REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10994215
Aab Benaia Sami Nunes Veríssimo de Oliveira1
RESUMO
Entendendo que a Constituição se configura como sistemas de normas jurídicas, escritas ou consuetudinárias, passam a ser definidas como a particular forma de um Estado, das quais se agrupam quanto a sua eficácia e aplicabilidade, dos quais podem ser mencionados de eficácia plena, de eficácia contida, de eficácia limitada de princípio institutivo e de princípio pragmático –, e de eficácia absoluta. Mas a problemática tem relação direta com as incertezas terminológicas, em face de sua diversidade de palavras usadas pelos juristas para aludir a existência do Direito, onde coube ao sociologismo jurídico reduzir o problema da vigência ao da eficácia. Assim, a partir de uma pesquisa bibliográfica, este artigo discute, brevemente, a relação entre a eficácia das normas constitucionais e a reserva do possível, analisando criticamente os desafios que surgem quando os direitos fundamentais entram em conflito com as limitações orçamentárias do Estado.
Palavras-chave: Ordenamento jurídico. Constituição. Lei, Princípios e Normas. Reserva do possível.
1 INTRODUÇÃO
A complexidade do ordenamento jurídico de uma nação encontra sua expressão máxima na Constituição, uma carta magna que delineia os fundamentos, princípios e direitos fundamentais que regem a sociedade. A eficácia das normas constitucionais, entretanto, transcende a mera promulgação e exige uma análise aprofundada das relações entre os preceitos consagrados no texto constitucional e a realidade social, econômica e política do país (Bobbio, 2004; Amaral, 2012).
As normas constitucionais, ao se erigirem como pilares fundamentais do sistema jurídico, conferem direitos e estabelecem deveres, moldando a convivência coletiva e norteando as ações do Estado (Bobbio, 20024). Contudo, a mera existência de dispositivos normativos não garante, automaticamente, sua eficácia implementada na prática. Este desafio se torna evidente quando a teoria encontra a realidade, e os ideais constitucionais se compõe com as complexidades da administração pública, as limitações orçamentárias e as variáveis políticas (Barroso, 2012).
O ordenamento jurídico de um país é estruturado a partir de uma Constituição, que é a lei fundamental que estabelece os princípios e normas para a organização do Estado. No entanto, a eficácia das normas constitucionais nem sempre é garantida, especialmente quando se depara com a chamada “reserva do possível” (Fonseca, 2016).
A presente análise propõe uma reflexão crítica sobre a eficácia das normas constitucionais, destacando um elemento crucial nesse debate: a “reserva do possível”, que surge como uma barreira que, muitas vezes, separa as promessas constitucionais da efetivação concreta de direitos fundamentais, com a proposta de explorar não apenas das características e classificações das normas constitucionais, mas também da dinâmica que envolve a consagração desses direitos e das limitações enfrentadas pelo Estado, especialmente no contexto da alocação de recursos.
Ao examinarmos a interação entre a eficácia das normas constitucionais e a reserva do possível, mergulhamos em um debate crucial sobre o papel do Estado na promoção do bemestar social, a capacidade do sistema jurídico em garantir os direitos fundamentais e os desafios enfrentados pelo Poder Judiciário ao buscar o equilíbrio entre a proteção dos direitos individuais e a realidade financeira do Estado.
Neste contexto, a análise crítica proposta não se limita à identificação de obstáculos, mas busca, também, delinear perspectivas futuras, visando responder como a sociedade pode superar essas barreiras? Como os diferentes poderes constituídos podem colaborar para a efetivação dos direitos consagrados na Constituição?
Essas perguntas norteiam a investigação que se segue, promovendo uma reflexão profunda sobre a eficácia das normas constitucionais e seu impacto nas estruturas sociais e políticas de um país.
Assim, o objetivo do artigo, consiste em discutir, brevemente, a relação entre a eficácia das normas constitucionais e a reserva do possível, analisando criticamente os desafios que surgem quando os direitos fundamentais entram em conflito com as limitações orçamentárias do Estado.
