EDUCAÇÃO KAINGANG E SABERES DO TERRITÓRIO

KAINGANG EDUCATION AND KNOWLEDGE OF THE TERRITORY

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12672705


Fernando Loureiro Luchetta1,
Isael da Silva Pinheiro2


RESUMO

O artigo aborda a educação tradicional indígena kaingang como “saberes do território”, sendo transmitido de geração para geração. A pesquisa é fruto de um conviver com a comunidade indígena kaingang de Nonoai (RS), tendo como objetivo refletir sobre a educação e a cultura tradicional deste povo. Além disso, busca identificar e sistematizar os saberes a respeito do território, dos seus limites, da história das perdas e das conquistas, constituindo fontes de conhecimento para serem ensinados na escola. A pesquisa é qualitativa, de cunho interdisciplinar e os procedimentos metodológicos consistem na metodologia colaborativa, ressignificada nos fundamentos da reciprocidade e da complementaridade. A pesquisa foi realizada em forma de diálogo entre os saberes tradicionais e saberes escolares, valorizando os saberes que são transmitidos pela oralidade dos kujá (sábios) e kófa (pessoas mais velhas), que são os guardiões dos saberes ancestrais. Portanto, faz um elo, colocando em diálogo a educação tradicional, a educação escolar e a cultura kaingang. Conclui-se que os territórios indígenas foram e ainda são alvo de ameaças e invasões, com ocupações indevidas, desconhecendo os direitos dos povos originários. O povo kaingang tem sofrido perdas territoriais significativas e a luta pela retomada vem sendo também um processo educativo. Além dos desafios territoriais, o povo kaingang enfrenta, atualmente, problemas com racismo, preconceito, violação aos direitos, falta de políticas para que a educação escolar seja realmente específica, bilíngue e intercultural.

Palavras-chave: Educação kaingang. Educação escolar indígena. Saberes do território.

1 INTRODUÇÃO

A Educação Escolar Indígena no Brasil, nestes mais de cinco séculos de colonização, passou por diferentes momentos históricos. Desde a chegada dos jesuítas, no ano de 1549, até os dias atuais muitas e variadas experiências de escolarização foram vivenciadas pelos povos originários deste território chamado Brasil. O objetivo principal dos processos de escolarização impostos aos povos indígenas era para que fossem totalmente dominados e essa prática predominou até o final do Século XX. A partir de uma educação escolar colonizadora, os indígenas eram obrigados a incorporar aquilo que não era importante para o seu dia a dia, pois a escolarização não fazia parte de seu cotidiano e não existia direito à diversidade cultural e linguística, conquistado recentemente com a Constituição Federal de 1988.

A primeira forma de escolarização foi imposta aos povos indígenas, voltada para o mundo europeu e para os valores da religião cristã, em que a catequese era a maneira predominante de educar, principalmente, as crianças. As escolas indígenas vêm lutando por uma educação específica e pelo reconhecimento de um currículo próprio de cada povo, ou seja, uma educação escolar diferenciada e de qualidade, com o objetivo de contemplar os saberes tradicionais, sociais e culturais. Mesmo com todas as leis que garantem uma escola indígena diferenciada, ainda predomina o modelo de educação ocidental. Desta feita, para se pensar numa educação escolar indígena de qualidade, que contemple os saberes do território, é necessário compreender a sua história, desde o início da colonização até a conquista de uma escola indígena diferenciada, bem como reconhecer quem foram/são seus aliados e quando esta modalidade de educação aparece de fato no cenário da educação escolar brasileira.

É preciso dizer que, nestes cinco séculos, os povos indígenas vêm resistindo à colonização e superando os desafios para poder ter uma educação de qualidade e uma escola própria em suas comunidades. Atualmente, a educação escolar indígena vem lutando por uma proposta intercultural, bilíngue e diferenciada, que seja contra os projetos da educação colonizadora. Com as mudanças significativas propiciadas pela Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), a política indigenista oficial e a educação escolar indígena tiveram grandes avanços. A realidade atual da educação indígena vem de um longo período histórico de lutas e resistência de lideranças indígenas.

Quando se fala em escola indígena, devemos levar em consideração que se trata de uma educação específica e diferenciada já garantida. A escola diferenciada tem como base as metodologias e os princípios geradores de transmissão, produção e reprodução de conhecimentos socioculturais específicos de cada povo indígena, assegurando os conhecimentos próprios da comunidade, em complementação aos conhecimentos científicos e tecnológicos que vem da sociedade não indígena.

Dessa forma, o presente artigo aborda a educação tradicional indígena kaingang como “saberes do território”, sendo transmitido de geração para geração. O estudo é fruto de um conviver com a comunidade indígena kaingang de Nonoai (RS), tendo como objetivo refletir sobre a educação e a cultura tradicional deste povo, pois praticamente é impossível falar de educação e de escola sem saber a história e o significado de um território indígena. A luta pelo território vem primeiro, pois é a condição para a existência e a resistência de um povo. Os territórios indígenas foram e ainda são alvo de invasões e ocupações indevidas, ações que violam os direitos originários dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além dos desafios territoriais, o povo kaingang enfrenta, atualmente, problemas com racismo, preconceito, violação aos direitos, falta de políticas para que a educação escolar seja específica, bilíngue e intercultural.

TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL

O primeiro contato dos europeus com os povos indígenas existentes no Brasil foi amistoso. Anos depois tornou-se devastador, pela destruição física e cultural, através de guerras e escravidão, tendo sobrevivido apenas parte das nações originárias. Ainda hoje é sentido o eco da violência colonial, onde famílias indígenas migraram de seus territórios originários para as cidades em busca de alternativas e sobrevivência. Contudo, no contato com a sociedade branca, vivenciam vários tipos de problemas como a violência, discriminação, preconceito e racismo.

