REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202411302313
Rute Santos Correia1
RESUMO
O leite bovino é mais consumido no mundo e no Brasil, sendo reconhecido por ser um alimento de alto valor nutricional devido sua composição apresentar diversos nutrientes. Dentre as proteínas presentes, as caseínas constituem um grupo de maior predominância, com destaque para a β-caseína, mais amplamente estudada e difundida as suas variantes A1 e A2, principalmente devido as suas diferenças estruturais e os diversos efeitos na saúde humana. Historicamente, a β-caseína A2 é reconhecida como a variante original, enquanto a A1 surgiu a partir de uma mutação genética transversal na posição do aminoácido 67. Como consequência dessa modificação estrutural o consumo de leite que apresenta a β-caseína A1 tem influenciado na sua digestão, com a liberação do peptídeo beta-casomorfina-7, que apresenta propriedades semelhantes a opioides podendo provocar diversas desordens no organismo humano, como distúrbios gastrointestinais, doenças metabólicas, cardiovasculares e distúrbios no sistema nervoso. Diversos estudos são realizados para elucidar as comparações entre as duas variantes que têm impactado diretamente a população consumidora, tendo em vista, que a β-caseína A2 tem se mostrado benéfica a saúde devido a semelhança físico-química com o leite materno.
Palavras-chave: leite A2, β-caseína, beta-casomorfina-7, saúde humana.
ABSTRACT
Cow’s milk is the most consumed milk in the world and in Brazil, widely recognized as a highly nutritious food due to its composition, which contains a variety of essential nutrients. Among the proteins present, caseins constitute the most predominant group, with β-casein standing out as the most studied, particularly its A1 and A2 variants. These variants have gained attention primarily due to their structural differences and diverse effects on human health. Historically, β-casein A2 is considered the original variant, while A1 emerged from a genetic mutation at the 67th amino acid position. This structural modification has significant consequences, as the consumption of milk containing βcasein A1 influences digestion, leading to the release of the peptide beta-casomorphin-7 (BCM-7). BCM-7 exhibits opioid-like properties and has been associated with various disorders in the human body, including gastrointestinal disturbances, metabolic diseases, cardiovascular issues, and nervous system disorders. Numerous studies are being conducted to elucidate the comparisons between these two variants, as their differences have a direct impact on the consumer population. Notably, β-casein A2 has shown to be beneficial to health due to its physicochemical similarities with human breast milk.
Keywords: A2 milk, β-casein, beta-casomorphin-7, human health.
1 INTRODUÇÃO
A produção mundial de leite no ano de 2022 alcançou 930 milhões de toneladas, representando um aumento de 0,6 % maior em relação ao ano de 2021 (Fao, 2022). O Brasil ocupa o terceiro lugar na produção mundial de leite, com aproximadamente 34 bilhões de litros produzidos anualmente. Cerca de 98% dos municípios brasileiros participam dessa atividade e a maior parte da produção provém de pequenos e médios produtores, sendo considerada um dos setores mais importantes da agropecuária (Ibge, 2019; Mapa, 2023).
O leite de vaca é o mais consumido no mundo e no Brasil (Barbosa et al., 2019).
Sendo definido, segundo o RIISPOA, como “o produto oriundo da ordenha completa, ininterrupta, em condições de higiene, de vacas sadias, bem alimentadas e descansadas” (Brasil, 2018). Além disso, é caracterizado por ser uma mistura complexa composta por água (87,3%), suspensão coloidal de proteínas (3,4%) ligadas a cálcio e fósforo, emulsão de glóbulos de gordura (3,5%), lactose (4,8%), sais minerais (0,8%) e vitaminas (Duur, 2004). Essas informações são importantes para o processamento tecnológico e qualidade dos produtos lácteos produzidos a partir dessa matéria-prima que garantirão segurança alimentar para a saúde pública. Porém, a composição do leite depende de vários fatores relacionados ao animal e manejo, que podem variar de acordo com a raça, saúde, idade, período de lactação, nutrição, aspectos sanitários, época do ano e o tipo de ordenha (Dobranic et al., 2008).
