DUE PROCESS E A EFETIVIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

DUE PROCESS AND THE EFFECTIVENESS OF THE DISCIPLINARY ADMINISTRATIVE PROCESS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10042134


Juliana Bortoli Rodrigues Mees¹
Flávia Piccinin Paz²


RESUMO

O processo administrativo disciplinar é o principal instrumento para apurar irregularidades e infrações cometidas por servidores públicos no exercício de suas atribuições. Essa apuração é obrigatória para as autoridades que tiverem conhecimento de infrações administrativas, através de procedimentos correcionais de natureza investigativa e acusatória, a exemplo, o processo disciplinar de rito ordinário (PAD). Na Administração Pública, o processo administrativo disciplinar tem como base legal a Constituição Federal, com sua raiz constitucional no art. 5°, inciso LV e art. 41, §1°. Neste contexto, o presente estudo teve como objetivo analisar como o devido processo legal, a ampla defesa e contraditório, contribuí para efetividade do processo administrativo disciplinar e proteção dos direitos dos servidores públicos. A metodologia utilizada foi o método dedutivo e a pesquisa de natureza bibliográfica descritiva com subsídios legais e doutrinários. Em conclusão, denota-se que dentre os principais vícios irreparáveis, que levam à declaração de nulidade absoluta, com ofensa à Constituição Federal, estão o desrespeito do devido processo legal pela falta de defesa técnica, falta de citação ou notificação adequada, a utilização de provas ilegais ou obtidas de maneira irregular, a falta de publicidade, prazos não observados, falta de fundamentação das decisões e falta de capacitação dos servidores.

Palavras-chave: Servidores públicos. Contraditório. Atos administrativos.

1. INTRODUÇÃO

O Direito Administrativo Disciplinar é um ramo do Direito Administrativo, que tem por objetivo regular a relação da Administração Pública com seu corpo funcional, estabelecendo regras de comportamento a título de deveres e proibições, bem como a previsão da pena a ser aplicada. E o processo administrativo disciplinar é o meio de apuração e punição de faltas graves dos servidores públicos e demais pessoas sujeitas ao regime funcional de determinados estabelecimentos da Administração (Meirelles, 2011, p. 703).

A Instrução normativa – IN CGU nº 14/2018, indica quais procedimentos poderão ser utilizados no exercício da atividade correcional dos servidores ou empregados públicos, de natureza investigativa, a saber, a investigação preliminar; a sindicância investigativa; a sindicância patrimonial e; quais procedimentos de natureza acusatória, dentre eles a sindicância acusatória; o processo administrativo disciplinar (PAD); o processo administrativo disciplinar sumário, entre outros.

Será tratado mais detalhadamente dos processos administrativos disciplinares ordinários, conhecidos na Administração Pública como PAD. Segundo Ferreira (2011, p. 203), o PAD é o instrumento mais usado pela Administração Pública para apurar as responsabilidades funcionais dos servidores públicos, podendo ser instaurado para apurar irregularidades que comportam penalidades desde as mais brandas, advertência ou suspensão, até as mais graves, como a demissão ou cassação de aposentadoria.

O processo administrativo disciplinar, na Administração Pública, tem como base legal o art. 5°, inc. LV e, art. 41, § 1°, ambos da Constituição Federal e, no plano infraconstitucional, como principal regulamento, a Lei n° 8.112/1990 que dispõe a respeito do regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.

Neste contexto, o presente estudo teve como objetivo analisar como o devido processo legal, a ampla defesa e contraditório, contribuí para efetividade do processo administrativo disciplinar e proteção dos direitos dos servidores públicos.

2. O PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD)

O processo disciplinar, conforme art. 148 da Lei n° 8.112/1990, é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido. Para Costa (2005, p. 134) o processo disciplinar se define como a série de atos procedimentais que, formalizados em obediência a certos rituais traçados pelas normas e outras fontes do Direito, se propõem a apurar a verdade real dos fatos, a fim de fornecer base à legitima decisão disciplinar, a qual poderá ter efeito condenatório ou absolutório.

Di Pietro (2019, p. 816) alerta que não se deve confundir processo com procedimento, sendo que o processo abrange todos os atos praticados no exercício da função administrativa (estudos, pareceres, informações, laudos, audiências etc.) necessários à tomada da decisão final. O procedimento, por sua vez, é o conjunto de formalidades que devem ser observadas para a prática de certos atos administrativos, trata-se do rito. Para Justen Filho (2023, p. 213) o procedimento é uma sucessão predeterminada de atos jurídicos, como uma espécie de itinerário a ser seguido.

Contudo Gasperini (2011, p. 457) destaca que nem todos os processos administrativos têm um procedimento. Têm-no, por exemplo, o processo de licitação, o processo de admissão de servidores, o processo expropriatório e o processo disciplinar.

Os processos administrativos podem ser classificados como gracioso ou contencioso. No Brasil, segundo Di Pietro (2019, p. 847) todos os processos administrativos são classificados na modalidade gracioso, onde a própria Administração pratica todos os atos necessários à decisão, que não tem força de coisa julgada. Portanto, cabe salientar a inexistência do contencioso administrativo no Brasil, não previsto na Constituição Federal de 1988.

Corrobora Campos (2021, p. 783), afirmando que o Brasil adotou o sistema de jurisdição una, sistema inglês, onde o julgamento administrativo não faz coisa julgada material, ou seja, ainda que se percorram todas as instâncias, a decisão não será definitiva, pois sempre poderá o interessado rediscutir a matéria no âmbito judicial.

Marçal Justen Filho (2023) traz que:

No Brasil, a função jurisdicional é reservada ao Poder Judiciário, tal como previsto no art. 5.º, inc. XXXV (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”). Por decorrência, não existe a atribuição da competência decisória a um terceiro (que não se configure como parte no litígio) no direito administrativo brasileiro. O sujeito encarregado de julgar integra a própria Administração Pública, que é também parte no conflito (Justen Filho, 2023, p. 214).