O Brasil tem uma extensão territorial de 851.196.500 hectares, ou seja, 8.511.965 km quadrados. As Terras Indígenas (TI) somam 732 áreas, ocupando uma extensão total de 117.377.533 hectares, ou 113.776 km quadrados. Assim, 13.8% das terras do país são reservadas aos povos indígenas.   Segundo o IBGE (2010), as localidades indígenas do Brasil estão distribuídas em 827 municípios. Do total de terras tradicionalmente ocupadas, 632 são terras oficialmente delimitadas. Há ainda 5.494 agrupamentos indígenas, 4.648 em terras indígenas e 846 fora desses territórios. O censo demográfico de 2010 foi a primeira pesquisa que registrou a quantidade de etnias e de línguas indígenas existentes no Brasil e naquela época foram contadas 896,9 mil indígenas de 305 etnias ou povos, falantes de 274 línguas. Resultados do censo demográfico 2022, recém-divulgados pelo IBGE, apontam que hoje no Brasil são 1.652.876 de indígenas, números 84% maior do que o contabilizado no levantamento de 2010, mostrando um intenso crescimento populacional.

Mesmo com o crescimento da população, e com toda a luta, as comunidades indígenas estão seriamente ameaçadas pela expansão econômica do país. O crescimento das cidades, das lavouras, as hidrovias, garimpos, madeireiras, estradas e linhas de transmissão de energia e outras formas de “progresso” invadem as terras indígenas e interferem no equilíbrio sociocultural e ambiental de seus territórios.

Mas as perdas territoriais não são de hoje: durante o segundo reinado, o governo do Brasil tomou uma medida que seria determinante para a história de concentração fundiária. No ano de 1850 o imperador Dom Pedro II assinou a Lei da Terra (Lei nº 601), por meio da qual o governo do país oficialmente optou por ter a zona latifundiária e não pequenas propriedades. Essa lei, sancionada por D Pedro II em 1850, determinou parâmetros e normas sobre a posse, manutenção, uso e comercialização de terras, estabelecendo a compra como única forma de obtenção de terras públicas. A Lei da Terra foi uma fachada legal que permitiu as maiores crueldades contra os povos indígenas e foi a primeira iniciativa de organização da propriedade privada no Brasil.

A situação dos povos originários foi bastante singular, porque em nenhum momento a Lei de Terras considerou que estes eram os verdadeiros donos das terras, fato que deveria ser assegurado legalmente. Segundo essa lei, os indígenas teriam direito sobre suas terras simplesmente pelo fato de serem povos originários e não havia necessidade da legitimação. A lei de terras de 1850 contribuiu muito para o avanço da colonização para os aldeamentos de Guarita, Nonoai e Campo do Meio, no estado do Rio Grande do Sul.

OS GRANDES ALDEAMENTOS NO RIO GRANDE DO SUL

 No século XIX o governo da província do Rio Grande do Sul chegou a formular o projeto de um aldeamento único para os kaingang que habitavam esta região, reunindo todos nos campos de Nonoai e promovendo a extinção de vários outros aldeamentos. No ano de 1847, em Nonoai, um movimento foi realizado sob o comando do capitão Marcelino Carmo, com objetivo de reter os indígenas em um aldeamento único, que contava com a presença de mais de 800 kaingang vindos de regiões vizinhas. Esse processo teve a colaboração do cacique Condá. Com apoio do líder Kaingang, os fazendeiros estavam cada vez mais armados e, ao seu redor, os indígenas se sentiram acuados e pressionados. Então foram buscar proteção e segurança no grande aldeamento de Nonoai.

Esse grande aldeamento foi demarcado em 1856, tendo como limites os rios Uruguai, Passo Fundo e Rio da Várzea. Porém, a área foi invadida aos poucos e o território demarcado no início do século XX foi reduzido a uma pequeníssima fração na comparação do que era antes. A ideia de aldeamento único dos kaingang não deu certo, pois os caciques que viviam com sua gente nos mais diversos locais da província sempre foram autônomos em seu território e não dava certo colocá-los todos juntos no mesmo local. Os aldeamentos, juntamente com as estradas, serviram para acelerar a desocupação dos territórios e deixá-los “livres” para o desenvolvimento.

O aldeamento vem a ser um acontecimento importante na vida dos Kaingang, pois esta forma de agrupamento, nada mais era do que uma tentativa de manter essa população sob controle e confinados em um lugar definido, sob a “proteção” do Estado. Esta concentração populacional de certa forma pretendia eliminar a ideia de uma unidade existente entre as duas famílias, no caso a Kamé e Kairukré, através da ação missionária. Além do mais, a fundação dos três primeiros aldeamentos nos anos finais de 1840 representava a definição de espaços, isto é, o planalto como sendo local de origem e preferência dos Kaingang. (BRAGA, 2015, p. 36).

No início do século, em 1824, chegam os imigrantes alemães, fundando quatro núcleos de colonização, havendo muitos conflitos e mortes de indígenas. São poucos os documentos que trazem esses números de confrontos e mortes dos indígenas no início da colonização. Pouco mais tarde chegou no território onde hoje é o Brasil os imigrantes italianos, com o objetivo de trabalhar na terra e criar gado. Apesar das dificuldades encontradas, o processo de colonização não parou, pois, as novas estradas abertas possibilitaram o acesso aos territórios indígenas, ação que forçou os kaingang a viverem em pequenos aldeamentos. Os efeitos deste aperto colonizador ainda estão presentes nas comunidades indígenas: o território é pequeno e a comunidade cresceu, tornando as aldeias menores do que eram a tempos atrás.

