REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7086994
Autor:
Marcelo Scarin Jantorno,
advogado trabalhista inscrito na OAB/SP n.º. 316.240 com ampla experiência na área, tendo atuado em escritórios de renome na capital do Estado de São Paulo, atualmente com banca própria.
Pós graduado em direitos humanos e direito tributário;
Resumo: O presente artigo busca tratar sobre a possível inversão da lógica jurisprudencial na aplicação da prescrição total ou parcial em razão de mero descumprimento ou efetiva supressão de direito em razão da alteração promovida pela reforma trabalhista – Lei n.º. 13.467/2017 – ao artigo 11, §2º da CLT.
Abstract: This article seeks to address the possible inversion of jurisprudential logic in the application of total or partial prescription due to non-compliance or effective suppression of rights due to the change promoted by the labor reform – Law nº. 13.467/2017 – to article 11, §2 of the Consolidation of Labor Law.
Keywords: prescrição total – prescrição parcial – Súmula n.º. 294 do C. TST – artigo 11, §2º da CLT – Lei 13.467/2017;
1 – Introdução
Já não é nenhuma novidade que a reforma trabalhista, instituída pela Lei n.º. 13.467/2017 alterou diversos pontos da legislação laboral. Dentre estas alterações, uma passou aparentemente de forma mais sutil e sem muitas críticas, ao menos à época. Trata-se da alteração promovida no art. 11, §2º da CLT, que com a mera supressão de uma expressão terminológica poderia, ao menos em tese, subverter a lógica jurisprudencial referente à natureza da prescrição aplicada para alguns casos.
2 – Da Alteração Promovida Pela Reforma Trabalhista
Vejamos a alteração, em destaque:
“Art. 11. A pretensão quanto a créditos resultantes das relações de trabalho prescreve em cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.
I – (revogado);
II – (revogado).
§ 1º O disposto neste artigo não se aplica às ações que tenham por objeto anotações para fins de prova junto à Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 9.658, de 5.6.1998)
§ 2º Tratando-se de pretensão que envolva pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração ou descumprimento do pactuado, a prescrição é total, exceto quando o direito à parcela esteja também assegurado por preceito de lei.
§ 3º A interrupção da prescrição somente ocorrerá pelo ajuizamento de reclamação trabalhista, mesmo que em juízo incompetente, ainda que venha a ser extinta sem resolução do mérito, produzindo efeitos apenas em relação aos pedidos idênticos. (NR)” [1]
Quanto ao caput do artigo e o §1º, não há qualquer comentário relevante a ser feito. Trata-se apenas de atualização, uma vez que a prescrição qüinqüenal do rurícola foi inserida no ordenamento por meio da EC 28/2000 e por conta disso não constava expressamente do inciso II do art. 11, que fora revogado e incorporado ao caput com a redação já conhecida da CF.
As novidades vieram com os parágrafos §§ 2º e 3º. Iniciando pelo §3º que é, em tese, mais simples que as discussões guardadas para o §2º. No tocante ao §3º não houve grandes novidades, além da positivação do que já era entendido pela jurisprudência do C. TST.
O que pode causar uma certa confusão, é a inserção do termo “somente” no início da frase. Aliás, a professora Vólia Bonfim quando elaborou comentários ao projeto de lei chamou a atenção para este ponto:
“A palavra “somente” contida no parágrafo 5º do artigo 11 deve ser alocada em outra parte da frase, para não gerar a interpretação de que só existe esse tipo de interrupção de prescrição.” [2]
E realmente apareceram teses advogando no sentido da restrição das causas de interrupção da prescrição. Entretanto, não parece ser essa a intenção do legislador, até mesmo porque manteve na própria CLT a previsão do art. 440, causa obstativa da prescrição contra o menor de 18 anos. No mais, a doutrina sempre se inclinou para a aplicação subsidiária do Código Civil quanto ao tema.
Ainda nesse sentido discussões podem ocorrer com relação ao previsto na Orientação Jurisprudencial n.º. 392 da SDI-1 do C. TST, que trata do protesto judicial como causa interruptiva da prescrição, entretanto, o instituto do protesto judicial caiu em desuso.
No mais, andou bem o legislador quando constou que o mero ajuizamento da ação interrompe a prescrição, consagrando a parte final da OJ 392 que afasta a aplicação do §2º do art. 240 do CPC, ante a incompatibilidade do art. 841 e a prescrição é interrompida com o ajuizamento da ação mesmo perante juízo incompetente (previsão do próprio CPC).
3 – Da Sutil Supressão Terminológica Promovida no §2º do Artigo 11 DA CLT e sua Problemática
O §2º trata da positivação da construção jurisprudencial da prescrição total e prescrição parcial, referida em diversas súmulas e OJs. Aliás, o próprio C. TST reconhece que o tema até então era decorrente de uma construção jurisprudencial
Entretanto, há uma inclusão sutil e sorrateira de um termo maligno que modifica brutalmente a sistemática conhecida, proporcionando em um país que a Justiça Trabalhista é conhecida como Justiça dos Desempregados uma isenção abrupta da responsabilidade dos maus empregadores. Aqui reside o que pensamos ser uma das alterações mais ardilosas da reforma trabalhista.
