REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202505191854
Gláucia Susy Vicente de Araújo
Professor orientador: Eder Raul
RESUMO
Este artigo busca identificar elementos constitutivos da educação homeschooling nos países adotantes desta modalidade de ensino, fazendo-se necessário debruçar-se sobre o ordenamento jurídico brasileiro e o direito fundamental à educação básica tutelado pelo Estado, conforme previsto na Carta Magna. Ainda, tem a intenção de debruçar-se sobre o direito individual de liberdade de escolha das famílias em optar pelo ensino privado, bem como busca explanar vantagens e desvantagens da educação domiciliar. Vários questionamentos se fizeram presentes como, por exemplo, a possibilidade de uma educação acadêmica apenas no âmbito das escolas institucionalizadas, públicas ou privadas, ou se há outras opções educacionais além das escolas, e se existem, como os conteúdos são transmitidos? Como os valores e as crenças cristãs podem ser inseridos na educação? Por tratar-se de assunto polêmico na atualidade brasileira, o homeschooling encontra obstáculo não só na seara jurídica, como também na política. A justificativa para a consolidação do presente artigo consiste nos resultados obtidos no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), indicador que mede a qualidade da educação no Brasil e que, nos últimos anos, apresentou resultados baixíssimos, em vários exames internacionais, na qualidade do sistema brasileiro de ensino, formador de analfabetos funcionais. Ao analisar as experiências vivenciadas na educação homeschooling, busca-se compreender os motivos pelos quais cresce o número de famílias brasileiras que optam por adotá-lo, destacando a ampliação do movimento social em prol da urgente necessidade de mudança da legislação brasileira para a normatização jurídica do ensino em casa. A metodologia adotada será a exploratória, realizada por meio de pesquisas bibliográficas e estudos de caso. Envolve entrevistas com pessoas que têm ou tiveram experiências ligadas diretamente ao tema deste artigo, bem como utilizando o método dialético com vistas a proporcionar uma nova visão sobre as realidades já postas. Objetiva identificar os elementos constitutivos do homeschooling em outros países do mundo, explorando os fenômenos relacionados à educação domiciliar no Brasil, os aspectos jurídicos, a necessidade de legislação ampla e específica, que traga garantia jurídica às famílias adotantes do homeschooling, além de abordar vantagens e desvantagens desta modalidade de ensino.
Palavras-chave: homeschooling; educação; garantias; crininalização da legislação.
ABSTRACT
This article seeks to identify the constituent elements of homeschooling in countries that adopt this type of education, and it is necessary to examine the Brazilian legal system and the fundamental right to basic education protected by the State, as provided for in the Constitution. It also intends to examine the individual right of families to choose private education, as well as to explain the advantages and disadvantages of homeschooling. Several questions were raised, such as whether academic education is possible only in institutionalized schools, whether public or private, or whether there are other educational options besides schools, and if so, how are the contents transmitted? How can Christian values and beliefs be included? As this is a controversial issue in Brazil today, homeschooling faces obstacles not only in the legal sphere, but also in politics. The justification for the consolidation of this article consists of the results obtained in the Basic Education Development Index (IDEB), an indicator that measures the quality of education in Brazil and that in recent years has presented very low results, in several international exams, in the quality of the Brazilian education system, which produces functionally illiterate people. By analyzing the experiences lived in homeschooling education, it seeks to understand the reasons why the number of Brazilian families that choose to adopt it is growing, highlighting the expansion of the social movement in favor of the urgent need to change Brazilian legislation to legally regulate homeschooling. The methodology adopted will be exploratory, carried out through bibliographical research and case studies. It involves interviews with people who have or have had experiences directly linked to the theme of this article, as well as using the dialectical method with a view to providing a new vision on the realities already established. The aim is to identify the constituent elements of homeschooling and in other countries around the world, exploring the phenomena related to home education in Brazil, the legal aspects, the need for broad and specific legislation that provides legal guarantees to families adopting homeschooling, in addition to addressing the advantages and disadvantages of this teaching method.
Keywords: homeschooling; education; guarantees; criminalization of legislation.
RESUMÉ
Cet article cherche à identifier les éléments constitutifs de l’éducation à domicile dans les pays qui adoptent cette modalité d’enseignement, ce qui rend nécessaire d’examiner le système juridique brésilien et le droit fondamental à l’éducation de base protégé par l’État, tel que prévu dans la Magna Carta. En outre, il entend mettre l’accent sur le droit individuel des familles à choisir l’enseignement privé et chercher à expliquer les avantages et les inconvénients de l’enseignement à domicile. Plusieurs questions se sont posées, comme la possibilité d’une formation académique uniquement au sein d’écoles institutionnalisées, publiques ou privées, Ou s’il existe d’autres options éducatives au-delà des écoles, et si oui, comment les contenus sont-ils transmis? Comment intégrer les valeurs et les croyances chrétiennes? Étant un sujet controversé au Brésil aujourd’hui, l’enseignement à domicile se heurte à des obstacles non seulement dans le domaine juridique, mais aussi dans le domaine politique. La justification de la consolidation de cet article est constituée par les résultats obtenus dans l’Indice de Développement de l’Éducation de Base (Ideb), un indicateur qui mesure la qualité de l’éducation au Brésil et qui, ces dernières années, a présenté des résultats très faibles, dans plusieurs examens internationaux, dans la qualité du système éducatif brésilien, qui produit des personnes fonctionnellement analphabètes. En analysant les expériences vécues dans l’éducation à domicile, il cherche à comprendre les raisons pour lesquelles le nombre de familles brésiliennes qui choisissent de l’adopter augmente, soulignant l’expansion du mouvement social en faveur du besoin urgent de changer la législation brésilienne pour la normalisation juridique de l’enseignement à domicile. La méthodologie adoptée sera exploratoire, réalisée à travers des recherches bibliographiques et des études de cas. Il s’agit d’entretiens avec des personnes qui ont ou ont eu des expériences directement liées au thème de cet article, ainsi que d’utiliser la méthode dialectique en vue d’apporter une nouvelle vision sur les réalités déjà en place. Il vise à identifier les éléments constitutifs de l’enseignement à domicile et dans d’autres pays du monde, en explorant les phénomènes liés à l’enseignement à domicile au Brésil, les aspects juridiques, la nécessité d’une législation large et spécifique qui offre des garanties juridiques aux familles adoptant l’enseignement à domicile, en plus d’aborder les avantages et les inconvénients de cette méthode d’enseignement.
Mots-clés: enseignement à domicile; éducation; garanties, législation de criminalisation
Introdução
A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu art. 210, caput, que “serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”. Ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 53, garante à criança o direito à educação, bem como o acesso à escola gratuita, imputando ao Estado o dever de assegurar- lhe o ensino, conforme prevê o art. 54 e seus incisos.
No Brasil, o direito à educação é um dos mais relevantes direitos sociais estampados na Carta Magna brasileira, que lhe confere o status de direito público subjetivo. É imposto à Administração Pública o encargo de assegurar, com políticas públicas efetivas, o amplo acesso à educação, pois, por meio dela, as pessoas têm acesso a conhecimentos, habilidades e competências que lhes permitem o desenvolvimento pessoal e profissional, a melhoria na qualidade de vida e, consequentemente, a contribuição para o desenvolvimento econômico e social do país.
Com o advento da pandemia causada pelo vírus Covid-19, por todo o mundo, as sociedades buscaram alternativas para adaptarem-se à nova realidade imposta nas mais diversas áreas laborais e do conhecimento. Na educação, famílias passaram a buscar maiores informações quanto ao método educativo do homeschooling. Entretanto, com o passar dos anos, deixou de ser uma necessidade e passou a ser mais uma possibilidade de ensino, tendo como premissa a pluralidade pedagógica, um processo que vem ganhando muita popularidade em todo o mundo.
Homeschooling é uma palavra de língua inglesa que significa “educação escolar em casa”. O termo também é conhecido como educação domiciliar ou doméstica. Embora já exista há alguns anos em muitos países ao redor do mundo, como Estados Unidos, Peru, Canadá, França, Reino Unido, Austrália, Portugal, Suíça, México, Chile e muitos outros, essa modalidade de educação tem ganhado novos adeptos por tratar-se de uma forma alternativa de educação interdisciplinar, plural e dinâmica, que consiste em educar as crianças fora da sala de aula, na qual são abordadas todas as áreas do conhecimento por meio de atividades multidisciplinares.
Segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), nesse tipo de modalidade educacional, os pais devem oferecer aos seus filhos uma educação personalizada em que sejam explorados seus potenciais e talentos. Porém, para que isso aconteça, é necessário que invistam tempo, capacitação e recursos.
Ainda, de acordo com a ANED, além da educação intelectual, o foco dos pais ao optarem pelo homeschooling é a preocupação com a formação do caráter dos seus filhos e em poder transmitir-lhes valores e virtudes importantes para aquele núcleo familiar.
No homeschooling, os pais participam ativamente do processo de formação intelectual dos seus filhos, com processo pedagógico personalizado, respeitando o potencial e os talentos das crianças e dos adolescentes. Na prática, funciona mediante aplicação de atividades interativas, dinâmicas e com utilização de ferramentas e experiências pedagógicas em ambientes diversos e em casa.
Por todo exposto e, diante da insegurança jurídica a que as famílias adotantes do método homeschooling estão submetidas, com iminente risco de denúncia por abandono intelectual, crime previsto no art. 246 do Código Penal Brasileiro, simpatizantes e profundos conhecedores do homeschooling, dentre eles juristas, advogados, professores, pais e outros profissionais, têm buscado junto ao Poder Legislativo o apoio necessário para a regulamentação do homeschooling pelo fato de não haver lei que estabeleça as diretrizes básicas de como o direito a essa modalidade de educação seja exercido e fundamentam o pleito baseando-se na pluralidade pedagógica.
Este trabalho tem por objetivo analisar os fundamentos, às práticas e os resultados da educação homeschooling, bem como os aspectos jurídicos brasileiros atuais que norteiam a educação e suas implicações diante da insegurança jurídica das famílias que pleiteiam o direito à escolha do tipo de metodologia educacional a ser adotada na educação de seus filhos.
1. Origens da educação homeschooling
O termo homeschooling refere-se ao ensino doméstico, movimento que surgiu na década de 1970, tendo por precursor o professor e escritor John Holt (1970), que propôs uma reforma educacional do sistema. Para ele, as escolas deveriam ser mais humanas e com menos formalidades. A intenção era que a criança aprendesse conforme a curiosidade e as experiências.