2 FUNDAMENTOS DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS: ALICERCES DO ORDENAMENTO JURÍDICO
As normas constitucionais são a espinha dorsal de qualquer sistema jurídico, fornecendo os avisos sobre os quais se assentam todas as demais leis. Elas conferem direitos fundamentais aos cidadãos, delineiam a estrutura e competências dos órgãos estatais e estabelecem os valores fundamentais da sociedade. Contudo, a mera previsão de direitos no texto constitucional não garante sua efetiva aplicação na prática (Krell, 2022; Bobbio, 2004).
É possível inferir, então, que as normas constitucionais representam o alicerce do ordenamento jurídico de uma nação, sendo consideradas a expressão máxima da vontade política e social de uma sociedade em um determinado momento histórico. São elas que delineiam os fundamentos, os valores e os princípios que regem a convivência coletiva, estabelecendo as bases para a organização do Estado e conferindo direitos e deveres aos cidadãos (Bobbio, 2004; Bonavides, 2016).
O entendimento é, portanto, que o coração das normas constitucionais reside na consagração dos direitos fundamentais. Esses direitos, muitas vezes denominados como direitos humanos, são inalienáveis e universais, buscando garantir a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a igualdade e a justiça (Krell, 2002). Ao reconhecê-los e informá-los, a Constituição assume um papel essencial na construção de uma sociedade justa e equitativa (Perez, 2006).
Além dos direitos fundamentais, as normas constitucionais organizam o Estado, distribuindo competências entre os entes federativos e delineando as funções dos diferentes poderes. Essa estruturação visa equilibrar o exercício do poder, prevenindo abusos e promovendo a harmonia entre os órgãos estatais. A separação dos poderes, princípio fundamental, visa garantir a autonomia e a independência de cada esfera governamental (Mendes; Coelho; Branco, 2022).
Não diferente, os valores e princípios consagrados na Constituição refletem a ética e a moral da sociedade. A justiça, a solidariedade, a democracia e a cidadania são alguns dos valores que orientam a interpretação e aplicação das normas constitucionais (Krell, 2002). Esses princípios não apenas norteiam a atuação do Estado, mas também servem como balizas para a elaboração de leis e para a atuação dos cidadãos (Sarmento, 2008).
Importante mencionar que parte das normas constitucionais possui eficácia direta e imediata, ou seja, podem ser aplicadas sem a necessidade de regulamentação infraconstitucional. Essa característica confere uma força normativa significativa às disposições constitucionais, permitindo que os cidadãos exijam a observância de seus direitos perante o Poder Público, independentemente de normas complementares (Silva, 2022).
Apesar da importância e solenidade das normas constitucionais, como desafios, a efetivação dos direitos nelas consagrados não é automática. Desafios como a falta de instrumentos legais específicos, a ineficiência na aplicação das normas, e a resistência à mudança cultural representam barreiras a serem superadas para que as promessas constitucionais se concretizem na vida cotidiana dos cidadãos.
Esta complexa rede de elementos que compõem os fundamentos das normas constitucionais delineia a estrutura básica do sistema jurídico, influenciando diretamente a interpretação e aplicação do direito no contexto social, político e econômico de um país.
3 CLASSIFICAÇÃO DA EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS: MATIZES NA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS
A classificação da eficácia das normas constitucionais é um elemento crucial para compreender como essas normas se manifestam e são aplicadas no contexto jurídico. A distinção entre normas autoaplicáveis e de eficácia limitada é essencial para entender os desafios que surgem na concretização dos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição (Bobbio, 2004; Barroso, 2012; Bonavides, 2016).
As normas constitucionais podem ser definidas quanto à sua eficácia em diferentes graus. Há aquelas autoaplicáveis, que independem de normatização infraconstitucional para sua efetivação, e as normas de eficácia limitada, que dependem da intervenção do legislador ordinário para sua concretização. Importante mencionar que este último grupo muitas vezes barra as limitações da reserva do possível.
3.1 Normas Autoaplicáveis
As normas autoaplicáveis são aquelas que, por sua clareza e precisão, dispensam a intervenção do legislador ordinário para sua eficácia. Elas são imediatamente aplicáveis e exigíveis perante os poderes públicos e, em alguns casos, entre particulares (Bobbio, 2004; Torres, 2004; Sarlet; Timm, 2008).