Para entendermos melhor a profundidade deste dispositivo, precisamos retomar a discussão no tocante à sistemática da prescrição total e da prescrição parcial.
Em primeiro lugar, não há que se fazer a confusão entre prescrição total e prescrição bienal e prescrição parcial e prescrição qüinqüenal. Embora alguns autores se relacionem ao instituto da prescrição bienal e qüinqüenal desta forma, não é o mais adequado.
Como já mencionamos, a idéia é uma construção jurisprudencial. O ponto nevrálgico do tema é trazida na Súmula 294 do C. TST:
SUM-294 PRESCRIÇÃO. ALTERAÇÃO CONTRATUAL. TRABALHADOR URBANO
(mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
Tratando-se de ação que envolva pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração do pactuado, a prescrição é total, exceto quando o direito à parcela esteja também assegurado por preceito de lei.
Histórico: Redação original (cancelamento das Súmulas nº 168 e 198) – Res. 4/1989, DJ 14, 18 e 19.04.1989 [3]
Prescrição total é aquela que começa a correr do ato, consumando-se 05 anos após a referida alteração ou supressão do direito não previsto em lei.
Portanto, a doutrina menciona que para ocorrer a prescrição total são necessários 02 elementos: “ato único” e ausência de previsão do direito em lei.
Por sua vez, a prescrição parcial é aquela que se renova mês a mês, não decorrendo de um ato único do empregador ou, se decorrendo, o direito discutido possui previsão legal. Ou seja, não é necessário discutir a legalidade do ato jurídico do empregador em si, já havendo previsão legal sobre ele.
A jurisprudência possui diversos dispositivos sumulares e orientações jurisprudenciais sobre os temas, a exemplo: Súmula n.º. 06, IX, Súmula n.º. 199, Súmula n.º. 275, Súmula n.º. 327, Súmula n.º. 373, Súmula n.º. 452, Orientação Jurisprudencial n.º. 76, Orientação Jurisprudencial n.º. 175, Orientação Jurisprudencial n.º. 242, Orientação Jurisprudencial n.º. 243 da SDI1, dentre outras.
Vejamos alguns destes dispositivos para entendermos a lógica da aplicação da prescrição total ou prescrição parcial:
SUM-373 GRATIFICAÇÃO SEMESTRAL. CONGELAMENTO. PRESCRIÇÃO
PARCIAL (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 46 da SBDI-I) – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
Tratando-se de pedido de diferença de gratificação semestral que teve seu valor congelado, a prescrição aplicável é a parcial. (ex-OJ nº 46 da SBDI-I – inserida em 29.03.1996) [4]
É certo que o pagamento de gratificação semestral não possui previsão legal, mas decorre do contrato de trabalho ou outra norma pactuada entre empregado e empregador.
Entretanto, uma vez instituída ela passa a ser devida.
No caso da Súmula, não se discute a legalidade da gratificação ou de algum ato que a instituiu, alterou ou suprimiu, mas apenas as eventuais diferenças em decorrência de uma omissão do empregador, que congelou os valores. Portanto, não há um ato único de alteração contratual ou supressão do direito contratualmente ajustado, mas mera omissão e discussão das diferenças que ainda estão vigentes conforme o ajuste individual.
Portanto, ainda que não haja previsão do direito em lei, não estamos frente a um ato único do empregador de alteração ou supressão do direito.
Assim sendo, a prescrição é total e se renova mês a mês.
No tocante às diferenças salariais, a Súmula n.º. 452 do C. TST dispõe:
SUM-452 DIFERENÇAS SALARIAIS. PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS. DESCUMPRIMENTO. CRITÉRIOS DE PROMOÇÃO NÃO OBSERVADOS.
PRESCRIÇÃO PARCIAL. (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 404 da SBDI-I) – Res. 194/2014, DEJT divulgado em 21, 22 e 23.05.2014
Tratando-se de pedido de pagamento de diferenças salariais decorrentes da inobservância dos critérios de promoção estabelecidos em Plano de Cargos e Salários criado pela empresa, a prescrição aplicável é a parcial, pois a lesão é sucessiva e se renova mês a mês. (grifo nosso) [5]
Mais uma vez, não se discute se o direito, ainda que não previsto em lei, é devido ou não. O que se discute são diferenças decorrentes de uma omissão do empregador em não observar determinados critérios.
Portanto, não se fala em ato único que suprime um direito já implementado por meio de ajuste entre o empregado e o empregador ou sua alteração.
