EDUCAÇÃO NA FLORESTA: A IMPLEMENTAÇÃO DAS IFAS COMO PROPOSTA PEDAGÓGICA PARA A REGIÃO NORTE DO BRASIL

EDUCATION IN THE FOREST: THE IMPLEMENTATION OF ITINERÁRIOS FORMATIVOS (IFAS) AS A PEDAGOGICAL PROPOSAL FOR THE NORTHERN REGION

EDUCACIÓN EN LA SELVA: LA IMPLEMENTACIÓN DE LOS ITINERARIOS FORMATIVOS (IFAS) COMO PROPUESTA PEDAGÓGICA PARA LA REGIÓN NORTE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202505311302


Mackson Azevedo Mafra1
Francenilce Lopes da Silva2
Ismênia Chagas de Jesus Alves3
Geane Barbosa da Silva4
Cliuvia Alberta Muniz Dinelly5
Adelane de Lima Costa6
José Farias Bernardes7
Átila de Souza8


Resumo

Este artigo analisa a implementação das Itinerâncias Formativas Amazônicas (IFAs) como proposta pedagógica inovadora no contexto da Região Norte do Brasil, à luz da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e da reforma do Novo Ensino Médio. Diante de desafios históricos como o isolamento geográfico, a precariedade da infraestrutura e a diversidade cultural das populações amazônicas, as IFAs emergem como alternativa curricular que busca integrar saberes tradicionais, sustentabilidade e metodologias ativas, promovendo uma educação contextualizada e inclusiva. A pesquisa, de natureza qualitativa e bibliográfica, articula referenciais teóricos contemporâneos e documentos oficiais, destacando os princípios norteadores das IFAs, como interculturalidade, itinerância, contextualização e flexibilidade curricular. São discutidos os principais desafios de implementação, como a formação docente, a tensão entre currículo nacional e local e o acesso a recursos tecnológicos. Por outro lado, evidenciam-se as potencialidades da proposta, incluindo o fortalecimento da identidade cultural, a redução da evasão escolar e a ampliação do engajamento dos estudantes. A análise crítica final aponta a necessidade de políticas públicas integradas e pesquisas futuras que consolidem as IFAs como caminho legítimo para uma educação decolonial, equitativa e territorialmente situada na Amazônia.

Palavras-chave: Itinerâncias Formativas Amazônicas. Novo Ensino Médio. Currículo Contextualizado. Educação na Amazônia. Interculturalidade.

Abstract

This article analyzes the implementation of the Amazonian Itinerant Formations (IFAs) as an innovative pedagogical proposal in the context of the Northern Region of Brazil, in light of the Common National Curriculum Base (BNCC) and the New High School reform. In the face of historical challenges such as geographic isolation, poor infrastructure, and the cultural diversity of Amazonian populations, the IFAs emerge as a curricular alternative that seeks to integrate traditional knowledge, sustainability, and active methodologies, promoting contextualized and inclusive education. This qualitative and bibliographic research articulates contemporary theoretical frameworks and official documents, highlighting the guiding principles of the IFAs, such as interculturality, itinerancy, contextualization, and curricular flexibility. The main implementation challenges are discussed, including teacher training, the tension between national and local curricula, and access to technological resources. On the other hand, the proposal’s potential is emphasized, including the strengthening of cultural identity, the reduction of school dropout rates, and the increased engagement of students. The final critical analysis underscores the need for integrated public policies and future research to consolidate the IFAs as a legitimate path toward a decolonial, equitable, and territorially situated education in the Amazon.

Keywords: Itinerários Formativos Amazônicos. New High School. Contextualized Curriculum. Education in the Amazon. Interculturality.