A partir dessa ideia, surgiu o unschooling, no qual a criança tinha liberdade suficiente para decidir a respeito das atividades educativas que faria no dia – desde treinar habilidades na cozinha à leitura ao ar livre. Com isso, surge a inspiração dos pais para a criação dos primeiros grupos de pais que defendiam a educação dos filhos em casa. Sob os argumentos de propiciar a alternativa de ensino domiciliar, objetivavam privilegiar a mobilidade, a flexibilidade da rotina, a fim de favorecer o desenvolvimento individual da criança. Alguns pais também argumentam a alternativa como forma de preservar valores morais e ideologias familiares.
O homeschooling e o unschooling são vistos como movimentos sociais, haja vista que há uma luta dos defensores para que se perceba a importância da família na criação e no desenvolvimento dos filhos e para evidenciar que isso não é uma responsabilidade do governo ou das escolas, mas daqueles que estão mais próximos da criança, ou seja, os pais (Farenga, 2013).
Na atualidade, há cerca de 2,5 milhões de alunos em educação domiciliar nos Estados Unidos, cerca de 100 mil no Reino Unido, 95 mil no Canadá, 80 mil na Rússia, 75 mil na África do Sul, 40 mil no Japão e 30 mil na Austrália. Os líderes da defesa do ensino domiciliar, no Brasil e no mundo, relacionam a aceitação do modelo ao que chamam de liberdade educacional. Argumentam que os países onde a educação domiciliar é permitida e regulamentada são, em sua maior parte, também os mais bem colocados em rankings de liberdade educacional, como os da ONG Oidel, com sede em Genebra, na Suíça.
O Brasil ocupa a 58ª posição no ranking internacional de liberdade educacional da Oidel, entre o Catar e o Camboja. Os dez primeiros são Irlanda, Holanda, Bélgica, Malta, Dinamarca, Reino Unido, Chile, Finlândia, Eslováquia e Espanha. Os dez últimos são Gâmbia, Líbia, Cuba, Arábia Saudita, Afeganistão, Congo, Etiópia, Síria, Mauritânia e Serra Leoa.
2. O homeschooling em outros países
Com reconhecimento em mais de 63 países pelo mundo, o homeschooling tem crescido de forma surpreendente em todos os continentes (Vieira, 2012), como, por exemplo, nos Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, Japão, entre outros. No entanto, é proibido em outros, como a Alemanha, a Coreia do Sul, a Suécia e o Uruguai.
Tratado de diferentes formas, pode ser considerado ilegal em governos onde se tem a obrigatoriedade de matricular os filhos em uma escola pública estatal. Em outros considerados zona cinzenta, não há uma proibição explícita nem uma permissão aberta. Porém, há países onde sua prática é legalizada, mas altamente regulado pelos governos e, em poucos, é permitido com poucas regulações por parte do governo.
No caso do continente europeu, tem-se que a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, aprovada pela Comissão Europeia em 07 de dezembro de 2000, ressalta a importância da liberdade para criação de instituições de ensino, assim como o direito dos pais de escolher a modalidade pedagógica da educação de seus filhos, de acordo com suas crenças e concepções morais e culturais (art. 14º), e respeito à privacidade e autonomia familiar (art. 7º e 33º). Apesar da esfera de liberdade proposta no documento, cada país adota a regulamentação da educação que é considerada mais adequada aos seus interesses.
A título de exemplificação, a França possibilita a educação domiciliar com ampla fiscalização, a fim de evitar sectarismos e evitar que a criança e o adolescente deixem de ter garantido o direito à educação. Por isso, os pais são obrigados a notificar às autoridades locais, a inscrever seus filhos no departamento de educação das prefeituras e realizar declarações anuais do processo de educação dos filhos, dos 6 aos 16 anos (Martínez, 2014).
Na Alemanha, aplica-se o ensino domiciliar quando ocorrem circunstâncias relevantes. Porém, faz-se necessário que a família optante solicite autorização especial para o governo, sendo indispensável fornecer elementos comprobatórios de que a educação oferecida no lar atende os requisitos legais e padrões educacionais, tais como planos de ensino, currículos, etc. Assim, cumpridos todos os requisitos, que podem variar de acordo com a administração local, após a autorização e a educação já em andamento, o Estado supervisionará o ensino com o objetivo de garantir o cumprimento dos requisitos legais, tal como faz nas instituições. Também a Suécia age de forma similar.
Já na Itália a educação em casa, pelos pais, é autorizada constitucionalmente, e os filhos podem ser ensinados em casa pelo sistema de l’istruzione familiare, que originalmente foi previsto para pessoas com deficiência. A criança inserida nesse sistema deve estar vinculada a uma instituição de ensino e os pais devem prestar declarações à diretoria da escola anualmente (Martínez, 2014).
No Reino Unido, propicia-se expressamente na legislação educacional o ensino de outras formas que não a escolarizada. Apesar de a educação ser obrigatória entre 5 e 16 anos de idade, é possível o home education. São diversas as motivações dos pais, e há o estabelecimento de diretrizes para aquelas famílias que se encaixam como elective home education pelo Department for Children, Schools and Families (DCSF), que se ocupa em fiscalizar se as famílias estão realmente cumprindo o dever de educar a criança e adolescente (Martínez, 2014).
Na Austrália, o ensino homeschooling é legalizado, sendo necessários alguns requisitos para validá-lo. A família optante por essa modalidade de ensino deve realizar a inscrição no estado que reside, não pode morar no exterior, deve ter endereço fixo e o pai ou responsável que registra cada criança será o educador domiciliar. Todos os estados desse país exigem que seja apresentado um plano de aprendizagem, ou seja, um currículo norteador. Além disso, as famílias recebem aconselhamento jurídico e uma linha direta gratuita em todo o território australiano, oferecida pela Home Education Association (HEA).
Nos EUA existe também a Home School Legal Defense Association (HSLDA), associação de advogados criada com o fito de auxiliar tanto judicialmente quanto em termos técnicos na condução do homeschooling, voltado às famílias que decidem retirar seus filhos do sistema escolar nos EUA. A HSLDA também auxilia famílias de outros países e realiza pesquisas em todo o mundo, a fim de propagar a ideia da liberdade educacional (HSLDA, 2016).
Segundo a HSLDA, nos estados com ausência de qualquer regulamentação, os pais não precisam notificar qualquer autoridade sobre a prática do homeschooling. Já os com pouca regulamentação pedem que seja feita uma notificação. Aqueles com regulamentação moderada requerem que os responsáveis, além de notificar, realizem testes periodicamente, bem como que se tenha uma avaliação profissional da criança ou do adolescente que esteja sendo ensinado em casa.
Já os estados New York, Vermont, Pensilvânia, Massachusetts e Rhode Island são mais rigorosos. Exigem notificação, exames, análise de desenvolvimento, além de outros requerimentos, como qualificação dos pais para ensinar e fiscalização estatal por meio de visitas periódicas.
Apesar das diferentes formas de regulamentação, nos EUA não há proibição do ensino diretamente realizado pela família, e existe uma ampla rede de associações da comunidade americana que se volta a garantir essa opção dos pais. As universidades americanas, em sua maioria, não impossibilitam que homeschoolers, ou mesmo jovens que tenham sido educados de forma livre (unschooling) ingressem em cursos superiores, desde que consigam atender a exigências mínimas para serem aceitos na universidade.
Por todo o país, pessoas que defendem e adotam o homeschooling não almejam a segregação das crianças e o afastamento do convívio social. Em um de seus artigos publicados em sua coluna no jornal USA Today, Holt (1983) afirma que os pais que escolhem a educação em casa e ao redor do lar o fazem porque se sentem responsáveis diretamente pela educação e têm o dever de garantir que o processo educativo ocorra com a preservação da integridade de seus filhos, o que não acreditam ter nas escolas.
Pelo homeschooling, os pais podem garantir uma instrução mais ampla aos filhos, perceber suas limitações e cuidar sem intermediários da sua instrução.
Outro país que possibilita a educação em casa, no continente norte-americano, é o Canadá. Nele também é atuante a HSLDA, que facilita o acesso das famílias ao home education, além de fornecer suporte técnico e jurídico. Todas as províncias canadenses permitem a educação domiciliar e a regulamentam, em menor ou maior grau. Em British Columbia, Ontario, New Brunswick, Newfoundland & Labrador, há baixa regulamentação e exige-se apenas uma notificação; em Manitoba, Nova Scotia e Prince Edward Island, há uma regulamentação moderada, e solicita-se, além da notificação, relatórios de progresso dos estudantes; já Alberta, Saskatchewan e Quebec possuem uma regulamentação alta e exige-se dos pais apresentação de plano educacional, relatório de progresso e provas periódicas (Pelt, 2015).
Em 2007, Pelt (2007) publicou pesquisa com homeschoolers canadenses entre 2003- 2004, avaliando desde a questão do grau de satisfação das pessoas que foram educadas nessa modalidade, as avaliações quanto às disciplinas básicas de leitura, matemática etc., até a questão da socialização e do grau de participação dos homeschoolers em trabalhos voluntários. Desse modo demonstrou que a educação domiciliar não causa prejuízos às crianças que aprendem nessa modalidade; ao contrário, desse modo garante-se aos pais uma opção factível ao sistema escolar tradicional.
No Equador, nota-se uma regulamentação feita pelo Poder Executivo do país, por intermédio de um acordo técnico elaborado pelo Ministério da Educação equatoriano (Acordo nº 0067-13, de 8 de abril de 2013). A normatização tem base nos art. 27 e 29 da Constituição da República do Equador, que dispõe sobre a educação já que não veda expressamente essa possibilidade.
Assim, o processo descrito no Acordo nº 0067-13/2013 deve ocorrer da seguinte forma: o ensino realizado no âmbito doméstico deverá ser feito sempre com a colaboração de instituições de ensino (art. 1º); os pais devem fundamentar e apresentar motivações que os levaram a optar pela educação em casa e devem apresentar qualificação para ensinar (art. 2º); toda a documentação é analisada por uma comissão técnica que, ao autorizar, obriga os pais e a instituição de ensino vinculada ao estudante a realizar avaliações para comprovar o progresso na instrução da criança ou do adolescente que passou a ser educado em casa (art. 3º a 13). Caso se verifique descumprimento do procedimento ou desempenho desfavorável do aluno, a educação em casa pode ser revogada (art. 14).
Diferentemente do que ocorre no Equador, no Chile ainda não há regulamentação específica e existem associações não registradas, mas que auxiliam as famílias que desejam adotar a modalidade de educação domiciliar, e indicam de que forma os pais e estudantes domiciliares podem realizar os exames para inserção no ensino superior (Chile, 2016).
