EFEITOS DA SUPLEMENTAÇÃO DE VITAMINA D NO DESEMPENHO AERÓBIO E ANAERÓBIO EM ATLETAS ADULTOS: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA E META-ANÁLISE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12690509


Eder Vanderson Marques Vargas
Lucas Oliveira Alves
Débora R. L. Chaves
Bianca Miarka
Diego Viana Gomes
Verônica Salerno Pinto


Resumo:

A vitamina D é um micronutriente que desempenha diversas funções no organismo humano, com impacto em sua homeostase. Estudos demonstram uma prevalência de deficiência de vitamina D em atletas e na população em geral, sendo considerado um problema de saúde pública. Diante disso, a ciência tem apresentado interesse em evidenciar o papel da vitamina D e sua relação com o esporte.  Especialmente relacionando a exposição do tecido muscular a vitamina D. Devido ao distanciamento social durante a Covid-19, impediu atletas de realizar treinos ao ar livre, podendo ter representado certo impacto sob o estado nutricional desse público, dado que a exposição à luz solar promove a síntese de vitamina D. Como não há achados suficientes relacionando a inadequação de vitamina D com desempenho de atletas, são necessários estudos que avaliem esse contexto para fornecer subsídios para protocolo e acompanhamento desse atleta. Teve como objetivo investigar os efeitos da vitamina D sob performance aeróbia e anaeróbica de atletas a partir de diferentes dosagens e esportes. Trata-se de uma revisão sistemática e metanálise. A busca foi realizada na base de dados, Medline/Pubmed, Scopus, Scielo e Google Scholar, dos últimos 3 anos, realizados com atletas. Os resultados da pesquisa divergem, onde estudos demonstraram resultados significativamente positivos quando relacionam os níveis de suplementação de vitamina D com performance aeróbica, entretanto nenhuma associação positiva relacionadas a performance anaeróbica. Sugerindo que os níveis adequados de vitamina D contribuem no desempenho de atletas e podem modular a capacidade aeróbica e contribuir para o desempenho.

Palavras- chaves: vitamina D, performance, atletas, covid-19.

INTRODUÇÃO

A vitamina D tem um papel importante para a saúde da população em geral, desempenhando diferentes funções no organismo, atuando principalmente no sistema cardiovascular e imunológico [1,2], além da participação na regulação em processos inflamatórios e no músculo esquelético [2,3]. A atuação da vitamina D em atletas é alvo importante de estudos na medicina do esporte, tendo em vista que a presença dessa vitamina está associada a manutenção óssea, resistência muscular e a performance nesta população [4,5].

A redução a exposição da pele aos raios ultravioletas-B são a principal causa de deficiência de vitamina D. Fatores específicos como: uso de protetor solar, obesidade, envelhecimento, bem como fatores ambientais: estação do ano, região, tempo e hora de exposição solar, influenciam na síntese de vitamina D [6].

A deficiência de vitamina D em atletas é algo amplamente investigado na literatura [7,8,9,10] e os números chamam atenção. Em um estudo que avaliou a presença de vitamina D em atletas profissionais de futebol na Inglaterra, pôde-se verificar uma prevalência de 65% de deficiência das concentrações de 25(OH) D no inverno [7]. Um estudo de coorte com atletas profissionais de futebol americano apresentou uma prevalência de 26,3% e 42,5% de deficiência e insuficiência de vitamina D, respectivamente [9]. Adicionalmente, um estudo de revisão sistemática e meta-análise que investigou prevalência inadequada de vitamina D em atletas e incluiu 23 estudos com 2.313 atletas, demonstrou que 56% destes possuíam uma inadequação de vitamina D [11].

Durante o ano de 2020, o mundo conheceu a COVID-19 como sendo uma doença com alta taxa de transmissibilidade e causadora de diversos óbitos, sendo rapidamente reconhecida como uma pandemia global [12]. Como forma de contenção da doença, diversas estratégias foram adotadas ao redor do mundo como, por exemplo, o uso de máscaras, distanciamento social, a adoção da quarentena e o bloqueio de diversos territórios [5]. Dentro desse contexto, atletas foram impedidos de realizar treinos ao ar livre [13], representando certo impacto sob o estado nutricional desse público, uma vez que a exposição à luz solar promove a síntese de vitamina D.

Tendo em vista o importante papel fisiológico da vitamina D, torna-se motivo de preocupação a sua deficiência em meio à pandemia da COVID-19, visto que a deficiência dela pode impactar negativamente a performance dos atletas em geral durante esse momento. A suplementação de 25(OH)D surge como um meio eficaz nesse tipo de cenário, pois estudos indicam sua associação com a capacidade aeróbica [14,15] e ao desempenho anaeróbico [4,16].