O processo administrativo brasileiro não possui natureza jurisdicional, visto que a autoridade de julgamento está centralizada no Poder Judiciário, exceto nos casos específicos que é permitida a arbitragem.

Na Administração Pública, o processo administrativo disciplinar tem como base legal a Constituição Federal (CF/88), com sua raiz constitucional no art. 5°, inciso LV, que garante que aos litigantes em processo administrativo serão assegurados o contraditório e a ampla defesa e, art. 41, § 1° que assegura que o servidor estável só perderá o seu cargo por sentença judicial ou processo administrativo. No plano infraconstitucional, como principal regulamento, a Lei n° 8.112/1990 que dispõe a respeito do regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.

Contudo, a Lei n° 8.112/1990 apresenta lacunas relativas ao processo administrativo disciplinar, como aplicação subsidiária tem-se a Lei n° 9.784/1999 que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal deixando claro a sua finalidade, em seu art. 1°, dever de conceber o processo como garantia de cumprimento dos direitos dos cidadãos e de preservação do interesse público, consistente nos fins da Administração.

A Lei n° 9.784/1999 disciplinará o processo administrativo, na esfera federal, aplicada aos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), quando estes estiverem desempenhando a função administrativa (Campos, 2021, p. 783).

Entretanto, destaca Spitzcovski (2022, p. 430) que não se aplica para os processos administrativos específicos regidos por leis próprias, como previsto no art. 69 da referida lei que traz que os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta lei.

Ante exposto, na Administração Pública, o processo administrativo é o instrumento utilizado para aplicação da lei aos temas de sua competência, para apuração de faltas e irregularidades cometidas por seus servidores. Destarte, o processo também é garantia aos administrados que a aplicação da lei por parte da Administração se dará com observância dos direitos fundamentais e princípios constitucionais.

Ademais, deve-se registrar que diversos diplomas infralegais também têm relevância, com a integração de outras legislações aplicáveis, com destaque para a Lei de Improbidade Administrativa – Lei n° 8.429/1992, para Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) – Decreto-Lei n° 4.657/1942 e para o Código de Processo Civil – Lei n° 13.105/2015.

Quanto a competência, o processo administrativo é instituto do Direito Administrativo, portanto, qualquer das pessoas políticas (União, Estado-Membro, Distrito Federal ou Município) pode legislar sobre essa matéria e estender sua obrigatoriedade às entidades da Administração autárquica ou fundacional pública (Gasperini, 2011, p. 457). Segundo Justen Filho (2023, p. 218), os entes federativos têm competência para produzir a edição de lei local, veiculando normas específicas, devendo, contudo, respeitar as normas gerais federais.

Meirelles (2008, p. 661) assegura que o processo administrativo não pode ser unificado pela legislação federal, para todas as entidades estatais, em respeito à autonomia de seus serviços, portanto, incabível legislação federal que submeta o Estado, o Distrito Federal e os Municípios às suas disposições, sob pena de quebra do princípio da autonomia de seus serviços.

Mazza (2022, p. 547) corrobora afirmando que a Lei n° 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito a administração pública federal, trata-se de uma lei aplicável exclusivamente ao âmbito da União, possuindo natureza jurídica de lei federal na medida em que, como regra, não vincula Estados, Distrito Federal e Municípios.

Contudo, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento no sentido de considerá-la aplicável subsidiariamente às demais entidades federativas que não possuam lei própria de processo administrativo (AgRg no Ag 935.624/RJ de 21/02/2088), especialmente quanto ao prazo de 5 anos que a Administração tem para anular seus atos defeituosos (Mazza, 2022, p. 547).

O rito ordinário do processo administrativo disciplinar (PAD) está previsto nos artigos 148 a 166 da Lei nº 8.112/1990, os quais estabelecem as fases de instauração, inquérito (instrução, defesa e relatório) e julgamento. Pode iniciar-se de ofício ou a pedido de interessado, conforme prevê o art. 5° da Lei n° 9.784/1999. Essa possibilidade decorre dos princípios da oficialidade e da autotutela administrativa.

A fase inicial de instauração ocorre após o exame ou juízo de admissibilidade com a formação da comissão de investigação, composta por três servidores estáveis designados pela autoridade competente (art. 149) e observado o disposto no § 3º do art. 143 para escolha do presidente da comissão, ambos artigos da Lei nº 8.112/1990.

Ademais, segundo Campus (2021, p. 502), para garantir o princípio da impessoalidade, não podem ser integrantes dessa comissão o cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau do acusado.

Lins (2007, p. 36) destaca que o servidor selecionado para fazer parte de uma comissão de processo administrativo disciplinar (PAD), na qualidade de membro, deve cumprir os requisitos legais, bem como possuir o perfil adequado para o caso concreto, incluindo bom senso, conhecimento técnico, capacitação e experiência.

A comissão constituída tem um prazo de 60 (sessenta) dias, contados da publicação do ato que a constituir, para conclusão do processo, admitida sua prorrogação por igual período, quando as circunstâncias o exigirem (art. 152 da Lei n 8.112/1990).

A instauração do processo disciplinar só existe e se aperfeiçoa com a publicação do ato que constituir a comissão, ou seja, a publicação da portaria inaugural. Segundo Mazza (2022, p. 552) a portaria de instauração do processo administrativo disciplinar prescinde da exposição detalhada dos fatos a serem apurados conforme Súmula 641 do STJ.