Dessa forma, o leite é considerado um alimento nutritivo e de importância para a economia mundial, através da geração de empregos e renda, promovendo desenvolvimento no cenário econômico, social e nutricional (Embrapa, 2002). Sendo assim, tem-se acompanhado uma preocupação cada vez maior por parte dos consumidores para garantir um alimento seguro e saudável para o consumo humano (Haug et al., 2007). E as diversas pesquisas tem sido desenvolvida explanando os benefícios e malefícios do leite para a saúde visando atender as exigências do mercado consumidor, uma delas é a melhor digestibilidade do produto (Pereira, 2018).
Sendo assim, apesar do leite possui um papel alimentar indispensável para uma suplementação alimentar e vitamínica, existem alguns componentes que podem desencadear doenças em humanos que possuem predisposição a serem suscetíveis geneticamente a variante da β-caseína (Haug et al., 2007; Corbucci, 2017), que muitas vezes se confunde com os sintomas relacionados a intolerância a lactose. No entanto, a National Institutes of Health de 2010, mostraram que as pessoas que se caracterizavam por possuírem intolerância à lactose na verdade não mostraram evidências de uma má absorção de lactose. Esses achados foram importantes para as investigações que os desconfortos gastrointestinais estariam relacionados por outro componente presente no leite, como a Beta-Casomorfina-7 (BCM-7) bovina (Suchy et al, 2010).
A BCM-7 é um peptídeo liberado durante a digestão da β-caseína A1, que é uma das variantes da caseína presente no leite bovino. A caseína corresponde a aproximadamente 80% das proteínas do leite de vaca, enquanto os 20% restantes são constituídos pelas proteínas do soro. Esse percentual pode variar dependendo da raça do animal, da sua nutrição e do país de origem (Brasil, 2013). Inicialmente, todas as fêmeas de espécies mamíferas produziam apenas a β-caseína A2. No entanto, devido a uma mutação genética ocorrida entre 5 mil e 10 mil anos atrás em rebanhos europeus taurinos, esses animais passaram a produzir também a β-caseína A1, através de acasalamentos dirigidos, com o objetivo de aumentar a produção leiteira (Ho et al., 2014; Barbosa, et al., 2019). Essa mutação fez com que rebanhos que originalmente possuíam apenas genes A2A2 passassem a apresentar também genes A1A1, resultando na produção dos dois tipos de caseína. A descoberta do gene A2A2 ocorreu na década de 1990 e, desde então, surgiram estudos sobre as diferentes formas de digestão dessas variantes. O leite tipo A2 começou a ser produzido intencionalmente, pois a digestão da β-caseína A1 promove a liberação de BCM-7, que pode causar desconfortos gastrointestinais em algumas pessoas (Suchy et al., 2010).
Visando atender as demandas dos consumidores e melhoria da saúde humana, o leite A2 vem tendo destaque em escala global através de pesquisas genéticas e observação dos benefícios e vantagens em relação ao tipo A1. Com isso, a expansão da comercialização do leite A2 tem reduzido os sintomas relacionados a problemas gastrointestinais, doenças humanas e as alergias à proteína do leite (Gomes et al., 2021).
Considerando o que foi exposto, o presente trabalho tem por objetivo realizar uma revisão de literatura sobre os aspectos produtivos e genéticos do leite A2A2, bem como, abordar as características dos diferentes tipos de leite com ênfase nos efeitos do leite com a proteína β-caseína A1 x A2 para a saúde humana
2 METODOLOGIA
O presente trabalho consiste em uma revisão de literatura, abordando efeitos do leite com a proteína β-caseína A1 x A2 para a saúde humana através de um levantamento bibliográfico.
Os métodos utilizados para a revisão de literatura do tema consistiram das definições das palavras-chaves, busca das publicações e seleção dos artigos relacionados com o tema de estudo. Sendo assim, foi realizada a leitura de artigos científicos selecionados, observando os dados e a discussão dos autores para a fundamentação e argumentação da escrita desse trabalho.