Essa categoria de normas, muitas vezes relacionada aos direitos fundamentais expressos de maneira objetiva, oferece aos cidadãos uma ferramenta direta para exigir o cumprimento de seus direitos sem a necessidade de regulamentação adicional.
3.2 Normas de Eficácia Limitada
Por outro lado, as normas de eficácia limitada dependem da intervenção do legislador ordinário para a sua aplicação plena. São disposições constitucionais que carecem de regulamentação específica para se tornarem operantes (Bobbio, 2004). Essa dependência do legislador pode resultar em demoras e obstáculos na efetivação da prática dessas normas, especialmente quando a agenda legislativa está esgotada ou quando há falta de consenso político.
Importante mencionar que os desafios associados às normas de eficácia limitada são evidentes na medida em que a morosidade legislativa pode postergar a efetivação dos direitos fundamentais (Torres, 2004). Questões políticas, ideológicas e pressões sociais muitas vezes influenciam o processo de regulamentação, impactando diretamente a capacidade de implementação, de maneira célere, como disposições constitucionais de eficácia limitada. Isso pode criar lacunas na proteção de direitos, gerando um descompasso entre a norma constitucional e sua aplicação prática (Silva, 2022).
3.3 Hermenêutica Constitucional e Adaptação às Mudanças Sociais
A hermenêutica constitucional desempenha um papel crucial na interpretação das normas, especialmente aquelas de eficácia limitada. A adaptação constante das interpretações à dinâmica social, cultural e tecnológica é necessária para garantir que a Constituição continue a ser um instrumento eficaz na proteção dos direitos fundamentais. A interpretação evolutiva permite que a Constituição se mantenha relevante ao longo do tempo, adaptando-se às transformações da sociedade (Sarmento, 2008; Grinover, 2011).
Em suma, a classificação da eficácia das normas constitucionais é um elemento fundamental para compreender como os direitos são garantidos e aplicados no contexto legal (Grinover, 2011). Enquanto as normas autoaplicáveis oferecem uma via mais direta para a proteção de direitos, as normas de eficácia limitada exigem uma atuação mais ampla do sistema jurídico e político, apresentando desafios que refletem não apenas questões legais, mas também políticas e sociais (Bobbio, 2004; Torres, 2004; Sarlet; Timm, 2008).
4 RESERVA DO POSSÍVEL: LIMITAÇÃO ORÇAMENTÁRIA E CONFLITO DE DIREITOS
A reserva do possível é um conceito que permite a limitação da limitação dos recursos do Estado, especialmente no âmbito financeiro, para implementar todas as exigências sociais previstas na Constituição (Jacob, 2011). Nesse contexto, surgem dilemas éticos e jurídicos quando direitos fundamentais, como saúde, educação e moradia, entram em conflito com a capacidade financeira do Estado em atendê-los integralmente.
4.1 Origens e Justificativas da Reserva do Possível
A “reserva do possível” surge como um princípio complexo e multifacetado no contexto jurídico, representando um desafio significativo na efetivação dos direitos fundamentais consagrados na Constituição. Este princípio limita as limitações econômicas e financeiras do Estado, enfatizando que a concretização de certos direitos está condicionada à disponibilidade de recursos (Fonseca, 2016). Entretanto, essa abordagem pragmática coloca em evidência dilemas éticos e morais quando confrontada com a imperatividade dos direitos fundamentais.
Surgida na década de 70, na Alemanha, a construção teórica da reserva do possível trabalha com o fato de que a efetividade dos direitos sociais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do Estado, especialmente quando se tratarem de direitos fundamentais dependentes de atuação positiva.
Considerando essa assertiva, para Ingo Wolfgang Sarlet e Luciano Benetti Timm (2008, p. 29), a concretização dos direitos sociais estaria relacionada à:
Disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado, disponibilidade esta que estaria localizada no campo da discricionariedade das decisões governamentais e parlamentares, sintetizadas no orçamento público.
