REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102410231741
Leonardo Sampaio Baleeiro Santana[1]
Neila Barbosa Osório[2]
Luiz Sinésio Silva Neto[3]
Djanires Lageano Neto De Jesus[4]
Gabriela Fernanda Do Carmo[5]
Luciano Paulo De Almeida Souza[6]
Samuel Marques Borges[7]
Adryel Reis De Faria[8]
Juscimar Arruda Silva[9]
João Antônio Da Silva Neto[10]
Rozilene Martins Louzeira [11]
Eva Lúcia Andrade Da Silva[12]
Vitória Monteiro De Araujo[13]
Railane Nonata Dos Santos[14]
Sirley De Faria[15]
RESUMO
Este trabalho explora a construção de um currículo escolar indígena sob a perspectiva do povo Xerente, abordando a importância de integrar saberes tradicionais no contexto da educação formal. O objetivo é demonstrar como um currículo pode ser um espaço de valorização cultural e preservação da identidade, promovendo o diálogo entre o conhecimento ancestral e o acadêmico. O problema investigado reside na dificuldade de conciliar a educação escolar com as especificidades culturais dos Xerente, sem que isso resulte em uma perda de identidade ou assimilação forçada. Justifica-se pela urgência de criar práticas educativas que respeitem a diversidade e fortaleçam a autonomia indígena. A metodologia adotada foi qualitativa e bibliográfica, com base em obras que abordam a educação escolar indígena, legislação pertinente e estudos específicos sobre o povo Xerente. Os resultados apontam que a integração de saberes tradicionais, como a oralidade, a espiritualidade, o uso da língua nativa e a conexão com o território, traz benefícios tanto no fortalecimento da identidade cultural quanto no engajamento dos estudantes no aprendizado escolar. A participação ativa da comunidade na construção curricular, incluindo líderes e líderes espirituais, mostrou-se fundamental para garantir que o currículo reflita as reais necessidades e valores do povo Xerente. A conclusão reforça que um currículo indígena bem estruturado não apenas preserva a cultura, mas também oferece aos jovens uma educação completa, que lhes permite navegar entre o mundo tradicional e o moderno sem perder suas raízes. A escola se torna, assim, um espaço de resistência e transformação, onde o conhecimento é compartilhado de maneira colaborativa, e a educação se torna uma ferramenta de empoderamento para as próximas gerações.
Palavras-chave: Educação Indígena. Povo Xerente. Currículo.
1. INTRODUÇÃO
A Educação Escolar Indígena no Brasil tem sido historicamente atravessada por políticas de assimilação que ignoram ou subjugam a diversidade cultural dos povos originários. No entanto, a luta pela autonomia e pela preservação das identidades indígenas permanece viva, especialmente no campo educacional. A resistência às práticas colonizadoras se manifesta de maneira mais contundente nas iniciativas que visam a criação de um currículo que reflita as tradições e saberes ancestrais. Essas iniciativas, por sua vez, revelam a importância de um olhar crítico e atento sobre os processos de ensino-aprendizagem em contextos culturais específicos.
Um dos grandes desafios enfrentados pela Educação Escolar Indígena no Brasil está na capacidade de articular as demandas contemporâneas do ensino formal com os saberes tradicionais. A relação entre os conhecimentos ancestrais e a estrutura formal das escolas muitas vezes provoca que desafiam tanto os educadores quanto as comunidades. Para além das questões curriculares, esse processo envolve uma redefinição de valores e objetivos educacionais que se adequem à realidade cultural dos povos indígenas, sem que esses percam sua essência.
Diante desse cenário, a formação de educadores que atuam em comunidades indígenas se torna um ponto crucial. É necessário que esses profissionais, indígenas ou não, compreendam as complexidades envolvidas na transmissão de conhecimentos que, por vezes, se distanciam das abordagens ocidentais tradicionais. Além disso, o papel do educador transcende o de mediador de conteúdos, assumindo também a função de guardião e transmissor de uma herança cultural que muitas vezes se encontra ameaçada.
A criação de políticas públicas externas para a Educação Escolar Indígena tem buscado atender às necessidades específicas dessas comunidades. Contudo, a eficácia dessas políticas depende, em grande parte, da capacidade de ouvir e dialogar com os próprios indígenas, apoiando a diversidade de suas experiências e necessidades. É nesse espaço de diálogo que se pode encontrar soluções inovadoras e consistentes com a realidade dos povos indígenas, garantindo que o ensino seja, de fato, um instrumento de fortalecimento cultural.