No entanto, a suplementação de vitamina D e seus efeitos na performance ainda são controversos. Pode-se notar, ainda, certa escassez na literatura a respeito da existência de revisões sistemáticas e meta-análises sobre o assunto. Sendo assim, a presente revisão sistemática e meta-análise tem como objetivo investigar os efeitos da vitamina D sob a performance aeróbica e anaeróbica de atletas em geral a partir de diferentes dosagens e esportes.

METODOLOGIA

Delineamento do estudo

Para alcançar o propósito sugerido, uma revisão sistemática e meta-análise foi elaborada. A revisão teve como objetivo descrever o impacto da suplementação de vitamina D na performance de atletas.

MÉTODOS DE IDENTIFICAÇÃO DO ESTUDO

Identificação

As buscas orientaram-se em bases eletrônicas de dados, PubMed, SciELO, Scopus e Google Scholar. O reconhecimento e processamento dos artigos foram realizados até julho de 2021.

Delimitou-se a busca por estudos publicados entre 2019 e 2021. As seguintes palavras chaves, bem como suas versões em inglês foram previamente selecionadas por meio de Descritores em Ciências de Análise de Saúde (DECS) são elas: “vitamina D” (“vitamin D”) “atletas” (“athletes”) e “performance” (“performance”). Os operadores AND e OR foram utilizados para concluir a combinação dos termos elegidos na busca das publicações.

Triagem

Foram qualificados, elegidos e julgados relevantes para compor a pesquisa, estudos que tratassem da suplementação da vitamina D no contexto de melhora de performance, realizados em humanos, de sexo masculino e feminino e atletas profissionais, universitários e recreativos. Nossa população de estudo incluiu atletas do sexo masculino e feminino com idade igual ou superior a 18 anos. Foram incluídos apenas estudos publicados no idioma inglês. Optou-se pela exclusão de estudos realizados com adolescentes, militares ou indivíduos com comorbidades, além de relatos de caso, artigos de revisão, estudos com animais e estudos transversais e longitudinais.

Elegibilidade

Estudos de intervenção foram selecionados para a presente revisão. Os artigos foram escolhidos por meio de três pesquisadores que avaliaram em prima os títulos e resumos, obedecendo os critérios de elegibilidade. Por último, os artigos selecionados foram lidos por completo para deferir sua adição ou não na pesquisa. A fase de análise integral dos artigos é indispensável para examinar todos os pontos pregressos, assegurando que os artigos selecionados estejam em conformidade com o objetivo da revisão.

Análise qualitativa e quantitativa

Para avaliar o risco de viés do presente estudo, utilizou-se o software RevMan 5.4.1. A avaliação é baseada em sete domínios (geração da sequência aleatória; ocultação de alocação; cegamento de avaliação de desfechos reportados pelo paciente); cegamento de avaliação de desfecho (mortalidade por todas as causas); desfechos incompletos (curto prazo [2-6 semanas]); desfechos incompletos (longo prazo [> 6 semanas]); relato de desfecho seletivo; outras fontes de viés, os quais avaliam diversos tipos de vieses que podem estar presentes. O julgamento de cada um dos sete domínios em três categorias (alto risco de viés, baixo risco de viés e risco de viés incerto) que depende de um conhecimento prévio de cada avaliador dos critérios estabelecidos para cada julgamento. Concluindo, assim a análise dos riscos de viés dos estudos em percentual onde a qualidade dos estudos utilizados pode ser de alto risco, baixo risco ou incerto, após a análise, concluiu-se que os artigos são na sua maioria de baixo risco conforme Figura 1. Na Figura 2 encontra-se o fluxograma do processo de seleção dos artigos da presente revisão sistemática e meta-análise.

Figura 1. Gráfico de risco de viés.

CARACTERÍSTICAS DO ESTUDO

Figura 2. Fluxograma de processo de seleção da literatura.

RESULTADO

Um total de 143 indivíduos participaram de 4 estudos. A tabela 1 resume a característica das publicações incluídas. As modalidades esportivas presentes na amostra desta meta-análise foram futebol, futebol de salão, natação, MMA, brazilian jiu-jitsu e boxe. Em dois estudos foram encontrados atletas profissionais [17,18]; um estudo com atletas universitários [19] e outro com atletas recreativos [20]. Entre os quatro artigos selecionados, apenas um não informou a temporada, ou seja, o período do ano em que intervenção foi realizada [18]. Logo, um estudo foi realizado entre o inverno e o verão [17], outro entre o outono e verão [19] e um realizado no inverno [20]).

Tabela 1 – Caracterização das publicações analisadas (autores, país, sexo, idade média e desvio padrão, amostra, modalidade, temporada, ponto de corte, suplementação e desfecho).