A Constituição Chilena de 1980 não obriga a escolarização, apenas estabelece a educação como uma garantia de todos os cidadãos, e afirma a liberdade dos pais para escolherem a modalidade de educação para os filhos que considerem adequada. Portanto, embora não haja previsão da educação doméstica, não há vedação.
Segundo Cecilia Exeni (2015), o homeschooling não é regulamentado na Argentina, mas também não há norma legal proibindo. Os argentinos também seguem adotando a educação domiciliar, independentemente de regulamentação, com um contingente de quase 2.000 países, mas sem o registro oficial, devido à falta de uma norma que regulamente e proponha um controle estatal.
Os estudantes dessa modalidade podem realizar exames, como ocorre no Chile, e obter certificação para ingressar na universidade, na capital argentina, onde há regulamentação para esse exame.
3. Homeschooling: características, vantagens e desvantagens
A prática do homeschooling é realizada por famílias que não desejam mais que seus filhos sejam educados em instituições formais, sejam públicas ou privadas, o que não implica em propor a abolição daquelas instituições, sendo mais uma alternativa para os pais.
Lisa Rivero (2008, p. 10) cita a seguinte definição de homeschooling, dada pelo Departamento de Educação dos Estados Unidos:
Crianças educadas em casa podem ser ensinadas por um ou ambos os pais, por tutores que vêm até a residência, ou através de programas escolares virtuais conduzidos por meio da internet. Alguns pais preparam seus próprios materiais e projetam seus próprios programas de estudo, enquanto outros usam materiais produzidos por companhias especializadas em recursos para educação domiciliar.
Porém, para Joseph Murphy (2014) não é tão fácil definir o que seria o movimento de homeschooling nos EUA devido à diversidade que o movimento tem assumido naquela nação. Contudo, ele cita vários autores que apresentam algumas definições sobre o homeschooling. Algumas definições são úteis para o presente trabalho, dentre elas, vale a pena mencionar a definição dada por Schemmer, citado por Murphy (2014, p. 4): “a administração de um programa de instrução educacional oferecido no ambiente doméstico ao invés da presença regular em uma escola pública ou privada”.
Outra definição a ser citada é a de Murphy (2014, p. 5):
A prática de educar crianças e jovens durante o que muitas pessoas chamam de período escolar elementar e secundário, em um ambiente de aprendizado que é baseado em casa e guiado pelos pais (ou, pelo menos, claramente sob a autoridade dos pais mais do que sob a autoridade de um sistema escolar estatal ou uma escola privada).
Murphy (2014, p. 6-7) ainda descreve algumas características básicas do homeschooling:
Um estudante é educado em casa quando (1) o financiamento para a educação vem da família, não do governo; (2) o serviço é fornecido pelos pais, não por funcionário pago pelo Estado (ou financiamento privado); e (3) a regulação do empreendimento é interna à família, não da responsabilidade do governo (ou outra entidade tal como um corpo religioso).
Entretanto, importante se faz destacar que o conceito homeschooling ou home education, e suas traduções como educação domiciliar ou educação em casa, pode conduzir a um entendimento equivocado dessa prática educacional.
O uso dos termos “casa”, “home”, “lar”, “domiciliar” pode levar o interlocutor ao entendimento de que o homeschooling é praticado apenas no interior da residência das famílias que optam por se opor a essa modalidade. Rivero (2008, p. 24) esclarece que “muitos estudantes domiciliares obtêm muito de sua educação longe de casa (na natureza ou grupos ou bibliotecas, por exemplo”). Vieira (2012, p. 45), por sua vez, em entrevista com praticantes brasileiros do homeschooling deixa isso claro:
Em determinado momento da entrevista, Rafael nos contou da visita que fizera, naquele dia, ao Museu da Família Colonial. Segundo sua mãe, os passeios com o filho são frequentes. Eles vão, no mínimo, uma vez por semana para museus e parques infantis e, na livraria do shopping vizinho à residência da família, participam do semanal “cantinho da leitura”. Mas é nos belos parques de Blumenau que o filho mais interage com outras crianças.
Pela ausência de regulamentação legal da prática do homeschooling e por receio das famílias que o praticam sofrerem denúncias de abandono intelectual, não há como mensurar o desempenho intelectual das crianças, dos adolescentes e jovens ensinados nesse sistema. Entretanto, Vieira (2012) nos relata que, nos casos analisados por ele, havia ótimos desempenhos. Como exemplo, citou os dois filhos de Cleber Nunes, que conheceu e que ganharam prêmios na área de web designer e programador.
Entretanto, nos Estados Unidos, onde há cerca de dois milhões de crianças atendidas pelo método educacional homeschooling, os resultados acadêmicos mostram-se promissores. Murphy (2012) elenca várias pesquisas que declaram o bom desempenho de estudantes domiciliares, seguindo as normas e submetidos a testes daquele país.
Pesquisas apontam resultados iguais aos alunos atendidos por escolas públicas (Murphy, 2012), e maiores quando comparados aos alunos atendidos por instituições privadas.
Segundo Murphy (2012), Rudner (1999) documentou pontuações em testes de desempenho entre 76 e 91 através de todas as 12 séries. Ele notou que estudantes domiciliares da 1ª à 4ª séries estavam um ano inteiro à frente de seus pares das escolas públicas e privadas nos testes padronizados e, em torno de 4 anos acima deles, na 8ª série.
Ainda, relata constatações de outros pesquisadores, como o bom desempenho dos alunos atendidos pelo homeschooling de famílias de baixa renda, em relação às escolas públicas e privadas. Porém, observa que, em famílias nas quais os pais são pouco escolarizados, “a educação domiciliar parece conter os efeitos negativos do baixo nível de educação dos pais sobre a performance do estudante” (Murphy, 2012, p. 137).
Entretanto, em comparação entre famílias praticantes de homeschooling de baixa escolaridade – a educação domiciliar parece conter os efeitos negativos do baixo nível de educação dos pais sobre a performance do estudante (Murphy, 2012).
Já em comparação entre famílias praticantes de homeschooling, cuja renda e escolaridade dos pais são maiores, os resultados são bem melhores em relação às escolas públicas e privadas (Murphy, 2012). Porém, ao analisar questão racial e de gênero, contata-se “que o homeschooling diminui os efeitos de raça visíveis na escola pública” e que as “diferenças de gênero amplamente vistas nas pontuações de desempenho nas escolas públicas podem ser mudadas pelo homeschooling (Murphy, 2012, p. 138-139), assim como atesta David Guterson (1993).
Percebem-se dados animadores nos dados obtidos de escritores americanos, pois não demonstram desvantagem intelectual em relação aos alunos das escolas regulares, sendo esse mais um fator a ser usado como exemplo que demonstra a validade do homeschooling como uma alternativa viável para as famílias brasileiras.
David Guterson (1993) destaca dois fatores fundamentais para a qualidade do homeschooling. O primeiro trata-se do envolvimento ativo dos pais na educação de seus filhos, o que é condição sine qua non para a prática da modalidade, quando os pais são educadores e gerentes do ensino. Já o segundo é o ensino individualizado ou centrado na criança, o que é outra característica fundamental do homeschooling.
Quanto à questão, Guterson (1993, p. 20) salienta que “muitas famílias praticantes do homeschooling […] veem as necessidades de suas crianças, seus estilos de aprendizagem particular e áreas de interesse, como consideração elementar”. Percebe-se que, na educação domiciliar, o método de ensino ou os assuntos abordados não são focados em si mesmos, pois o objetivo é adequar os assuntos às crianças individualmente.
Guterson (1993, p. 20) destaca:
Embora rígida ou flexível, progressiva ou tradicional, a verdadeira educação sempre começa com a criança e com um entendimento de suas necessidades individuais. […] Nenhum currículo ou método é “melhor”, e nenhuma premissa filosófica sobre a educação suprema ou universalmente aplicável. Diversidade sem fim é requerida em face da infindável diversidade das crianças. Nossos métodos e currículos devem ser aplicados conforme quem elas são e conforme o que elas individualmente necessitam.
Rivero (2008, p. 41) contribui acerca do ensino individual:
Desde que cada criança tem necessidades diferentes, cada uma no homeschooling pode vir a ser educada de uma maneira individualizada e pessoal. Algumas necessidades da criança são mais difíceis de serem supridas do que outras e requerem mais trabalho e conhecimento e, às vezes, paciência. Entretanto, cada criança no homeschooling está em uma posição de ter suas necessidades únicas consideradas especiais, com ou sem rótulos ou diagnósticos.
Quanto à socialização das crianças e dos jovens educados pelo método homeschooling, a ideia mais comum é que essa somente é possível no ambiente escolar institucional, onde a criança interage com seus pares e vivencia situações que lhe permitirão viver no mundo adulto. Assim, imagina-se que, na educação domiciliar, as crianças são afastadas dessas vivências, o que impossibilitaria sua socialização, tornando-as incapazes de viver em sociedade.
Neste contexto, Guterson (1993, p. 61) concorda que o homeschooling, se mal conduzido, pode acarretar o isolamento social das crianças. O autor afirma que:
Uma criança no homeschooling pode realmente ser isolada, como os críticos alegam, com pouca vida social além de sua família; ela pode ser socialmente inepta tanto como criança ou adulto, permanentemente perturbada pela natureza obsessiva de seu relacionamento com seus pais, solitária, confusa, e em desacordo com o mundo de uma maneira que a frustra diariamente. Sua solidão forçada pode trazer-lhe uma dor excruciante, e em um lar que lhe proporciona pouca oportunidade para interagir com seus pares pode constituir uma forma de abuso infantil.
Por sua vez, Murphy (2014, p. 141) pondera sobre o assunto:
Aqueles que estão apreensivos sobre a socialização das crianças no homeschooling apresentam uma teoria de funcionamento que ocorre como se segue. Escolas são um caldeirão crítico no qual importantes habilidades sociais são formadas e normas sociais são aprendidas. […] Homeschooling, é asseverado, limita as trocas pelas quais habilidades (por exemplo, resolução de conflitos) e normas (por exemplo, respeito pelos outros) são desenvolvidas. Como consequência, uma variedade de resultados negativos materializa-se (por exemplo, pouca habilidade de cooperar na sociedade mais ampla).
Observando-se a socialização sob outro prisma, Ray, citado por Murphy (2014, p. 143), “discute a socialização em torno de três domínios: social, emocional, e desenvolvimento psicológico”. Da mesma forma Medlin, também citado por Murphy (2014, p. 143), descompacta a socialização em três componentes: “participação em rotinas diárias da comunidade, aquisição das regras necessárias de comportamento e sistemas de crenças e atitudes, e atuação efetiva como membros da sociedade”.