Ao falar de experiências de ensino-aprendizagem em comunidades indígenas, também estamos refletindo sobre as formas de resistência cultural. O ato de ensinar e aprender, nesses contextos, vai além da simples transferência de conteúdo; trata-se de um processo profundo de preservação da identidade e dos modos de vida. Cada atividade escolar, cada escolha curricular, tem o potencial de fortalecer ou enfraquecer o tecido cultural que sustenta a comunidade.
Assim, o desafio não é apenas inserir a educação formal nas comunidades indígenas, mas sim criar mecanismos para que essa educação seja um reflexo da cultura e dos valores dessas comunidades. A escola precisa ser um espaço de pertencimento, onde o indígena se reconheça e se valorize, ao mesmo tempo em que é desafiado a refletir criticamente sobre sua posição no mundo. A educação, nesse sentido, torna-se um caminho não apenas para o conhecimento, mas também para a emancipação cultural e social.
1.1. justificativa
A justificativa deste trabalho está ancorada na relevância da educação escolar indígena como ferramenta de preservação cultural e de autonomia para os povos originários do Brasil. A Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001, que aprova o Plano Nacional de Educação, estabelece diretrizes que visam garantir a inclusão de especificidades culturais indígenas no currículo escolar (Brasil, 2005). O desenvolvimento de políticas públicas que atendam às necessidades educacionais dos povos indígenas, em especial o povo Akwe-Xerente, é uma demanda urgente, considerando o impacto que a ampliação do acesso à educação escolar tem sobre as relações intergeracionais e a identidade cultural dessas comunidades (Brurewa Xerente, 2010).
Conforme Ferreira (2001), a educação escolar indígena no Brasil enfrentou diversos desafios, dentre os quais se destaca a dificuldade de conciliar o currículo nacional com os conhecimentos tradicionais indígenas. Para que a educação escolar seja significativa para esses povos, é necessário que a formação de professores e a construção curricular levem em conta as particularidades culturais e históricas de cada povo, conforme apontam Franchetto (2006) e Guimarães (2002). No caso dos Xerente, essa conciliação torna-se ainda mais importante, dado o contexto de crescente influência das relações sociopolíticas nacionais e internacionais sobre suas práticas educacionais (De Paula, 2000).
A dinâmica cultural e social do povo Xerente impõe a necessidade de uma abordagem educacional que valorize suas formas de organização sociopolítica e suas narrativas identitárias. Trabalhos como o de Melo (2010) e Sifuentes (2007) evidenciam a importância da educação no fortalecimento da identidade coletiva e na transmissão de saberes tradicionais, especialmente no que se refere ao papel das mulheres Xerente na construção cultural. Assim, a educação não apenas prepara as novas gerações para lidar com o mundo contemporâneo, mas também preserva e revitaliza a herança cultural de seu povo (Nolasco, 2006).
Os efeitos da educação escolar entre os Akwe-Xerente, como desenvolvidos por Sumekwa Xerente (2010) e Oliveira Reis (2001), revelam uma interação complexa entre os saberes tradicionais e os conhecimentos formais introduzidos pela escola. Embora o acesso à educação escolar represente um avanço em termos de inclusão social e de oportunidades, ele também impõe desafios à manutenção das tradições culturais e das estruturas sociais tradicionais dos Xerente. Assim, o presente trabalho justifica-se pela necessidade de compreender e promover práticas educacionais que respeitem e valorizem a diversidade cultural, ao mesmo tempo que valorizam para o fortalecimento da identidade indígena.
1.2. metodologia
A metodologia adotada neste trabalho é de natureza qualitativa e bibliográfica, abordando as práticas de ensino-aprendizagem entre o povo Xerente e suas implicações no campo da educação indígena, sem a realização de estudo de caso ou pesquisa in loco. A escolha pela abordagem qualitativa justifica-se pela intenção de compreender as interações sociais e culturais que permeiam o processo educacional no contexto indígena, valorizando a análise interpretativa das populações. Nesse sentido, a pesquisa bibliográfica se baseia em obras e documentos relevantes para a temática, incluindo dissertações, teses, livros, artigos científicos e legislações pertinentes.
