitos – 1. Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
Artigo 4. Direito à vida – 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.
Artigo 5. Direito à integridade pessoal – 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. 3. A pena não pode passar da pessoa do delinquente. 4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, e ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas. 5. Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento. 6. As penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados.
Artigo 11. Proteção da honra e da dignidade – (…) 2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.
Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão – 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideais de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar: a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões. 4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2. 5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.
Artigo 17. Proteção da família – 1. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado.
Artigo 24. Igualdade perante a lei – Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei.
[12] Caso Loayza Tamayo c. Peru. Sentença de 17 de setembro de 1997. Caso de Bedoya Lima et al. v. Colômbia. Sentença de 26 de agosto de 2021.
[13] Artigo 5. Direito à integridade pessoal – 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.
[14] Caso Neira Alegría et al. v. Peru. Sentença de 19 de janeiro de 1995. Caso dos Irmãos Gomez Paquiyauri v. Peru. Sentença de 8 de julho de 2004. Caso Juan Humberto Sánchez v. Honduras. Sentença de 7 de junho de 2003. Caso “Instituto para a Reeducação de Menores” v. Paraguai. Sentença de 2 de setembro de 2004. Caso López Álvarez v. Honduras. Sentença de 1º de fevereiro de 2006. Caso Montero Aranguren et al. (Catia Hold) v. Venezuela. Sentença de 5 de julho de 2006. Caso Vélez Loor v. Panamá. Sentença de 23 de novembro de 2010.
[15] De acordo com um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), 92% dos detidos são jovens que não concluíram o ensino médio e são, em sua maioria, privados de liberdade por crimes de roubo e homicídio. Além disso, “na última década, a população feminina encarcerada aumentou 52%, mais do que o dobro do que a população total encarcerada cresceu”. As sub-regiões onde se observou maior aumento são o Caribe (85%) e o Cone Sul (63%). Cf. Banco Interamericano de Desenvolvimento, Inside the Prisons of Latin America and the Caribbean: A Look at the Other Side of the Bars, Estados Unidos da América, 2019, p. 13, disponível em: https://publications.iadb.org/es/dentro-de-las-prisiones-de-america-latina-y-el-caribe-una-primera-mirada-al-otro-lado-de-the-bars.
[16] Pontifícia Universidade Javeriana, Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) na Colômbia e Centro de Investigação e Docência Econômicas (CIDE), Mulheres e prisões na Colômbia. Desafios para a política criminal a partir de uma perspectiva de gênero, Bogotá, D.C., Colômbia, dezembro de 2018, p. 45.
[17] Parecer Consultivo OC-28/21, supra, n.º 46.
[18] O Comitê de Direitos Humanos em seu Comentário Geral nº 21 considerou que: “Cuidar de todas as pessoas privadas de liberdade com humanidade e respeito por sua dignidade é uma norma fundamental de aplicação universal. Portanto, tal regra, no mínimo, não pode depender dos recursos materiais disponíveis no Estado Parte. Esta regra deve aplicar-se sem distinção de qualquer género, como raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social; patrimônio, nascimento ou qualquer outra condição”. Comitê de Direitos Humanos, Comentário Geral Nº 21, 44ª Sessão, ONU Doc. HRI/GEN/1/Rev.7 em 176, 1992.
[19] Comitê de Direitos Humanos. Albert Womah Mukong v. Camarões, Comunicação No. 458/1991, ONU Doc. CCPR/C/51/D/458/1991 (1994), parágrafo 9.3.
[20] Artigo 5. Direito à integridade pessoal – 6. As penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados.
[21] Artigo 10 – 1. Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana. 2. a) As pessoas processadas deverão ser separadas, salvo em circunstâncias excepcionais, das pessoas condenadas e receber tratamento distinto, condizente com sua condição de pessoa não-condenada. b) As pessoas processadas, jovens, deverão ser separadas das adultas e julgadas o mais rápido possível. 3. O regime penitenciário consistirá num tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e a reabilitação moral dos prisioneiros. Os delinquentes juvenis deverão ser separados dos adultos e receber tratamento condizente com sua idade e condição jurídica.
