EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA NOS PERIÓDICOS ACADÊMICOS BRASILEIROS ENTRE 2007 E 2017

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10733454


Luiz Carlos de Paiva1,
Cláudia Helena dos Santos Araújo2


RESUMO:

Este artigo se constitui a partir do recorte da pesquisa em Paiva (2019) pelo programa Mestrado Profissional em rede em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT). Pretende-se analisar o conjunto de 70 artigos científicos veiculados em publicações científicas nos periódicos classificados como Qualis A, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), entre os anos 2007 e 2017. Tem-se como objetivo mapear criticamente os discursos que envolvem o tema tecnologias e educação. O artigo buscou caracterizar a produção acadêmica segundo os aspectos concernentes à tecnologia e quanto aos pressupostos pedagógicos.

PALAVRAS-CHAVE: EPT. Tecnologias e Educação. Teoria Crítica.

1 INTRODUÇÃO

Anteriormente, a concepção de tecnologia não era tal como hoje. A techné envolve o fazer humano, objetivando superar suas limitações naturais por meio de instrumentos criados para este fim. Nesse sentido, é um conceito em desenvolvimento, sendo um produto cultural que o homem utiliza para apreender sua própria existência (PEIXOTO, 2015). Assim, trabalho, educação e técnica são integrados, sendo a técnica o resultado das normas dos trabalhos ensinados (BRANDÃO, 2007). Somente a partir da Revolução Industrial, a ciência e a técnica se tornariam intrínsecas trazendo importantes modificações na vida social (SAVIANI, 2007).

Contextualizada no modo de reestruturação do capitalismo do século XX, a tecnologia carrega o saber fazer da techné e incorpora a ciência em sua etimologia, fazendo emergir reflexões complexas quando inseridas no campo pedagógico – que, por sua vez, não é isento de discursos originados no campo sociopolítico. Este trabalho procura fazer um levantamento das reflexões sobre as tecnologias de modo que não se distanciem de seu contexto político-pedagógico, i.e., compreendendo-os como indissociáveis. Diferente dos gregos antigos, o homem ocidental moderno aprendendo os fins da techné, entretanto ignoram a essência contida no conceito e levam a tecnologia ao caráter instrumental e utilitarista. Desse modo, propaga-se a noção de neutralidade dos instrumentos tecnológicos, desprovidos de valores (FEENBERG, 2003). Essa percepção levou a aceitação irrefletida, caracterizando as tecnologias como algo autônomo, com vida própria e portadora de uma carga ideológica não perceptível pela sociedade.

Ainda que não seja possível conceber a vida humana sem a influência e consequências das tecnologias, Manuel Castells (2007) adverte que a tecnologia não determina os rumos da sociedade, ele reconhece a influência do estado em poder retardar seus avanços. O sentido da tecnologia refuta sua própria alienação, como algo dissociado das condições sociopolíticas. O esforço em compreendê-la alienada constitui o tecnocentrismo, ou seja, a “ideologização da técnica” ocultada na dominação de um povo ou país sobre outro, por meio de sua organização social e de como as relações sociais se processam (VIEIRA PINTO, 2005).

Destaca-se ainda que o aspecto técnico não pode ficar restrito à questão dos usos, mas engloba a valoração da qual a técnica está revestida: “o universo das representações de uso geradas pelo objeto que o universo do objeto em si.” (PEIXOTO, 2015, p. 327) Em outras palavras, mais que um artefato e suas funcionalidades, identifica-se uma carga de valor simbólico, ultrapassando a esfera do objeto em si. Torna-se, portanto, necessário sair da esfera tecnocêntrica e examinar todo o processo que envolve as tecnologias e a educação. No estudo sobre os usos, Peixoto (2015) levanta a dissociação entre o aprendizado técnico e o pedagógico, comum na formação de professores e geralmente de curta duração. Questiona-se em que medida a escola se torna parte desta reestruturação das formas de produção ou também por meio da tarefa de disseminar o discurso da “qualidade total” passando pela inovação, servindo ao discurso do mercado, mas sem compromisso com a formação integral.