As novas demarcações e a abertura de estradas foram passas determinantes para a ocupação do território kaingang, pois as rodovias vão se tornando um importante divisor de espaços entre colonizadores e indígenas. Essas estradas fazem parte do projeto de usurpação das terras, pois os indígenas eram/são considerados empecilhos para o desenvolvimento. Com a abertura das estradas inicia-se, de forma mais sistemática, a conquista dos territórios indígenas do Rio Grande do Sul, projeto que gera muitos conflitos entre os trabalhadores brancos e indígenas, pois a colonização não olhava se havia no local comunidades originárias. Outro fator que gerou muitos conflitos foi o uso forçado dos indígenas no trabalho.

Com abertura de via de comunicação houve a intensificação do contato entre indígenas e não indígenas e com isso a retaliação dos territórios sob domínio dos kaingang, a interferência sociocultural e linguística, a exposição dos indígenas a doenças desconhecidas devido ao contato mais intenso com a população branca.  Grande parte das terras indígenas foi considerada devoluta, como se não estivesse ocupada pelos povos originários e por isso foram sendo vendidas ou doadas de forma fraudulenta em favor de grileiros, que se tornaram os donos dos títulos de propriedade expedidos pelos governos da província. Com esse documento em mãos, os colonos passaram a ser donos da terra, podendo vender e comprar, pois esse documento dava total autonomia para eles.

A expansão econômica e extrativista dentro das aldeias se deu com o objetivo de explorar a madeira e desenvolver a agricultura. As terras onde se encontravam as aldeias indígenas tinham um valor menor, devido às dificuldades encontradas com as resistências indígenas por não deixar a colonização entrar em suas terras pacificamente.

No começo de século XX o governo da província e logo depois a SPI (Serviço de Proteção aos Índios) começaram a demarcar terras indígenas, na mesma linha de conduta de reduzir os territórios e impedir a circulação, obrigando os indígenas a ficarem nos limites das suas reservas. Esse órgão estatal, criado em 1910, tinha como principal finalidade proteger os indígenas e, ao mesmo tempo, assegurar a implementação de uma estratégia de ocupação territorial.  Na década de 1930 o órgão de proteção passou a se envolver com outros interesses, apoiando fazendeiros, madeireiros, políticos regionais, colonos e demais interesses que tinha objetivo de explorar as terras indígenas, especialmente as áreas kaingang, que eram riquíssimas.

No Rio Grande do Sul, nos anos 1940, grande parte de áreas indígenas foram transformadas em reservas florestais. Alguns anos mais tarde essas mesmas reservas foram transformadas em lotes coloniais e distribuídos para os agricultores. Na década de 1960 o governo estadual Leonel Brizola, implementou uma política ilegal de reforma agrária dentro da comunidade indígena e com isso algumas das terras foram extintas, como Serrinha e Ventara. Outras foram reduzidas, como o caso da TI Nonoai, em 1911 havia um território de 34.907 hectares, dos quais 19.998 hectares foram retirados e transformados em reserva florestal; em 1949, dessa área foi retirada 2.499 hectares que foi transformado em lotes coloniais e doados aos colonos com documentos de posse da terra. Com pouco tempo as áreas doadas pelo governo se transformaram em um bairro, conhecido como a secção do município de Planalto.

Segundo Danilo Braga (2015) às ações sucessivas de governos foram diminuindo o antigo aldeamento de Nonoai, que na década de 1980 nada mais era do que uma pequena aldeia chamada de Iraí. Os habitantes passam a solicitar junto a FUNAI demarcação não só da área onde viviam, mas também do entorno que lhes foi tomado em anos anteriores.

Convém dizer que além de explorar os recursos naturais das áreas, nos anos 1950 o SPI explorava também a mão-de-obra indígena nas aldeias. Em meio a muitas denúncias de corrupção, com repercussão internacional o governo decide extinguir o SPI, criando a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) no ano de 1967.

Nós usávamos os machados para derrubar as árvores maiores e não podíamos rodear a árvore para derrubá-la, nós tínhamos que saber cortar com o lado direito e esquerdo, sempre havia alguém cuidando. Se não conseguisse cortar ou derrubar uma árvore, tanto o lado esquerdo como o direito eram reprimidos. Se não tomava cuidado o chicote pegava valendo… (Depoimento de morador da TI de Nonoai, RS)

A FUNAI tinha como objetivo a emancipação econômica dos povos indígenas, o que não quer dizer que visava a autonomia econômica dos povos. Este órgão foi o responsável por iniciar a produção de soja e trigo em grande escala nas terras indígenas do sul do Brasil, principalmente nas décadas de 1970 e 1980. A intenção de implementar uma política de desenvolvimento e forçar a modernização da força produtiva nas terras indígenas impulsiona mais tarde os arrendamentos das terras indígenas. Essa política de arrendamentos que vinha desde o SPI acabou estimulando a invasão do território indígenas pelos colonos que tinham apoio do governo para produzir dentro das reservas. Em função desta política, muitas aldeias ficaram sem mata nativa e até os dias de hoje algumas aldeias não tem mais mata para seus habitantes fazerem uma coleta de matéria prima para confeccionar o artesanato e aprender com e na mata; os rios estão acabados pelo uso de agrotóxico nas lavouras. 