Resumen

Este artículo analiza la implementación de las Itinerancias Formativas Amazónicas (IFAs) como una propuesta pedagógica innovadora en el contexto de la Región Norte de Brasil, a la luz de la Base Nacional Común Curricular (BNCC) y la reforma del Nuevo Bachillerato. Frente a desafíos históricos como el aislamiento geográfico, la precariedad de la infraestructura y la diversidad cultural de las poblaciones amazónicas, las IFAs emergen como una alternativa curricular que busca integrar saberes tradicionales, sostenibilidad y metodologías activas, promoviendo una educación contextualizada e inclusiva. La investigación, de carácter cualitativo y bibliográfico, articula marcos teóricos contemporáneos y documentos oficiales, destacando los principios orientadores de las IFAs, como la interculturalidad, la itinerancia, la contextualización y la flexibilidad curricular. Se discuten los principales desafíos de implementación, como la formación docente, la tensión entre el currículo nacional y local y el acceso a recursos tecnológicos. Por otro lado, se destacan las potencialidades de la propuesta, como el fortalecimiento de la identidad cultural, la reducción del abandono escolar y el aumento del compromiso de los estudiantes. El análisis crítico final señala la necesidad de políticas públicas integradas e investigaciones futuras que consoliden las IFAs como un camino legítimo hacia una educación decolonial, equitativa y territorialmente situada en la Amazonía.

Palabras clave: Itinerarios Formativos Amazónicos. Nuevo Bachillerato. Currículo contextualizado. Educación en la Amazonía. Interculturalidad.

1. Introdução

A educação na Região Norte do Brasil apresenta um conjunto particular de desafios que refletem tanto sua dimensão territorial quanto sua complexa diversidade sociocultural. Composta em grande parte pela Floresta Amazônica, a região se caracteriza por extensas áreas de difícil acesso, baixa densidade demográfica e presença significativa de povos indígenas, ribeirinhos e comunidades tradicionais, o que impõe barreiras significativas à universalização do direito à educação (BRASIL, 2020). Tais obstáculos se expressam em desigualdades históricas quanto à oferta de infraestrutura escolar, formação de professores, permanência estudantil e acesso a propostas pedagógicas que considerem os contextos locais (OLIVEIRA, 2023).

Nesse cenário, a diversidade cultural da Amazônia exige práticas pedagógicas que respeitem e dialoguem com os saberes tradicionais e com as realidades dos territórios, conforme defendem Candau (2012) e Dussel (2015), que apontam a urgência de uma educação intercultural, descolonizadora e ancorada na escuta dos sujeitos históricos. No entanto, as políticas públicas nem sempre conseguem atender a essa pluralidade. Os modelos educacionais padronizados, muitas vezes centrados em lógicas urbanas e hegemônicas, acabam por invisibilizar as especificidades amazônicas, agravando o distanciamento entre escola e comunidade (MANTOAN, 2021).

Diante disso, as Itinerâncias Formativas Amazônicas (IFAs) emergem como uma proposta pedagógica inovadora voltada à formação docente e ao ensino médio, especialmente no contexto de implementação do Novo Ensino Médio, instituído pela Lei nº 13.415/2017. As IFAs são pensadas como estratégias de currículo flexível e integrado, com foco no protagonismo juvenil, na contextualização territorial e na articulação entre as áreas do conhecimento (BRASIL, 2022). Fundamentadas em práticas de alternância e aprendizagem ativa, as IFAs visam promover uma aproximação entre a escola e as experiências de vida dos estudantes amazônidas, reconhecendo seus modos de habitar, produzir e aprender nos territórios que ocupam (FERRAZ, 2022).

O presente artigo tem como objetivo analisar a implementação das IFAs na Região Norte, considerando seus fundamentos pedagógicos, os desafios enfrentados no processo de execução e os impactos observados nas práticas escolares e na formação docente. A pesquisa se justifica pela necessidade de compreender em que medida as IFAs respondem aos desafios históricos da educação amazônica, contribuindo para uma formação mais crítica, contextualizada e socialmente justa.

A metodologia adotada é de cunho qualitativo, com base em revisão bibliográfica, análise documental (como BNCC, Diretrizes Curriculares e orientações do Ministério da Educação) e, quando possível, o exame de relatos de experiências de professores e gestores envolvidos na implementação das IFAs. A análise será orientada por uma perspectiva crítico-dialógica, em diálogo com autores como Freire (1996), hooks (2013), Rojo (2013) e Costa (2022), que contribuem para uma reflexão sobre educação emancipadora, linguagem e currículo integrador em contextos periféricos.