As crenças de que a tecnologia determina os rumos da sociedade e da neutralidade tecnológica partem de um pensamento comum manifestado, também, no discurso pedagógico. As tecnologias entraram em pauta na vida cotidiana em todos seus aspectos. O disseminado uso dos aparatos tecnológicos em sala de aula por crianças e adolescentes3, antes visto com restrições e até proibições, as funcionalidades e facilidades do mundo virtual e das redes, em todos os campos sociais, agora geram debates dos quais a escola não pode se ausentar. Embora se discuta sobre o uso das tecnologias, há questões pouco ou insuficientemente discutidas, como a presença ou não de artefatos em sala de aula, ao conceito de tecnologia, epistemologias próprias ao seu uso e produção, para quem e como a tecnologia se distribui etc. Esse trabalho se debruça sobre as questões que envolvem a tecnologia como discurso, observando pontos de vista do campo acadêmico sobre a relação entre tecnologia e educação.

Nesse sentido, este artigo se configura como um recorte da pesquisa em Paiva (2019), envolvendo a análise de 70 artigos científicos, publicados em periódicos classificados como Qualis4 A pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), com o objetivo de mapear os discursos que envolvem esse tema entre os anos de 2007 e 2017.

2 COMPOSIÇÃO DA PESQUISA

Desde a criação do Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo), em 1997, e da Universidade Aberta do Brasil (UAB), em 2005, as tecnologias foram inseridas na agenda das discussões de política educacional. O primeiro, visando a informatização das escolas; o segundo, objetivando a implementação de uma educação a distância (EAD). Desde então, trabalhos têm sido realizados para avaliar e acompanhar esse processo. A presente pesquisa fez o recorte dos últimos dez anos, abrangendo os primeiros anos após a implantação desses programas institucionais acerca das tecnologias. Foi possível verificar que, nos anos iniciais, prevaleceu o conceito de tecnocentrismo no discurso acadêmico, marcado pela euforia e pela crença que a inserção de computadores, nas escolas resolveria os problemas da educação, embora houvesse um olhar crítico sobre a forma como a política era implementada (BARRETO, 2006; ARAÚJO, 2008; MARCON, 2015, MORAES, 2016). Nos limites dessa investigação, além da análise qualitativa, foi possível realizar mensurar quantitativamente os discursos referentes ao ambiente das tecnologias na educação. Sendo notável a presença de posicionamentos sobre a presença ou não de aparatos tecnológicos em sala de aula, e sobre a EaD como solução para os problemas da educação. Este trabalho ponderou ser mais relevante investigar as concepções de tecnologia e de educação, bem como a que propósitos de uso são pertinentes aos desdobramentos da educação e da tecnologia na escola.

A revisão de literatura, os referenciais teóricos e as tendências apontadas pelas fontes auxiliaram na constituição do caminho a ser trabalhado com professores, isto é, na formação docente e no desenvolvimento da percepção epistemológica, que antecede o trabalho pedagógico em sala de aula, no direcionamento para uma visão crítica das tecnologias.

Definiu-se a pesquisa bibliográfica como o meio mais adequado de investigação para responder ao problema, pois possibilita apreender a amplitude, as tendências teóricas de determinado tema e as suas vertentes metodológicas. Além de seu caráter bibliográfico, o trabalho culminou em um estado do conhecimento, mapeando a discussão acadêmica com intuito de realizar uma sondagem da produção acadêmica.

Dessa maneira, o trabalho selecionou 10 revistas, entre 838 periódicos da área de ensino e educação, classificados como Qualis A1 e A2, pela CAPES, das quais se extraiu 70 artigos para análise. Com o auxílio da análise de conteúdo, como instrumento metodológico para a seleção e classificação dos dados, objetivou-se realizar a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção, recorrendo a indicadores quantitativos ou não (FRANCO, 2012; BARDIN, 2006).