Cansados dessa política de invasão, os Kaingang tomam a decisão de expulsar os não indígenas de suas terras: em maio de 1978, com a queima de sete escolas que tinha dentro da aldeia de Nonoai inicia o processo de expulsão dos brancos. A comunidade kaingang, liderada pelo cacique Nelson Xangrê, expulsa de sua terra 1.300 famílias de colonos intrusos. Segundo as falas de Xangrê, em entrevista ao jornal Zero Hora de setembro de 1998, naquela época ele era jovem e fez o que precisava ser feito, não medindo as consequências. Pagou um preço bem caro por sua ousadia, pois teve de se esconder por muito tempo no interior das aldeias de Nonoai, Rio da Várzea e Iraí. Xangrê faleceu no ano de 2021 e está enterrado na TI de Nonoai.

Apesar da resistência, as perdas foram muitas, pois sempre teve política de ocupação pelos brancos. Só após a Constituição Federal de 1988 e com apoio de entidades parceiras, retomou-se a luta para a recuperação de terras expropriadas ilegalmente aos kaingang. Segundo a Constituição, em seu artigo 231:

São reconhecidos aos índios sua organização social costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à união demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos seus os seus bens. $1ºSão terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e por eles habitados em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e os necessários a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. (BRASIL, 1988).

Segundo Danilo Braga (2015), a questão atual da terra no Rio Grande do Sul é de mais de quinze pedidos de identificação para devolução, revisão e ampliação, não contando com as reivindicações dos Guaranis e Charruas. De posse de documentos que comprovam a legitimidade de seus pedidos, as lideranças indígenas pressionam a FUNAI, pedindo agilidade para solucionar esta demanda tão importante para sua sobrevivência física e cultural de seu povo.

As terras que foram recuperadas e que estão atualmente sob a posse dos povos originários encontram-se devastadas, muitas delas degradadas pela ação da exploração dos bens naturais existentes e de exploração. No Rio Grande do Sul, algumas aldeias ainda lutam para ter suas terras de volta, assim como os kaingang de Nonoai, que lutam pelos limites da demarcação original de suas terras; outras lutam pelo reconhecimento e demarcação de terras de ocupação tradicional.

Atualmente são mais de 32 mil indígenas vivendo no Rio Grande do Sul, conforme dados da Fundação Nacional da Saúde (FUNASA 2006). Os Kaingang vivem basicamente da agricultura e do artesanato que ajuda na renda familiar desde o momento em que a coleta de frutos e a caça tornaram-se difíceis. A FUNAI, hoje denominada Fundação Nacional dos Povos Indígenas, trabalha basicamente com a questão fundiária. A Secretária Especial de Saúde Indígena trata das questões de saúde e a educação quem atende é a SEEDUC (Secretaria de Estado da Educação).

Importante ressaltar que o marco temporal é um documento jurídico que ameaça os povos originários, pois só reconhece as terras que estavam ocupadas no momento em que foi promulgada a Constituição Federal, ou seja, até o dia 05 de outubro de 1988. Caso o marco temporal seja aprovado contra os povos nativos, isso será uma grande ameaça à sobrevivência de muitas comunidades indígenas, bem como das florestas, dos recursos naturais que existem dentro das aldeias indígenas. Caso essa tese seja aprovada contra os povos originários aumentará os riscos de conflitos, pois terras ocupadas depois desta data, mesmo sendo tradicionais, não serão reconhecidas legalmente. Muitos povos indígenas poderão ser expulsos de suas próprias terras, como se fossem invasores e não os legítimos donos de toda esta terra chamada Brasil.

TERRA E TERRITORIALIDADE INDÍGENA NONOAI

A origem do nome Nonoai vem das palavras Nona-dormir e hay- ferimento. Na língua kaingang a palavra Nona e Hay, aglutinados, resultaram na palavra Nonohay, que significa dormindo ferido. Os mais velhos contam que no ano de 1838, João Batista Lajus teve uma conversa com o cacique da Terra Indígena de Nonoai, pedindo que levasse seu povo a 7 léguas para oeste de onde viviam, pois, seus planos era abrir uma estrada bem onde os kaingang estavam. Os indígenas se mudaram, ou melhor, foram transferidos para o interior, rumo a oeste, deixando livre para futura estrada com condições de que os brancos que ali aportaram não fossem importunados pela presença dos povos originários. A condição foi aceita pelo cacique Nonoai. Os indígenas se comprometem a retirar-se o mais breve possível, deixando ampla liberdade aos bancos para abrirem a sua estrada e começar a fundação da futura vila que teria o nome de Nonoai, em homenagem ao velho e bondoso cacique, como diz a placa na praça da cidade. Segundo relatos, o cacique Nonoai morreu com 120 anos, porém não se sabe onde está sepultado o corpo deste cacique que empresta nome ao município e a uma das maiores terras indígenas do Rio Grande do Sul.

A População indígena de Nonoai no ano de 1945 era de 525 kaingang. Já, no ano de 1975 viviam na comunidade 997 kaingang. A população kaingang de Nonoai no século XX cresceu e no de 2005 já eram em torno de 2.100 kaingang. No censo realizado no ano de 2010 na comunidade de Nonoai tinha aproximadamente 2.561 kaingang. Atualmente a população é de 3.247, segundo dados da FUNASA, de 2023. A TI Nonoai possui hoje 35.040 hectares de área definida. Desta área, 16.000 hectares estão demarcados como Parque Florestal e 108 hectares, situados a leste da Aldeia Bananeiras, no município de Gramado dos Loureiros estão em litígio. Da área total, cerca de 19.040 hectares são utilizados regularmente para habitação, cultivo e exploração, visto que cabe aos indígenas a posse permanente das terras que habitam e o direito ao usufruto exclusivo, conforme a Constituição Federal. Este território é uma ótima terra para ser cultivada e esse cultivo tanto é realizado pelos próprios indígenas ou pelos não indígenas, que prestam serviços para os indígenas com autorização do Ministério Público. 