2. As IFAs no Contexto da BNCC e do Novo Ensino Médio

A promulgação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em 2017, marcou uma reconfiguração significativa na organização do currículo da educação básica brasileira, especialmente no que diz respeito ao ensino médio. A BNCC estabelece uma formação geral básica comum a todos os estudantes e introduz os itinerários formativos como possibilidade de aprofundamento em áreas de interesse, de acordo com cinco eixos: Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, e Formação Técnica e Profissional (BRASIL, 2018).

Essa nova arquitetura curricular foi regulamentada pela Lei nº 13.415/2017, que propôs a reorganização do ensino médio com foco na flexibilidade, interdisciplinaridade e protagonismo juvenil. Os itinerários formativos passaram a ser, nesse contexto, uma estratégia para diversificar as trajetórias escolares e tornar a educação mais alinhada aos projetos de vida dos estudantes. Entretanto, especialistas como Ferraz (2022) e Coscarelli e Ribeiro (2021) alertam para os riscos da implementação homogênea desses itinerários em um país tão desigual, apontando a necessidade de adequações regionais para evitar a exclusão de grupos já historicamente marginalizados.

Nesse cenário, as Itinerâncias Formativas Amazônicas (IFAs) surgem como uma proposta inovadora, voltada à realidade da Região Norte, buscando garantir o direito à educação a partir das especificidades territoriais, culturais e sociais da Amazônia Legal. Diferentemente de modelos uniformizados, as IFAs propõem um currículo dinâmico e contextualizado, baseado em percursos pedagógicos itinerantes, que respeitam os tempos, trajetos e modos de vida das comunidades locais (BRASIL, 2022).

A implementação das IFAs articula os princípios da BNCC com os saberes tradicionais, os modos de vida ribeirinhos e indígenas, e a valorização das práticas socioculturais locais. Em vez de um currículo desconectado da realidade, as IFAs propõem a flexibilização curricular para integrar temáticas ambientais, sustentabilidade, ancestralidade, oralidade, memória e território — aspectos que são pouco contemplados nos modelos escolares convencionais (COSTA, 2022). Essa abordagem vai ao encontro do que defende Rojo (2013), ao enfatizar a importância dos letramentos múltiplos como forma de inclusão e valorização dos diferentes repertórios culturais.

Além disso, as IFAs adotam princípios da pedagogia da alternância, possibilitando que os estudantes articulem saberes escolares e comunitários, num processo formativo que reconhece o território como espaço educativo. Essa metodologia, já empregada em experiências de educação do campo e de povos tradicionais, favorece uma aprendizagem situada, participativa e crítica, conforme sugerido por autores como Freire (1996) e Dussel (2015).

Portanto, as IFAs não apenas se alinham aos princípios gerais da BNCC e do Novo Ensino Médio, como também representam uma adaptação estratégica que respeita e fortalece os direitos educacionais dos povos amazônicos, assegurando uma educação pública de qualidade, equitativa e culturalmente referenciada.

3. A Proposta Pedagógica das IFAs na Região Norte

A proposta pedagógica das Itinerâncias Formativas Amazônicas (IFAs) emerge como uma alternativa educativa inovadora que busca superar os limites impostos por uma escolarização padronizada e descontextualizada frente às realidades amazônicas. Fundamentada nos princípios da interculturalidade, contextualização, itinerância e metodologias ativas, essa abordagem visa integrar o conhecimento escolar aos saberes tradicionais, territoriais e comunitários da região Norte do Brasil (BRASIL, 2022).

A interculturalidade, enquanto princípio norteador, implica em reconhecer e valorizar a pluralidade de culturas presentes na Amazônia — indígenas, quilombolas, ribeirinhas e camponesas — como fontes legítimas de produção de conhecimento. Conforme Candau (2012), uma proposta pedagógica intercultural deve ir além da tolerância cultural e promover a dialogicidade entre os diferentes modos de ver e viver o mundo, o que exige da escola um reposicionamento epistemológico.