Além da análise de conteúdo, o trabalho lançou mão do referencial teórico de Feenberg (2003) e Peixoto (2012) para a formação das categorias de análise. Feenberg (2003) explana que as tecnologias são vistas de maneira distinta por teóricos, filósofos e pela sociedade ao longo da história. Segundo o filósofo, a tecnologia pode ser considerada neutra ou carregada de valores. Na primeira, ela serve apenas como instrumento do homem para atingir os seus fins, sem carregar valor em si própria. Já na segunda, é o oposto, a tecnologia não só não é neutra, como interfere no comportamento e nos valores culturais do indivíduo. Em decorrência desse entendimento, não raro, encontram-se posicionamentos deterministas ou instrumentalistas que norteiam a atitude do ser humano em relação às tecnologias. O autor classifica outras duas vertentes, a teoria crítica e a substantivista, que estão imbuídas de valor. Isso significa que ao invés de uma crença no progresso da humanidade determinado pelas tecnologias, o substantivismo representa uma crença que as tecnologias desprovidas de controle necessariamente podem levar o homem à derrocada. Assim, para Feenberg (2003, p. 8), por um lado, a “teoria substantiva não faz tal suposição sobre as necessidades a que a tecnologia serve e não é otimista, mas crítica. Nesse contexto, a autonomia da tecnologia é ameaçadora e malévola.” Por sua vez, a teoria crítica, segundo o autor:

reconhece as consequências catastróficas do desenvolvimento tecnológico ressaltadas pelo substantivismo, mas ainda vê uma promessa de maior liberdade na tecnologia. O problema não está na tecnologia como tal, senão em nosso fracasso até agora em inventar instituições apropriadas para exercer o controle humano dela. Poderíamos domar a tecnologia submetendo-a a um processo mais democrático de projeto [design] e desenvolvimento. (FEENBERG, 2003, p. 9)

A teoria crítica é, portanto, aquela que reconhece o valor substantivo da tecnologia (não neutro), e lança um olhar macroestrutural para consequências negativas que a humanidade pode sofrer não havendo formas de controle ético e democrático sobre seu uso.

2.1. O discurso emanado do universo acadêmico da educação e da tecnologia

Em Paiva (2019), os dados analisados foram tratados de acordo com as orientações metodológicas para a realização de análise de conteúdo (BARDIN, 2006; FRANCO, 2012). Desse modo, buscam-se pertinência e equilíbrio na interpretação dos conteúdos, ou seja, “os resultados da análise de conteúdos devem refletir os objetivos da pesquisa e ter como apoio indícios manifestos e capturáveis no âmbito das comunicações emitidas”, conforme Franco (2012, p. 30).

A partir desse entendimento, apresenta-se as Figuras 1 e 2, sintetizando as categorias e subcategorias encontradas na pesquisa.

As categorias temáticas evidenciaram, na relação entre tecnologias e educação, maior presença das tecnologias da informação (TIC) e da Educação a distância (EaD), como visto na Figura 1. Com menor frequência, dentre tais temáticas, elas apontaram para as relações pedagógicas envolvendo: formação de professor, aprendizagem colaborativa, políticas educacionais etc. A subcategoria, “Aprendizagem colaborativa, convergência e interacionismo” (Figura 2), por exemplo, se destacou dentre as demais, estando vinculada à categoria temática EaD. Interpretou-se que a EaD pode ser observada como unidade de contexto e, portanto, é possível verificar outras situações relacionadas ao contexto pedagógico em que os dados foram produzidos. Ou seja, de modo a obter uma interpretação mais precisa, indo além da significação trazida pela mera leitura do léxico (unidade de registro) e auxiliando na elucidação do discurso (BARDIN, 2006). Ademais, a categoria EaD congregou vozes dissonantes, tanto de quem a defende como imprescindível à interação das tecnologias, imbuídas de postura instrumental (BOUDE FIGUEREDO, 2013) como daqueles que têm uma postura mais crítica em relação às tecnologias (ARAÚJO, 2010).