A TI de Nonoai, localizada ao norte do estado do Rio Grande do Sul, engloba quatro municípios: Planalto, Rio dos Índios, Gramados dos Loureiro e Nonoai e todos têm na agricultura a base de sua economia. Por isso, a Terra Indígena Nonoai está cercada por grandes extensões de plantio, em especial da monocultura da soja, que adentra seu território, embora ainda se encontre famílias trabalhando com pequenas lavouras onde plantam para sua subsistência. Também existe uma grande extensão de mata, onde são coletadas matérias primas para o artesanato, para a elaboração de comidas típicas e coletas de alimentos, como o pinhão.

Nas palavras de Milton Santos (2001) a territorialidade não provém do simples fato de viver num lugar, mas da comunhão que com ele mantemos. “O território em que vivemos é mais que um simples conjunto de objetos, mediante os quais trabalhamos, moramos, mas também um dado simbólico, sem o qual não se pode falar de territorialidade” (SANTOS, 2001, p. 83-84). Quando se fala em território para os povos originários, não se tem apenas o sentido do bem material ou fator de produção, mas sim no ambiente em que se desenvolvem todas as formas de vida, da fauna e da flora. Portanto, território é o conjunto de seres vivos, espíritos, valores, conhecimentos, tradições que garantem a vida individual e coletiva do povo.  A terra é um fator fundamental de resistência, pois sem seu território o povo fica sem história. Para nós, povos originários, a terra não é simplesmente terra, ela é a nossa mãe.

O território permite recuperar e valorizar a história da ocupação pois ela contém a história do povo e tem um significado para cada comunidade. As lideranças locais e tradicionais, mesmo sendo muitas vezes não letradas, adquirem prestígio tanto no nível interno da comunidade, quanto na relação com a sociedade de fora da aldeia. Para se tornar um líder em uma comunidade indígena a pessoa deve ter grande consideração entre os indígenas e não indígenas. A maioria das vezes as pessoas se tornam líderes nas lutas pelos direitos do seu povo, nas reivindicações por demarcação de terra. Lideranças são pessoas que conhecem muito bem a comunidade e dela tem o maior respeito. “A política do território tinha as mesmas bases que a política da economia, da cultura, da linguagem, formando um conjunto indissociável – a comunidade” (SANTOS, 2001, p. 31). O território indígena é sempre uma referência para nossa ancestralidade e é na terra que se encontra gravada a história dos heróis indígenas, vivos ou mortos. É no território que se busca forças para lutar e é nele que se pretende a sobrevivência das novas gerações. Para nós, povos indígenas, o território é sagrado.

Nesse sentido, a demarcação das terras indígenas não só estabelece os limites físicos dos territórios, mas tem como objetivo proteger de invasões e ocupações por partes dos brancos. Garantir a proteção dos limites é uma forma de preservar a identidade, o modo de vida, as tradições e a cultura: para os povos indígenas uma montanha nunca vai ser apenas uma montanha pois ela tem todo um significado, uma cosmológica sagrada; os territórios não significam apenas o espaço físico e geográfico. Quando os povos indígenas recuperam uma terra que foi destruída pela ação do homem branco, além de recuperarem algumas espécies florestais e animais, eles estão trazendo de volta os espíritos da mata e os deuses que foram afugentados pela destruição. Os espíritos da natureza e os deuses são fundamentais para a sobrevivência dos nossos povos, evitando doenças e outras desgraças. O território unifica, articula e mobiliza as aldeias, os povos e as organizações indígenas, em torno de uma bandeira de luta comum (LUCIANO, 2006).

EDUCAÇÃO E ESCOLA INDÍGENA

Segundo Brandão (1986, p. 8) “um índio civilizado é um índio que foi civilizado por um branco civilizador. O artifício do domínio – aquilo que é real sob os disfarces dos encontros de povos e culturas diferentes – é o trabalho de tornar o outro mais igual a mim para colocá-lo melhor a meu serviço”. Boa parte dos historiadores dizem que a história da educação brasileira começou com a chegada dos jesuítas, em 1549. Ao afirmar isso, esquecem que os primeiros povos que aqui viviam (que foram incorretamente chamados de índios), também educavam suas crianças de jeito próprio, considerado natural e integral. Ainda não se sabe muito sobre essa educação praticada pelos indígenas na época, entretanto, sabe-se que se dava por toda a vida, isto é, mesmo depois de adultos os indígenas continuavam a ser educados; viviam em comunidades e tinham uma economia de subsistência e em interação com a natureza.

Não havendo, em geral, distinção de classes sociais, não havia dominação de uns sobre os outros e, consequentemente, não havia aprendizado da superioridade de alguém sobre a inferioridade ou subordinação dos outros. Não havia competição nem concorrência, mas predominava a colaboração mútua. Nos períodos de abundância todos se beneficiavam e gozavam da fartura. Nos períodos de escassez todos sofriam as consequências por igual (SÁNCHEZ, 2016, p. 48).