A contextualização, por sua vez, exige que o currículo dialogue com os modos de vida dos sujeitos amazônicos, considerando seus territórios, histórias, valores e práticas. Segundo Costa (2022), é essencial que a escola se assuma como um espaço de produção de sentido e pertencimento, articulando o conhecimento acadêmico com os desafios locais. As IFAs concretizam isso por meio de projetos educativos que partem das realidades locais, como os impactos socioambientais do extrativismo, a valorização das línguas indígenas, ou o estudo dos ciclos naturais dos rios.

A itinerância não é apenas física, mas epistemológica: implica deslocamentos entre comunidades, entre práticas formais e não formais de ensino, entre tempos escolares e tempos da floresta. Inspirada em experiências como a pedagogia da alternância, as IFAs favorecem uma formação que se realiza tanto na escola quanto nos espaços comunitários, promovendo vivências e aprendizagens significativas (OLIVEIRA, 2023).

No campo metodológico, as IFAs valorizam metodologias ativas, como a aprendizagem baseada em projetos, pesquisa de campo, rodas de conversa, oficinas com mestres da cultura local e trabalhos colaborativos. Essas estratégias buscam desenvolver o protagonismo estudantil, a investigação, a resolução de problemas reais e a criatividade, conforme defendem Coscarelli e Ribeiro (2021) e Freire (1996).

Entre os eixos temáticos estruturantes da proposta, destacam-se:

Biodiversidade e Sustentabilidade na Amazônia: estudo das espécies endêmicas, práticas agroecológicas, educação ambiental crítica e os impactos do desmatamento sobre os modos de vida locais. Projetos nesse eixo articulam Ciências da Natureza, Geografia e Biologia com experiências comunitárias de manejo sustentável (FERRAZ, 2022).

Linguagens e Expressões Culturais Regionais: valorização da oralidade, das narrativas tradicionais, das línguas indígenas, das expressões musicais e corporais. Atividades podem envolver oficinas de contação de histórias, produção de cordéis ou documentários sobre as culturas locais (ROJO, 2013).

Tecnologias e Inovação em Contextos de Floresta e Rios: reflexões sobre tecnologias apropriadas às comunidades ribeirinhas e indígenas, como sistemas de comunicação de baixo custo, transporte sustentável, energia solar e uso de aplicativos de georreferenciamento em educação ambiental e saúde (BRASIL, 2022).

As práticas pedagógicas desenvolvidas nas IFAs incluem, por exemplo, projetos interdisciplinares sobre a cadeia produtiva da castanha ou do açaí, oficinas de cartografia afetiva com lideranças locais, e parcerias com instituições como universidades federais, escolas indígenas, ONGs socioambientais e instituições culturais regionais. Essas práticas fortalecem o vínculo entre escola e comunidade e contribuem para a formação de sujeitos críticos, conscientes de seu papel na preservação do território e da memória cultural amazônica (SANTOS; JANERINE; FERNANDES, 2024).

Assim, a proposta pedagógica das IFAs se mostra potente por integrar currículo, território e cultura, configurando-se como uma experiência educativa coerente com os princípios de uma educação inclusiva, contextualizada e socialmente comprometida.

4. Desafios na Implementação

A implementação das Itinerâncias Formativas Amazônicas (IFAs) representa um avanço significativo na tentativa de adequar o Novo Ensino Médio às especificidades da Região Norte. Contudo, sua efetivação encontra uma série de desafios estruturais, pedagógicos e socioterritoriais que colocam em evidência a complexidade da realidade amazônica.

Um dos principais obstáculos está relacionado às dificuldades logísticas, em especial o transporte fluvial, que é o principal meio de deslocamento em muitas comunidades. O acesso às escolas localizadas em áreas ribeirinhas ou de mata fechada depende de embarcações, cuja operação exige tempo, recursos e planejamento. De acordo com o Relatório de Monitoramento da Educação na Amazônia Legal (INEP, 2021), aproximadamente 40% das escolas da região estão situadas em zonas rurais ou de difícil acesso, o que compromete a regularidade do calendário escolar, a chegada de materiais didáticos e a própria presença de professores e técnicos.