O que de certa forma, no caso brasileiro tem causado restrições fáticas, porque como um direito social, o Estado, em muitos casos, se vê impossibilitado de efetivar, em detrimento não somente das limitações decorrentes da escassez de recursos para implementação de direitos prestacionais, mas, principalmente, pelo número elevado de cidadãos interessados (Sarlet, 2008).
Obviamente, a pretensão da reserva do possível no atendimento dos direitos fundamentais sociais perpassa pelos limites da razoabilidade, e do que dispõe os limites orçamentários do Estado, quando o indivíduo social deve esperar da sociedade o que for possível e de maneira racional, que de certa forma inviabilizaria as providências judiciais requeridas para que o Estado atuasse acima de um patamar que não fosse logicamente razoável de exigências sociais (Krell, 2002).
Observa-se, contudo, um impasse entre a limitação orçamentária e a questão em torno de se fazer o Estado cumprir as garantias fundamentais sociais dispostas na Carta Magna vigente, quando passa a compreender que a possível solução doutrinaria está no conceito de mínimo existencial como sendo o núcleo dos direitos sociais, o que tornaria impossível a aplicabilidade da cláusula da “Reserva do Possível” de forma a não conceder o mínimo existencial.
Os entes políticos asseguram a impossibilidade de cumprir todas as obrigações impostas pelo ordenamento jurídico, da qual se vale da reserva do possível para argumentar a impossibilidade de atender o disposto na Constituição Federal vigente, em face dos direitos fundamentais sociais, descumprindo vergonhosamente.
Assevera Gustavo Amaral (2012, p. 146-147), que em tais hipóteses em face da alegação da reserva do possível, pelo Estado, em uma análise superficial, pode:
[…] parecer cruel e desumana, mas, de forma concreta a ineficiência de gerir os recursos financeiros públicos, principalmente na área de saúde, alimentação, educação, moradia e outros, a inoperância do ente político em traçar políticas públicas que são efetivas elevam os custos e, dessa forma, torna inoperante a efetividade dos direitos fundamentais sociais.
Sob outra vertente, além dos custos financeiros serem elevados, causados pela ingerência do Estado, pode-se inferir que não há pessoas especializadas para lidar com as necessidades demandadas pela sociedade como um todo. Por isso, que estudiosos como Daniel Antônio de Moraes Sarmento (2008, p. 557), afirmou que:
A teoria da reserva do possível é plenamente aplicável à realidade brasileira, sobretudo diante do reconhecimento da insuficiência de recursos financeiros e das diversas maneiras de realização dos direitos sociais, bem como em virtude do princípio democrático e o da separação de poderes.
Mesmo na hipótese de existência de divergências quanto à questão do Estado não “poder” arcar com a efetividade dos direitos fundamentais sociais instituídos, observa-se que doutrina e jurisprudência admitem a aplicação da teoria da reserva do possível no Brasil, constituindo-se, portanto, em um paradoxo.
Sob essa questão, Andreas Joachim Krell (2002, p. 17-18), salientou que:
Constitui um paradoxo o fato de estar o Brasil entre os dez países com a maior economia do mundo, ter uma Constituição que protege os direitos sociais, mas 47% de sua população perceber renda inferior à linha de pobreza, cuja maior parte não tem acesso aos serviços públicos de saúde e assistência social, com mínima qualidade, não tem uma moradia digna de se viver e é mal alimentada.
Nesse diapasão, discute-se com maior intensidade os meios para a realização dos direitos sociais consagrados na Constituição, principalmente quando doutrinadores, a exemplo, de Ingo Wolfgang Sarlet (2000), passaram a analisar a reserva do possível considerando as dimensões que envolvem:
- a possibilidade fática (que discute a existência de recursos para atender as demandas solicitadas ao Estado);
- a possibilidade jurídica (que está em consonância com a questão da previsão de recursos orçamentários para atendimento da demanda); e
- a proporcionalidade da prestação e razoabilidade da exigência (que analisar a possibilidade da razoabilidade da concretização do pedido por parte do Estado, relacionando-o com a possibilidade fática).