Na mesma toada, Murphy (2014, p. 143) divide a socialização em “engajamento social, autoconceito, e habilidades sociais”, afirmando que o homeschooling não tem realizado efeitos negativos nas crianças e nos adolescentes. De acordo com suas pesquisas, essa prática não provoca isolamento social, pois “a criança mediana no homeschooling interage com um grande número de pessoas em uma base diária” e, ao mesmo tempo, “reestrutura o mundo social do estudante, promovendo mais mistura de idades do que relacionamentos da mesma idade”; além de estarem “envolvidos com pessoas de contextos econômicos diversos, idades, religiões e etnias” (Murphy, 2014, p. 144).
Ainda, em relação ao autoconceito dos alunos, afirma que “quase toda a evidência acumulada nos últimos 30 anos leva à conclusão que os estudantes do homeschooling não sofrem de baixo autoconceito” (Murphy, 2014, p. 145) e que o autoconceito dos alunos do homeschooling “são significativamente maiores do que aqueles dos seus iguais nas escolas públicas” (Murphy, 2014, p. 145).
Quanto à última divisão da socialização realizada por Murphy (2014), ou seja, com relação às habilidades sociais, suas pesquisas apontaram que as crianças, os adolescentes e os jovens atendidos pelo homeschooling são iguais ou mais maduros do que os atendidos por escolas institucionalizadas, apresentando características de liderança, boa inter relação pessoal com seus pares e com demais pessoas, baixas ansiedade, assertividade, poucos problemas de comportamento antissocial etc. (Murphy, 2014).
Ainda, abordando as habilidades sociais, Rivero (2008, p. 24-25) relata:
Enquanto uma criança na escola tem uma ocasional viagem de campo fora da sala de aula, crianças no homeschooling estão em suas comunidades quase todos os dias à medida que elas aprendem o que é necessário para crescer dentro do mundo adulto. Crianças no homeschooling aprendem com seus pais, outros membros da família, mentores em seu bairro, bibliotecas, museus, internet, classes comunitárias, e uns com os outros, tanto quanto as crianças têm aprendido através dos séculos.
Guterson (1993, p. 66) ainda aborda um aspecto importante para uma socialização saudável: o relacionamento com adultos. Segundo ele, as crianças no homeschooling estão mais propensas a desenvolverem relacionamentos significativos com outros adultos (Guterson, 1993). Por outro lado, afirma perceber que crianças escolarizadas por instituições, de forma geral, apresentam dificuldades de relacionarem-se com pessoas mais velhas, já que a escola “na essência remove os adultos de suas vidas ou, mais do que isso, coloca-os lá na razão de um para trinta e em um papel de autoridade não inteiramente proveitoso para a formação de um relacionamento significativo” (Guterson, 1993, p. 69). Assim, indaga: “É algo admirável que nossas crianças tendem a evitar adultos e, ao invés disso, seguir outra criança inflexivelmente não somente na escola, mas também fora dela?” (Guterson, 1993, p. 69).
Quanto ao fato, é importante destacar:
Homeschooling, quando praticado cuidadosamente, permite às crianças desenvolverem um conjunto de relacionamentos mais harmoniosos não apenas com seus iguais e com adultos em suas comunidades, mas com suas famílias e parentes também. Isso lhes dá muitos adultos em muitos contextos em oposição ao relacionamento estudante-professor, que pode ser excelente, porém mais geralmente carece de intimidade e tem atrás dele o livro de notas vermelho do professor (Guterson, 1993, p. 69).
4. Homeschooling no Brasil e os aspectos jurídicos
Segundo dados da Associação Nacional de Educação Domiciliar – ANED, aproximadamente 2.600 famílias aderiram à prática do homeschooling no Brasil, o que tem causado problemas judiciais quando decidem retirar seus filhos da escola. Assim, diante das demandas do Poder Judiciário, as famílias recorrem ao Poder Legislativo com objetivo de alterar a legislação de forma a permitir e regulamentar o homeschooling (Barbosa, 2012).
É importante destacar outro aspecto sobre o tema, discutido na literatura internacional. Trata-se do argumento de que a escolha da modalidade homeschooling estaria associada à mera valorização dos bens privados em detrimento dos bens públicos, com foco nos direitos e nos benefícios individuais da educação (Lubienski, 2000).
No Brasil, a grande questão sobre a prática do homeschooling tem por foco a sua constitucionalidade, necessitando de análise jurídica mais aprofundada acerca do tema à luz da Carta Magna brasileira de 1988.
Nos termos do artigo 205 da CF/88, que estabelece objetivos da educação, o Estado precede a família quanto ao dever de garantir a educação. Assim, segundo esse argumento e, segundo o §3º do mesmo artigo, “Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais e responsáveis, pela frequência à escola”.
Nesse diapasão, outras legislações decorrentes da Constituição da República Federativa do Brasil seguem priorizando o Estado quanto à educação. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei nº 9.934/96), em seu artigo 1º, dispõe que a educação engloba aspectos formativos que se desenvolvem na vida familiar, dentre outros espaços. Porém, o §1º do mesmo artigo determina que a educação escolar deve acontecer, predominantemente, em instituições do Estado.
Ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei nº 8.069/1990, prevê, em seu artigo 55, que “os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”, seguido pelo artigo 129, que aprofunda no inciso V a “obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua frequência e aproveitamento escolar”.
Entretanto, apesar de todo exposto sobre o ponto de vista legal, no que diz respeito principalmente à obrigatoriedade da matrícula em escolas públicas, muitos questionamentos se fazem presentes sobre lacunas na legislação que favorecem a prática do homeschooling. Assim, defensores do homeschooling baseiam-se na própria Constituição Federal de 1988, nos artigos 205 e 206, que concedem à família a garantia do direito fundamental de escolher, livremente e de forma prioritária, o tipo de educação que deseja dar aos seus filhos, com vistas aos fins descritos na própria CF/88, e, ainda, no artigo 229, que dispõe sobre ser dever dos pais, assistir, criar e educar os filhos menores.
Notadamente, tanto os argumentos favoráveis ao homeschooling quanto os contrários baseiam-se em princípios constitucionais, e não somente em artigos, leis, códigos ou estatutos. Assim, diante da colisão entre princípios constitucionais, várias decisões acerca do tema são tomadas pelo Poder Judiciário que, na maioria dos casos, favorecem o Estado na interpretação de que a prática do homeschooling contraria a CF/88, bem como os objetivos nela estabelecidos quanto à educação em um Estado Democrático de Direito. Ainda, segundo tais decisões, a educação exige o preparo do cidadão para viver em ambiente republicano e democrático, supondo-se o mínimo de conhecimento das instituições democráticas (Ranieri, 2009) e que essa formação poderia ser prejudicada estando limitada ao ambiente familiar.
Cabe ressaltar que esse entendimento não é unânime, pois, após decisão do Superior Tribunal de Justiça, em 2001, ser contrária ao homeschooling, em 2011, no estado do Paraná, uma família recebeu autorização judicial para a prática do homeschooling, sujeitando-se ela à verificação pelo Poder Público quanto ao cumprimento dos objetivos constitucionais e legais inerentes à educação das crianças submetidas à metodologia. Assim, importa destacar que a decisão judicial levou em consideração o cumprimento dos objetivos constitucionais, independentemente do local ou meio utilizado para alcançá-los.
Na mesma toada, vários documentos internacionais de proteção aos direitos humanos, já ratificados pelo Estado brasileiro, favorecem prioritariamente os pais quanto à escolha do tipo de educação a ser oferecida a seus filhos. Tais documentos são utilizados nas teses de defesa do homeschooling com vistas a sua regulamentação, cuja argumentação se fundamenta na liberdade de escolha, na liberdade dos pais e nos direitos individuais (Aurini; Davies, 2005).
Destaca-se, portanto, constante debate sobre as consequências, no contexto jurídico brasileiro, desses documentos internacionais para a proteção de direitos humanos que apresentam dispositivos favoráveis aos pais quanto ao direito e à liberdade de escolha do tipo de educação a ser dada aos seus filhos.
Entretanto, o uso de tais documentos em defesa da regulamentação do homeschooling não é privilégio das famílias brasileiras. Essas somente seguem o fluxo percorrido em outros países no processo de legalização dessa prática educacional, que se apropria da linguagem universal dos direitos.
Diante das considerações contextualizadas nos objetivos e princípios constitucionais dispostos na CF/88, surgem várias posições favoráveis e contrárias à prática do homeschooling em território brasileiro. Favoráveis argumentam que a escolha do método utilizado para educar as crianças cabe aos pais, sendo essa negação uma ofensa ao Estado Democrático de Direito, e ainda, que a regulamentação do ensino nessa modalidade representaria um avanço para a educação brasileira.
Nesse sentido, o ministro Netto (2005) defende a necessidade de dar aos pais o direito de escolha quanto à forma de educar seus filhos, direito este pertencente às bases do Estado Democrático de Direito. Do contrário, prossegue o ministro, a obrigatoriedade imposta pelo Estado sobre as famílias nada mais é do que a cópia fiel de modelos fascistas ou totalitários.
Sobre outro prisma, os Tratados Internacionais dos Direitos Humanos se refletem na educação compulsória existente na grande maioria dos países no momento em que trazem uma nova visão sobre ser a criança um sujeito de direito, corroborada pela Convenção Sobre os Direitos da Criança (Tomasevski, 2001). Para Tomasevski (2001), a obrigatoriedade da educação ser ofertada à criança necessita de equilíbrio entre o poder-dever do Estado que garanta à criança educação gratuita e o aceite da família.
Percebe-se que os óbices existentes diante da possibilidade de regulamentação e normatização do homeschooling encontram-se, sobremaneira, associados ao papel da escola quanto à socialização e à formação de indivíduos para a cidadania. No entanto, por meio de análises de pesquisas empíricas e teóricas internacionais e nacionais, mesmo que estas últimas sejam em menor número, demonstram que tais argumentos necessitam ser revistos, pois ambos podem ser supridos dentro da prática do homeschooling.
O significado, os princípios e objetivos da educação contextualizados dentro dos parâmetros que envolvem o Estado Democrático de Direito são questionados diante da prática do homeschooling. De um lado, o Estado não tem a pretensão de acabar com os direitos individuais ou coletivos, como na livre escolha do modelo de educação pelos pais; de outro, reforça os princípios que sustentam a base democrática e republicana do Estado Democrático de Direito como ferramentas impeditivas da regulamentação dessa prática educacional.