A infraestrutura precária dessas instituições é outro entrave relevante. Muitas escolas carecem de internet, bibliotecas, laboratórios, salas adequadas e recursos tecnológicos mínimos. Como destacam Costa (2022) e Oliveira (2023), essa precarização não é ocasional, mas consequência de um processo histórico de negligência das políticas públicas no trato com as populações amazônicas.

Outro desafio fundamental refere-se à formação docente. Atuar em contextos amazônicos exige mais do que domínio dos conteúdos escolares: requer sensibilidade intercultural, domínio de metodologias ativas e conhecimento das línguas e práticas locais. No entanto, grande parte dos professores da região não possui formação específica para lidar com essa diversidade. Segundo dados do Censo Escolar (INEP, 2022), mais de 30% dos docentes que atuam em escolas da floresta não têm licenciatura na área em que lecionam. Como afirmam Mantoan (2003) e Dussel (2015), a formação docente precisa se comprometer com a justiça curricular, valorizando os saberes locais e rompendo com uma lógica de homogeneização cultural.

Há ainda uma tensão latente entre o currículo nacional e as demandas locais. Embora a BNCC proponha uma base comum para todo o país, sua implementação na Amazônia exige adaptações que considerem os modos de vida e os repertórios culturais das comunidades. Essa tensão se manifesta, por exemplo, na escolha dos conteúdos, nas formas de avaliação e nos materiais didáticos utilizados. Como advertem Ferraz (2022) e Candau (2012), o risco é que a padronização curricular ignore as epistemologias indígenas, ribeirinhas e afro-amazônicas, contribuindo para a desvalorização do conhecimento local.

Por fim, a limitação no acesso a recursos tecnológicos compromete a realização de atividades que dependam de conectividade e equipamentos digitais. Em diversas comunidades, o acesso à internet é instável ou inexistente, e as escolas não dispõem de computadores ou dispositivos móveis suficientes para atender aos estudantes. Essa lacuna tecnológica acentua desigualdades, especialmente em um momento em que o uso de plataformas digitais e metodologias híbridas se intensifica no ensino médio (COSCARELLI; RIBEIRO, 2021).

Enfrentar esses desafios requer o fortalecimento de políticas públicas integradas, com investimento em infraestrutura, formação continuada de professores, produção de materiais didáticos regionalizados e diálogo constante com as comunidades. As IFAs, para cumprirem seu papel transformador, precisam de condições materiais e simbólicas que permitam a efetiva construção de uma educação amazônica crítica, inclusiva e territorializada.

5. Potencialidades e Impactos

A implementação das Itinerâncias Formativas Amazônicas (IFAs), enquanto proposta inovadora alinhada ao Novo Ensino Médio, tem se mostrado promissora no enfrentamento das desigualdades educacionais e no reconhecimento das especificidades socioculturais da Região Norte. Entre as principais potencialidades destacam-se o fortalecimento da identidade cultural, a promoção de uma educação contextualizada, a inovação nas práticas pedagógicas e a redução da evasão escolar.

Um dos impactos mais relevantes é o fortalecimento da identidade cultural, especialmente pela valorização dos saberes tradicionais e das práticas comunitárias dos povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas e extrativistas. Ao propor currículos que dialoguem com o território, as IFAs contribuem para a construção de uma educação que respeita às epistemologias locais e reconhece os sujeitos amazônicos como protagonistas de seus processos de aprendizagem. Segundo Candau (2012), a educação intercultural não apenas promove a equidade, mas também legitima formas diversas de produzir conhecimento, promovendo justiça curricular e cidadania ativa.

Nesse sentido, as IFAs promovem uma educação contextualizada, capaz de conectar os conteúdos escolares às vivências cotidianas dos estudantes. Essa abordagem gera maior engajamento dos alunos, pois rompe com a lógica da abstração descolada da realidade. Como aponta Freire (1996), o ato educativo precisa partir do mundo vivido pelos sujeitos, respeitando sua historicidade e visão de mundo. Na prática, isso se traduz em projetos que envolvem, por exemplo, o mapeamento da biodiversidade local, o estudo da oralidade indígena ou a análise dos impactos ambientais de grandes empreendimentos na região.