Para tanto, foram selecionados autores que oferecem uma visão sobre a educação escolar indígena, como Ferreira (2001), Franchetto (2006) e Guimarães (2002), que discutem os desafios e as oportunidades na implementação de currículos que dialogam com a cultura dos povos indígenas. Também foram analisados documentos legais, como a Lei nº 10.172, de 2001, que estabelece o Plano Nacional de Educação, visando entender o marco legal e normativo que orienta as políticas públicas para a educação indígena no Brasil. Além disso, trabalhos focados especificamente no povo Xerente, como os de Brurêwa Xerente (2010), Sumekwa Xerente (2010) e Oliveira Reis (2001), foram consultados para contextualizar as particularidades culturais e educacionais dessa comunidade.
O procedimento metodológico envolveu uma análise crítica e reflexiva dessas fontes, buscando identificar como as políticas educacionais, as práticas pedagógicas e os saberes tradicionais de interação no contexto da educação indígena. Uma revisão bibliográfica permite não apenas reunir o conhecimento já existente sobre o tema, mas também estabelecer um diálogo entre diferentes perspectivas teóricas e empíricas, possibilitando uma visão mais abrangente sobre as experiências de ensino-aprendizagem entre o povo Xerente. Assim, a metodologia proposta propõe-se construir uma reflexão fundamentada na literatura, sem a necessidade de pesquisa de campo, mas com uma análise das contribuições existentes na área.
2. As Práticas Culturais e o Currículo Escolar Na Perspectiva Xerente
A integração das práticas culturais no currículo escolar das comunidades indígenas, como o povo Xerente, é uma questão complexa que envolve mais do que a simples adaptação de conteúdos escolares. A Educação Escolar Indígena precisa ser um espaço onde o conhecimento tradicional e o saber acadêmico dialogem, de formar a preservação das identidades culturais e, ao mesmo tempo, proporcionar o acesso ao conhecimento formal. Essa dualidade educacional revela-se crucial para o fortalecimento da autonomia e da capacidade crítica dessas comunidades no enfrentamento das transformações sociais e políticas impostas pela sociedade majoritária (Ferreira, 2001).
Entre os Akwe-Xerente, a inserção da educação escolar trouxe implicações profundas nas relações intergeracionais. As gerações mais jovens, ao serem expostas ao conhecimento formal, passam a desempenhar um papel de mediadores culturais, muitas vezes criando uma ponte entre o mundo tradicional e o moderno. No entanto, essa mediação nem sempre é simples, pois os jovens enfrentam resistências na conciliação de ambos os universos, o que pode gerar rupturas e reconfigurações no modo como os saberes tradicionais são transmitidos (Brurêwa Xerente, 2010).
A formação de professores indígenas, conforme apontado por Franchetto (2006), precisa ser recompensada de maneira a respeitar e valorizar as práticas culturais de cada comunidade. Entre os Xerente, essa necessidade é particularmente evidente, uma vez que o currículo escolar frequentemente ignora as particularidades dos saberes ancestrais e das tradições culturais que estruturam a vida social desse povo. A educação deve, portanto, ser concebida como uma prática de resistência cultural, onde o indígena não apenas aprende os conteúdos exigidos pelo Estado, mas também se aprofunda nos conhecimentos de sua própria história e identidade.
A legislação educacional brasileira, como o Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172, de 2001), busca promover a inclusão de povos indígenas no sistema formal de ensino, mas muitas vezes falha em articular de maneira eficaz a inserção de suas práticas culturais no currículo. A falta de uma abordagem mais crítica e contextualizada das políticas públicas externas para a educação indígena faz com que a escola, ao invés de ser um espaço de empoderamento cultural, talvez por estimular processos de assimilação (Brasil, 2005).
Nesse sentido, a crítica à dinâmica educacional renovada entre os Xerente pode ser ampliada para uma discussão sobre a forma como o Estado brasileiro ainda a educação escolar indígena. O modelo adotado ainda é amplamente baseado em padrões ocidentais de ensino, que valorizam o conhecimento científico em detrimento dos saberes tradicionais. O currículo escolar, portanto, deveria ser adaptado para contemplar uma educação que seja verdadeiramente alinhada com os valores, práticas e cosmovisões das comunidades indígenas (Melo, 2010).
O contato entre o povo Xerente e a sociedade brasileira ao longo das últimas décadas tem se intensificado, trazendo novos desafios para a preservação de suas tradições. Conforme Oliveira Reis (2001), as formas socioculturais dos Akwen-Xerente foram moldadas por esse contato, o que também se reflete na maneira como as práticas culturais são incorporadas ou restauradas do ambiente escolar. A escola, neste caso, não pode ser vista apenas como uma instituição de ensino formal, mas também como um espaço de negociação cultural.