[22] Caso do Complexo Penitenciário do Curado relativo ao Brasil. Medidas provisórias. Despacho da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 28 de novembro de 2018, considerando 88. Da mesma forma, as Regras Nelson Mandela preveem na Regra 91: “O tratamento das pessoas condenadas a uma pena ou medida de privação de liberdade deve ter por objetivo, na medida em que a duração da pena o permita, inculcar nelas a vontade de viver de acordo com a lei e manter-se com o produto do seu trabalho e criar nelas a capacidade de o fazer. Esse tratamento destina-se a promover o autorrespeito e a desenvolver o seu sentido de responsabilidade.”
[23] UNODC, Guia Introdutório para a Prevenção da Reincidência e Reintegração Social dos Infratores, 2013.
[24] Caso Chinchilla Sandoval et al. v. Guatemala. Sentença de 29 de fevereiro de 2016.
[25] Caso Castillo Páez c. Peru. Sentença de 3 de novembro de 1997. Caso Lagos del Campo v. Peru. Sentença de 31 de agosto de 2017.
[26] Artigo 1. Obrigação de respeitar os direitos – 1. Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
[27] Casos Comunidade Xákmok Kásek c. Paraguai. Sentença de 24 de agosto de 2010.
[28] Cf. Caso Furlan e Parentes v. Argentina. Sentença de 31 de agosto de 2012.
[29] Parecer Consultivo OC-18/03. Caso Poblete Vilches et al., c. Chile. Sentença de 8 de março de 2018.
[30] Caso Guachalá Chimbo et al. v. Equador. Sentença de 26 de março de 2021. Caso Vera Rojas et al. v. Chile. Sentença de 1º de outubro de 2021.
[31] Caso Atala Riffo e Girls v. Chile. Sentença de 24 de fevereiro de 2012. Parecer Consultivo OC-24/17.
[32] Parecer Consultivo OC-24/17. Caso Vicky Hernández et al. c. Honduras. Sentença de 26 de março de 2021.
[33] A exemplo da decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no processo Alexandru Enache c. A Roménia, em que foi alegada uma diferença de tratamento discriminatória estabelecida na legislação, uma vez que se permitia a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão apenas a mães condenadas de crianças com menos de um ano de idade. O Tribunal concluiu que não tinha havido violação das normas do Tratado. Em especial, considerou que o tratamento diferenciado destinado a situações pessoais específicas, como as das mulheres grávidas, das mulheres no pós-parto e das lactentes detidas, não deve ser considerado discriminatório. TEDH, Processo Alexandru Enache c. Roménia, n.º 16986/12. Sentença de 3 de outubro de 2017.
[34] Princípio 5 – l. Os presentes princípios aplicam-se a todas as pessoas que se encontram no território de um determinado Estado, sem discriminação alguma, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, língua, religião ou convicções religiosas, opiniões políticas ou outras, origem nacional, étnica ou social, fortuna, nascimento ou de qualquer outra situação. 2. As medidas aplicadas ao abrigo da lei e exclusivamente destinadas a proteger os direitos e a condição especial da mulher, especialmente da mulher grávida e da mãe com crianças de tenra idade, das crianças, dos adolescentes e idosos, doentes ou deficientes, não são consideradas medidas discriminatórias. A necessidade de tais medidas, bem como a sua aplicação, poderá sempre ser objeto de reapreciação por parte de uma autoridade judiciária ou outra autoridade.
[35] A este respeito, embora a intersexualidade não constitua uma orientação sexual ou uma identidade de gênero, quando a anatomia sexual da pessoa não está fisicamente em conformidade com as normas culturalmente definidas para o corpo feminino ou masculino, as pessoas intersexuais podem ser expostas a condições de discriminação e violência na prisão, com especial relevância no que diz respeito à sua localização dentro das prisões.