Em uma visão geral desse levantamento, a categoria de análise que prevaleceu é o discurso em torno do professor como sujeito das tecnologias, da EaD, e como mediador de uma aprendizagem colaborativa. Desse modo, emergiram questões e problematizações a respeito de seu papel na mediação, interação ou como sujeito ativo, passivo, crítico, reflexivo em torno das tecnologias.

Tomando os artigos a partir da abordagem analítica de Feenberg (2003) sobre as tecnologias, optou-se por organizá-las quanto à predominância evidenciada no que cabe à suas características. Peixoto (2012) auxilia nas categorizações, tendo em vista que a separação entre instrumentalismo e determinismo na educação é muito sutil e, às vezes, se confundem. Por isso, adotou-se, eventualmente, a denominação tecnocêntrica para referir-se a ambas:

toma a tecnologia como elemento central de explicação das relações entre as tecnologias e a educação. Nesta perspectiva, não são os professores e alunos, mas a solução técnica que é considerada mais eficaz para melhorar a produtividade e a qualidade das ações realizadas. (PEIXOTO, 2012, p. 3)

Assim, as fontes encontradas inscritas em posturas instrumentalistas e deterministas (Figura 3) têm, em comum, o fato de entenderem a tecnologia como meio isento e adaptável a quaisquer situações pedagógicas.

Martins e Flores (2015) concebem a tecnologia como ferramenta necessária para a aquisição e construção do conhecimento, tomando a formação do professor como essencial nesse processo. Outros textos inscritos como tecnocentristas (PAIVA, 2019) concebem a tecnologia enquanto solução para a inclusão digital, criticando a ausência de uso dos computadores pelos professores e a gestão do ProInfo na distribuição dos aparatos tecnológicos, além de sugerirem uma acomodação aos rumos das tecnologias pela ausência de aspectos socioculturais.

O determinismo é apresentado em Rosado e Tomé (2015), ao afirmarem que as tecnologias moldam os sujeitos: “Os sujeitos, nascidos concomitantemente ou não a esse novo contexto, mudam em algum nível sua forma de lidar com o outro nas relações sociais desenvolvidas no cotidiano” (p. 16). Isso corrobora a perspectiva de Feenberg (2003, p. 7) que no determinismo é a tecnologia quem controla os indivíduos. A despeito de não se problematizar as questões identificadas nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA), Rocha, Breves Filho e Negreiros Gomes (2017) enaltece este meio sobre o ambiente presencial prescindindo de uma análise macropolítica das tecnologias, por exemplo. Dentro do viés determinista, observou-se ainda trabalhos condicionando o futuro do professor por meio de sua adesão aos meios tecnológicos para a modernidade (VEIGA, 2013).

Foi possível perceber a aproximação dos autores à linguagem empresarial e/ou econômica, embora não manifestassem explicitamente sua adesão ao mercado ou à alguma ideologia liberal. Há uma combinação de variáveis onde é possível inferir as ideias supramencionadas: “flexibilidade”, “eficiência” e “inovação”, “capacitação” (RIVOLTELLA, 2008); o uso dessas variáveis, com certa frequência, leva à interpretação que o processo de formação de estudantes e educadores precisa ser adaptado e modernizado com finalidades para o atendimento às demandas do “mercado”

Por outro lado, em parte das produções analisadas, em que se identificou o discurso mais crítico, os autores recusam um papel passivo do professor diante das tecnologias, dentre os quais, verifica-se uma tendência à criticidade no olhar voltado à tecnologia e ao ensino. Além disso, essas ocorrências asseguram que o senso crítico não é garantido somente pela utilização das tecnologias.

Verificou-se nos demais o contrário ao discurso ingênuo sobre a tecnologia, como portadora das soluções para a educação, ou seja, que esta relação precisa ser compreendida de forma integral e não fragmentada considerando, outrossim, o contexto sociopolítico. Por exemplo, Zuin (2010) refuta, respectivamente o determinismo e o instrumentalismo em favor de uma discussão coerente em torno do uso e controle das tecnologias no ensino, condenando a “fetichização” da tecnologia e ponderando seu uso crítico.