A fase de inquérito é compreendida pelas subfases: instrução, defesa e relatório. O Manual da Controladoria Geral da União – CGU (2021, p. 66) ressalta que é na fase do inquérito administrativo e suas subfases de instrução e relatório que se concentra a atuação da comissão. Em síntese essas subfases correspondem, respectivamente, à produção de provas, apresentação de defesa escrita pelo servidor indiciado pela comissão como possível autor de condutas irregulares e manifestação da decisão final do colegiado disciplinar.

Durante a instrução são produzidas pela comissão disciplinar as provas necessárias para elucidação dos fatos, tais como: oitiva de testemunhas, inspeções, perícias, juntada de documentos ou colhidas as informações, laudos e pareceres, depoimento da parte, necessários ao convencimento da Administração Pública na tomada de certa decisão (Gasparini, 2011, p. 460).

Qualquer prova ou informação, desde que admitida em Direito, pode ser produzida ou solicitada sua produção. Di Pietro (2019, p. 797) destaca que é atribuído ao interessado a prova dos fatos que tenha alegado conforme previsão no art. 36 da Lei n° 9.784/1999, sendo proibida a utilização no processo administrativo de prova obtida por meio ilícito (art. 30 da Lei n° 9.784/1999).

Por último, quanto a provas, deve ser destacado que o Supremo Tribunal de Justiça tem admitido, em processo disciplinar, a utilização de prova emprestada desde que devidamente autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório e a ampla defesa (Súmula 591 do STJ).

De acordo com Gasparini (2011, p. 460) é assegurado ao servidor denunciado o direito de acompanhar, pessoalmente ou por seu advogado, o processo, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial. A defesa, após devidamente apreciada, será objeto de um relatório final encaminhado à autoridade competente que tem o dever de emitir decisão em 30 dias, concluída a fase de instrução (arts. 48 e 49 e 5º, LXXVIII, da CF)

A decisão pode ser realizada pela autoridade instauradora do processo, a depender da penalidade sugerida pela comissão processante, conforme consta no art. 141 da Lei nº 8.112/1990, ou deverá ser remetido o processo àquela que detém referida atribuição.

Alexandre Mazza (2022) destaca que:

Todas as decisões adotadas em processos administrativos podem ser objeto de recurso quanto a questões de legalidade e de mérito, devendo o recurso ser dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de 5 (cinco) dias, o encaminhará à autoridade superior. O recurso administrativo tramitará no máximo por 3 (três) instâncias administrativas, salvo disposição legal diversa (art. 57 da Lei nº 9.784/1999) (Mazza, 2022, p. 551).

As penalidades administrativas estão previstas no art. 127 da Lei nº 8.112/1990: advertência; suspensão; demissão; cassação de aposentadoria ou disponibilidade; destituição de cargo em comissão; e destituição de função comissionada. A Lei nº 8.112/1990 dispõe, em seu artigo 132, sobre as variadas situações em que o servidor poderá vir a ser apenado com a sanção de demissão, tais como: crime contra a administração pública; abandono de cargo; inassiduidade habitual; improbidade administrativa; insubordinação grave em serviço; aplicação irregular de dinheiros públicos; entre outras.

De acordo com Gasparini (2011, p. 459) o processo administrativo pode versar os mais diversos temas, pode cuidar da apuração de certos fatos e a indicação dos respectivos autores, visar a aplicação de uma pena, objetivar uma decisão, encerrar uma denúncia, comprovar o exercício do poder de polícia, entre outros objetivos.

De um único ato praticado por um servidor no exercício irregular de suas funções, segundo Campos (2021, p. 486), o servidor poderá ser responsabilizado na esfera administrativa, civil e/ou criminal. A redação do art. 121 da Lei nº 8.112/1990 é clara ao dispor que o servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições.

Ainda afirma Campos (2021), que se o servidor for punido nas três áreas, isso não representará bis in idem, como prevê o art. 125 da Lei nº 8.112/1990 as sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo independentes entre si. Podendo o servidor ser condenado numa esfera e absolvido noutra, observado a regra de independência das esferas. Há exceção se no processo criminal o servidor for absolvido por negativa de fato ou de autoria, esse efeito será irradiado também para o processo administrativo, devendo o servidor ser absolvido (art. 125 da Lei nº 8.112/1990).

Para Di Pietro (2019, p. 775) a responsabilidade civil do servidor público consiste no ressarcimento dos prejuízos causados à Administração Pública ou a terceiros em decorrência de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, no exercício de suas atribuições (art. 122 da Lei nº 8.112/1990 e art. 37, § 6º, da Constituição Federal). Há responsabilidade penal quando se pratica conduta inadequada que afeta a sociedade, crime funcional (Fortini, 2009, p. 230) e administrativa quando do cometimento de infrações funcionais, por ação ou omissão praticada no desempenho das atribuições do cargo ou função, ou que tenha relação com essas atribuições, gera a responsabilidade administrativa (arts. 124 e 148 da Lei nº 8.112/1990).

Para Gasparini (2011, p. 469), quanto a responsabilização:

Sempre que da atuação dolosa ou culposa do servidor decorrer um dano à Administração Pública ou a terceiros, está ele obrigado a ressarcir os prejuízos causados. É a responsabilidade patrimonial, segundo estabelece o art. 122 da Lei federal do Regime Único. Essa responsabilidade em relação à Administração Pública não prescreve, conforme dispõe o art. 37, § 5º, da Lei Maior. Além dessa responsabilidade, pelo mesmo ato o servidor pode responder administrativa e criminalmente (Lei nº 8.112/1990, art. 121).

A responsabilização como infração disciplinar só poderá ser realizada através de processo administrativo disciplinar, assim como, para se buscar uma indenização pelo ato ilícito se necessita do processo civil e para a imposição de uma pena pela prática de crime exige-se o processo penal.