Diante da reivindicação pela regulamentação do homeschooling no território brasileiro, como meio de ampliar as ofertas das modalidades educacionais, bem como direito à educação respeitando-se os direitos individuais e coletivos das famílias, destaca-se grande enfrentamento não só na seara jurídica, mas claramente na seara política.
No contexto político, a grande questão diz respeito não só à prática e ao objetivo dessa normatização, mas a que população seria atendida por esse direito, haja vista que essa possibilidade de escolha e prática do homeschooling limitar-se-ia a uma parcela reduzida da população que se encontra apta a realizá-la. Assim, não se trata de garantir direitos individuais e coletivos dos pais que optam por essa modalidade, mas a popularidade política.
5. Homeschooling: ampliação de direitos ou privatização da educação
A possibilidade de regulamentação do homeschooling no Brasil se depara com outras questões relevantes que permeiam o direito à educação e sua privatização. Para alguns, a possibilidade de os pais transferirem a educação de seus filhos das instituições educacionais para o âmbito familiar protagonizaria o início da privatização da educação, retirando do Estado o dever à educação.
Ao analisar as implicações do homeschooling, a literatura internacional traz Lubienski (2000, 2003) como um dos maiores opositores a essa prática. Pela visão desse autor, ao optar pelo ensino domiciliar, os pais deixam de investir na educação coletiva, que é um compromisso do bem público. Sua escolha afetaria diretamente a democracia em detrimento de uma prerrogativa privada de investimento nos próprios filhos. Afirma ainda que as reivindicações das famílias sobre o direito de escolha quanto à prática do homeschooling negligenciam o interesse do Estado em garantir a formação da criança enquanto indivíduo.
Para Apple (2003), a busca das famílias pelo homeschooling é a consequência do crescimento da privatização em outras áreas da sociedade, como uma espécie de rejeição pelo contexto “cidade”. Já Ranieri (2009) aborda a individualização como o desafio do século XXI, que dá ênfase às questões individuais que se sobrepõem ao coletivo.
Ainda segundo Lubienski (2000), o homeschooling possui um viés tendencioso aos adeptos à privatização, haja visto que os pais têm por foco as benesses de seus filhos, pondo em risco os interesses sociais democráticos, típico pensamento neoliberal, com tendências ao controle e à busca por vantagens individuais.
O autor ainda afirma que, na decisão das famílias pelo homeschooling, a questão econômica se sobrepõe à política. Afirma que a escola espelha-se no padrão da educação norte-americana, cuja prática já é institucionalizada, e que tem por objetivo fazer a educação como mais um bem privado.
Entretanto, defensores do homeschooling afirmam não haver prejuízo ao bem público quando apenas reivindicam o direito de serem livres, sem negar suas responsabilidades democráticas enquanto indivíduos. Assim, sua contribuição social com a escolha pelo homeschooling seria a formação de indivíduos autônomos livres do sistema educacional cujo modelo de educação é de produção de massa.
Diante dos argumentos apresentados, a grande questão é que, no Brasil, a maioria das queixas das famílias que optam pelo homeschooling é dirigida ao ensino privado. Apesar das escolas públicas apresentarem falhas quanto à estrutura e organização, os pais argumentam que o objetivo principal da rede privada é o lucro. Assim, optam em melhorar as condições educacionais de seus filhos, proporcionando-lhes experiências e autonomia, que causarão impacto social positivo ao longo do tempo.
Boudens (2002) acredita que a simples fundamentação jurídica quanto à viabilidade de normatização do homeschooling não seria suficiente para sua implementação. Entretanto, reconhece a necessidade de regulamentação por parte do Estado, caso o homeschooling seja implantado, demandando várias ações de supervisão da sua realização, originando gastos e investimento de recursos públicos em prol de um nicho social abastado em detrimento da grande maioria das famílias brasileiras, ainda que a situação fosse agravada, no caso das famílias que optam pelo homeschooling passarem a exigir subsídios do Estado, como ocorre em outros países.
A preocupação é fundamentada em dados norte-americanos que relatam a existência de grande número de famílias religiosas e fundamentalistas que optam pelo homeschooling com objetivo de afastarem-se socialmente de comportamentos que julgam ser desconformes dos seus padrões e que exigem do Estado subsídios para a manutenção da prática educacional (Vieira, 2012).
Assim, com a possibilidade de entendimento de que o Estado tem o dever de custear educação para todos, conforme prevê a Constituição Federal Brasileira de 1988 e, ao mesmo tempo, de garantir aos pais o direito de escolha de como se dará a educação dos seus filhos, podem-se criar situações em que o Estado passará a financiar diferentes convicções religiosas, perdendo a laicidade e, ainda, transferindo recursos públicos para a área privada.
Apesar dos posicionamentos adversos à sua normatização, no Brasil, o homeschooling apresenta crescimento e relevância como movimento social, levantando pautas quanto ao verdadeiro sentido da educação dentro de uma sociedade democrática.
Ainda, elenca questionamentos quanto à estrutura e organização da instituição “escola”, seja ela pública ou privada.
Nesse sentido, a própria prática do homeschooling e as reivindicações no sentido de sua normatização no Brasil trazem a todos a oportunidade de questionar a escola como único e ideal local para a prática educacional e se é possível oferecer educação de qualidade fora do espaço físico “escola”, inspirada nos princípios constitucionais. Ainda, faz-se necessário indagar se fora dos modelos de ensino dentro das instituições educacionais é possível formar cidadãos ativos, autônomos, participantes no exercício da democracia e engajados em prol da manutenção de uma sociedade democrática.
6. Homeschooling: fronteira entre a criminalização e a liberdade individual
O debate sobre a regulamentação e normatização do homeschooling no território brasileiro alcança patamares que demandam estudos e discussões mais aprofundadas quanto a questões sobre o direito à educação nos vários contextos que ela se apresenta.
A Carta Magna da República Federativa do Brasil considera como o Princípio da Educação a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. O artigo 205 da CF/88 versa, ainda, que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (grifo nosso).
Percebe-se, desse modo, que o dever à educação se dá tanto pelo Estado quanto pela família. Porém, em breve análise da legislação atual brasileira, o artigo 246 do Código Penal brasileiro prevê como crime o abandono intelectual, que consiste em deixar de dar a educação primária a um filho em idade escolar, sem justificativa, cuja pena é de detenção de 15 dias a 1 mês, ou multa.
Esse crime pode ser inferido aos pais e aos responsáveis legais e é caracterizado pela falta de matrícula escolar ou pela cessação da frequência escolar da criança, facilmente aferida pela escola. Basta que o Conselho Tutelar seja informado da situação e denuncie ao Ministério Público a família em questão. Assim, no Brasil, pais e responsáveis que optem pelo ensino homeschooling encontram-se sujeitos ao iminente risco de denúncia pelo crime de abandono intelectual de seus filhos à luz do Código Penal.
Surge o grande questionamento: que motivos levam essas famílias a permanecerem optando pela prática do homeschooling, se essa decisão pode lhes custar a liberdade e a perda da guarda dos seus filhos?
Diante de tal questionamento, realizamos pesquisa de campo visando sanear dúvidas sobre como se dá a aplicabilidade do método homeschooling, em vários contextos, dentre eles as práticas pedagógicas adotadas, a frequência das aulas, os objetivos gerais e específicos elencados em cada área do conhecimento, o registro do desenvolvimento dos saberes, dentre outros.
A pesquisa foi aplicada a 43 famílias residentes no Distrito Federal, que optaram efetivamente pela prática do homeschooling. A seguir, a análise dos resultados será apresentada por meio de gráficos com as respostas.






Quais aspectos positivos podem ser elencados na prática de Educação
Domiciliar? (43 respostas)
1) “Um ensino pensado especificamente para cada filho, respeitando as habilidades e também as dificuldades! Tempo hábil de trabalhar e desenvolver boas virtudes e outras atividades do próprio interesse da criança.”
2) “Flexibilidade, ensino de princípios, nada de ideologias.”
3) “Educação 100% personalizada.”
4) “Maior concentração e absorção do conteúdo aplicado; aprendizado eficaz.”
5) “Ensino personalizado, flexibilidade de horários, mais recursos para investir em aulas extracurriculares.”
6) “As aulas acompanham o ritmo do aprendizado da criança, dessa forma avançamos mais rápidos em conteúdos que ela apresenta mais facilidade e vamos mais devagar em conteúdos que ela apresenta mais dificuldade. Podemos dedicar mais tempo a conteúdos que ela demonstra maior interesse e curiosidade. A criança desenvolve mais autonomia no aprendizado e na realização de atividades. Família participa de forma ativa no aprendizado. Diagnóstico é constante e o planejamento é revisado semestralmente.”
7) “Convivência em família, currículo diferente das escolas, potencializar os interesses particulares da criança, progressão conforme o nível da criança e não nivelamento da escola, menor exposição a ideias erradas vinda da escola e convivência de colegas, autodidatismo.”
8) “Atender individualmente às necessidades da criança, podendo reforçar nos pontos que ela tem dificuldade, avançando para o próximo conteúdo apenas após a criança ter aprendido de fato o conteúdo anterior.”
9) “Personalização.”
10) “Vejo as dificuldades dos meus filhos e posso guiá-los conforme suas necessidades, retrocedendo ou avançando quando necessário. O prazer de aprender é vivo e nítido.”
11) “Respeito a individualidade do aluno. Podemos investir no que eles têm interesse e ir devagar nas disciplinas com dificuldades. A forma que utilizamos o tempo também é muito bom.”
12) “Ensino individual.”
13) “A individualidade, a otimização do tempo e a educação de excelência.”
14) “Comunicação da criança, ensino adequado e direcionado para a criança.”
15) “Liberdade de educação, proximidade com os filhos, acompanhamento contínuo.”
16) “A personalização do ensino e a facilidade de alterar o planejamento quando ocorre alguma oportunidade.”
17) “Personalização ao ritmo de cada criança, liberdade e flexibilidade. Mais convivência com outras famílias. Mais aulas práticas em espaços como parques, museus, viagens.”
18) “Convivência com vários tipos de pessoas. rotina ajustada às necessidades da criança e da família, socialização com supervisão e suporte dos pais, possibilidade de aprender conforme os princípios da família, adequação à renda familiar, ensino personalizado e individualizado.”
19) “Aprender com a atmosfera do lar, ter uma educação Personalizada para capacidade e preferência da criança incentivando desde cedo as suas aptidões, aprender com os pais sobre temas sexuais dentro daquilo que acreditamos ser o certo e o melhor para nossa família, consolidar a fé e não ter interferências de fora, não sofrer bullying de colegas e professores, nem ter que lidar com diversas questões que envolve uma escola, ter flexibilidade para estar com a família sem depender de uma rotina estabelecida por terceiros, contato com várias crianças de diferentes classes sociais e idade, poder aprofundar em matérias e conteúdos que interesse a criança sem sobrecarregar com outros conteúdos muitas vezes desnecessários, entre muitas outras questões, escolher as amizade dos filhos.”