Se tal crítica for feita, talvez a vergonha que sentimos diante do poder dos aparatos tecnológicos nos impulsione para a autorreflexão sobre o modo como continuamente nos aferramos à condição de objetos, e não de sujeitos de nossas ações educativas, as quais são mediadas, cada vez mais, pelas novas tecnologias de informação e comunicação (ZUIN, 2010, p. 978).

Nas pesquisas analisadas, o tecnocentrismo foi observado, também, do ponto de vista pedagógico (Quadro 1). A ênfase recai em tecnologias midiáticas e softwares que anunciam desempenhar a função do ensino. Assim, se por um lado, Alava (2012) afirma sobre o aprendizado no uso da web a partir do aspecto colaborativo; por outro lado, demais autores reafirmam a centralidade no uso das tecnologias no ensino. Para esses autores há uma percepção de impossibilidade do aprendizado sem esse “instrumento”. Essas são pesquisas que se situam num campo empírico de uso eficiente de artefatos, programas, softwares, ambiente virtual, entre outros, não havendo diálogos ou questionamentos com as teorias pedagógicas.

Dessa maneira, no conjunto das tendências observadas, encontram-se artigos sem posicionamento referente a uma orientação pedagógica (46%). Nos textos mais críticos há, igualmente, uma lacuna nesse sentido, que priorizam o tratamento das questões filosóficas, envolvendo educação e tecnologia ou questionando as práticas educativas dentro desse tema permanece a reflexão sobre princípios pedagógicos em segundo plano. Não obstante, em alguns dos trabalhos, a crítica processava-se pela ausência de foco nas bases da educação. O trabalho de Alonso (2008), por exemplo, concluiu que a rede em fluxo não é suficiente para sustentar a aprendizagem, em que se infere a relevância do trabalho docente, pois não basta a informação presente na web. Do mesmo modo, Peixoto e Araújo (2012) alertam para os riscos de “fetichização das tecnologias, tratadas como um mero recurso no processo de ensino e aprendizagem e quanto à defesa de seu poder redentor de modernizar a educação” (p. 264).

As fontes encontradas sob um viés tecnicista (31%) se conformam a uma concepção em que as soluções para o ensino e aprendizagem estão ancoradas nas tecnologias e em seus processos de execução, alcançando uma posição protagonista e refletindo indicadores inerentes ao contexto socioeconômico. Todavia, poucas vezes há indicadores que remetem às variáveis da pedagogia. Não foi possível identificá-las numa outra escola pedagógica devido à falta de sustentação em suas bases teóricas e ou conceituais. Dessa maneira, Selwyn (2008) reivindica que o aluno se adapte aos instrumentos tecnológicos, adquirindo a “competência” necessária para o aprendizado. Os meios técnicos são colocados numa posição central, a partir de uma visão produtivista de resultados, em indicadores como “aluno polivalente”, “multiprocessador” (p. 16). Rocha, Breves Filho e Negreiros Gomes (2017) e Rivoltella (2008) ressaltam as funcionalidades das plataformas em AVA e EAD, configurando o professor nesse processo como mediador do ensino e aprendizagem, com ênfase nos aparatos tecnológicos. Expressões como “mediador”, “promotor da interação” e correlatas são enfatizadas para a obtenção dos resultados (viz. Quadro 1).