Para a escrita dos tópicos da revisão de literatura foi realizada uma busca através do Google Acadêmico, revistas científicas, PUBMED, e os bancos de dados do Scientific Eletronic Library Online (SCIELO) e ScienceDirect. Sendo utilizadas as seguintes palavras-chave relacionadas ao tema: β-caseína A2, tipos de leite, benefícios do leite A2, saúde humana e leite A2 e beta-casomorfina-7.
3. REVISÃO DE LITERATURA
3.1. A Caseína A2: História, estrutura e características
O leite pode ser definido como um produto oriundo da ordenha completa e ininterrupta, sob condições de higiene, a partir de vacas sadias, bem alimentadas e descansadas (Riispoa, 1952). Além disso, pode ser caracterizado como uma emulsão de cor branca e opaca produzido e secretado pelas glândulas mamárias das fêmeas de mamíferos, apresentando uma viscosidade aproximadamente de duas vezes maior que a da água, com sabor adocicado e um discreto odor (Saran Neto; Vidal, 2018).
O leite bovino é o mais produzido no mundo (80%) e isso deve-se principalmente às suas qualidades sensoriais e seus constituintes em proporções adequadas para atender as demandas nutricionais (Fao, n.d; Daniloski et al., 2021a). Dessa forma, o leite e os produtos lácteos são amplamente consumidos e fornecem benefícios à saúde, como saúde óssea, crescimento, controle de peso e fonte de nutrientes. Apesar das inúmeras vantagens, alguns indivíduos apresentam algumas desordens ao consumir esse alimento, como alergia às proteínas lácteas e intolerância a lactose (Pereira, 2013; Diogo et al., 2023).
Considerado o mais próximo ao leite materno, o leite bovino é um constituinte essencial das dietas diárias, podendo fornecer 69 kcal/100mL e apresentando em sua composição imunoglobulinas, hormônios, fatores de crescimento, citocinas, nucleotídeos, peptídeos, poliaminas, ácidos graxos de cadeia longa, enzimas, lactoferrina (propriedades microbicidas) e outros peptídeos bioativos (Chitra, 2022; Gonzales-Malca et al., 2023). Sendo assim, o leite de vaca é constituído por 87 a 88% de água e de 12 a 13% de sólidos (Tabela 1). Entre os elementos sólidos, encontram-se as gorduras, vitaminas (vitamina A, vitaminas do complexo B, vitamina D e E), minerais (cálcio, fósforo, magnésio, zinco, potássio), açúcares (lactose), e as proteínas (80% de caseínas e 20% de proteínas do soro). Nesta última fração, destacam-se as caseínas, incluindo as variantes kappa, alfa s1, alfa s2 e βeta-caseína. As β-caseínas, constitui cerca de 30% do total de proteínas e por sua vez, apresentam 13 variantes distintas (A1, A2, A3, B, C, D, E, F, G, H1, H2, I e J), sendo as mais conhecidas, estudadas e amplamente difundidas as variantes A1 e A2 (Pereira, 2013; Corbucci, 2017; Lima, 2019; Fernández-Rico et al., 2022; Giribaldi et al., 2022; Sousa, 2022).
Tabela 1 Composição média dos constituintes do leite de vaca
Fonte: Adaptado de Walstra et al., (2006).
A composição do leite pode variar de acordo com a espécie, raça do animal, idade, manejo nutricional ao qual é submetido, período de lactação, condições climáticas e estações do ano (Tabela 2) (Haug et al., 2007; Otaviano, 2008; Vargas et al., 2019;
Barbosa et al., 2019). No que diz respeito às variantes de β-caseína A1 e A2 também pode existir variações entre espécies (cabra, ovelha e búfala – produzem a β-caseína A2; e vaca produzem β-caseína A1 e A2) e entre raças dentro da mesma espécie (bovinos), como é observado entre as raças zebuínas, as quais apresentam uma maior frequência do alelo A2 do que as raças taurinas (Tabela 3) (Barbosa et al., 2019). Por isso, mais estudos são desenvolvidos ao longo dos anos para buscar melhorias nos sistemas produtivos, adequando os manejos, instalações, melhoramento genético, ambiência e bem-estar.