Com relação às comissões, a famosa Orientação Jurisprudencial n.º. 175 da SDI-1 dispõe sobre situações de alteração ou supressão desta, no seguinte sentido:
OJ-SDI1-175 – Comissões. Alteração ou Supressão. Prescrição total (nova redação em decorrência da incorporação da Orientação Jurisprudencial nº 248 da SBDI-I) – DJ 22.11.2005
A supressão das comissões, ou a alteração quanto à forma ou ao percentual, em prejuízo do empregado, é suscetível de operar a prescrição total da ação, nos termos da Súmula nº 294 do TST, em virtude de cuidar-se de parcela não assegurada por preceito de lei. [6]
Esta súmula parece soar um pouco mais ilógico a primeira vista pois automaticamente relacionamos as comissões como uma das formas de remuneração previstas em lei.
Ocorre que o TST entende que embora a comissão seja uma modalidade de remuneração, não há obrigação legal que preveja necessariamente o seu pagamento. Este decorrerá por meio do ajuste entre o empregado e o empregador, não se tratando portanto de direito previsto em lei.
No mais, a redução do percentual ou a sua supressão acarretam um ato único do empregador, uma vez que extingue ou modifica o direito bilateralmente previsto anteriormente. Não haverá mais aquele direito anteriormente previsto. Assim, para pleitear as diferenças haverá a necessidade da discussão da legalidade da postura ativa do empregador que reduziu ou suprimiu a comissão em si.
Portanto, aqui prescrição é total. Sem mais rodeios, entendida a sistemática da prescrição total versus parcial, vamos aos motivos pelos quais consideramos que a alteração é maligna.
Quando da positivação da tese prevista na Súmula 294 do C. TST, o legislador incluiu de maneira “despretensiosa” o termo “descumprimento”.
Pela previsão da lei, a prescrição passará a ser total no caso de direitos não previstos em lei, quando houver alteração contratual e também quando houver o descumprimento do direito previsto contratualmente.
Percebe-se que quando introduz o mero “descumprimento” do direito, alarga-se demasiadamente a idéia anterior de “ato único” do empregador, não sendo mais aquele que altera ou suprime uma relação jurídica existente entre as partes onde se necessitaria discutir a legalidade do ato do empregador.
O mero descumprimento do acordado entre o empregado e o empregador já bastaria para invocar a prescrição total. Ou seja, os casos de mera inobservância do direito, mas que não os excluem por ato do empregador, como nos casos das Súmulas citadas acima, já gerariam a aplicação da prescrição total. Altera-se a lógica adotada pelo TST que diferenciava as naturezas prescricionais em razão de mero descumprimento ou da supressão efetiva do direito por ato unilateral.
Basicamente e em resumo, parece-nos que podemos sustentar que, salvo hipóteses em que o direito em si decorre da lei (pagamento de horas extras, 13º salário etc), a prescrição em caso do seu mero descumprimento sempre será total, o que obrigaria o trabalhador a propor Reclamação Trabalhista eventualmente no curso de seu contrato de trabalho.
4 – Conclusão
Vemos, assim, como uma opção possível rebater o texto do dispositivo alegando problemática de interpretação, adotando a interpretação mais benéfica por meio da lógica anterior à reforma.
Argumentaríamos que não seria adequada a inclusão do marco inicial prescricional pelo mero simples “descumprimento” ou a essa forma de interpretação do termo “descumprimento”, devendo ser entendido como sinônimo de supressão.
Isso porque o direito em tese descumprido, ainda que sem previsão legal, aderiu ao patrimônio jurídico e dele sequer foi retirado expressamente pelo empregador, tendo tão somente não sido observado. Sendo assim, não há que se falar na defesa da legalidade de sua supressão. Ele ainda está lá.
Vale lembrar que os contratos de trabalho e os regulamentos empresariais são fontes formais do direito do trabalho, não podendo ser ignorados se vigentes.
Referência Bibliográfica
[1] BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm;
[2] REFORMA TRABALHISTA – Comentários ao Substitutivo do Projeto de Lei 6787/16, BOMFIM CASSAR, Vólia, disponível em https://www.migalhas.com.br/arquivos/2017/5/art2017050301.pdf;
[3], [4] e [5] Disponível em https://www.tst.jus.br/sumulas
[6] Disponível em https://www.tst.jus.br/web/guest/ojs/-/asset_publisher/1N7k/content/id/355330?_com_liferay_asset_publisher_web_portlet_AssetP ublisherPortlet_INSTANCE_1N7k_redirect=https%3A%2F%2Fwww.tst.jus.br%3A443%2Fweb%2Fguest%2Fojs%3Fp_p_id%3Dcom_liferay_asset_publisher_web_portlet_AssetPublisherPortlet_ INSTANCE_1N7k%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_mode%3Dview%26_ com_liferay_asset_publisher_web_portlet_AssetPublisherPortlet_INSTANCE_1N7k_cur%3D0% 26p_r_p_resetCur%3Dfalse%26_com_liferay_asset_publisher_web_portlet_AssetPublisherPortl et_INSTANCE_1N7k_assetEntryId%3D355330