Embora se saiba que os direitos sociais não devem ter tratamento diferenciado de outros direitos fundamentais, quando se considera os recursos para o atendimento das demandas observa-se que estes são finitos, dando surgimento, como mencionado anteriormente, aos diversos conflitos, principalmente, no que concerne a empregabilidade dos recursos para os hipossuficientes, deixando de atender as necessidades de outros, na grande maioria das vezes. No caso, em específico, de critério de ponderação do tratamento doutrinário, este se revela insuficiente quando se tratam de prestações positivas, pois segundo as afirmações feitas por Andreas Joachim Krell (2002, p. 53-54):
O princípio da reserva do possível consiste em uma falácia, decorrente de um Direito Constitucional comparado equivocado, na medida em que a situação social brasileira não pode ser comparada àquela dos países membros da União Europeia. Se os recursos não são suficientes, deve-se retirá-los de outras áreas (transportes, fomento econômico, serviço da dívida) onde sua aplicação não está tão intimamente ligada aos direitos mais essenciais do homem: sua vida, integridade e saúde.
Deve, portanto, haver a razoabilidade e proporcionalidade para regimento da observância e efetividade das prestações positivadas no atendimento das demandas sociais, onde através do Estado, assegure a garantia do bem estar social de forma digna, embora muita das vezes a meta deixa de ser alcançada por falta de recursos, que não mal administrados e se tornam, consequentemente, escassos.
Sob essa questão, asseverou Luís Roberto Barroso (2012, p. 111), que a questão da escassez de recursos pelo Estado é “provada” judicialmente pelo mesmo quando da impossibilidade de fazer cumprir os direitos fundamentais sociais, pois:
Mesmo este patamar mínimo pode esbarrar na escassez de recursos, ou seja, há a possibilidade do limite da reserva do possível, já que também nestes casos poderá o Estado alegar e provar que não dispõe nem mesmo dos recursos para atender às exigências mínimas em saúde, educação, assistência social, segurança, etc.
Judicialmente, a negativa do Estado no cumprimento dos direitos fundamentais sociais é temporária uma vez que este pode ser obrigado a fazer valer os direitos anteriormente assegurados constitucionalmente, tornando-se aqui um novo paradoxo, que resulta não somente na necessidade/essencialidade, mas a questão excepcional da situação concreta em julgado.
Saliente-se, contudo, que ao considerar a reserva do possível, não pode ser assegurada o comando constitucional em face da destituição da eficácia, embora se saiba que também não será razoável defender que o judiciário poderá, em qualquer situação, independentemente do pedido e do bem a ser protegido, comprometer toda uma política pública sendo que existiriam outras possibilidades mais razoáveis para a realização de tais direitos.
Nessa perspectiva, Gustavo Amaral (2012, p. 214), salientou que, a questão da resolutividade estaria no grau da essencialidade do pedido, pois que:
O grau de essencialidade está ligado ao mínimo existencial, à dignidade da pessoa humana e, em consequência, quanto mais essencial for a prestação, mais excepcional deverá ser o motivo para que ela não seja acolhida. Dessa forma, haverá uma ponderação dessas duas variáveis. Se o grau de essencialidade superar o de excepcionalidade, a prestação deve ser entregue, caso contrário, a recusa estatal será legítima.
O entendimento, acerca dessa assertiva perpassa pela utilização da reserva do possível como matéria de defesa do Estado na qual há a possibilidade somente se este se desincumbir plenamente do ônus de provar a impossibilidade de atender aquela demanda, devendo esta impossibilidade ser comprovada em face da insuficiência dos recursos, inclusive poderá ser utilizada como meio explicativo e justificativo o detalhamento orçamentário, com suas especificações para cada rubrica.
Não se pode olvidar que se melhor fosse administrado e canalizado os recursos financeiros públicos, certamente, o Estado poderia não somente discutir, mas, sobretudo, definir, executar e implementar, considerando as circunstâncias, as leis, os atos administrativos e as instalações físicas, a efetivação dos direitos fundamentais sociais em relação às políticas sociais de educação, saúde, assistência, previdência, trabalho, habitação, que visem a concretizar estes direitos constitucionalmente protegidos (Krell, 2002).