Além disso, a proposta favorece a inovação pedagógica, por meio de metodologias ativas, como investigação científica, rodas de conversa, oficinas de expressão artística e vivências em campo. Essas estratégias tornam o processo formativo mais dinâmico, criativo e próximo da realidade dos estudantes, valorizando a interdisciplinaridade e a resolução de problemas reais. Como reforçam Coscarelli e Ribeiro (2021), a flexibilização dos itinerários formativos permite a construção de percursos personalizados, em que os estudantes se tornam agentes de sua própria formação.

Outro impacto significativo das IFAs é a redução da evasão escolar. Ao ofertar uma proposta curricular mais conectada com os interesses juvenis e com o contexto amazônico, a escola passa a fazer mais sentido na vida dos alunos. Dados do Observatório da Educação na Amazônia (SANTOS; JANERINE; FERNANDES, 2024) indicam que projetos integradores desenvolvidos em comunidades ribeirinhas reduziram em até 28% os índices de abandono escolar em determinadas regiões entre 2020 e 2023. Esse resultado evidencia o potencial das IFAs para enfrentar um dos maiores desafios da educação básica na região: manter os jovens na escola com sentido e propósito.

Portanto, ao integrar cultura, território, juventude e inovação, as IFAs constituem-se como um modelo pedagógico transformador, especialmente relevante para os contextos amazônicos. Sua consolidação, no entanto, depende de políticas públicas consistentes, da escuta ativa das comunidades escolares e do reconhecimento da Amazônia não como periferia, mas como centro produtor de saberes e possibilidades educativas.

6. Análise Crítica: Caminhos e Contradições das IFAs na Amazônia

A proposta das Itinerâncias Formativas Amazônicas (IFAs), tal como delineada nas políticas do Novo Ensino Médio, representa um passo significativo no reconhecimento da diversidade territorial, cultural e pedagógica da Região Norte. No entanto, uma análise crítica evidencia que sua implementação se dá em meio a tensões estruturais, epistemológicas e políticas que desafiam a efetividade e a equidade dessa inovação curricular.

Embora as IFAs tenham o mérito de valorizar saberes locais e promover a contextualização dos conteúdos escolares, sua concretização esbarra em desigualdades históricas que atravessam o sistema educacional amazônico, como o subfinanciamento da educação básica, a carência de infraestrutura nas comunidades isoladas e a ausência de políticas públicas sustentáveis voltadas à formação docente em contextos interculturais. Como observa Dussel (2019), há um risco constante de projetos decoloniais serem absorvidos por estruturas coloniais quando não há transformação real das bases institucionais e pedagógicas.

Além disso, persiste a tensão entre a padronização da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a necessidade de garantir autonomia pedagógica para responder às realidades locais. O currículo ainda opera, em muitos casos, como um instrumento normativo centralizador, o que pode limitar a efetividade de propostas como as IFAs. É necessário avançar para um modelo mais dialógico e participativo de elaboração curricular, como defendem autores como Candau (2012) e Moreira e Silva (1994), que compreendem o currículo como território de disputas e negociações culturais.

Outro ponto crítico diz respeito à inclusão digital e tecnológica. A proposta das IFAs prevê o uso de tecnologias e metodologias ativas, mas em muitas comunidades ribeirinhas, indígenas e extrativistas, o acesso à internet, energia elétrica e equipamentos básicos ainda é escasso. Sem enfrentar essa lacuna, corre-se o risco de produzir uma “modernização excludente”, onde a inovação pedagógica é restrita aos centros urbanos ou escolas-polo mais estruturadas.

Por outro lado, as IFAs revelam potencial transformador, sobretudo ao reposicionar a Amazônia como produtora de saberes e não apenas como cenário exótico ou carente. As experiências pedagógicas baseadas em vivências comunitárias, projetos interdisciplinares e diálogos interculturais têm demonstrado impactos positivos na permanência escolar, no engajamento juvenil e no fortalecimento da identidade cultural, conforme mostram pesquisas recentes (SANTOS; JANERINE; FERNANDES, 2024).