[36] Refere-se à atração emocional, afetiva e sexual por pessoas de um gênero diferente ou do mesmo sexo, ou de mais de um gênero, bem como a relações íntimas e/ou sexuais com essas pessoas. A orientação sexual é um conceito amplo que cria espaço para a autoidentificação. Além disso, a orientação sexual pode variar ao longo do tempo, incluindo atração exclusiva e não exclusiva pelo mesmo sexo ou pelo sexo oposto. Todas as pessoas têm uma orientação sexual, que é inerente à identidade da pessoa. Cf. Parecer Consultivo OC-24/17, supra.
[37] Refere-se à experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo a experiência pessoal do corpo (que pode ou não envolver a modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgico ou não, desde que seja livremente escolhido) e outras expressões de gênero, incluindo vestimenta, modo de fala e maneiras. A identidade de gênero é um conceito amplo que cria espaço para a autoidentificação, e que se refere à experiência de uma pessoa de seu próprio gênero. Assim, a identidade de gênero e sua expressão também assumem muitas formas, algumas pessoas não se identificam como nem masculinas nem femininas, ou se identificam como ambas. Cf. Parecer Consultivo OC-24/17, supra.
[38] Entende-se como a manifestação externa do gênero de uma pessoa, através da sua aparência física, que pode incluir a forma de vestir, o penteado ou a utilização de artigos cosméticos, ou através de maneirismos, do modo de falar, de padrões de comportamento pessoal, de comportamento ou de interação social, de nomes ou referências pessoais, entre outros. A expressão de gênero de uma pessoa pode ou não corresponder à sua identidade de gênero autopercebida. Cf. Parecer Consultivo OC-24/17, supra.
[39] Artigo 1. Obrigação de respeitar os direitos – 1. Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
[40] Caso Atala Riffo e Girls v. Chile, supra. Caso Pavez Pavez v. Chile. Mérito, Sentença de 4 de fevereiro de 2022.
[41] Caso Vicky Hernández et al. v. Honduras, supra.
[42] Caso Azul Rojas Marín e outro v. PeruSentença de 12 de março de 2020. Caso Vicky Hernández et al. v. Honduras, supra.
[43] CIDH. Violência contra Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais nas Américas, OEA/Ser.L/V/II.rev.2 Doc. 36, 12 de novembro de 2015, paras. 102 e 103.
[44] Relatório do Relator Especial sobre tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, Juan Méndez, A/HRC/31/57, parágrafo 15.
[45] A este respeito, o Comitê das Nações Unidas contra a Tortura manifestou a sua preocupação com os abusos sexuais e físicos perpetrados pela polícia e pelo pessoal prisional contra as pessoas LGBTI em alguns países da região. Cf. Nações Unidas, Comitê contra a Tortura, Observações finais do Comitê contra a Tortura sobre a Argentina, 24 de maio de 2017, parágrafo 35; Colômbia, CAT/C/COL/CO/5, 29 de maio de 2015, parágrafo 27; Costa Rica, CAT/C/ARG/CO/5-6, 7 de julho de 2008, CAT/C/CRI/CO/2, parágrafo 11; Equador, CAT/C/ECU/CO/3, de 8 de Fevereiro de 2006, n. 17; Estados Unidos da América, CAT/C/USA/CO/2, de 25 de julho de 2006, n.º 37, e CAT/C/EUA/CO/3-5, de 19 de dezembro de 2014, n.º 21; Paraguai CAT/C/PRY/CO/4-6, 14 de dezembro de 2011, parágrafo 19; e Peru, CAT/C/PER/CO/5-6, 21 de janeiro de 2013, parágrafo 22.
[46] APT. Rumo à Proteção Efetiva das Pessoas LGBTI Privadas de Liberdade: Guia de Monitoramento 2019, supra, para. 63.
[47] Cf. Relatório do Relator Especial contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes, Nigel S. Rodley, A/56/156, 3 de julho de 2001, p. 23, e Associação para a Prevenção da Tortura (APT). Rumo à Proteção Efetiva das Pessoas LGBTI Privadas de Liberdade: Guia de Monitoramento 2019, supra, p. 64.