Tabela 2 Composição centesimal (%) do leite de diferentes espécies
Fonte: Adaptado de Penna (2009).
Tabela 3 Comparação entre as raças bovinas (Bos taurus x Bos indicus) de acordo com a porcentagem de frequência do alelo A2 no rebanho
Fonte: Adaptado de Barbosa et al., (2019).
A forma original da proteína beta caseína era A2, porém a aproximadamente 5.000 mil anos atrás ocorreu uma mutação genética transversal, a qual modificou a posição do aminoácido 67. Dessa forma, o polimorfismo entre as β-caseínas A1 e A2 pode ser caracterizada pela diferenciação de nucleotídeo na cadeia proteica, onde animais que produzem leite A2, apresentam a prolina (códon CCT) na posição 67, enquanto aqueles que produzem leite A1 tem a histidina (códon CAT) na mesma posição (Sharma et al., 2013). Essa modificação pode afetar as propriedades físicas da micela de caseína, devido a alteração na conformação secundária da estrutura proteica, bem como a digestão enzimática da mesma. Visto que, durante a digestão ocorre a liberação de componentes diferentes de acordo com a variante de β-caseína presente, a β-caseína A1 libera um peptídeo opioide, a beta-casomorfina-7 (BCM-7) enquanto a β-caseína A2 pode ou não liberar em uma quantidade muito pequena o peptídeo beta-casomorfina-9 (BCM-9) (Barbosa et al., 2019; Silva, 2020).
3.2. Efeitos das β-Caseínas A1 x A2 na Saúde Digestiva
O consumo de leite e seus derivados têm sido amplamente estudados com intuito de elucidar sua relação com distúrbios específicos que afetam a manutenção de processos fisiológicos normais do organismo humano (Zoghbi et al., 2006). Associado a esses efeitos adversos, várias patologias podem gerar desconforto/disfunção gastrointestinal a partir do consumo desse alimento, causando diarreia, dor abdominal, perda de peso e vômito (Choi et al., 2024).
Como o leite apresenta em sua composição componentes físico-químicos que se assemelham a antígenos, pode ocasionar alterações nas reações imunológicas, sendo as proteínas as principais causadoras das alergias alimentares, gerando uma reação de hipersensibilidade tipo I (Corozolla; Rodrigues, 2016). A alergia à proteína do leite de vaca (APLV) é comum em lactentes e crianças jovens (Cutrim, 2020).
O leite contém vários tipos de proteínas, sendo as principais as variantes A1 e A2 da β-caseina. A β-caseina A1 está relacionada às reações alérgicas, visto que, o BCM-7 é liberado exclusivamente na sua digestão, este é um peptídeo opioide semelhante a morfina que não é digerido no corpo humano, ou seja, não são quebrados em aminoácidos, causando assim, uma série de efeitos pró-inflamatórios, geram a redução na motilidade intestinal, entram na corrente sanguínea, provocam indigestão e levam ao surgimento de outros problemas ou doenças (Elliott et al., 1999; 2001). Segundo Jianqin (2016), a proteína β-caseína A1 pode causar inflamação no duodeno, levando a uma redução na expressão da lactase no íleo e provocar intolerância à lactose. Em 2020, Milan et al., realizaram um estudo com um pequeno grupo de indivíduos (25-45) que apresentavam intolerância à lactose e verificou que o grupo que consumiu leite A2 apresentou menor número de sintomas em comparação com o grupo que ingeriu somente o leite tradicional (Leite A1). Outros estudos realizados também correlacionam o consumo do leite com βcaseína A1 a alterações no trânsito gastrointestinal (Barnett et al., 2014), indução de citocinas inflamatórias no intestino (Haq; Kapila; Saligante, 2014), desconforto digestivo (Ho et al., 2014), alteração na imunologia e morfologia intestinal (Guantario et al., 2020), dor abdominal, inchaço e diarreia (Ramakrishnan et al., 2020) e constipação intestinal seguido de desconforto gastrointestinal (Meng et al., 2023).