20) “Flexibilidade, compatibilidade com as necessidades das famílias e crianças.”
21) “Educação personalizada; Preservação dos valores da família; Proximidade parental.”
22) “Profundidade, liberdade, Cristo o centro.”
23) “Ensino direcionado ao aprendizado da criança.”
24) “Educação, princípios e valores da família.”
25) “Perceber facilmente o avanço do aprendizado e também perceber em qual conteúdo a criança precisa de mais atenção. No local onde moramos as crianças passariam mais tempo em transporte escolar e sala de aula do que em casa com a família.”
26) “Tranquilidade, liberdade e flexibilidade, criatividade e confessionalidade.”
27) “Currículo individualizado para cada criança, educação, virtudes, responsabilidades, tempo afetivo com a família.”
28) “Personalização do ensino conforme necessidade da criança.”
29) “Ensino personalizado, com afeto, seguindo as necessidades e os interesses da criança.”
30) “Ensino individualizado de acordo com as dificuldades e habilidades de cada filho, propicia mais contato com a natureza.”
31) “Ensino personalizado, respeitando o tempo de aprendizado e focado nas necessidades da criança.”
32) “Garantia de contato com famílias e pessoas que confiamos nesses primeiros anos de mais influência. Personalização do ensino, conforme as necessidades que identificamos. Tratá-la conforme suas limitações (Hiperatividade), ensiná-la que o amor e Temor do Senhor é o ensino soberano entre todos.”
33) “Convivência familiar, tempo para brincar e estudo personalizado.”
34) “Filhos se sentindo mais seguros e tranquilos. Família unida. Educação personalizada de acordo com a necessidade de cada criança e ocorrendo o tempo todo. Muitas memórias afetivas.”
35) “Personalização da educação. Continuidade do conteúdo, considerando que, quando não há aula, o conteúdo continua na aula seguinte a partir de onde parou (não há aula perdida). Escolha de materiais adequados à cosmovisão familiar. Acompanhamento efetivo em todas as atividades.”
36) “Flexibilidade de horário, personalização do ensino/aprendizado, eficiência no aprendizado.”
37) “Atenção às pequenas dificuldades.”
38) “Crianças autodidatas.”
39) “Educação personalizada e que respeita a individualidade da criança. Liberdade de escolha dos métodos e materiais, liberdade de tempo. Educação de acordo com a cosmovisão da família.”
40) “Personalização de ensino, flexibilidade de horário, foco na vocação.”
41) “Educação personalizada.”
42) “A atenção única e direcionada a cada criança, fazemos um estudo das aptidões e interesses do nosso filho e ministramos de forma muito intencional os hábitos familiares, valores e as atividades fundamentais pra idade, no caso, com 4 anos, vimos a necessidade de ensinar sobre o tempo, as estações, as letras do alfabeto, a contagem, identificação de formas geométricas e tudo isso de uma maneira totalmente integradas à rotina da família. A educação é uma atmosfera, como defendido por Charlotte Mason, e isso nos leva a compreender que não se trata somente de formar um ser humano capaz de passar no vestibular, mas aquele que conhece o mundo as leis e as letras, que também tem noções concretas de aspectos espirituais, físicos e o contato direto com a natureza, permitindo um ambiente fértil para o aprendizado.”
43) “Maior concentração e absorção do conteúdo aplicado; aprendizado eficaz.”
RESUMO

Quais aspectos negativos podem ser elencados na prática de Educação Domiciliar? (43 respostas)
1) “Lidar com a responsabilidade enorme. Mas somos sustentados pela Graça do nosso Senhor, e não pela força do nosso braço!”
2) “Medo de não dar conta.”
3) Sem resposta.
4) “Não existem.”
5) “A mãe tem muito trabalho.”
6) “No caso de filhos únicos a maior parte das aulas acontece individual, exceto no dia da comunidade. Falta de regularização. Preconceito da sociedade.”
7) “Dificuldade de ministrar aulas em dias de atípicos, como em doenças, desorganização da rotina.”
8) “Quantidade menor de socialização, e maior demanda física e mental dos pais (uma vez que não tem a “folga” das horas que a criança passa na escola).”
9) “Desconhecimento de entes governamentais sobre a educação domiciliar, o que gera insegurança.”
10) “A falta de regulação. O medo muitas vezes me impede de explanar minha realidade e me fechar para pessoas que conheço a pouco tempo.”
11) “É preciso tomar muito cuidado para a mãe não ficar sobrecarregada. Fora isso, não pontos negativos significativos.”
12) “A falta de disciplina pode afetar na educação.”
13) “A individualidade, respeitando o tempo de cada um em aprender e tirar suas dúvidas, podendo também explorar mais aquilo que tem interesse ou fazer outros exercícios para reforçar aquilo que ainda não entendeu…”
14) “Ter que esconder das outras pessoas.”
15) “Falta de regulamentação.”
16) “O cansaço e o medo da denúncia por familiares.”
17) “Enquadramento nos moldes desejados pelo governo e vestibular.”
18) “Caso a família seja negligente em entender o que a criança precisa em cada idade, o ensino pode ficar com lacunas.”
19) “Disponibilidade dos pais em manter amizades dos filhos e fazer novas, muitas vezes falta tempo e iniciativa, tem que haver um esforço maior, mas que super compensa, correr o risco de ser denunciada e multado e ter que matricular depois de tanto se preparar e de um trabalho tão lindo e árduo ter que ser pausado ou parado.”
20) “Dificuldade no planejamento.”
21) “Não há.”
22) “A falta de lei que nos protejam.”
23) “Dificuldade de entendimento das pessoas que ficam sabendo que fazemos com os filhos esta modalidade de ensino.”
24) “Nenhuma.”
25) “Não tenho percepção de nenhum ponto negativo.”
26) “Descriminação, intimidação, denúncia egoísta ou invejosa.”
27) “Não ser regularizado, para que possamos agir com mais segurança.”
28) “A dificuldade de outras pessoas aceitarem a escolha da família.”
29) “Escassez de materiais em língua portuguesa.”
30) “Julgamento de terceiros.”
31) “Ter que ser discretos em relação à modalidade de ensino com medo de denúncia.”
32) “Falta de liberdade jurídica, medo de denúncias, conselho tutelar avaliando se somos capazes de criar nossos próprios filhos, etc.”
33) “Sobrecarga para os pais.”
34) “Dificuldade em apreender o conteúdo na velocidade certa para repassar às crianças. Medo de denúncias. Cansaço e exaustão.”
35) “Cansaço dos pais educadores.”
36) “Não vejo pontos negativos.”
37) “Ainda não achei.”
38) “Nenhum.”
39) “Insegurança jurídica tem sido o principal ponto negativo.”
40) “Perseguição por muitas pessoas que nem sequer conhecem a prática aqui no Brasil.”
41) “Ensino de mais de uma criança ao mesmo tempo.”
42) “Eu não vejo aspectos negativos, percebi alterações incríveis no comportamento do meu filho, como ele apresenta ser uma criança mais plena e feliz desde que deixei meu trabalho para ensiná-lo e isso é absolutamente satisfatório, não existe nada mais incrível que cultivar uma alma.”
43) “Nenhum.”




Levar à compreensão e ao entendimento do Poder Legislativo de que o dever da família não se limita à obediência à educação compulsória imposta pelo Estado é um dos grandes desafios das famílias que adotaram a prática do homeschooling, que acreditam ser capazes de oferecer educação de qualidade, nos termos dos parâmetros estabelecidos pela Lei de Diretrizes e Bases Educacionais, apesar de não estarem sob o teto de uma instituição escolar.
Assim, diuturnamente lutam para a normatização dessa prática educacional, para que seja reconhecida outra forma de garantir a educação, respeitando a liberdade de escolha e o direito da criança à educação de qualidade, enquanto permanecem no anonimato preservando a liberdade.
7. Educação homeschooling na prática
A insatisfação com as escolas em âmbito geral, como o ambiente escolar, a qualidade do ensino e a falta de capacidade em relação a necessidades especiais, são algumas das motivações elencadas para a escolha dessa prática de ensino. Entretanto, não se pode descartar o profundo interesse dos pais ou responsáveis que optam por essa modalidade educacional em estarem mais envolvidos na aprendizagem e no desenvolvimento dos alunos, com o objetivo de melhor atender às suas competências e habilidades, tornando benéfico o ensino individual.
Esse método tem como finalidade o ensino no âmbito domiciliar, e não em um local predestinado a isso, como é a escola tradicional. Todavia, apesar da propagação de desinformação a respeito do método, para que isso aconteça, há regras.
Caracterizado como gênero, o homeschooling possui algumas metodologias a serem escolhidas pelas famílias optantes. São cinco as principais: Tradicional, Clássica, Charlotte Mason, Unit Studies e Unschooling.
A Metodologia Tradicional segue um currículo muito semelhante ao das escolas tradicionais e é muito utilizada na transição do ensino das escolas tradicionais para a prática do homeschooling. Nessa metodologia, utilizam-se de livros didáticos, aplicação de exercícios e provas. Seu objetivo principal é o estudo das disciplinas acadêmicas por meio de métodos formais.
A Metodologia Clássica tem como base o modelo Trivium. São três as etapas existentes nessa metodologia de ensino. A primeira se dá entre os 5 e 10 anos de idade do aluno, quando aprendem tudo o que é visível por meio da gramática. A segunda fase, denominada fase lógica, ocorre entre 10 e 14 anos, momento de consolidação da aprendizagem da primeira fase. A última fase, denominada retórica, se dá a partir dos 14 anos, quando o objetivo é aprender de forma independente e argumentativa, desenvolvendo habilidades e adquirindo as competências autodidatas. Importa destacar que, nas três fases, todas as áreas do conhecimento são contempladas, inclusive as adicionais de escolha livre do aluno.
A Metodologia Charlotte Mason utiliza literaturas e biografias como base do aprendizado, sob o argumento de que o texto contextualizado na emoção e na imaginação enriquece a aprendizagem. Essa prática metodológica é composta por práticas educacionais ao ar livre, abrangendo a ciência das relações, artes liberais, valores, hábitos e caráter, ensino de idiomas e demais áreas do conhecimento. O desenvolvimento amplo da criança ou do adolescente, com ênfase ao âmbito pessoal, é seu grande objetivo.