[48] O Relator Especial das Nações Unidas contra a tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes “recebeu informações de que membros de minorias sexuais foram vítimas na prisão de atos de grande violência, incluindo agressão sexual e estupro, perpetrados por outros prisioneiros e, às vezes, por guardas prisionais”. Relatório do Relator Especial contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes, Nigel S. Rodley, A/56/156, supra, parágrafo 23.
[49] Cf. SPT, Nono Relatório Anual, CAT C/57/4, supra, n.º 64.
[50] A cisnormatividade é a ideia ou a expectativa de que todas as pessoas são cisgêneros, e que as pessoas que receberam sexo masculino no nascimento sempre crescem para ser do sexo masculino e aquelas que foram designadas sexo ou mulher no nascimento sempre crescem para ser do sexo feminino. Cf. Parecer Consultivo OC-24/17, supra, n.º 32.g; CIDH, Violência contra Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais nas Américas, supra, parágrafo 32, e Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Relatoria sobre Direitos LGTBI. Básico. Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/multimedia/2015/violencia-lgbti/terminologia-lgbti.html
[51] Cf. Caso do Complexo Penitenciário do Curado relativo ao Brasil. Medidas provisórias. Despacho da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 15 de novembro de 2017, Considerandos 102 e 103, citando o UNODC, Manual sobre Presos com Necessidades Especiais, supra, p. 116.
[52] SPT, Nono Relatório Anual, CAT C/57/4, supra, n.º 76.
[53] Os Princípios de Yogyakarta referem-se explicitamente às orientações que os Estados devem seguir ao determinarem o local de alojamento das pessoas privadas de liberdade, respeitando simultaneamente a sua identidade de género. Especificamente, o princípio 9 prevê que os Estados “assegurarão que a detenção evite uma maior marginalização das pessoas com base em sua orientação sexual ou identidade de gênero ou as exponha ao risco de violência, maus-tratos ou abuso físico, mental ou sexual” e “deverá, na medida do possível, todas as pessoas privadas de liberdade participam nas decisões relativas ao local de detenção adequado à sua orientação sexual e identidade de género.” Princípios de Yogyakarta, supra, princípios 9 (A) e 9 (B).
[54] Artigo 5. Direito à integridade pessoal – 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.
[55] A esse respeito, a Comissão Interamericana constatou que a maioria dos Estados membros da OEA não coleta dados sobre a violência contra as pessoas LGBTI. Cf. CIDH. Registro de Violência contra Pessoas LGBTI. Disponível em: http://www.oas.org/es/cidh/multimedia/2015/violencia-LGBTI/registro-violencia-LGBTI.html.
[56] A este respeito, o ACNUDH e o SPT observaram que “as estatísticas oficiais tendem a subestimar o número de incidentes e, além disso, a categorização imprecisa ou tendenciosa dos casos leva a erros de identificação, encobrimento e registros incompletos”. Cf. Discriminação e violência contra pessoas com base na orientação sexual e identidade de gênero, Relatório do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, A/HRC/29/23, para. 25, e SPT, Nono Relatório Anual, CAT/C/57/4, supra, para. 59.
[57] Caso Azul Rojas Marín et al. v. Peru, supra. Caso Vicky Hernández et al. v. Honduras, supra.
[58] OEA, AG/RES. 2807 (XLIII-O/13) Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade e Expressão de Gênero, adotada na quarta sessão plenária, realizada em 6 de junho de 2013, resolução 4.
[59] Relatório do Perito Independente das Nações Unidas sobre a proteção contra a violência e a discriminação em razão da orientação sexual ou da identidade de género, Victor Madrigal-Borloz, A/HRC/41/45, 14 de maio de 2019, n.º 78.