A responsabilidade criminal é a que resulta do cometimento de crimes funcionais. Meirelles (2011, p. 581) destaca que a maioria dos crimes contra a Administração Pública está definida nos arts 312 a 326 e arts 359-A a 359-H do Código Penal. Para fins penais, o conceito de servidor público é mais amplo e, de acordo com o art. 327 do Código Penal, considera-se funcionário público quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

Cabe registrar que o afastamento da responsabilidade administrativa ocorrerá nos casos de sentença penal absolutória que negue a existência do fato ou a autoria. Portanto, se inexistiu o fato não resta qualquer tipo de responsabilidade. Da mesma maneira, a decisão penal que afasta a autoria não deve ser contrariada nas demais instâncias (Manual da CGU, 2021, p. 20).

2.1. Princípios Fundamentais nos Processos Administrativos

Os princípios norteadores de toda atividade administrativa pública direta e indireta encontram-se, explicita ou implicitamente, na Constituição Federal. A saber, os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade administrativa, da publicidade e eficiência, expressos no caput do art. 37 da Constituição Federal com redação dada pela Emenda Constitucional n° 19/1998 (BRASIL, 1988).

Segundo o princípio da legalidade a administração pública, em toda a sua atividade, só pode fazer o que a lei permite. Pois qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe-se à anulação (Gasparini, 2011, p. 20).

Pelo princípio da impessoalidade a administração deve ser norteada pelo interesse público impedindo discriminações e privilégios indevidamente dispensados a particulares no exercício da função administrativa. Para Mazza (2022, p. 70) trata-se de uma obrigatória objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades (art. 2º, § único, III, da Lei n° 9.784/1999).

O princípio da moralidade administrativa exige da atuação estatal e de seus agentes uma relação de conformidade com os padrões éticos de conduta vigente na sociedade. Por essa razão, preceitua Gasparini (2011, p. 21), veda-se à administração pública qualquer comportamento que contrarie os princípios da lealdade e da boa-fé.

O princípio da publicidade pode ser definido como o dever de divulgação oficial dos atos administrativos (art. 2º, § único, V, da Lei n. 9.784/1999). Está relacionada ao dever de informar à sociedade sobre a prática dos atos administrativos, garantindo, dessa forma, uma atuação mais transparente por parte do poder público, com a finalidade de externar a vontade administrativa; dar transparência; dar eficácia aos atos; dar início à contagem dos prazos e facilitar o controle, externo e interno, dos atos públicos (Campos, 2021, p. 38).

O princípio da eficiência trata da eficiência como um dos deveres da administração pública. Para Spitzcovski (2022, p. 41) esse princípio impõe ao Poder Público a busca pelo aperfeiçoamento na prestação dos seus serviços, bem como das obras que executa, como forma de chegar à preservação dos interesses que representa.

A Lei n° 9.784/1999, Lei do Processo Administrativo Federal, preceitua em seu art. 2° que a administração pública obedecerá aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Os princípios da razoabilidade e proporcionalidade encontram-se implícitos na Constituição Federal e, na Lei n. 9.784/1999 o que se deve entender por proporcionalidade ou razoabilidade, como se observa na leitura no art. 2º, § único, VI adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público.

No Direito Administrativo, o princípio da razoabilidade impõe a obrigação de os agentes públicos realizarem suas funções com equilíbrio, coerência e bom senso. Para Di Pietro (2019, p.107) trata-se de uma tentativa de impor limitações à discricionariedade administrativa, ampliando-se o âmbito de apreciação do ato administrativo pelo poder judiciário. Já o princípio da proporcionalidade constitui proibição de exageros no exercício da função administrativa (Mazza, 2022, p. 83).

Ao conduzir um processo administrativo disciplinar para estabelecer responsabilidades, é crucial considerar não apenas os princípios fundamentais da Administração Pública previstos no art. 37 da Constituição Federal, mas, também, os demais princípios acautelados, com destaque para os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

O devido processo legal (due process of law) teve sua origem na Inglaterra, ano de 1215, no período medieval. Dessa época para atualidade, passou por diversas transformações verificadas especialmente através da jurisprudência norte-americana, tendo sido positivado na Constituição dos Estados Unidos de 1787 (Castro, 2006, p.5). Desde sua origem tem ocupado papel de destaque na ciência do Direito, tendo sido incorporado pelos textos constitucionais vigentes de diversos países incluindo o Brasil.

Na constituição Federal Brasileira o princípio do devido processo legal está previsto no art. 5º, inciso LIV, CF/88, e é considerado o princípio fundamental do processo administrativo, eis que se configura a base sobre a qual os demais se sustentam. É uma garantia inerente ao Estado Democrático de Direito cujas diretrizes estão assentadas aos valores e princípios acolhidos pelo ordenamento jurídico e pelos direitos e garantias fundamentais.

Para Medauar (2008, p. 81) este postulado destina a tutelar direitos, representando meios para que sejam preservados, reconhecidos ou cumpridos direitos dos indivíduos na atuação administrativa, na medida em que a Constituição instituiu um Estado Democrático de Direito e estendeu esse princípio aos processos administrativos. É, portanto, garantia de que ninguém será condenado sem que lhe seja assegurado o direito de defesa, bem como o de contraditar os fatos em relação aos quais está sendo investigado.

De acordo com Mazza (2022) o princípio do devido processo legal (due process of law) integra três elementos relevantes: o caráter “legal”, o “processual” e o “devido”:

O caráter “legal” aponta para a indispensável necessidade de que o rito decisório esteja fixado previamente e acima da vontade da autoridade administrativa, isto é, no âmbito da legislação. Quanto ao caráter “processual”, a garantia do devido processo legal impede a Administração Pública de praticar atos “do nada”, “de súbito”. Por fim, para o processo legal ser “devido”, atendendo de forma integral ao conteúdo da garantia analisada, exige-se que seja observado não um rito normativo qualquer, mas o procedimento legal, adequado e específico para o caso concreto (Mazza, 2022, p. 64).