Já a metodologia desenvolvida pelo Unit Studies aborda os estudos por temas ou fenômenos. Temas são escolhidos e, através dele, todas as disciplinas serão abordadas, com a finalidade de aprender a fazer.
Por último, citamos o unschooling, metodologia criada na década de 1970, por John Holt, que propõe uma aprendizagem natural, livre e orientada pelos interesses das famílias e das crianças ou adolescentes. Nesta metodologia, a liberdade é essencial, pois eles escolhem o que, quando e como aprender, sem seguir um currículo determinado.
Utilizando dados da pesquisa realizada, quanto à prática do método homeschooling, aferimos os dados a seguir:






Além dos dados apresentados, verificou-se ainda que:
a) todas as atividades são registradas por meio de vídeos e fotografias;
b) ao término do que seriam as etapas da Educação Infantil, do Ensino Fundamental – Anos Iniciais, Ensino Fundamental – Anos Finais, são realizadas “Formaturas”, com cerimônias iguais às realizadas nas instituições públicas e privadas de ensino, com registro por meio de fotos, vídeos, inclusive com o uso de becas e capelos, bem como com a entrega de diplomas/certificados.
Em suma, de acordo com os dados compilados na pesquisa realizada, percebe-se organização, planejamento, frequência e compromisso no que tange à prática da metodologia aplicada pelas famílias entrevistadas que adotaram o homeschooling. Porém, perceptível também se faz o medo latente na vida cotidiana dessas famílias, que é causado pela insegurança jurídica e a ausência de regulação legal que as possibilite escolher o método por meio do qual seus filhos receberam educação sistematizada.
8. Homeschooling: consolidação jurídica no Brasil
Nos últimos anos, alguns projetos de lei para a aprovação de lei federal que versa sobre a educação domiciliar foram apresentados ao Poder Legislativo brasileiro. No ano de 2006, foi arquivado o Projeto de Lei nº 3.679/2000, de autoria do Flávio Dino. Seu texto normativo tinha como objetivo as diretrizes e os critérios para a prática do homeschooling. Porém, sua tramitação não evoluiu.
Atualmente está em andamento o Projeto de Lei nº 1.338/2022, aprovado na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado, proposto pelo deputado Lincoln Portela. Versa o projeto sobre a regulamentação da educação em casa, com as garantias jurídicas quanto à segurança, à qualidade, ao desenvolvimento adequado e à supervisão do poder público.
Enquanto tramitam os projetos de lei no Poder Legislativo, muitas famílias buscam, junto ao Poder Judiciário, o direito de educar seus filhos por meio da prática do homeschooling, porém sem resultado.
O Supremo Tribunal Federal originou o Tema 822 daquela Corte, que, fundamentando que a Constituição Federal não veda o ensino domiciliar, mas proíbe qualquer de suas espécies que não respeite o dever de solidariedade entre a família e o Estado. Assim, decidiu pela inconstitucionalidade do unschooling radical, do unschooling moderado e do homeschooling em qualquer de suas variações.
Entretanto, o decisum afirma que sua criação não é vedada constitucionalmente por meio de lei federal, desde que editada pelo Congresso Nacional, cumprida a obrigatoriedade de 4 a 17 anos, respeitado o dever solidário Família/Estado, o núcleo básico de matérias acadêmicas e a supervisão, avaliação e fiscalização pelo Poder Público. Além disso, as demais previsões impostas diretamente pelo texto constitucional, inclusive no tocante às finalidades e aos objetivos do ensino, têm o objetivo de evitar a evasão escolar e garantir a socialização do indivíduo, por meio de ampla convivência familiar e comunitária.
Até que se regulamente a prática do homeschooling e, apesar de não se falar em ilegalidade por não haver no arcabouço jurídico orientação de como deva ser conduzido, ainda há que se ter a obrigatoriedade de matrícula escolar, visto que o artigo 208, incisos IV e VI, da Constituição Federal de 1988, assegura o dever do Estado com a educação. Desse modo, a educação em escola tradicional ainda é regra. Casos de falta de matrícula podem levar a processos judiciais e responsabilização criminal das famílias denunciadas por abandono intelectual.
O Projeto de Lei nº 1.338/22 recebeu Emenda Parlamentar proposta pelo Senador Roberto Rocha, do PTB/MA, cujo teor versa sobre a exigência junto às famílias optantes pela prática do homeschooling no que diz respeito à
Comprovação de escolaridade de nível superior ou em educação profissional tecnológica, em curso reconhecido nos termos da legislação, por pelo menos um dos pais ou responsáveis legais pelo estudante, bem como, em caso de interveniência de preceptor, comprovação de sua escolaridade de nível superior ou em educação profissional tecnológica, em curso reconhecido nos termos da legislação, que o habilite para a prática educacional, conforme diretriz do Conselho Nacional de Educação, certidões criminais da Justiça Federal e da Justiça Estadual ou Distrital dos pais ou dos responsáveis legais e do preceptor, quando for o caso. (grifo nosso)
Ainda, emenda o texto dispondo que,
na educação domiciliar, o preceptor deverá ser devidamente identificado como responsável junto à secretaria estadual de educação e não poderá exceder a 4 (quatro) o total de pupilos atendidos, admitido número maior quando o grupo for constituído apenas de irmãos ou membros do mesmo núcleo familiar (grifo nosso).
O Senador justifica a Emenda ao texto do projeto:
Durante a análise na Câmara, o relatório havia previsto inicialmente a necessidade de que um dos pais “e” o preceptor, se fosse o caso, tivessem o nível superior. Porém, durante a tramitação, foi realizada mudança de última hora, substituindo a conjunção aditiva “e”, que exigia do preceptor e de um dos pais a necessidade de formação mínima para ministrar SF/22294.41817-80 00001 PL 1338/2022 a educação domiciliar, pela conjunção alternativa “ou”, gerando, em nosso entender, abertura indevida para interpretação favorável à dispensa de tal formação do preceptor, caso um dos pais ou responsáveis a comprove, ainda que não tenha interesse em ministrar o ensino domiciliar diretamente.
E continua:
A abertura dessa possibilidade é gravíssima e pode levar a uma forte migração de crianças das escolas para casa ou grupinhos de vizinhos, de todas as classes sociais. Uma escola, mesmo com problemas, é um ambiente em que se busca maior controle e um ambiente mais protegido e, apesar de falhas e exceções, no geral as escolas conseguem identificar e mitigar bastantes problemas, inclusive ocorridos em casa. Há parceria estreita com os conselhos tutelares visando a proteção da criança, ajudando a mitigar problemas de violência contra as crianças. Além da perda de qualidade da Educação, as crianças neste sistema ficam absurdamente mais vulneráveis a todos os tipos de situação e riscos, motivo pelo qual a Emenda também prevê a necessidade de que também sejam apresentadas certidões criminais do preceptor. Some-se ainda as maiores dificuldades de desenvolvimento social e outros efeitos colaterais. Com efeito, para evitar ou pelo menos mitigar esse tipo de dúvida e a consequente abertura para judicialização já no nascedouro da norma, apresentamos esta emenda com a finalidade de deixar claro que o preparo e a formação mínima indicada será exigida de quem for o responsável por ministrar o ensino domiciliar, sejam os pais ou o preceptor. Além disso, a presente proposta também visa incluir a exigência de que o preceptor possua as certidões criminais e possua formação adequada e condizente com a prática do ensino, tenta mitigar os efeitos nocivos à educação das crianças trazido pelo atual projeto de lei, bem como identificá-lo. Por fim, tentando evitar que grupos domiciliares deleguem a educação de diversas crianças a um preceptor, que naturalmente trabalhará sem a estrutura adequada fornecida por uma escola regular, busca-se limitar a quantidade de alunos sob a responsabilidade de um preceptor designado pelos pais.
Outras propostas preveem ser necessário, para que o aluno seja atendido pelo homeschooling, que os pais ou responsáveis formalizem a decisão junto a uma instituição de ensino credenciada e realizem a matrícula anualmente. Ainda, corroboram a Emenda Parlamentar no sentido de que, para realizar esse credenciamento, os responsáveis não poderão ter sido condenados em crimes previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em crimes hediondos, tráfico de drogas ou violência doméstica. A comprovação desses será por meio de certidões criminais estaduais, distritais e federais.
Quanto ao currículo, que seja obrigatório seguir a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), para que sejam realizadas atividades educativas que promovam a formação geral. O desempenho dos alunos deverá ser informado ao instituto credenciado vinculado à família. Entretanto, o diferencial do homeschooling é que, além da base obrigatória, ele permite a inclusão de outros conteúdos curriculares de escolha do aluno, tendo por base seu interesse e suas habilidades, de forma a desenvolver competências individuais de forma eficaz, ficando sob a responsabilidade do responsável pelo ensino a consolidação da aprendizagem.
Segundo o Portal do Senado Federal, no ano de 2023, a participação popular no processo legislativo no Senado cresceu de forma significativa, quando o portal e-Cidadania recebeu mais de 46 mil perguntas e comentários de cidadãos, representando quase o triplo da participação em 2022, quando o portal recebeu 17 mil perguntas e comentários. Mais de 2 mil interações foram lidas ao vivo pelos parlamentares, alcançando o terceiro lugar entre os projetos de maior interação popular.
Ainda segundo o Portal do Senado Federal, foi instituída uma Comissão de Educação, destinada a discutir o Projeto de Lei nº 1.338/2022, que regulamenta a oferta domiciliar da educação básica, o chamado homeschooling. Em audiência pública realizada, enquanto debatedores da área educacional ouvidos pelo colegiado associaram o ensino em casa especialmente à falta de socialização, ao risco de violência no ambiente doméstico e à desvalorização dos professores, representantes de entidades defensoras da educação domiciliar argumentaram a favor da liberdade de escolha e da primazia das famílias na orientação dos filhos. Essa audiência pública foi a primeira do novo ciclo de discussões sobre o projeto de lei, que já foi alvo de debates na comissão em 2022.
Segundo o Portal da Agência do Senado Federal, como argumentos de desvantagem diante da prática do homeschooling, Priscila Cruz, presidente do Movimento Todos pela Educação, manifestou sua angústia diante do tema e criticou o texto aprovado na Câmara por liberalizar excessivamente o ensino em casa. Ela questionou os mecanismos de avaliação a que os estudantes dessa modalidade seriam submetidos e chamou a atenção para os elevados índices de violência doméstica da qual as crianças são vítimas.
Continuou sua argumentação contrária ao método educacional, afirmando que, na possibilidade ampliada de estudar em casa, as crianças estarão inviabilizadas, fora do radar do campo de visão do equipamento público. Ainda alertou para a proliferação descontrolada de instituições destinadas ao apoio ao ensino domiciliar e alertou que o convívio de crianças e adolescentes com a diversidade humana é necessário para a formação de uma sociedade democrática.