No leite A2, a prolina presente na posição 67 da β-caseína impede a formação do BCM-7. Dessa forma, as proteínas são digeridas em peptídeos e estes quebrados em aminoácidos, sendo facilmente absorvidos pelo organismo (Chitra, 2022). Além disso, pode aumentar a concentração dos ácidos graxos de cadeia curta e regular a microbiota intestinal, melhorando a função imunológica da mucosa do intestino que reduzem efeitos nocivos das ciclofosfamidas no sistema imunológico (Xiao et al., 2024). Outros estudos sugerem ainda que a β-caseína A2 não promove reações alérgicas em indivíduos que apresentam alergia relacionada às β-caseínas, comprovadamente relacionada a β-caseína A1, podendo ingerir sem nenhum risco o leite de vacas A2 (Neiva, 2017).
3.3. Impactos na Saúde Cardiovascular
Durante os anos de 1950 e 1960, o leite era utilizado em dietas para indivíduos com úlceras estomacais, conhecida como dieta Sippy. Porém, foi observado uma maior incidência de infarto do miocárdio dos pacientes tratados com essas dietas. Foi então feita uma comparação com tribos africanas, como a Masai e a Samburu, que ingerem grandes quantidades de leite, mas não apresentam números significativos de doenças cardiovasculares. Assim, levantou-se a hipótese de que a composição genética do bovino indiano (Bos indicus), predominante nessas regiões, poderia influenciar a composição e os efeitos do leite, principalmente a variante A2 da β-caseína, já que os animais europeus (Bos taurus) apresentam maior incidência de β-caseína A1 em seu leite (Briggs et al., 1960; Shaper, 1962; Mann, et at., 1964; Hanotte et al., 2000; Vercesi Filho et al., 2012; Ganguly et al., 2013).
A BCM-7 proveniente do leite com β-caseína A1 esta relacionada à doença cardíaca isquêmica (DCI) em humanos. Essa doença é caracterizada pelo estreitamento das artérias coronárias pela formação de ateroma no seu interior, dificultando o fluxo sanguíneo (McLachlan, 2001). Outros estudos realizados em 20 países ao redor do mundo durante 15 anos demonstraram uma relação entre o consumo de leite com a β-caseína A1 e o aumento de mortes por DIC de homens com idades de 35 a 64 anos (Laugesen; Elliott, 2003).
O consumo da β-caseína A1 pode ainda ter relação com o desenvolvimento de hipercolesterolemia e aterosclerose, elevação dos níveis de colesterol, e indução da oxidação das lipoproteínas de baixa densidade (LDL), considerado um fator de risco para doenças cardíacas, uma vez que está relacionado a formação de placas arteriais (Torreilles; Gueri, 1995; Steinerova et al.,2001; Tailford et al., 2003; Neiva, 2017).
Já o consumo da β-caseína A2 está relacionado a efeitos protetores ao sistema cardiovascular, o que pode ser demonstrado por estudos onde houve a diminuição do colesterol do soro, reduzindo a concentração de lipídeos de baixa intensidade e assim contribuindo para prevenção de diversas doenças cardiovasculares (Diogo et al., 2022).
3.4. Implicações para a Saúde Metabólica e Endócrina
O BCM-7 pode promover alterações no sistema imunológico, sendo considerada um predisponente para a diabetes mellitus tipo 1 (DM-1), que é uma doença autoimune caracterizada pela destruição das células β do pâncreas (produtoras de insulina), isso ocorre pelo fato de que o organismo começa a reconhecer essas células com antígenos, impedindo a produção de insulina (Elliott et al., 1999; Monetini et al., 2003; Gillespie, 2006).