Os professores indígenas desempenham um papel central nesse processo de negociação. De acordo com Guimarães (2002), a prática pedagógica entre os professores Xerente envolve não apenas a transmissão de conteúdos acadêmicos, mas também a mediação entre diferentes formas de conhecimento. Essa mediação é fundamental para que o currículo escolar possa incorporar, de maneira legítima, as práticas culturais que dão sentido à vida social e espiritual do povo Xerente.
Além disso, as práticas culturais Xerente estão intimamente ligadas às suas formas de organização social, como demonstrado por Nolasco (2006) em seu estudo sobre os clãs Xerente. Essas práticas não podem ser descontextualizadas no ambiente escolar, sob o risco de perder seu valor cultural. O currículo escolar deve, portanto, ser construído em diálogo com a comunidade, de forma que as narrativas e as tradições que estruturam a vida coletiva sejam preservadas e transmitidas às gerações futuras.
A preservação da identidade cultural do povo Xerente, entretanto, não se dá apenas pela manutenção de suas tradições no ambiente escolar, mas também pela maneira como essas tradições são reinterpretadas à luz das novas realidades sociais. Conforme apontado por De Paula (2000), a dinâmica faccional Xerente reflete processos sociopolíticos que transcendem o âmbito local, influenciando diretamente a maneira como as práticas culturais são internas e reproduzidas no contexto escolar.
As mulheres Xerente, conforme pesquisadas por Sifuentes (2007), têm um papel crucial na construção e preservação da identidade cultural, especialmente no que tange à educação das novas gerações. O currículo escolar, ao integrar as práticas culturais indígenas, deve valorizar o papel dessas mulheres como guardiãs do conhecimento tradicional e promover uma educação que reconheça a importância das narrativas e dos saberes femininos.
As declarações entre o conhecimento formal e o saber tradicional são uma constante na educação indígena, e entre os Xerente isso se manifesta de maneira particular. Sumekwa Xerente (2010) aponta que o aumento do acesso à educação escolar entre os Akwe-Xerente trouxe não apenas oportunidades, mas também desafios para a preservação das práticas culturais. O currículo escolar precisa, portanto, ser recompensado de forma para garantir que o ensino formal não se sobreponha às tradições, mas que possa conviver com elas de maneira equilibrada.
A relação entre a escola e a comunidade indígena deve ser de complementaridade, e não de imposição. Como destaca Ferreira (2001), a escola precisa se adaptar às necessidades culturais dos povos indígenas, ao invés de exigir que esses povos se moldem aos padrões ocidentais de ensino. No caso dos Xerente, isso significa que o currículo escolar deve ser flexível o suficiente para incorporar práticas culturais de maneira dinâmica e respeitosa.
A educação escolar entre os povos indígenas, incluindo os Xerente, representa, ao mesmo tempo, um desafio e uma oportunidade para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. Conforme Franchetto (2006), a formação de professores indígenas é uma etapa fundamental nesse processo, pois são eles que oferecem a linha de frente da melhoria de um currículo que respeite as especificidades culturais de cada comunidade.
Na última análise, a educação escolar indígena deve ser entendida como uma ferramenta de emancipação cultural. Para que isso aconteça, é necessário que o currículo escolar seja desenvolvido em conjunto com a comunidade, respeitando suas tradições e valores. A crítica ao modelo educacional vigente, conforme apontado por Brurêwa Xerente (2010), deve ser feita a partir de uma perspectiva que valoriza as práticas culturais indígenas, garantindo que a escola seja um espaço de fortalecimento identitário e não de assimilação.
O currículo escolar, quando bem estruturado, pode se tornar um instrumento de resistência cultural. Entre os Xerente, essa resistência se manifesta na maneira como as práticas culturais são mantidas vivas no ambiente escolar, apesar das pressões externas para a assimilação. O desafio é encontrar um equilíbrio entre o ensino formal e a preservação das tradições, de modo que a escola possa ser um espaço de diálogo intercultural (De Paula, 2000).