A EaD é situada como elemento facilitador da aprendizagem por Moon (2008). Para eles, essa modalidade de ensino facilita a aprendizagem por meio de processos de colaboração mútua entre professores e alunos. Moon (2008) reivindica “professores leigos” que barateariam a difusão do ensino e seriam importantes para o sucesso dos resultados na erradicação do analfabetismo. Em uma abordagem crítica do tema, sublinha-se a discussão em torno da EaD acerca da desvalorização do trabalho docente nos AVA e da ausência de projeto pedagógico para esta área (ALONSO, 2008; GIOLO, 2008; BARRETO, 2008, 2010, 2012 entre outros). Zuin (2010) denuncia a indústria do diploma em EaD e a formação aligeirada de professores, ao passo que Giolo (2008) sugere que sejam formados a distância apenas professores que queiram trabalhar com EaD, temendo a ausência de interação entre docentes e a exploração mercantil dessa modalidade. Em quase 20% das tendências (Quadro 1), observou-se a adesão à Pedagogia do “Aprender a aprender” (incluídas aí a pedagogia das competências, pedagogias dos projetos, escolanovismo)5. Boude Figueredo (2013) destaca, na formação de fórum virtual, os alunos no papel de protagonistas no desenvolvimento de suas competências, além da inclusão digital, apostam na pedagogia de projetos e de competências no trabalho pedagógico. Ademais, a força do “aprender a aprender” se evidencia na expressão “reprofissionalização” do professor, que orienta mudanças, entre outros aspectos, nos rumos da educação. Destaca-se nesse processo a “construção do conhecimento”, o aluno “protagonista”, o professor na “mediação” do processo, entre outros. Cabe, ainda, a afirmação dessa pedagogia no salientar da oposição ao ensino tradicional e na motivação do aluno protagonista, dominando as ferramentas as quais levariam às transformações sociais. Também é comum encontrar outros indicadores tecnicistas inseridos à pedagogia do aprender a aprender: “inovação”, “capacitação docente”; “flexibilidade”. Lavinas e Veiga (2013) dão relevo a “competências”, “flexível”, “inovação”, tratando desses temas no contexto de uma “sociedade do conhecimento” que exige tais requisitos. Cruz (2008) segue com a questão da inovação da “era da informação”, exigindo adaptação de educandos e educadores e requerendo crítica no trato das informações provenientes da rede e da compreensão das formas de cognição dos sujeitos mediadas pelo professor.

Considera-se, tal como preconiza Duarte (2001), implicações para a educação em um discurso que envolve a “pedagogia do aprender a aprender” associada com o discurso tecnocêntrico. Sem desvelar as ideologias presentes nesse discurso, tornam-se reprodutoras dessa mesma ideologia, inviabilizando os mecanismos de superação desse mesmo sistema.

Para atestar a interpretação dos dados com as respectivas tendências filosófico-pedagógicas de cada pesquisa, observou-se os referenciais teóricos utilizados pelos autores como premissas de suas teses (Figura 4). Em suma, os teóricos e ou filósofos utilizados pelos pesquisadores em seus artigos representaram, com certa frequência, incongruências ou tratamento não aprofundado relativos às ideias que defendem. Os teóricos e filósofos são citados comumente nos trabalhos analisados para corroborar algum pensamento parcial próprio da fonte, agregados na pluralidade, sem um desenvolvimento conceitual.

Pierre Lévy, por exemplo, sendo o mais citado no conjunto dos artigos analisados, nem sempre é o autor mais discutido ou articulado com outros autores. Juntamente com Manuel Castells, às vezes, aparecem na mesma citação e na introdução dos textos para enfatizar as transformações advindas da “sociedade em rede” (ALAVA, 2012), mas não são articulados, muitas vezes, com as teorias defendidas pelos autores que os usam em seus trabalhos.

É importante mencionar que autores, próprios de escolas pedagógicas, não só foram pouco citados, como pouco discutidos, imprimindo uma lacuna sobre a discussão pedagógica num meio que se propõe a refletir sobre educação e tecnologia. Esse dado corrobora a ampla quantidade de resultados verificados entre as fontes que não mencionam uma corrente pedagógica (Figura 4) e a valorização de referências que justificam os dados anteriores sobre tecnocentrismo. Essa relação perpetua o dado já constatado em trabalho como o de Araújo (2008) e Peixoto e Araújo (2012).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve o propósito mapear o discurso pedagógico nas relações entre educação e tecnologias em trabalhos acadêmicos, brasileiros, entre 2007 e 2017. Constatou-se que o pensamento pedagógico ainda está permeado pelo tecnocentrismo, em que as expectativas sobre os aparatos técnicos e seus usos dominam o cenário de mudanças na educação. Como consequência, evidenciam-se trabalhos que não questionam as tecnologias enquanto instrumentos de dominação; não observando, por exemplo, como se dá sua oferta entre os alunos, tampouco quais pressupostos acompanham as políticas educacionais para a área; bem como as desigualdades perpetuadas neste processo. O tecnocentrismo, inserido em suas formas deterministas e instrumentalistas, funciona como elemento de fetichização e alienação, fazendo crer que a suposta neutralidade das tecnologias gera um controle absoluto sobre sua concepção e uso (instrumentalismo) ou leva à crença que, sem controle, a própria tecnologia buscará os caminhos do progresso humano (determinismo). Conforme Feenberg (2003), o homem moderno se afastou do modo de ver a vida, tal qual os gregos, em sua relação com a natureza e consigo: fugindo da essência e não questionando para onde se está indo.