Nesse contexto, cabe à sociedade a cobrança da competência dos Poderes Legislativo e Executivo decidirem sobre o destino da aplicação dos recursos financeiros do Estado para uma melhor aplicação e implementação de programas sociais, que efetivem os direitos sociais básicos e fundamentais para os indivíduos poderem viver com dignidade.
Ademais, fica claro, portanto, que em relação aos direitos sociais estes devem ser compreendidos como essenciais para a promoção do bem estar em detrimento do bom desenvolvimento social.
Importante salientar, no entanto, que as necessidades fundamentais são determinadas pela sociedade e está intimamente relacionada à vida e à dignidade da pessoa humana, que objetivamente, estes direitos são considerados como núcleo axiológico da Constituição e, a inobservância do atendimento pode vir a causar na sociedade um sentimento de injustiça, mesmo porque é imperioso compreender esse sentido e noção de que o mínimo existencial será essencial para exigir tais prestações do Estado de forma razoável, pois a efetivação de um direito social, por meio do qual se vise à garantia de um mínimo perpassa pelas condições promovidas pelo ente político para possibilitar aos indivíduos sociais a viver com dignidade.
Quando, pois, tal matéria for submetida ao crivo do judiciário, a cautela do magistrado afigura-se acertada em face que a determinação dessa implementação – mínimo existencial –, mesmo quando se considera a oposição dos obstáculos sob o argumento da reserva do possível, deverá ser determinada a transferência de recursos alocados em setores menos prioritários para àquele por meio do qual se vise à concretização dos direitos fundamentais.
O referido entendimento é pressuposto de que a finalidade precípua do Estado Democrático de Direito brasileiro é justamente garantir o bem estar social, pois a não efetivação injustificada dos direitos sociais pelo Estado representa ato ilícito que deve ser apurado conforme a tese da responsabilidade subjetiva por atos omissivos.
4.2 Conflito de Direitos e Hierarquia Normativa
O princípio da “reserva do possível” frequentemente coloca em cena o conflito de direitos, uma vez que a alocação de recursos escassos implica em priorizar determinadas áreas em detrimento de outras. O desafio reside na capacidade de hierarquizar esses direitos de maneira ética e legal, respeitando a dignidade humana e evitando discriminações injustificadas. A ponderação entre diferentes direitos fundamentais é uma tarefa delicada que exige uma análise aprofundada da posição normativa e dos princípios constitucionais (Barcellos, 2011).
Assim, o papel do Poder Judiciário na interpretação e aplicação da “reserva do possível” é fundamental. As decisões judiciais muitas vezes são chamadas a equilibrar a proteção de direitos fundamentais com a realidade orçamentária do Estado. A transparência tem oscilado entre a defesa intransigente dos direitos individuais e a compreensão das limitações financeiras, buscando estabelecer critérios claros para a intervenção judicial na esfera das políticas públicas (Jacob, 2011; Fonseca, 2016).
4.3 Perspectivas Críticas e Alternativas
Os críticos da “reserva do possível” argumentam que ela pode ser utilizada como uma desculpa para a inércia estatal, permitindo a perpetuação de desigualdades e a falta de acesso a direitos básicos (Jacob, 2011). Diante disso, surgem alternativas como a promoção de uma gestão pública mais eficiente, a busca por parcerias público-privadas e a implementação de políticas que otimizem a utilização dos recursos disponíveis, mitigando a escassez (Mendes; Coelho; Branco, 2022).
A abordagem da “reserva do possível” enfatiza a importância do diálogo constante entre os poderes constituídos, a sociedade civil e a academia. A participação social na formulação e implementação de políticas públicas é vital para garantir que as decisões tomadas considerem as necessidades reais da população, contribuindo para a efetivação dos direitos fundamentais (Perez, 2006).
Em resumo, a “reserva do possível” representa um campo de fronteira entre a imperatividade dos direitos fundamentais e as restrições orçamentárias do Estado. Uma abordagem equilibrada e ética é necessária para garantir que essa reserva não se torne uma justificativa para a negligência estatal, mas sim um instrumento para a promoção eficiente e equitativa dos direitos fundamentais no seio da sociedade (Fonseca, 2016).