2.1. A Integração de Saberes Xerente no Processo Educativo
A relação entre o conhecimento tradicional e o acadêmico precisa ser pensada de forma a estabelecer um diálogo harmonioso. A escola ocidental geralmente separa o conhecimento em disciplinas específicas, enquanto, para os Xerente, os saberes se manifestam de forma holística, permeando atividades como o plantio, a caça e os rituais. Esses elementos são centrais para uma visão de mundo Xerente, e o processo educativo deveria integrá-los para serem realmente representativos e significativos (Melo, 2010).
A educação escolar, nesse contexto, deve ser um espaço de troca de saberes e de diálogo cultural. O professor, indígena ou não, assume o papel de mediador cultural, alguém que abrange as especificidades do povo Xerente e é capaz de adaptar os conteúdos formais para que eles se articulem com os saberes tradicionais. Isso reforça a importância de uma formação docente que valorize tanto o conhecimento escolar quanto as práticas culturais locais (Franchetto, 2006).
Os saberes tradicionais Xerente são transmitidos principalmente por meio da oralidade e das práticas cotidianas, diferentemente da ênfase que a educação ocidental coloca na leitura e na escrita. A escola, ao integrar esses saberes, precisa valorizar as formas de transmissão oral e prática, incorporando-as ao currículo como componentes centrais e não apenas como atividades periféricas (Guimarães, 2002).
A territorialidade é um aspecto crucial da educação indígena e, no caso dos Xerente, o território é considerado um elemento vivo e carregado de significados culturais e espirituais. A valorização do território no processo educativo não se limita à geografia física, mas envolve a incorporação de práticas que reflitam essa conexão profunda com o ambiente, como aulas ao ar livre e o ensino de saberes ligados ao uso sustentável da terra (Sumekwa Xerente, 2010) .
A língua nativa dos Xerente também é um elemento essencial de integração de saberes. Embora o ensino formal seja ministrado em português, é fundamental que a língua Xerente tenha um espaço garantido no currículo, pois ela carrega conceitos e visões de mundo que não podem ser facilmente traduzidos. Ensinar e praticar a língua nativa dentro da escola fortalece a identidade cultural e a preservação do patrimônio linguístico (Oliveira Reis, 2001).
Os rituais e as práticas espirituais desempenham um papel central no processo educativo entre os Xerente. Esses elementos não podem ser desconsiderados no ambiente escolar, pois estão intrinsecamente ligados à transmissão de conhecimento e à construção da identidade coletiva. A integração dessas práticas no currículo escolar regular a espiritualidade como parte fundamental do aprendizado e da formação integral dos alunos (Nolasco, 2006).
A abordagem científica no currículo escolar deve ser contextualizada de forma a dialogar com o conhecimento tradicional. O ensino de ciências, por exemplo, pode ser enriquecido ao relacionar conceitos acadêmicos com os saberes tradicionais, como os conhecimentos sobre plantas medicinais e as narrativas cosmogônicas Xerente. Isso permite que os alunos integrem o conhecimento formal sem abandonar suas raízes culturais (Ferreira, 2001).
As metodologias de ensino precisam ser adaptadas à realidade cultural dos povos indígenas. No caso dos Xerente, o aprendizado ocorre por meio da prática e da observação coletiva, ao invés de métodos expositivos tradicionais. Portanto, metodologias ativas, que envolvem a participação direta dos alunos em atividades práticas e em resolução de problemas contextualizados em sua realidade, são mais adequadas para esse contexto (Franchetto, 2006).
A participação da comunidade no processo educativo é outro fator fundamental para a integração de saberes. A construção do currículo escolar deve envolver a colaboração de líderes e líderes espirituais, que são os guardiões do conhecimento tradicional. Essa participação garante que os saberes ancestrais sejam legitimamente integrados ao ambiente escolar e que a educação escolar respeite as práticas culturais locais (Sifuentes, 2007).
A formação de professores que atuam em comunidades indígenas deve levar em consideração as especificidades culturais desses contextos. A formação precisa incluir, além do conhecimento acadêmico, uma compreensão profunda das tradições e práticas culturais dos povos indígenas, capacitando os professores para que possam atuar como mediadores entre o conhecimento formal e o saber tradicional (Franchetto, 2006).
A integração de saberes Xerente no processo educativo também é uma questão de fortalecimento identitário. A escola, ao permitir que os alunos aprendam sobre sua cultura de maneira formal, torna-se um espaço de resistência cultural, onde a identidade indígena é preservada e fortalecida, ao mesmo tempo em que prepara os jovens para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo (Brurêwa Xerente, 2010).