AuthorsAlimoradi et al. 2019Michalczyk et al. 2020Rockwell et al. 2020Marley et al. 2020
CountryIranPolandEUAEngland
Gendermen and womenMenmen and women         men
Age (years)  (M)placebo 22 vitamin D 24N/A  placebo 19               vitamin D 2024
Age (DP)placebo ± 4.07 vitamin D ± 5.06N/Aplacebo ± 0.8 vitamin D ± 1.6  ± 4
Sample (N)69281927
Modalityfield football indoor soccerprofessional footballswimmingMMA, BJJ e boxing
SeasonN/Awinter and summerautumn and summer (august-november)winter
Cutoff<30 ng/mL (75 nmol/L) considered as undesirable vitamin D status.≤20 ng/mL 20 between 30 ng/mL 30 between 50 ng/mLlow < 50 nmol/L moderate 50-99.9 nmol/L or optimal ≥ 100 nmol/LN/A
Supplementation50,000 IU for 8 weeks10 days of sun exposure and 6 weeks of supplementation of 6,000 IU/d of cholecalciferol5,000 IU of D3 for 12 weeks50,000 IU (D1), 80,000 IU (D2) or 110,000 IU (D3) of D3 for 6 weeks
Outcomeleg press powerrunning test performance (5m)squat, deadlift and vertical jumppeak VO² from the bottom; peak VO² from the top, peak energy from the top; average power from the top

Utilizou-se um modelo randomizado para avaliar o efeito da suplementação de vitamina D na performance aeróbica (Figura 3A), apresentando baixa heterogeneidade durante a análise (I² = 0%, p=0,001). Para a performance anaeróbica, foram incluídos quatro estudos e uma baixa heterogeneidade foi encontrada (I² = 0%, p=0,50) (Figura 3B). Adicionalmente, foi utilizado uma análise de modelo aleatório para o cálculo do tamanho de efeito desses estudos. Os resultados desta meta-análise apontam um favorecimento de performance aeróbica para o grupo de intervenção, ou seja, aqueles que suplementaram a vitamina D (5.03, 95%CI: 2.79 to 7.27, p=0.001), os resultados, no entanto, não se estendem para a performance anaeróbica ((-0.01, 95%CI: -0.05 to 0.03, p= 0.50).

Figura 3. Gráfico de florest plot apresentando o efeito da suplementação na performance. (A) Efeito da suplementação de vitamina D na performance aeróbica. (B) Efeito da suplementação de vitamina D na performance anaeróbica. Mean: média. SD: desvio-padrão. 95% CI: intervalo de confiança.

DISCUSSÃO

O objetivo da presente meta-análise foi avaliar o efeito da suplementação de vitamina D sob a performance aeróbica e anaeróbica em atletas. Os resultados apontaram um efeito significativo da suplementação na performance aeróbica, mas não na performance anaeróbica. Atualmente, existe um baixo número de meta-análises que investiguem essas variáveis e a suplementação de vitamina D em atletas, independente da modalidade esportiva.

A suplementação de 25(OH)D é amplamente utilizada entre atletas e é aquela mais utilizada entre atletas com deficiência física [21,4,22]. O seu uso é capaz de induzir a miogênese e a síntese de proteína muscular, levando a maior quantidade e qualidade das células musculares de contração rápida, ou seja, fibras do tipo II, notadamente conhecidas pelo seu papel na potência, contração e desenvolvimento muscular [23,24]. A relação da vitamina D na performance esportiva e, sobretudo, em diferentes vias energéticas tem sido algo recorrente nos estudos e um grande desafio na literatura, uma vez que os resultados ainda são controversos [25].

PERFORMANCE AERÓBICA

A vitamina D tem sido associada a melhora na performance aeróbica [14,15], mas os mecanismos envolvidos nesse processo necessitam de melhor investigação, tendo em vista que estudos nessa temática ainda são limitados. [26] suplementaram vitamina D3 numa dosagem diária de 3000UI durante 12 semanas em homens e mulheres atletas de futebol gaélico e, embora tenha aumentado os níveis séricos de vitamina D, não foram encontradas melhoras significativas no VO2máx e outras variáveis de desempenho. Por outro lado, outro estudo que suplementou vitamina D3 em 36 jogadores de futebol com dosagem de 5000UI/dia, verificou um efeito moderado após 8 semanas quando o grupo de intervenção apresentou uma melhora de 20% no VO2máx [15]. Adicionalmente, [9] encontraram uma melhora no VO2 de pico superior e inferior em atletas de combate que suplementaram diferentes dosagens de vitamina D durante 6 semanas.