Ao falar da educação indígena é preciso reconhecer que nesses mais de 5 séculos de invasão européia a escola para os povos indígenas esteve presente. A escola que os europeus pensaram para os povos indígenas nasceu com objetivo de unificar a cultura de acordo com o modelo dos dominantes, também imposta como civilização para os indígenas. Visava a conversão religiosa ao catolicismo, em que os que seguiam as leis religiosas eram tomados como pessoas melhores para o convívio junto a esse grupo colonizador. Portanto, a educação escolar surge entre os indígenas a partir do contato dos europeus, tendo como objetivo transmitir para as crianças os conhecimentos de fora, forçando uma socialização diferente da sua cultura. A escola chegou na comunidade como realidade desconhecida, como algo que seria obrigado a aprender para poder viver bem, muitas vezes deixando seus conhecimentos de lado para aprender a conhecimento do branco.

Os sábios indígenas relatam que as sociedades indígenas eram sociedades coletivas, unida por laços de sangue, composta por indivíduos livres, em que todos tinham direitos iguais e viviam sobre a base da terra como propriedade comum. “A menina acompanhava a mãe nas tarefas próprias da mulher e os meninos acompanhavam os homens nas tarefas próprias aos homens”, dizem os mais velhos ao falarem da educação tradicional indígena.

A educação escolar teve seu processo e seus propósitos adequados às conquistas coloniais, como pode ser visto na fala de um sábio kaingang:

Quando a escola foi implantada em terras indígenas, as línguas, a tradição oral, o saber e a arte dos povos indígenas foram discriminados e excluídos da sala de aula. A função da escola era fazer com que estudantes indígenas aprendessem o português e abandonassem a sua língua e a sua cultura. Historicamente, a escola pode ter sido o instrumento de execução de uma política que contribuiu para a extinção de mais de mil línguas.

Devido à realidade de exploração, os próprios povos sentiram a necessidade de aprender a escrita de sua língua como uma forma de preservar e assegurar para a geração futura, mesmo que seja nos moldes dos ensinamentos não-indígena. Na escola indígena os alunos são orientados a sentar um atrás do outro, como no estilo da escola europeia, pois originalmente não usavam essa prática. Pelo contrário, quando se sentavam para ouvir a história do kofá (mais velho) todos faziam parte de uma roda. Até hoje essa prática permanece nas casas e nas comunidades kaingang.

Trabalhar a língua materna, utilizar-se de contos, danças e pinturas corporais, além de buscar juntamente com os mais velhos da comunidade registar as práticas tradicionais garantirá às futuras gerações conhecerem a sua história, pois como os próprios velhos dizem: “estamos morrendo e com a gente a nossa história” assim pensou- se em utilizar-se da escrita para registar as histórias dos velhos. (NÖTZOLD, 2003, p.12).

Então, a história mostra que os povos originários desconheciam a instituição escola, porém conheciam e praticavam formas próprias de produção e reprodução de saberes, desenvolvidas e transmitidas por meio da oralidade, em seus idiomas próprios, sem precisar da escrita alfabética. Segundo Nötzold (2003), essa forma de trabalhar a oralidade, transformando-a em escrita foi um grande passo para a conquista da cidadania pelo povo kaingang, pois, desta forma, os conhecimentos serão públicos, possibilitando diminuir a distância entre indígenas e não indígenas.

Juliana Medeiros (2021) fez um estudo sobre a atuação das escolas implantadas pelo Serviço de Proteção Indígena (SPI), mostrando que estas práticas escolares foram influenciadas por experiências religiosas anteriores, mantendo um padrão de integração e não reconhecimento dos modos próprios de educação kaingang. Porém, as lideranças indígenas sempre negociavam o que era melhor para seu povo, dentro do possível de cada situação histórica.

As escolas mantidas pelo SPI foram desenvolvidas em contexto que, de antemão, os indígenas eram considerados incapazes perante a sociedade, visto a tutela institucional do Estado brasileiro. Nos anos que se seguiram as escolas administradas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) iniciaram um processo de reestruturação, em função do Movimento Indígena organizado, apoiado por instituições engajadas, sobretudo a partir da década de 1970. 

Quando se fala em educação escolar indígena, ela deve ser pensada em uma escola que seja projetada para realidade de cada comunidade, com as características específicas daquela região. Esse modelo de escola que surgiu pautada no paradigma do respeito à diversidade cultural e na valorização das identidades étnicas, deve ser intercultural, bilingüe, específico e diferenciada. Essas escolas devem também ser comunitárias porque devem ser planejadas e conduzidas pela sociedade indígena e não pela sociedade não indígena. Quando conduzida pela comunidade indígena se tem autonomia para decidir qual é o melhor currículo, qual o tipo de administração, um calendário escolar próprio, a forma de alfabetização dos seus alunos, os objetivos, os conteúdos. Porém, o Estado não permite esse tipo de educação para as comunidades indígenas, pois, em geral, os gestores da educação escolar não respeitam as decisões das comunidades e a legislação que ampara a educação escolar indígena própria.

Até a década de 1970, nas comunidades kaingang haviam poucas escolas que predominavam a educação tradicional, em que eram os velhos que passavam o seu conhecimento de forma oral e simbólica, associada à sociocosmologia. Esse conhecimento era passado de avô para neto, cujo dever era o de passar para a próxima geração.