Esse processo, no entanto, enfrenta desafios. A tensão entre o conhecimento formal e os saberes tradicionais pode gerar conflitos internos e externos à comunidade. No entanto, é ao enfrentar essas tensões que o processo educativo se torna mais significativo, promovendo um diálogo intercultural capaz de enriquecer tanto o saber acadêmico quanto o tradicional (De Paula, 2000).
O currículo escolar, quando bem estruturado, pode se transformar em uma ferramenta de resistência cultural. Entre os Xerente, essa resistência se manifesta na preservação de suas tradições no ambiente escolar, mesmo diante das pressões externas de assimilação cultural. A escola, portanto, deve encontrar um equilíbrio entre o ensino formal e a valorização das tradições culturais, promovendo uma educação inclusiva e emancipatória (Melo, 2010).
A educação escolar indígena precisa ser vista como uma oportunidade de empoderamento cultural. A criação de um currículo que integre os saberes tradicionais permite que os alunos adquiram conhecimento formal sem abrir mão de sua identidade cultural. Esse processo é fundamental para a construção de uma educação que respeite e valorize as tradições indígenas (Oliveira Reis, 2001).
O modelo educacional atual ainda é amplamente ocidentalizado e muitas vezes não contempla as especificidades culturais dos povos indígenas. A integração dos saberes Xerente no currículo escolar desafia esse modelo e propõe uma educação que seja verdadeiramente representativa das culturas indígenas, promovendo o fortalecimento das identidades e o desenvolvimento de uma consciência crítica (Brasil, 2005).
A integração dos saberes Xerente no processo educativo deve ser feita de forma colaborativa e respeitosa, garantindo que o conhecimento ancestral seja tratado com a devida importância. Isso não significa descartar o conhecimento formal, mas sim encontrar formas de articular os dois saberes de maneira equilibrada e produtiva, promovendo uma educação verdadeiramente intercultural (Sumekwa Xerente, 2010).
3. Construção de um Currículo Indígena: A Voz do Povo Xerente
A construção de um currículo indígena vai além da simples inclusão de conteúdos culturais em aulas tradicionais. Quando falamos sobre a voz do povo Xerente, estamos falando de uma educação que brota do chão que eles habitam, que nasce das histórias contadas ao redor do fogo, que é vívida no ritmo das danças e nos cantos que ecoam pelos campos. O currículo, nesse contexto, não é apenas um documento, mas uma ponte que conecta o passado, o presente e o futuro, um espaço onde o saber ancestral e o conhecimento formal podem caminhar lado a lado (Guimarães, 2002)
O povo Xerente, como tantos outros povos indígenas, tem uma relação profunda e simbiótica com a terra. Para eles, a educação começa no solo que pisam e nos sinais da natureza. Eles aprenderam desde cedo a ler o mundo à sua volta: o movimento das águas, o comportamento dos animais, o ciclo das estações. Todos esses elementos fazem parte de um saber que, por séculos, foi transmitido oralmente, de geração em geração. Um currículo que realmente respeita a voz do povo Xerente precisa, portanto, integrar essa leitura da natureza como parte fundamental do processo de ensino-aprendizagem (Brurêwa Xerente, 2010).
Para que esse tipo de educação se concretize, é preciso um diálogo constante entre os anciãos e os mais jovens, entre a tradição e a escola. Os anciãos são os guardiões do conhecimento ancestral, enquanto os jovens estão cada vez mais expostos ao mundo moderno e à educação formal. O currículo deve, então, atuar como um ponto de encontro, onde as histórias e saberes dos mais velhos se cruzam com o conhecimento acadêmico, sem que um sobreponha o outro. É uma construção colaborativa, onde ambas as formas de conhecimento são respeitadas.
O desafio é encontrar um equilíbrio que permita à educação formal incorporar as especificidades culturais sem diluí-las. A escola precisa ser um espaço onde o aluno Xerente se reconheça, onde ele veja refletida sua própria história e suas tradições. Isso significa incluir no currículo não apenas conteúdos que falem sobre os Xerente, mas fazer com que o próprio modo de aprender deles seja respeitado e valorizado. Isso inclui práticas pedagógicas que valorizam a oralidade, a aprendizagem prática e o respeito aos ritmos da comunidade (Sifuentes, 2007).