Na mesma toada, o presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Claudio Augusto Vieira da Silva, disse que a criança tem direito de expandir sua identidade na sociedade por meio da convivência com o outro. Ele chamou a atenção para a realidade da sociedade violenta a partir do ambiente doméstico, situação que ficou mais evidente na pandemia de covid-19. Segundo Vieira da Silva, o homeschooling constitui privatização e terceirização, e não há estimativa dos custos para o Estado para a fiscalização e o controle da atividade.
Corroborando os antecessores e representando a Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Patrícia Raquel Baroni, associou a educação domiciliar à possibilidade de violação dos direitos e da integridade das crianças, que, segundo ela, vai contra a política de educação inclusiva e agrava a insegurança alimentar. Ela sublinhou que o projeto ainda desvaloriza os professores.
Em defesa ao homeschooling, a doutora em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e presidente do Instituto Ives Gandra, Ângela Gandra, afirmou a família como “primeira educadora” e disse que o ensino domiciliar é um direito humano que não é proibido pela Constituição, respeitadas as demais normas do ensino. Segundo dados que apresentou, mais de 60 países já legalizaram o homeschooling. Ela admitiu que, na realidade brasileira, poucos pais teriam a disposição de ensinar seus filhos em casa, mas criticou a rede de ensino público. Sobre a associação da educação domiciliar com abusos domésticos contra crianças, Ângela Gandra alertou que esses crimes fogem ao perfil dos pais que educam os filhos em casa, e ressalvou que “não se pode julgar os apóstolos por Judas”.
Diego do Nascimento Vieira, presidente da Associação de Famílias Educadoras de Santa Catarina, diz que o homeschooling é uma “realidade imparável” que atende aos melhores interesses da criança. Para ele, mais que um direito, é um dever dos pais preocupar-se com a educação de seus filhos.
No mesmo sentido, o presidente da Comissão, senador Flávio Arns (PSB-PR), salientou seu esforço para compreender a situação do projeto e destacou o interesse pelo assunto de parte de senadores de várias vertentes, quando relator antecessor da senadora Professora Dorinha Seabra, do PL nº 1.338/2022, afirmando ser esse um tema fundamental a ser debatido.
Segundo a Agência Senado, no dia 22 de março próximo passado, a Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) realizou a terceira audiência pública para discutir o PL nº 1.338/2022. O tema do debate foi o impacto do projeto nas redes privadas de ensino. Os participantes divergiram nas opiniões. Enquanto alguns convidados apontaram riscos de pouco aproveitamento escolar e aprofundamento das diferenças sociais, os defensores da modalidade apontaram ganhos econômicos e respeito à liberdade das famílias.
A professora Vanessa Mota, membro da Associação das Famílias Educadoras de São Paulo, avaliou a possibilidade de ensino domiciliar como positiva, diante do que ela vê como qualidade de ensino, liberdade educacional e respeito aos direitos humanos. Ela lembrou que o projeto prevê a participação do Estado e das escolas privadas.
A professora contou que deixou o ensino tradicional diante da pouca inovação do aprendizado. Relatou que 75% dos seus alunos não conseguiam completar um parágrafo com pleno entendimento. Para a professora, o homeschooling não oferece risco a nenhum modelo já existente e possibilita às famílias outras formas de educar. Ainda segundo Vanessa Mota, a iniciativa privada pode ter um novo nicho, com famílias que não se adaptaram ao modelo privado de ensino tradicional contratando professores para seus filhos. Ela afirmou também que o Supremo Tribunal Federal (STF) já considerou como constitucional a prática do ensino domiciliar.
Para Marcelo Francisco Mateussi, diretor jurídico da Associação de Famílias Educadoras de Santa Catarina (Afesc), muitas vezes as opiniões são colocadas com base em ideologias e palpites. Para Mateussi, o projeto pede uma discussão mais profunda. Ele apontou algumas vantagens no modelo, como a economia para o governo, o interesse pessoal do aluno e mais oportunidades para professores particulares, que seriam contratados pelas famílias.
Ainda segundo Mateussi, a prática do homeschooling está presente em mais de 60 países, a maioria de países desenvolvidos, onde este ensino domiciliar é legalizado. Nos Estados Unidos, por exemplo, o homeschooling é autorizado há 30 anos. Afirmou que, nesses países, não houve prejuízo às instituições privadas de ensino e que, no Brasil, não há lógica para que seja diferente, acrescentando que há cerca de 70 mil alunos em ensino domiciliar no país, número considerado por ele como irrisório para significar alguma ameaça à rede privada de ensino.
Na mesma toada, o diretor do Instituto de Estudos Avançados em Educação, Edivan Mota, disse que o texto da Câmara dos Deputados precisa ser melhorado no Senado. Para Mota, o projeto “consolida a vontade do constituinte”, ao colocar o Estado e a família como parceiros na educação.
Considerações finais
O homeschooling é um termo que surgiu na década de 1970, cuja intenção inicial era que a criança aprendesse conforme sua curiosidade e experiências. Atualmente, por todo o mundo, há cerca de mais de 3 milhões de alunos em educação domiciliar cujas famílias utilizam essa metodologia.
O Brasil ocupa a 58ª posição no ranking que, apesar da ausência de regulamentação legal da prática do homeschooling, é realizado por famílias que não desejam mais que seus filhos sejam educados em instituições formais, públicas ou privadas. Porém, não há que se falar na intenção velada ou conhecida em propor a abolição daquelas instituições, propondo- se apenas mais uma alternativa de método educacional para os pais.
Para compreender melhor a metodologia do homeschooling, faz-se necessário conhecer suas variações. Na Metodologia Tradicional, o currículo é semelhante ao das escolas tradicionais, em que se utilizam livros didáticos, aplicação de exercícios e provas e tem por objetivo principal o estudo das disciplinas acadêmicas.
Na Metodologia Clássica, são três as etapas existentes. A primeira atinge as crianças entre 5 e 10 anos, quando aprendem tudo o que é visível por meio da gramática. A segunda fase, fase lógica, ocorre entre 10 e 14 anos, quando ocorre a consolidação da aprendizagem. Por último, a fase retórica se dá a partir dos 14 anos, na qual o objetivo é desenvolver habilidades e competências autodidatas.
Já a metodologia Charlotte Mason utiliza literaturas e biografias, contextualizando-os na emoção e na imaginação para o enriquecimento da aprendizagem. Ocorrem práticas educacionais ao ar livre, ciência das relações, artes liberais, valores, hábitos e caráter, ensino de idiomas e demais áreas do conhecimento.
Por sua vez, a metodologia desenvolvida pelo Unit Studies aborda temas ou fenômenos escolhidos e, através deles, todas as disciplinas serão abordadas, com a finalidade de aprender a fazer.
Por fim, o unschooling, metodologia criada na década de 1970, por John Holt, propõe uma aprendizagem natural, livre e orientada pelos interesses das famílias e das crianças ou adolescentes, na qual a liberdade é essencial, sem seguir um currículo determinado.
Entre opositores e defensores e, segundo dados da Associação Nacional de Educação Domiciliar – ANED, aproximadamente 2.600 famílias brasileiras aderiram à prática do homeschooling. Entretanto, as famílias praticantes do homeschooling convivem com o receio de denúncias de abandono intelectual, o que tem causado problemas judiciais quando decidem retirar seus filhos da escola. Assim, diante das demandas do Poder Judiciário, as famílias recorrem ao Poder Legislativo com o objetivo de alterar a legislação de forma a permitir e regulamentar o homeschooling (Barbosa, 2012).
A grande problemática sobre a prática do homeschooling é a sua constitucionalidade. Em face a essa questão, famílias que aderiram a essa metodologia buscam levar à compreensão e ao entendimento do Poder Legislativo que o dever da família não se limita à obediência à educação compulsória imposta pelo Estado e lutam para a normatização dessa prática educacional, a fim de que seja reconhecida outra forma de garantir a educação, respeitando-se a liberdade de escolha e o direito da criança à educação de qualidade enquanto permanecem no anonimato preservando a liberdade.
Salienta-se que se encontra em andamento o Projeto de Lei nº 1.338/2022, aprovado na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado, que versa sobre a regulamentação da educação em casa, com as garantias jurídicas quanto à segurança, à qualidade, ao desenvolvimento adequado e à supervisão do poder público.
Discutido no último 22 de março próximo passado, o referido PL teve por foco o impacto do projeto nas redes privadas de ensino. De acordo com o decisum do STF, não há proibição expressa em nossa Carta Magna contra o homeschooling, podendo se tornar constitucional, caso previsto em lei federal, desde que haja sua criação por lei federal, como ocorre na educação privada.
O PL nº 1.338/2022 recebeu Emendas Parlamentares, nas quais são elencadas exigências para as famílias optantes pela prática do homeschooling e, dentre elas, a comprovação de escolaridade de nível superior ou em educação profissional tecnológica, em curso reconhecido nos termos da legislação, por pelo menos um dos pais ou responsáveis legais pelo estudante. Essa exigência alcança um possível preceptor. Ainda, conforme diretriz do Conselho Nacional de Educação, certidões criminais da Justiça Federal e da Justiça Estadual ou Distrital, além do preceptor ser identificado como responsável junto à Secretaria Estadual de Educação.
Além dessas, outras propostas preveem que os pais ou responsáveis formalizem a decisão junto a uma instituição de ensino credenciada e realizem a matrícula anualmente, mas, para realizar esse credenciamento, os responsáveis não poderão ter sido condenados em crimes previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como crimes hediondos, tráfico de drogas ou violência doméstica.
No que diz respeito ao currículo, que seja obrigatório seguir a Base Nacional Comum Curricular – BNCC, sendo o desempenho dos alunos informado ao instituto credenciado vinculado à família.
Por fim, diante de todo exposto, acreditamos que o homeschooling é um método eficaz em sua plenitude, desde que observados planejamento, assiduidade, responsabilidade com a ministração do ensino, além da necessidade de regulamentação legal por parte do Poder Legislativo, tirando da marginalidade as famílias praticantes.
É importante ainda considerar que, no ato da regulação, sejam observados os pressupostos essenciais para a garantia do acompanhamento da prática e de seus resultados pelo Estado. Da mesma forma, que a categoria dos ministradores do ensino do homeschooling tenham o apoio necessário do Sindicato dos Professores de cada Estado da federação, que não podem nem devem se omitir diante de iminente inserção da metodologia na educação brasileira de cada estado da federação.
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