A incidência de DM-1 em crianças é preocupante, visto que muitas fórmulas infantis são introduzidas durantes os primeiros meses de vida, o que pode levar a um aumento significativo quando comparados com crianças alimentadas exclusivamente com leite materno (Monetini et al., 2001). Nesses casos, hipotetisa-se que a BCM-7 seja absorvida através do trato gastrointestinal de recém-nascidos e bebês em grande quantidade, por apresentarem uma maior permeabilidade e um sistema nervoso ainda imaturo (Monetini et al., 2001; Bell et al., 2006). Em estudos realizados por Elliott et al. (1999), foi demonstrado que o consumo regular de leite de vaca, principalmente durante a infância, podem aumentar significativamente os níveis de anticorpos contra a proteína β-caseína em pacientes com diabetes. Já Chia et al. (2017), trabalhando com animais observaram que a administração da BCM-7 em camundongos com predisposição a diabetes promoveu o aparecimento da doença, enquanto a BCM-9 (presente na digestão enzimática da β-caseína A2) não apresentou os mesmos efeitos. Sabe-se que o BCM-7 ao se ligar a receptores opiodes μ, pode afetar a sinalização celular da insulina, comprometendo a via de sinalização da fosfatidilinositol 3-quinase (PI3K) que ativa o transportador de glicose (GLUT4), como consequência o transporte de glicose para o interior das células é prejudicado e tem-se o surgimento da diabetes (Cieślińska et al., 2022; Runthala; Mbye; Ayyash, 2023). Bem como, estudos mostram que a estrutura do BCM-7 pode imitar epítopos do transportador de glicose (GLUT2) presentes nas células β do pâncreas, causando uma produção de anticorpos que interferem na função da GLUT2, comprometendo o transporte da glicose (Clemens, 2011).
3.5. Relação com outras doenças do sistema nervoso e cognitivo
Os peptídeos opioides derivados do leite com a presença da β-caseína A1 podem promover uma inflamação e oxidação sistêmica no sistema nervoso central ocasionando disfunções no desenvolvimento e/ou processamento de informações (Trivedi et al., 2014).
Dessa forma, diversas pesquisas sobre doenças do sistema nervoso, tais como autismo, esquizofrenia e psicose pós-parto em mulheres que se desenvolvem devido a níveis baixos de glutationa no cérebro, tem sido desenvolvida para elucidar esses fatores relacionados ao consumo de leite com a proteína β-caseína A1. Estudos indicam que a BCM-7 pode se ligar ao transportador de aminoácidos excitatórios 3, que é responsável pelo transporte de aminoácidos de cisteína para as células, o que impedirá a absorção da cisteína, reduzindo a síntese de glutationa, importante antioxidante para o organismo. Essas alterações podem levar ao aparecimento de doenças neurodegenerativas (Reichelt; Knivsberg, 2003; Kost et al., 2009; Severance et al., 2011; Sokolov et al., 2014; Deth; Clarke; Trivedi, 2015).
A exposição crônica a níveis elevados de BCM-7 pode prejudicar o desenvolvimento cognitivo precoce das crianças, podendo desenvolver o autismo (Sokolov et al., 2014). Visto que, a BCM-7 pode ter a função de antagonista com receptores de serotonina 5-HT2 (Sokolov et al., 2005). Foi demonstrado ainda que a imunorreatividade elevada de BCM-7 está relacionada ao desenvolvimento psicomotor mais tardio em bebês (Kost et al., 2009).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O leite bovino é um alimento amplamente utilizado na dieta da população em diversas faixas etárias, sendo uma excelente fonte de nutrientes para o crescimento e saúde. As variantes A1 e A2 da proteína β-caseína podem exercem diferentes impactos na saúde humana, devido principalmente a liberação do peptídeo BCM-7 durante a digestão que está relacionado a diversas desordens digestivas, imunológicas, problemas neurológicos, endócrinos e metabólicos. Apesar de diversos estudos terem sido desenvolvidos ao longo dos anos relatando os efeitos do consumo do leite, ainda é necessário aprofundar a níveis moleculares para esclarecer os mecanismos de ação desse peptídeo na saúde humana.
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1 Discente do curso de Bacharelado em Medicina Veterinária da Faculdade Anísio Teixeira (FAT)