O Devido Processo Legal previsto na Lei nº 8.112/1990 se coaduna com o princípio Constitucionais possibilitando aos servidores exercitarem plenamente sua defesa conforme art. 143 da referida lei:

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa (Brasil, 1990).

No campo administrativo disciplinar discute-se a aplicação do Devido Processo Legal, com seus consectários contraditório e ampla defesa expressos no art. 5°, inciso LV, da CF/88.

A Constituição Federal de 1988, além de assegurar o contraditório e ampla defesa no processo administrativo, reconhece no art. 5°, inciso XXXIV, alínea “a” e garante aos cidadãos o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder perante as repartições públicas. Na Lei n° 9.784/1999, os princípios da ampla defesa e do contraditório estão mencionados no artigo 2°, entre os princípios que se sujeita a Administração Pública.

O princípio da ampla defesa é aplicável a qualquer tipo de processo que envolva situações de litígio ou o poder sancionatório do Estado sobre pessoas físicas ou jurídicas. Impõe, nos processos administrativos, sejam assegurados os direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio (Di Pietro, 2019, p. 806).

Bacellar Filho (1998) afirma que:

O princípio da ampla defesa, aplicado ao processo administrativo disciplinar, é compreendido de forma conjugada com o princípio do contraditório, desdobrando-se: I) no estabelecimento da oportunidade da defesa, que deve ser prévia a toda decisão capaz de influir no convencimento do julgador; II) na exigência de defesa técnica; III) no direito à instrução probatória que, se de um lado impõe à Administração a obrigatoriedade de provar suas alegações, de outro, assegura ao servidor a possibilidade de produção probatória compatível; e IV) na previsão de recursos administrativos, garantindo o duplo grau de exame no processo (Bacellar Filho,1998, p. 77).

O princípio do contraditório garante que as decisões sejam tomadas com a participação dos interessados. De acordo com Medauar (2008, p. 101) o contraditório significa a bilateralidade do processo, ou seja, a faculdade de manifestar o próprio ponto de vista ou argumentos próprios em relação a fatos, documentos ou pontos de vista apresentados por outrem.

O contraditório supõe o conhecimento dos atos processuais pelo acusado e seu direito de resposta ou de reação, segundo Di Pietro (2019, p. 806-807), exige: notificação dos atos processuais à parte interessada; possibilidade de exame das provas constantes do processo; direito de assistir a inquirição de testemunhas e direito de apresentar defesa escrita.

2.2. Efetividade do Processo Disciplinar

Os atos administrativos, segundo Campos (2021, p. 251) podem ser definidos como uma manifestação de vontade expedida de maneira infralegal e no exercício da função administrativa, podendo ser produzido pela Administração Pública ou por seus delegatários. Para Meirelles (2023, p.90) são a forma de atuação da Administração, no exercício da função administrativa, sob regime de direito público e materializando vontade unilateral do Estado.

Campos (2021, p. 272) afirma que o princípio da supremacia do interesse público oferta à Administração prerrogativas para que esta possa alcançar a satisfação do interesse público. Sendo assim, os atos administrativos possuem algumas características: presunção de legitimidade, autoexecutoriedade, tipicidade e imperatividade.

Quando nos deparamos com um ato administrativo viciado, devemos classificar o tipo de vício encontrado, a legislação atual, referente aos vícios do Direito Administrativo em âmbito federal, são a Lei n° 9.784/1999 (lei do processo administrativo federal) e a Lei n° 4.717/1965 (lei da ação popular) que define como requisitos do ato administrativo, o rol decorrente da interpretação de seu art. 2º:

São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de: a) incompetência; b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência dos motivos; e) desvio de finalidade (art. 2º da 4.717/1965).

No Direito Administrativo, segundo Di Pietro (2019, p. 275), os vícios podem atingir cinco elementos do ato, caracterizando os vícios quanto à competência e à capacidade (em relação ao sujeito), à forma, ao objeto, ao motivo e à finalidade. A autora classifica os atos administrativos como nulos ou anuláveis, nulos aqueles absolutamente inválidos que violam regras fundamentais atinentes à manifestação da vontade, ao motivo, à finalidade ou à forma e, anuláveis os atos relativamente inválidos.

O ato anulável, vício sanável, pode ser corrigido e, ocorre em vícios de competência (exceto competência exclusiva) e forma (exceto forma obrigatória). Já o ato nulo, vício insanável, não pode ser corrigido e, ocorre nos vícios de competência exclusiva, finalidade, forma obrigatória, motivo e objeto (Meirelles, 2023, p.101).

Quando se compara o tema das nulidades no Direito Civil e Administrativo, verifica-se que em ambos os ramos do direito, os vícios podem gerar nulidades absolutas ou nulidades relativas. Caggiano (2013, p.117-119) destaca que o Código Civil de 2002, arts 166 a 184, prevê uma diferenciação dos atos jurídicos nulos e anuláveis, no caso dos atos nulos o vício não pode ser sanado e a nulidade absoluta pode ser decreta pelo juiz, de ofício ou mediante provocação. Já no caso dos anuláveis, o vício pode ser sanado e a nulidade relativa só pode ser decreta mediante provocação pela parte.

No entanto, essa teoria, segundo autor supracitado, não poderá ser transposta diretamente para o direito administrativo, em face dos princípios da supremacia do interesse público, da indisponibilidade do interesse público e do cânone da legalidade.

Di Pietro (2019, p. 281), destaca que dispondo a Administração do poder de autotutela, não poderá ficar dependendo de provocação do interessado para decretar nulidade, seja absoluta ou relativa, uma vez que o interesse individual do administrado não poderá prevalecer sobre o interesse público na preservação da legalidade administrativa.