5 DECISÕES JUDICIAIS E RESERVA DO POSSÍVEL
A atuação do Poder Judiciário desempenha um papel crucial na efetivação dos direitos constitucionais. No entanto, a questão da reserva do possível muitas vezes leva a decisões judiciais complexas, exigindo um equilíbrio entre a proteção dos direitos individuais e a realidade financeira do Estado. A oposição tem oscilado entre garantir direitos fundamentais e respeitar as limitações orçamentárias (Jacob, 2011).
Dentro desse contexto, o princípio da separação de poderes implica que o Poder Judiciário não deve interferir indevidamente nas decisões políticas e orçamentárias do Poder Executivo e Legislativo. Contudo, quando há denúncias de violação de direitos fundamentais devido à falta de implementação de políticas públicas, os tribunais são instados a intervir (Barcellos, 2011).
Essa intervenção deve ser exercida com sensatez, evitando substituir as escolhas legítimas do Poder Executivo por decisões judiciais arbitrárias.
5.1 Critérios para Intervenção Judicial: Diálogo Institucional e Soluções Colaborativas
A revisão tem critérios desenvolvidos para orientar a intervenção judicial nos casos relacionados à “reserva do possível”. A ponderação de interesses, a análise da razoabilidade das políticas públicas impostas e a verificação da proporcionalidade das restrições orçamentárias em relação aos direitos fundamentais em questão são aspectos fundamentais. Estabelecer parâmetros claros contribui para evitar decisões arbitrárias e respeitar a autonomia dos demais poderes (Fonseca, 2016).
Outrossim, a promoção do diálogo institucional entre os Poderes é essencial para encontrar soluções equilibradas. Mecanismos que incentivam a colaboração entre o Judiciário, o Executivo e o Legislativo podem contribuir para a construção de políticas públicas mais eficientes e compatíveis com as especificações orçamentárias (Jacob, 2011; Fonseca, 2016).
A busca por soluções colaborativas evita confrontos desnecessários entre os poderes e reforça a integridade do sistema democrático (Barcellos, 2011).
5.2 Pragmatismo nas Decisões Judiciais, Transparência e Prestação de Contas
A interpretação da “reserva do possível” requer um pragmatismo sensato por parte do Judiciário. Isso implica considerar que, em determinados contextos, a efetivação plena de direitos pode ser gradual e sujeita a limitações temporárias. A busca por soluções realistas e sustentáveis, alinhadas com as possibilidades econômicas do Estado, demonstra uma abordagem equilibrada na promoção dos direitos fundamentais (Torres, 2004; Silva, 2022).
Já em relação à transparência nas decisões judiciais relacionadas à “reserva do possível” é fundamental para garantir a legitimidade do processo. A prestação de contas por parte do Judiciário ao envolver suas intervenções em questões orçamentárias promove a compreensão pública das escolhas realizadas, fortalecendo a confiança na instituição (Jacob, 2011; Barcellos, 2011).
6 CONCLUSÃO
Neste artigo ficou demonstrado, de forma breve, a relação entre a eficácia das normas constitucionais e a reserva do possível, analisando criticamente os desafios que surgem quando os direitos fundamentais entram em conflito com as limitações orçamentárias do Estado, quando foi possível compreender que a origem da “reserva do possível” remonta à necessidade de conciliar os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição com as realidades práticas da administração pública.
O princípio norteador consiste em promover o reconhecimento que, embora os direitos fundamentais sejam imperativos, da implementação plena desses direitos pode ser adiada ou limitada devido às restrições orçamentárias, justificada pela impossibilidade de atender a todas as demandas sociais simultaneamente, obrigando o Estado a fazer escolhas ponderadas.