O indígena tem um olhar e uma vivência diferente do mundo e dos fatos da vida. Por isso, a sua filosofia sobre a educação e os processos de transmissão da cultura, os saberes da natureza também são diferentes da filosofia educacional ocidental, que foi imposta pelos colonizadores. Para a educação própria dos povos indígenas a figura do professor é totalmente dispensável, haja vista que qualquer pessoa adulta da comunidade poderia ser professor. A educação indígena é um processo em que os membros mais velhos da comunidade socializam saberes e conhecimentos com as gerações mais novas, com o objetivo de valorizar e dar continuidade aos saberes tradicionais.

 Até a década de 1980, na TI de Nonoai poucos indígenas frequentavam a escola, pois esta era vista como algo ruim para a comunidade. A escola que havia na época se chamava Escola de Ensino Básico Marechal Cândido Rondon, tinha apenas duas professoras, que trabalhavam com quatro turmas. As professoras também faziam o trabalho de serventes, limpando a escola, fazendo e servindo a merenda para os alunos. Mesmo na década de 1990, a educação escolar indígena era fundamentada em práticas que vinham de tempos anteriores, nos moldes da educação de religiosos. Porém, é um período em que os povos indígenas começam a reconhecer sua história e passam a reivindicar direitos, entre eles a educação escolar indígena específica e diferenciada.

Segundo Nötzold (2003, p, 10), a escola possui um importante papel junto à comunidade, pois não é apenas um local “para se ensinar e se aprender” e sim representa um órgão aglutinador, onde os processos ensino aprendizagem, juntamente com o fortalecimento da cultura e das práticas específicas kaingang, realizam as etapas necessários para o processo socializador. No entanto, mesmo com leis mais favoráveis para a educação escolar indígena, leis que decorrem da Constituição Federal de 1988, estamos longe de um tratamento digno e justo. Se os povos indígenas vêm perdendo sua identidade, sua cultura, suas línguas, sua história e a própria vida, são consequências de tais políticas e descasos governamentais. Assim, é contínua a luta por escolas indígenas que tenham como objetivo ensinar a partir da cultura e da língua materna, que trabalham para não perder a cultura e principalmente ensinar e praticar a língua própria para seus alunos.

O currículo diferenciado não está apenas no ensino da língua materna como uma disciplina presente no currículo escolar, mas no processo ensino-aprendizagem de todos os componentes curriculares. A escola indígena, além de ter uma educação diferenciada e de qualidade, tem que se organizar em relação aos saberes que vem de fora, inclusive por meio dos livros didáticos. Para o professor indígena é muito difícil trabalhar hoje com a língua materna pois é escasso o material didático na sua língua originária. Para fazer uma boa aula, muitas vezes o próprio professor faz o seu material. O pouco material que temos hoje foi elaborado em uma Ação que se chama Saberes Indígenas na Escola, coordenado pela UFRGS. Neste programa, além da formação continuada dos professores promovida pelos sábios que nele atuam, há também a elaboração de material didático para fortalecer as línguas originárias.

A preservação de saberes ancestrais e das línguas indígenas se tornam um elemento central no processo de luta por território e de afirmação da legitimidade das identidades étnicas dos povos indígenas diante das transformações sociais a que estão sujeitos. Para os Kaingang, a valorização da língua materna se dá pela afirmação da memória, da tradição e do ensino de história, movimento que vai ao encontro do artigo 78 da LDB, que afirma:

A educação escolar para os povos indígenas deve ser intercultural e bilíngue para a reafirmação de suas identidades étnicas, recuperação de suas memórias históricas, valorização de suas línguas e ciências, além de possibilitar o acesso às informações e aos conhecimentos valorizados pela sociedade nacional. (BRASIL, 1996, p. 6).

Os mais velhos são a memória viva da comunidade, a voz da experiência; sua missão dentro da comunidade indígenas consiste em transmitir às crianças os conhecimentos do seu povo, a fim de que sua cultura continue a ser propagada de uma geração a outra. Por isso, os anciãos são bastante respeitados por todos dentro da comunidade.

EDUCAÇÃO, ESCOLA E TERRITÓRIO

A demarcação das terras indígenas, estabelece os limites físicos dos territórios que pertencem ao povo originários daquele local, onde visa proteger de possíveis invasões e muitas vezes ocupados por não-indígenas. Ao garantir a proteção desses limites territorial e também uma forma de preservar a identidade desse povo, os modos de vida, as tradições e culturas desse povo a terra e muito mais que uma forma de produzir a terra e a nossa mãe pois é dela que vem toda nossa força, nossa história pois é no território que tem toda nossa história que é na educação que pode ser trabalho de forma mais afundado essa história do território, pois um povo sem-terra e um povo sem história então é muito importante para educação o território pois pode ser trabalhado com as crianças a parte do espiritismos, cultura, alimentação e os limites da aldeia e as perdas e conquistas quem foram os protagonista indígenas que conquistou esse território. A escola é parte essencial desse processo educativo e o território é um campo de pesquisa, visando sempre o currículo escolar e lugar de estudo aberto à comunidade ela envolve com as questões locais e se reconhece no território atuando em prol das suas transformações com sabe onde era limites antigo e onde são os limites atuais. O território é o suporte das nossas manifestações culturais uma vez que sem a terra não é possível a reprodução da cultura dos saberes tradicionais. 