A nulidade absoluta, em regra, ocorrerá sempre que o vício processual ofender a Constituição Federal, já a nulidade relativa quando houver violação de uma norma infraconstitucional, causando prejuízo para uma das partes no processo.

Para a conceituação dos casos de nulidade e atos nulos, a Lei n° 4.717/1965 (lei da ação popular) traz em seu art. 2°, parágrafo único, os seguintes casos:

a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;

b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;

c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;

d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;

e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência (Art. 2°, §  único da Lei n° 4.717/1965) (Brasil, 1965)

O art. 3° da referida lei, fixa as hipóteses de anulabilidade dos atos administrativos, ou seja, aqueles casos que não se enquadram como nulos, determinando: os atos lesivos ao patrimônio das pessoas de direito público ou privado, ou das entidades mencionadas no art. 1º, cujos vícios não se compreendam nas especificações do artigo anterior, serão anuláveis, segundo as prescrições legais, enquanto compatíveis com a natureza deles (Brasil, 1965).

Conforme prevê art. 55 Lei n° 9.784/1999 os atos que apresentarem defeitos sanáveis, poderão ser convalidados pela própria Administração, em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, com convalidação de forma tácita ou expressa.

O Manual da Controladoria Geral da União – CGU (2021, p. 336) frisa que ainda que exista o vício insanável para autorizar a decretação de nulidade, remanesce a oportunidade de ilidir a invalidação por meio da demonstração da ausência do prejuízo em concreto pela Administração.

Assim já se manifestou a Advocacia-Geral da União, nos Pareceres-AGU nº GQ-37 e nº GQ-177, vinculantes, respectivamente:

15. (…) o cerceamento de defesa não se presume, eis que, em sendo um fato, há que exsurgir do contexto do processo disciplinar”

“Ementa: (…) O cerceamento de defesa é um fato e, em decorrência, quem o alega deve demonstrar o efetivo dano sofrido no exercício do direito de defender-se, não se admitindo sua presunção. citar

O prejuízo é requisito indispensável para invalidação de atos processuais, conforme prevê, art. 282, §1ºdo CPC, que o ato não será repetido nem sua falta será suprida quando não prejudicar a parte e, o art. 563 do CPP que nenhum ato será declarado nulo, se dá nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.

Dependendo da gravidade do vício identificado, a ilegalidade justifica a declaração de nulidade pela comissão ou pela autoridade instauradora ou por outra autoridade de hierarquia superior, seja no curso do processo disciplinar, ou ainda, em momento posterior, por autoridade competente para este fim.

A iniciativa de controle de legalidade não se limita à provocação do interessado, cabendo à Administração o poder de revisar seus próprios atos quando eivados de defeitos, conforme prevê a Súmula 473 do STF a própria administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

Nos processos administrativos disciplinas as nulidades podem ocorrer nas várias fases, desde a instauração, inquérito até o julgamento. Poderão estar presentes diversos tipos de nulidades absolutas e relativas.

As nulidades absolutas revelam de forma indubitável o prejuízo causado à defesa, dispensando, então, avaliação e demonstração deste. Seguem exemplos de vícios não sanáveis que caracterizam a nulidade absoluta: de competência exclusiva, relacionados a composição da comissão (menos de três servidores, servidores instáveis), relacionadas com o direito de defesa do acusado ou indiciado (não oitiva, ausência de defesa escrita, reiterada negativa de vista e de cópia dos autos) e relacionadas com o julgamento do processo (fato inexistente, falta de indicação do fato).

Caggiano (2013, p. 184) comenta que os vícios irreparaveis (insanáveis), incidem sobre os elementos estruturais dos atos administativos praticados no bojo de um processo administrativo geral, bem como no âmbito do processo administrativo disciplinar, levando à declaração de nulidade absoluta do ato processual com efeito ex tunc.

As nulidades relativas, caracterizadas pelos vícios sanáveis, requerem alegação e demonstração do prejuízo causado, mas só podem ser suscitadas por quem tenha interesse legítimo conforme art. 565 do CPC e, no prazo devido.

Art. 565. Nenhuma das partes poderá arguir nulidade relativa a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse (Brasil, 2015).

Seguem exemplos de vícios não sanáveis e podem ser objeto de convalidação, caracterizam a nulidade relativa: incidentes de impedimento e suspeição relacionados a comissão (art. 20 da Lei n° 9.784/1999), a autoridade instauradora e julgadora; falta de citação ou notificação, entre outras.

Lins (2007, p. 284) cita que um dos vícios sanáveis que mais afeta os procedimentos disciplinares decorre da inobservância da não apreciação de incidentes de impedimento e suspeição do presidente da comissão.

Relativo aos vícios insanáveis, o desrespeito ao devido processo legal, é tido por parcela expressiva da doutrina como um dos mais recorrentes e importantes princípios previstos pela Constituição Federal de 1988.

Num processo disciplinar verifica-se que a administração, através do juízo parcial da acusação encontra-se de um lado (Administração – Acusação), confrontando com o servidor (Servidor – Acusado), do outro, diante de um julgador imparcial (Administração – Comissão do Processo Disciplinar). Em sendo parte, a administração deve ser vista como sujeito processual nas mesmas condições de paridade com o servidor, para que a relação processual seja realizada com igualdade.

Para Bacellar Filho (2012, p. 242) a finalidade do contraditório é proteger a capacidade de influência dos sujeitos processuais (administração, servidor acusado e litigante) na formação do convencimento do órgão julgador. Uma vez que, o equilíbrio do contraditório entre as partes encontra-se na possibilidade de o servidor (acusado) utilizar os instrumentos de defesa para contrapor os argumentos da administração (acusação).