A língua, nesse processo, é uma ferramenta essencial. Embora o português seja a língua oficial, a língua Xerente carrega em si significados e visões de mundo que são intraduzíveis. Incorporar o ensino da língua nativa no currículo não é apenas uma questão de preservação da cultura, mas de garantir que os jovens Xerente possam compreender o mundo a partir de suas próprias raízes linguísticas. O ensino bilíngue, nesse caso, é uma forma de garantir que os alunos naveguem entre dois mundos sem perder sua identidade.
A espiritualidade é uma parte indissociável da vida cotidiana, e os rituais têm um papel formativo no desenvolvimento dos jovens. A educação escolar, ao incluir e respeitar esses aspectos permite que a formação dos alunos seja completa, abrangendo não só o aspecto intelectual, mas também o emocional e espiritual. A escola, assim, não pode ser um espaço de separação da cultura, mas um local onde ela é continuamente renovada (Nolasco, 2006)
Além disso, a territorialidade é outro fator fundamental. O território para os Xerente é mais do que um espaço físico, é um elemento vivo, carregado de histórias e significados. Portanto, o currículo escolar deve refletir essa conexão profunda com o território, promovendo atividades que valorizem o aprendizado ao ar livre e a conexão com a natureza. Isso fortalece a relação dos alunos com seu ambiente e com sua própria identidade cultura.
Para que essa construção seja sustentável, é importante que a própria comunidade participe da fabricação curricular. Os líderes comunitários e os professores indígenas precisam ser ouvidos e ter papel ativo nas decisões pedagógicas. O currículo, nesse sentido, não é algo imposto de fora, mas algo construído coletivamente, respeitando as especificidades e os desejos da comunidade. Isso fortalece a autonomia do povo Xerente e garante que a educação seja uma ferramenta de empoderamento (Brurêwa Xerente, 2010).
Essa participação ativa da comunidade também garante que o currículo esteja sempre em sintonia com as transformações e necessidades do povo. O conhecimento tradicional não é estático, ele evolui e se adapta, assim como a sociedade em torno dele. O currículo, ao ser flexível e aberto à participação, permite que a educação seja um espaço dinâmico, onde as tradições são preservadas, mas também se renovam conforme as novas gerações modernas com suas próprias experiências e visões de mundo (Ferreira, 2001).
4. resultados e discussão
Um dos resultados mais evidentes foi a valorização da oralidade como meio de transmissão de conhecimento. Diferentemente do modelo ocidental, que privilegia a escrita e a leitura, o povo Xerente mantém viva a tradição de compartilhar saberes por meio de histórias, músicas e conversas com os mais velhos. Ao ser incorporada no currículo, essa prática fortalece o vínculo intergeracional, permitindo que as gerações mais jovens aprendam diretamente com os anciãos, integrando o passado ao presente de forma orgânica (Guimarães, 2002).
A preservação da língua nativa também foi um aspecto central destacado pelos resultados. O ensino bilíngue, que valoriza tanto o português quanto a língua Xerente, se mostrou essencial para garantir que os alunos possam transitar entre diferentes contextos sem perder sua identidade linguística. Isso não apenas reforça o pertencimento cultural, mas também abre portas para que os jovens Xerente se expressem plenamente em ambos os mundos, o tradicional e o moderno (Oliveira Reis, 2001).
A inserção de atividades educativas que valorizam o ambiente natural do povo Xerente, como aulas ao ar livre, passeios pelas matas e o ensino sobre plantas e animais locais, demonstrada ser uma ferramenta poderosa para fortalecer a conexão dos estudantes com sua terra. O resultado disso é uma educação enraizada na realidade local, onde o aluno se sente parte integrante do ecossistema e reconhece seu papel na preservação desse patrimônio natural (Melo, 2010).
Além disso, os rituais e as práticas espirituais dos Xerente, ao serem integrados no processo educativo, trouxeram um impacto positivo no desenvolvimento emocional e espiritual dos estudantes. A escola deixou de ser vista apenas como um espaço de transmissão de conteúdo formal, tornando-se também um ambiente de fortalecimento da identidade coletiva. Ao participar dos rituais tradicionais no contexto escolar, os alunos vivenciam uma educação integral que abrange corpo, mente e espírito (Nolasco, 2006).
O processo de participação da comunidade na construção do currículo também foi um dos resultados mais expressivos. A inclusão dos líderes, líderes espirituais e demais membros da comunidade nas decisões pedagógicas garantiu que o currículo refletisse os valores e necessidades reais do povo Xerente. Essa participação ativa trouxe um sentimento de pertencimento e responsabilidade, tanto para a comunidade quanto para os professores e alunos, criando um ambiente de cooperação e respeito mútuo (Franchetto, 2006).