 Essa é a visão da pesquisadora e doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Juliana Medeiros, que atua em uma escola indígena. Ela defende que “se a educação escolarizada vai fazer parte do dia a dia das comunidades, ela precisa ser uma escola indígena, com professores Kaingang e a língua Kaingang como principal, e não uma escola nos moldes ocidentais”. Para ela, uma escola indígena precisa ser uma escola intercultural, em que os conhecimentos, as culturas e as línguas Kaingang e não indígenas estejam presentes, sejam valorizadas e tratadas em pé de igualdade”, afirma. Os saberes tradicional e muito importante para nossa sociedade indígena pois é nela que se encontra toda nossa história nossa memória e pode resgatar do conhecimento que detém desse povo ali habita esse local para a sociedade não indígena não se tem valor o local mais para nosso povo é muito importante a preservação do local onde se encontra nosso antepassado entrados. Pois partes do conhecimento ancestral dos pajés e kuja só existe tradicionalmente apenas em sua versão oral, sendo transmitido de geração a geração, mas alguns povos indígenas passaram a registar esse conhecimento na própria língua para que as futuras gerações possam saber como foi a luta do seu povo.

A demanda por uma escola diferenciada faz parte da luta desse povo essa luta em maior até do que os movimentos indígenas brasileiros, pois esse povo vem buscando o reconhecimento da escola ao longo desse mais de 5 século como povo originário dessa terra em busca os seus direitos garantidos por lei: terra, saúde, educação e entre outros direitos que está garantido na constituição federal.

Para os povos originários não tem como se pensar em educação e saúde sem pensar em território originário. Não se pode separar educação da terra e viver nela sem saber a importância da terra para vida de cada membro da comunidade, pois nela se tem toda cultura e os materiais que se precisa para fazer o artesanato, por tanto a educação é um sinônimo de terra e terra e vida para os povos indígenas. Sobre a educação escolar indígena foi a conquista de uma escola diferenciada e específica, intercultural e bilíngue. Pois a história da educação dos povos indígenas no Brasil sempre foi com perspectiva de integrá-los à sociedade.

A educação indígena está associada com a resistência dos povos originários contra as invasões de suas terras. Segundo um professor indígena Kaingang:

“Os professores indígenas não podem só ensinar a ler e escrever, temos o compromisso de manter nossa cultura viva entre os nossos alunos.  Os professores estão em forma contínua pois tem de dominar vários assuntos dentro da nossa comunidade política, social, econômica e cultural dando as ferramentas para a nossa população indígena na luta por uma educação cada vez melhor. (Professor Kaingang TI 2023).

O conhecimento sobre a vida e a terra é uma grande educação, pois na cultura kaingang tudo depende da mãe terra pois é ela que fornece o que necessitam, os kofas (mais velhos) ensinam que a terra é a base de tudo. Com esse conhecimento sobre a natureza eles sabiam quando e onde caçar, pescar e plantar. Todo esse conhecimento não se encontra nos livros didáticos e sim nos conhecimentos dos velhos que ensinavam através da oralidade por meio de rodas de conversa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na perspectiva dos estudos e reflexões realizados neste trabalho sobre a educação kaingang e os saberes do território no contexto da educação escolar indígena, podemos assegurar que se trata de uma modalidade de educação baseada nos saberes e conhecimentos dos mais velhos. Nesse pressuposto, as novas gerações precisam conhecer as histórias de luta e resistência de seu povo para garantir a continuidade de sua sobrevivência física e cultural, além da defesa e reconhecimento dos saberes que vêm do território. Para esta resistência é necessário valorizar as práticas tradicionais dos kofá que são transmitidos através da oralidade. É importante mencionar que os professores indígenas possuem atualmente vários desafios em relação à educação escolar. Como foi visto ao longo do texto é preciso haver diálogos entre todos que fazem parte do processo educativo, além do respeito e valorização dos saberes e conhecimentos da cultura tradicional de cada povo indígena.

Os saberes e conhecimentos presentes nas memórias dos mais velhos são de suma importância para a transmissão, preservação, e revitalização dos saberes/fazeres da cultura tradicional indígena, tendo a escola kaingang como um mote para o diálogo com os demais conhecimentos. As diversidades culturais entre os indígenas kaingang, descritas no texto, mostram que este povo vive rodeado de desafios; um deles é a não efetivação de uma escola que seja realmente diferenciada e que atenda as demandas específicas da comunidade. Dessa forma, percebe-se que almejam diálogos críticos e construtivos, para que as crianças e jovens se sintam valorizados como pessoas que são.

Além disso, mostrou-se como os kaingang, no contexto socioespacial da Terra Indígena de Nonoai-RS, pensam a educação escolar através de práticas pedagógicas constituídas a partir dos processos próprios de aprendizagem e ensino. Observou-se também a importância do território tradicional, da presença dos mais velhos, da conexão da escola com a comunidade, tornando-se uma educação mais florida, dinâmica e rica em culturas e filosofias outras. Além disso, apontou-se mudanças históricas ocorridas no espaço de vivência decorrente da não demarcação dos territórios tradicionais kaingang. Refletimos sobre a importância do território para a sobrevivência física e cultural deste povo, mostrando que o espaço físico das atuais terras indígenas são insuficientes para a realização das práticas culturais essenciais para a educação própria, como a prática da agricultura tradicional, pois muitas são desprovidas de matas, animais, rios e água potável etc. São esses apenas alguns dos geradores de uma série de outros problemas internos, que vem modificando a organização social e cultural deste povo indígena.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Constituição Federal. Brasília, DF, 1988.

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LUCIANO, Gersem dos Santos. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006. Disponível em: http://www.pathwaystohighereducation.org/resources/pdf/0002.pdf.

SÁNCHEZ, Sebastián. História da educação no Brasil. Campina Grande, 2016.

SANTOS, Milton, Território e sociedade: entrevista com Milton Santos. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001.


1Mestrando em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: luchettaindio@gmail.com.

2Doutorando em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: isaelsp.edu@hotmail.com.