Nos processos administrativos é facultado ao servidor denunciado o direito de ser acompanhado por um advogado. Logo, a ausência do defensor não enseja nenhuma nulidade processual. Esse entendimento encontra-se, inclusive, pacificado no âmbito da jurisprudência nacional. Súmula Vinculante 5 do STF: a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição (Campos, 2021, p. 792).

Embora a Súmula 5 seja de caráter vinculante, segundo Ferreira (2011, p. 209) há duas correntes de entendimento, para uma a edição da Súmula 5 não está em sentido totalmente oposto a súmula 343 do STF, mas apenas delimita a sua aplicação. Para outra, categoricamente a edição da súmula 5 aniquilou por completo o efeito da Súmula 343. Uma vez que, a criação de Súmula Vinculante tem o intuito de pacificar o entendimento sobre determinada questão, embasada em reiteradas decisões no mesmo sentido. Contudo, destaca que os requisitos necessários para sua criação não foram preenchidos, especialmente o fato de não haver reiteradas decisões para embasar a edição de súmula vinculante sobre a defesa técnica em processos administrativos disciplinares.

Spitzcovski (2022, p.432), reitera que a aplicação dessa Súmula, em respeito ao princípio da ampla defesa, só terá lugar para aquelas situações em que no curso de um processo administrativo o acusado, por mera liberalidade, abre mão desse direito. Uma vez que há conflito direto com a Súmula 343 do STJ que diz ser obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar.

Campus (2021, p. 792), ressalta os direitos mínimos do administrado: ser tratado com respeito; ter ciência da tramitação dos processos administrativos de seu interesse; formular alegações e apresentar documentos antes da decisão e a presença de advogado é facultativa, salvo exigência expressa da lei. Bem como, os deveres mínimos do administrado: expor a verdade; agir com moralidade; não agir de forma temerária e prestar as informações que lhe forem solicitadas.

O princípio da ampla defesa, aplicado ao processo administrativo disciplinar, é compreendido de forma conjugada com o princípio do contraditório, desdobrando-se nas seguintes fases:

a) no estabelecimento da oportunidade da defesa, que deve ser prévia a toda decisão capaz de influir no convencimento do julgador; b) na exigência de defesa técnica; c) no direito à instrução probatória que, se de um lado impõe à Administração a obrigatoriedade de provar suas alegações, de outro, assegura ao servidor a possibilidade de produção probatória compatível; d) na previsão de recursos administrativos, garantindo o duplo grau de exame no processo.” (BACELLAR FILHO, 1998, p. 347 apud Ferreira, 2011, p. 208)

O exercício da ampla defesa está regulado nos artigos (143, 153, 156, 161, §1º e 164, §2º da Lei nº 8.112/1990, com a questão da defesa técnica no processo administrativo disciplinar regida pelo art. 156.

Art. 156. É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial. Nos termos do dispositivo acima mencionado, a defesa do servidor no processo administrativo disciplinar pode ser feita pessoalmente ou por procurador, que poderá ou não ser advogado (Brasil, 1990).

Nos termos do dispositivo acima mencionado, a defesa do servidor no processo administrativo disciplinar pode ser feita pessoalmente ou por procurador, que poderá ou não ser advogado. Contudo Ferreira (2011, p. 2002) questiona se seria possível ao servidor exercer amplamente sua defesa, sem muitas vezes conhecer os termos e as definições pertencentes à área jurídica. A autora ainda afirmaser indiscutível, no ordenamento brasileiro, que, em qualquer tipo de processo, o acusado tem o direito de se defender com todos os meios admissíveis.

A Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso LV, garante aos acusados em geral o direito ao contraditório e ampla defesa, tal garantia dirige-se não apenas aos processos judiciais, mas também aos administrativos.

A nulidade de um processo administrativo disciplinar por falha no devido processo legal ocorre quando não são respeitados os princípios fundamentais do direito à ampla defesa, ao contraditório, a um julgamento imparcial, à presunção de inocência e a um processo justo e transparente.

Segundo Manual da Controladoria Geral da União – CGU (2015, p. 326), as principais nulidades relacionadas ao direito de defesa são: inexistência da notificação do servidor para acompanhar o processo na qualidade de acusado; indeferimento de perícia técnica, oitiva de testemunhas e outras diligências, solicitadas pelo acusado, sem motivação; falta de defesa escrita; recusa reiterada de vista e extração de cópia dos autos do processo solicitadas pelo acusado, procurador legalmente constituído ou defensor dativo e, juntada de elementos comprobatórios aos autos após a apresentação das alegações de defesa do indiciado, sem abertura de novo prazo para defesa.

Não é raro os casos de prescrição da punibilidade nos casos em que falhas cometidas na condução do processo ou da não observação de prazos. Contudo, a Súmula 592 do STJ traz que o excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar só causa nulidade se houver demonstração de prejuízo à defesa (Campos, 2021, p. 501).

Em tese, a demora na solução do processo, por si só, não é razão bastante para fundamentar a decretação da sua nulidade, principalmente quando essa circunstância não acarreta prejuízo à ampla defesa do interessado, conforme tem decidido o STJ (MS 13.245, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe, 31 maio 2010).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A lei n° 8.112/1990 atribui a obrigatoriedade aos gestores públicos de apuração imediata das irregularidades de que tiverem conhecimento, dos servidores que integram os quadros da Administração, mediante procedimentos correcionais de natureza investigativa e acusatória.

Diante de todos os procedimentos disponíveis para realizar o poder disciplinar, o gestor público deve escolher o mais adequado ao caso concreto, uma vez que, impactará nos custos envolvidos e na efetividade do resultado da apuração.