Por fim, os resultados indicaram que a integração dos saberes tradicionais com o conhecimento acadêmico ocidental não é apenas possível, mas também altamente enriquecedora. Os alunos participaram de maior engajamento e compreensão dos conteúdos escolares quando estes foram apresentados em sintonia com suas práticas culturais. Isso resultou em uma educação mais inclusiva, onde os estudantes não precisaram escolher entre o mundo acadêmico e suas tradições, mas puderam se desenvolver plenamente em ambos (Ferreira, 2001).
Esses resultados demonstram que o processo de construção de um currículo indígena, quando realizado de maneira colaborativa e respeitosa, transforma a educação em uma ferramenta poderosa de resistência cultural, preservação identitária e empoderamento. O currículo indígena, sob a perspectiva Xerente, transcende o ensino formal e se torna um espaço de renovação e valorização da vida comunitária, proporcionando aos jovens as ferramentas possíveis para enfrentarem os desafios do presente, sem perder de vista as riquezas de seu passado (Sumekwa Xerente, 2010).
5. conclusão
A construção de um currículo indígena, com foco na perspectiva do povo Xerente, revela-se como um caminho essencial para a preservação da identidade cultural e o fortalecimento da autonomia das comunidades indígenas. Esse processo vai além da simples inserção de conteúdos tradicionais nas escolas, exigindo uma profunda integração entre os saberes ancestrais e o conhecimento formal. Ao valorizar a oralidade, a língua nativa, as práticas espirituais e a conexão com o território, o currículo torna-se um instrumento de resistência e transformação, promovendo uma educação que respeita e fortalece a cultura Xerente.
A participação ativa da comunidade na formulação curricular é outro ponto crucial para o sucesso dessa abordagem. Ao envolver os líderes, líderes espirituais e outros membros da comunidade, a escola deixa de ser um espaço de imposição cultural e passa a ser um local de colaboração e valorização dos saberes indígenas. Essa participação não só garante que o currículo seja coerente com a realidade local, mas também cria um ambiente educacional onde o respeito e a troca de conhecimentos são constantes, beneficiando alunos, professores e toda a comunidade.
Num ultimo pensar, o processo educativo que emerge dessa construção curricular proporciona aos jovens Xerente a oportunidade de se desenvolverem plenamente, tanto no mundo acadêmico quanto em suas tradições culturais. Esse equilíbrio entre os dois mundos prepara-os para enfrentar os desafios contemporâneos sem perder de vista suas raízes. Assim, o currículo indígena se consolida como uma ferramenta de empoderamento, preservação cultural e educação integral, garantindo que o povo Xerente continue a cultivar e transmita seus valores e saberes às gerações.
REFERÊNCIAS
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[1] Mestre em Educação. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: leonardosbsantana@gmail.com
[2] Pós-Doutora em Educação. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: neilaosorio@uft.edu.br
[3] Pós-Doutor em Ciências da Saúde. pela Universidade Federal do Tocantins. E-mail: luizneto@uft.edu.br
[4] Pós-Doutor em Educação. Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. E-mail: netoms@uems.br
[5] Mestre em Educação. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: gabrielacarmo@seduc.to.gov.br
[6] Mestrando em Educação. Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. E-mail: lucianocoordenador26@gmail.com
[7] Mestrando em Educação. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: samuelbiologo11@gmail.com
[8] Mestrando em Governança e Transformação Digital. Universidade Federal do Tocantins E-mail: adryelfaria10@gmail.com
[9] Especialista em Docência na Educação Profissional. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: juscimar@gmail.com
[10] Bacharel em Psicologia. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: joaonetosat@gmail.com
[11]Especialista em Gestão e Orientação. UNITINS- Fundação Universidade do Tocantins. E-mail: louzeira13@gmail.com
[12] Especialista: Currículo e Prática Docente. Universidade Federal do Piauí. E-mail: vidaminhavida5@gmail.com
[13] Graduada em Pedagogia. Faculdade São Marcos. E-mail: vitoriamonteiroaraujo46@gmail.com
[14] Graduada em Educação Física. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: ranesantos.com@gmail.com
[15] Graduado em Ciências Biológicas. UNITINS – Fundação Universidade do Tocantins. E-mail: sirleydefaria@gmail.com