Quanto à eficácia das normas constitucionais compreendeu-se se tratar de um pilar essencial para a concretização dos direitos fundamentais. No entanto, a reserva do possível impõe limitações práticas que exigem abordagens inovadoras e equilíbrio na atuação dos poderes constituídos. O desafio reside em conciliar a aspiração constitucional de uma sociedade justa e igualitária com as restrições financeiras do Estado, sempre ocorrendo a promoção da efetivação dos direitos fundamentais. A reflexão constante sobre esse equilíbrio é essencial para o aprimoramento contínuo do sistema jurídico e a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
À guisa da conclusão, como perspectivas futuras, os desafios associados à eficácia das normas constitucionais e à reserva do possível destacam a necessidade de um diálogo constante entre os poderes, a sociedade civil e a academia. A busca por soluções deve envolver aprimoramentos na gestão pública, alocação eficiente de recursos e uma reflexão aprofundada sobre o papel do Estado na promoção e garantia de direitos fundamentais.
Resumidamente, o entendimento é de que as decisões judiciais no contexto da “reserva do possível” exigem uma abordagem cautelosa e contextualizada. A promoção dos direitos fundamentais não deve ser realizada aos custos da estabilidade financeira do Estado, e o Judiciário desempenha um papel-chave na busca por um equilíbrio que respeite a imperatividade dos direitos sem desconsiderar as limitações reais orçamentárias.
No entanto, a complexidade inerente à relação entre a eficácia das normas constitucionais e a “reserva do possível” não permeia apenas o campo jurídico, mas também incide sobre aspectos éticos, políticos e sociais que, ao final desta análise, foi possível extrair algumas considerações que reforçam a necessidade de um olhar crítico e dinâmico sobre essa interação intrincada.
Balanço entre Direitos e Limitações: o desafio central reside na busca de um balanço adequado entre a imperatividade dos direitos fundamentais e as limitações orçamentárias inescapáveis. É essencial compreender que uma “reserva do possível” não pode ser uma justificativa para a inércia estatal, mas sim uma ferramenta pragmática que exige transparência, responsabilidade e ações concretas na promoção efetiva dos direitos fundamentais.
Diálogo e Colaboração como Elementos-Chave: a promoção do diálogo constante entre os poderes constituídos, a sociedade civil e a academia emergem como uma necessidade premente. A colaboração institucional se apresenta como um antídoto eficaz contra impasses e confrontos desnecessários, permitindo a construção de políticas públicas que conciliem a proteção dos direitos fundamentais com as realidades orçamentárias.
Necessidade de Inovação e Eficiência na Gestão Pública: a superação dos desafios inerentes à “reserva do possível” requer uma gestão pública inovadora e eficiente. A busca por soluções criativas, a implementação de práticas de gestão eficazes e o uso inteligente da tecnologia são elementos que podem contribuir para melhorar a alocação de recursos e, assim, ampliar a efetivação dos direitos fundamentais.
Transparência e Participação Social: a transparência nas decisões judiciais, nas ações do Executivo e nas deliberações legislativas é vital. A clareza e a prestação de contas geram confiança na sociedade, permitindo que os cidadãos compreendam as escolhas realizadas pelos diferentes poderes. Além disso, a participação social ativa na formulação e avaliação de políticas públicas é uma ferramenta necessária para garantir que as decisões reflitam realmente as necessidades e aspirações da população.
Um Caminho para o Futuro: Reflexão Constante e Aperfeiçoamento: este exame crítico sobre a eficácia das normas constitucionais e a “reserva do possível” não é um ponto final, mas sim um convite à reflexão constante e ao aprimoramento contínuo. A dinâmica da sociedade, as transformações econômicas e as evoluções culturais exigem uma abordagem flexível e adaptável, que reconheça a centralidade dos direitos fundamentais, mas que também seja sensível às limitações enfrentadas pelo Estado.
Fica a reflexão, então, de que a construção de uma sociedade mais justa e igualitária não é apenas um imperativo legal, mas uma aspiração ética, tendo em vista que a interseção entre a eficácia das normas constitucionais e a “reserva do possível” é um campo fecundo para a inovação jurídica, o aprimoramento das instituições e, sobretudo, para a promoção efetiva da dignidade humana e dos direitos fundamentais no cenário contemporâneo.
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1Mestrando de Direito pela Universidade Católica do Salvador. UCSAL. E-mail: sammiverissimo@hotmail.com