Os processos administrativos disciplinar (PAD), natureza acusatória, são o instrumento mais utilizado e visam elucidar os fatos com legitimidade, isentos de nulidades ou anulabilidades, e em observância aos princípios do devido processo legal, de ampla defesa e do contraditório, bem como, dos princípios norteadores de toda atividade administrativa pública expressos no caput do art. 37 da Constituição Federal.

A falta de efetividade no processo administrativo disciplinar pode resultar em decisões injustas, violações dos direitos dos acusados e até mesmo em impunidade ou abuso de poder por parte das autoridades administrativas. Dentre as causas mais comuns para a falta de efetividade nesses processos tem-se a demora excessiva, a falta de recursos financeiros, humanos e/ou tecnológicos, falta de imparcialidade e transparência, falta de recursos para defesa bem como, a negligência na coleta de provas e falta de capacitação e treinamento. Também são apontados fatores como interferências políticas, corrupção e falta de integridade.

Para aumentar a efetividade dos processos administrativos disciplinares, é necessário a efetivação do contraditório com tratamento igualitário entre as partes do processo e possibilitando a ampla defesa argumentativa e técnica com a efetiva participação dos sujeitos do processo, uma vez que, o processo disciplinar ter natureza jurídica sancionatória. Bem como, acesso à informação, publicidade, direito a audiências justas e imparciais, direito à representação e possibilidade de recurso, treinamentos adequados aos servidores encarregados em conduzir o processo e avaliação periódica com revisão contínua e padronização de procedimentos aos regulamentos aplicáveis.

Por fim, salienta-se que este trabalho não teve a pretensão de esgotar todo assunto da matéria, mas sim estimular a continua discussão e servir de subsídio para novos trabalhos.

REFERÊNCIAS

BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998.

BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo administrativo disciplinar. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <https://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 de Agosto de 2023.

BRASIL. Lei 8.112 de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 dez. 1990. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm> Acesso em 10 de agosto de 2023.

BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1º fev. 1999. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9784.htm> Acesso em 10 de agosto de 2023.

BRASIL. Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965. Regula a ação popular. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 jun. 1965. Disponível em: https://www.planalto.gov.br /ccivil_03/leis/l4717.htm. Acesso em 10 de agosto de 2023.

CAGGIANO, Álvaro Theodor Herman Salem. Tratamento das Nulidades no Processo Administrativo. São Paulo, 2013, 194 f. Dissertação Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, USP: São Paulo.

CAMPOS, Ana Claudia. Direito Administrativo Facilitado. Grupo GEN, 2021. E-book. ISBN 9786559641536. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca. com.br/#/books/9786559641536/. Acesso em: 10ago. 2023.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Disponível em: FILHO, José dos Santos C. Manual de Direito Administrativo. Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559771837. Disponível em: https://integrada. minhabiblioteca. com.br/#/books/9786559771837/. Acesso em: 10 ago. 2023.

CARVALHO, Antônio Carlos Alencar. O princípio da imparcialidade no processo administrativo disciplinar à luz da jurisprudência dos tribunais superiores e regionais federais. Teresina: Jus Navigandi, Ano 12, n. 1.520, 30 ago 2007. Disponível em: . Acesso em 24 mai. 2011.

CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido processo legal e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

COSTA, José Armando. Teoria e Prática do Procedimento Disciplinar. 5ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2005.

Controladoria-Geral da União. Manual de Processo Administrativo Disciplinar. Brasília, 2015. Disponível em: https://repositorio.cgu.gov.br/handle/1/44522? locale=pt_BR. Acesso em: 28 de jul. de 2023.

Controladoria-Geral da União. Manual de Processo Administrativo Disciplinar. Brasília, 2021. Disponível em: https://repositorio.cgu.gov.br/handle/1/64869. Acesso em: 28 de jul. de 2023.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 32a ed., Rio de Janeiro: Forense, 2019.

FERREIRA, Maria do Rosário. O Devido Processo Legal como direito fundamental em processos administrativos disciplinares implica necessariamente na obrigatoriedade de defesa técnica proferida por advogado? Revista da CGU Edição Especial – Correição / Presidência da República, Controladoria-Geral da União. – Ano VI, Julho/2011. Brasília: CGU, 2011, p. 200-2012.

GASPARINI, Diogénes. Direito administrativo. Editora Saraiva, 2011. E-book. ISBN 9788502149236. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/ #/books/9788502149236/. Acesso em: 10 ago. 2023.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786559645770. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca. com.br/#/books/9786559645770/. Acesso em: 19 ago. 2023.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.

LINS, Adriane de Almeida; DENYS, Debora Vasti S. Bomfim. Processo Administrativo Disciplinar: manual, Belo Horizonte: Fórum, 2007.

MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. [Digite o Local da Editora]: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786553620735. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553620735/. Acesso em: 10 ago. 2023.

MEDAUAR, Odete. A Processualidade no Direito Administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2a ed. 2008.

MEIRELLES, Hely Lopes et. al. Direito Administrativo Brasileiro. 34 ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

MEIRELLES, Hely Lopes et. al. Direito Administrativo Brasileiro. 37 ed. São Paulo: Malheiros, 2018.

MEIRELLES, Dalmo de A. Direito Administrativo Decifrado. (Coleção Decifrado). Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786559646401. Disponível em: https://integrada. minhabiblioteca.com.br/ #/books/9786559646401/. Acesso em: 10 ago. 2023.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

SPITZCOVSKY, Celso. Esquematizado – Direito Administrativo. Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555596250. Disponível em: https://integrada. minhabiblioteca. com.br/#/books/9786555596250/. Acesso em: 10 ago. 2023


¹Discente do Curso Superior de Direito da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC Medianeira. E-mail: julianabortolimees@gmail.com

²Docente do Curso Superior de Direito da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC. Mestre em Direito e Doutora em Desenvolvimento Sustentável. E-mail: flavia@gubertepaz.com