Em contrapartida, a pesquisa revelou trabalhos com vieses de maior questionamento e de recusa ao determinismo e instrumentalismo, sem desconsiderar as tecnologias como forma de ensino-aprendizagem e voltadas às formas de controle sobre a educação. Essas analisam, também, as políticas macrossociais para o ensino com tecnologias. Dessa forma, a EaD é posta em questão por alguns autores sobre sua eficiência, para atingir objetivos educacionais, em especial, quando colocada em poder de grupos que têm intenções mercadológicas, ou do próprio estado, quando este tem a intenção de atingir mais pessoas com menos recursos humanos e materiais.

No conjunto de textos analisados, é indubitável que a EaD pode ser uma forma de ensino e aprendizagem, mas apontam lacunas nos pressupostos pedagógicos ou no modo como vem sendo conduzida, no que toca ao hiato entre as políticas educacionais e o cumprimento de suas finalidades públicas. A ausência de uma formação de fato pedagógica, o aligeiramento na formação continuada, bem como o modelo fordista nos cursos formativos online ou a distância foram citados outrora nos trabalhos de Barreto (2006) e de Araújo (2008).

Demais lacunas observadas são: a ausência de trabalhos que relacionam a educação profissional às tecnologias ou, ainda, à ausência de escolas pedagógicas que sustentem as teorias levantadas dentro desse tema. Entre os autores citados, Castells e Lévy, são tomados como protagonistas das teorias em detrimento de autores pedagógicos.

Surge, assim, o imperativo de os educadores adquirirem a percepção acerca do discurso que aponta para a formação integral do homem. Antes, porém, é necessário adquirir a habilidade para desvelar os discursos presentes no ambiente educacional. Disso resultam os caminhos e parâmetros que se pretendem seguir: a formação do homem ou o mero consumo e manuseio de aparatos tecnológicos perpetuando as diferenças sociais.

REFERÊNCIAS

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3Conforme investigação do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) o uso pedagógico com aparelhos móveis vem crescendo nos últimos anos, embora ainda tanto escolas públicas como privadas restringem o acesso à internet aos estudantes, seja por problemas de infraestrutura ou de proibição. (CETIC.BR, 2017)

4“O Qualis-Periódicos é um sistema usado para classificar a produção científica dos programas de pós-graduação no que se refere aos artigos publicados em periódicos científicos”. (QUALIS-PERIÓDICOS…, 2019)

5Segundo Duarte (2001), a pedagogia do “aprender a aprender” compreende vertentes modernas do escolanovismo, construtivismo, construcionismo, a pedagogia dos projetos, a pedagogia das habilidades e competências e trazem em comum o fato de que essas abordagens podem ser reunidas sob essa denominação por partilharem a contraposição entre ensino e aprendizagem.


1Mestrado em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT/IFG). Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. E-mail: navegarpreciso@yahoo.com.br. ORCID: 0000-0002-6127-5222. LINK LATTES: http://lattes.cnpq.br/3308517578585278.

2Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG), Departamento de Áreas Acadêmicas. Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT). Mestrado em Educação (IFG), Anápolis, Goiás, Brasil. E-mail: helena.claudia@ifg.edu.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2453-4456. LINK LATTES: http://lattes.cnpq.br/8571856189474847.