Os potenciais benefícios no desempenho aeróbio podem ser explicados pelas melhorias promovidas na respiração celular e no transporte de oxigênio [27]. [28] A vitamina D é capaz de regular o ferro presente no organismo, ofertando esse componente para aumentar a produção de hemoglobina. No presente estudo, por exemplo, pôde-se verificar um benefício significativo da suplementação da vitamina D para a performance aeróbica. Além disso, sugere-se que as enzimas CYP envolvidas na ativação da vitamina D para a 1,25-dihidrovitamina D3 biologicamente ativa possa conter proteínas heme, podendo assim influenciar a afinidade do oxigênio e sua ligação com a hemoglobina e melhorando, portanto, o transporte do próprio oxigênio e o desempenho aeróbico [29].

PERFORMANCE ANAERÓBICA

  Nesse sentido, a vitamina D é mostrada como um influente modulador no metabolismo do músculo esquelético, atuando no estimulo da expressão de genes que agem no crescimento muscular e especificação, em especial fibras de contração rápida [5]. Pesquisas apontam que a vitamina D é capaz de melhorar força muscular e massa, sendo capaz de estimular o restabelecimento do músculo da exaustão de exercícios intensos [30,31]. No que se refere ao exercício físico e sua notoriedade sobre os atletas, justifica-se que a baixa quantidade de vitamina D é capaz de prejudicar propriamente a força e desempenho muscular. Estudos realizados com atletas que apresentaram deficiência de vitamina D descrevem que a suplementação, presumidamente aprimora alguns parâmetros de desempenho muscular [32].

     Em virtude da carência de vitamina D na população, diferentes pesquisas têm sido propostas com objetivo de debater a analogia entre a insuficiência de vitamina D e seu impacto prejudicial na atividade esportiva [3,18,17]. Nesse sentido, [33] conduziu um estudo transversal com um grupo de 50 adolescentes jogadores de hóquei, do sexo masculino, onde encontraram uma alta prevalência de inadequação de vitamina D. Todavia não se fez referência positiva entre a concentração sérica de 25(OH) D e força muscular isométrica, habilidade de Sprint repetido ou desempenho de salto vertical [33]. Nesse contexto, na presente revisão sistemática e meta-análise com adultos atletas, também não foi verificado efeito da suplementação de vitamina D com desempenho anaeróbico. Vale destacar que em outra meta-análise constatou que a suplementação de vitamina D não foi eficiente na força muscular em indivíduos com concentrações de 25(OH)D superior a 25 nmol/L (10 ng/mL) na linha de base dos estudos [34]. Essa poderia ser uma das justificativas da falta de efeito da suplementação encontrada na atual revisão. Dessa forma, acredita-se que se os atletas suplementados tivessem deficiência de vitamina D antes da intervenção, os efeitos sobre esses parâmetros anaeróbicos pudessem ser mais evidenciados.

Diante do exposto, considerando o atual contexto pandêmico da COVID-19 e as medidas restritivas associadas à possível redução de exposição solar, inclusive, entre os atletas, supõe-se que ao longo dos anos de 2020 e 2021 houve aumento da prevalência de indivíduos com inadequação/deficiência de vitamina D, os quais poderiam ser beneficiados com a suplementação dessa vitamina. Contudo, mais investigações sobre essa temática no período em questão seriam necessárias para termos conclusões mais concretas a respeito dos benefícios da suplementação de vitamina D na performance aeróbica e anaeróbica de atletas que foram submetidos às condições acima descritas.

LIMITAÇÕES DO ESTUDO

Esta revisão é a primeira publicação a avaliar de forma conjunta os efeitos da vitamina D na performance aeróbica e anaeróbica em diferentes modalidades. Porém, deve-se considerar algumas limitações neste estudo. A variedade de atletas e esportes envolvidos – sejam eles indoor ou outdoor; o número relativamente baixo de artigos de intervenção incluídos e publicados (entre 2019-2021) impactados possivelmente pela pandemia da COVID-19; além de estudos potencialmente relevantes que se perderam devido ao critério de inclusão para publicações em língua inglesa.

CONCLUSÃO

A relação entre suplementação de vitamina D e desempenho esportivo, vem sendo bastante estudada no meio científico. Embora não possa afirmar de forma consensual, devido à heterogeneidade dos dados, os resultados dessa revisão verificou que a suplementação de vitamina D tem efeitos significativos na performance de atletas que praticam esporte que predominam a via aeróbica, no entanto, a suplementação não teve efeito sob a via anaeróbica. Embora haja imprecisões quanto ao papel da vitamin D no esporte, não há dúvida quanto a relação direta e indireta da Vitamina D sob a saúde. Dessa forma para que haja maior compreensão e confirmação dos dados obtidos a partir dessa revisão, novos estudos são necessários.

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