Conclui-se, portanto, que as IFAs são uma proposta promissora, mas ainda em construção, que exige investimentos estruturais, revisão crítica das políticas curriculares e, sobretudo, escuta ativa dos sujeitos amazônicos. A floresta, os rios e os povos da Amazônia devem ser compreendidos não como obstáculos ao desenvolvimento educacional, mas como fontes legítimas de conhecimento e inspiração para uma pedagogia verdadeiramente transformadora.

7. Considerações Finais

A análise da implementação das Itinerâncias Formativas Amazônicas (IFAs) evidencia um esforço legítimo de adaptação do Novo Ensino Médio às realidades socioambientais e culturais da Região Norte. Ao longo deste artigo, discutimos como essa proposta pedagógica articula princípios como interculturalidade, contextualização e metodologias ativas, promovendo uma educação mais sensível às especificidades dos povos da floresta, das margens dos rios e das comunidades tradicionais.

As IFAs se revelam como uma política educacional inclusiva e necessária, na medida em que valorizam os saberes locais, promovem o protagonismo estudantil e enfrentam as lacunas de um currículo historicamente homogêneo e descontextualizado. A flexibilização curricular, aliada à incorporação de temas como biodiversidade, cultura regional e tecnologias apropriadas, mostra-se promissora para reduzir a evasão escolar, aumentar o engajamento e garantir o direito à aprendizagem de forma equitativa.

Entretanto, os desafios persistem e não devem ser negligenciados. Barreiras logísticas, limitações tecnológicas, formação docente insuficiente e a tensão entre diretrizes nacionais e demandas locais impõem limites à eficácia das IFAs. É fundamental que governos, instituições formadoras e comunidades escolares atuem de forma articulada para garantir condições materiais, pedagógicas e políticas que sustentem essa proposta.

Para além da implementação técnica, é urgente que se promovam pesquisas futuras que acompanhem o impacto das IFAs em diferentes contextos amazônicos, especialmente no que diz respeito à permanência dos estudantes, ao desenvolvimento de competências interculturais e à valorização dos saberes tradicionais. Estudos de caso, avaliações participativas e investigações colaborativas com as comunidades locais podem oferecer subsídios valiosos para o aprimoramento contínuo da proposta.

Conclui-se, assim, que as IFAs representam mais que uma estratégia pedagógica: constituem-se em uma oportunidade de repensar a educação nacional a partir das margens, reconhecendo na Amazônia não apenas um território de desafios, mas também um espaço de potência, resistência e reinvenção pedagógica.

8. Referências

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1Doutor em Ciências da Educação, Universidad de la Integración de Las Américas (UNIDA), Asunción, Paraguay. E-mail: mackson.azevedo@hotmail.com
2Mestranda em Ciências da Educação, Universidad de la Integración de Las Américas (UNIDA), Asunción, Paraguay. E-mail: francenilce.silva@prof.am.gov.br
3Mestranda em Ciências em Educação, Christian Business School, Orlando, FL. US. E-mail: ismeniaikuno@gmail.com
4Mestra em Ciências da Educação, Instituição: Universidade San Lorenzo (UNISAL). San Lorenzo, Paraguai. E-mail: geane36barbosa@gmail.com
5Doutoranda em Ciências da Educação, Universidad de la Integración de Las Américas (UNIDA), Asunción, Paraguay. E-mail: cliuviadinelly123@gmail.com
6Mestra em Ciências da Educação, Universidad de la Integración de Las Américas (UNIDA), Asunción, Paraguay. E-mail:adelane.lima.costa@ gmail.com
7Mestre em Educação pela Universidad de Los Pueblos de Europa (UPE), Malagá, España. E-mail: jose.bernardesmsc@gmail.com
8Doutorando em Ciências da Educação, Universidad de la Integración de Las Américas (UNIDA), Asunción, Paraguay. E-mail: atilabio@hotmail.com