[60] inter alia, CIDH, Princípios e Boas Práticas, supra, Princípio XXIII; Regras de Nelson Mandela, supra, Regra 76; Regras de Bangkok, supra, Regras 31, 33 e 38; Princípios de Yogyakarta, supra, princípios 9.D, 9.H, 9.G, 10.A e 10C; Código de Conduta para Agentes de Aplicação da Lei, supra, artigos 3-5; UNODC, Manual sobre Presos com Necessidades Especiais, supra, p. 122; SPT, Nono Relatório Anual, CAT/C/57/4, supra, parágrafo 76, e Relatório do Relator Especial sobre tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, Juan Méndez, A/HRC/31/57, supra, para. 70.
[61] Cf. Caso Azul Rojas Marín e outro v. Peru, supra, Caso Vicky Hernández et al. v. Honduras, supra.
[62] OEA, Assembleia Geral, Resoluções intituladas Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero adotadas em 2009 (AG/RES. 2504) e 2010 (AG/RES. 2600).
[63] Caso de Chinchilla Sandoval et al. v. Guatemala, supra.
[64] Caso Quispialaya Vilcapoma c. Peru. Sentença de 23 de novembro de 2015. Caso Azul Rojas Marín et al. v. Peru, supra.
[65] Cf. Relatório do Relator Especial sobre tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, Juan Méndez, A/HRC/31/57, supra, para. 70.
[66] Cf. Princípios de Yogyakarta, supra, Princípio 18. SPT. Nono Relatório Anual, CAT/C/57/4, supra, para. 81.
[67] Cf. Parecer Consultivo OC-24/17, supra, n.º 98.
[68] Cf., Congreso de la Nación Argentina. Lei 26.743 Identidade de Gênero, artigo 11; Tribunal Constitucional da Colômbia, Acórdãos T-918, T-876 de 2012 e T-771 de 2013; Ministério da Saúde do Peru, Norma Técnica de Saúde para Atenção Integral à População Trans Feminina (NTS No. 126-MINSA/2016/DGIESP); Ministério da Justiça e Paz da Costa Rica, Diretrizes para o cuidado de pessoas com diversas orientações sexuais, expressão ou identidade de gênero, atribuídas a qualquer um dos Níveis do Sistema Penitenciário da Costa Rica de 2018, paras. 33 e 35, e Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil, Nota Técnica nº 9/2020/DIAMGE/CGCAP/DIRPP/DEPEN/MJ, de 8 de agosto de 2021, parágrafo 52.
[69] De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a saúde sexual é “um estado de bem-estar físico, emocional, mental e social relacionado à sexualidade; Não é meramente a ausência de doença, disfunção ou fraqueza. A saúde sexual requer uma abordagem positiva e respeitosa da sexualidade e das relações sexuais, bem como a possibilidade de obter prazer e experiências sexuais seguras, livres de coerção, discriminação e violência“. Cf. QUEM. Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento de 1994.Disponível em: htps://www.un.org/en/development/desa/population/publications/ICPD_programme_of_action_es.pdf. Para o UNODC, “o exercício da sexualidade deve ser incluído como parte do direito à saúde, considerando que a sexualidade responde ao desenvolvimento integral do ser humano“. Cf. Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), Parecer Técnico Consultivo nº 003/2013, dirigido à Direção Geral do Sistema Penitenciário do Panamá, de 26 de abril de 2013, p. 9.
[70] Artigo 11. Proteção da honra e da dignidade – 1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade. 2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação. 3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contratais ingerências ou tais ofensas.
[71] Caso Atala Riffo e Girls v. Chile, supra. Parecer Consultivo OC-24/17, supra.
[72] Caso Atala Riffo e Girls v. Chile, supra. Parecer Consultivo OC-24/17, supra.
[73] A legislação uruguaia foi assim expressa. Assim, o artigo 74 da Resolução 119/08 da Direção Nacional de Prisões do Uruguai estabelece o seguinte: “Serão permitidas visitas íntimas entre pessoas que não tenham outra intenção senão manter relações sexuais”.
1Graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco,
Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes