FROM TURMOIL TO EFFICIENCY: THE POSITIVE IMPACT OF THE CPC’S SANITATION DECISION ON THE LABOR PROCESS
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202507092108
Luiz Paulo Salomão1
Resumo: No “estado de coisas” da Justiça do Trabalho, na qual se visualiza uma situação de tumulto processual, emerge a necessidade de estudo a respeito da possibilidade organização a partir do saneamento fornecido pelo CPC como meio para o aprimoramento da eficiência do processo trabalhista. Nesse contexto, o presente artigo visa explorar os erros e as insistências da resistência institucional que frequentemente se manifesta na Justiça do Trabalho para, ao final, indicar meios de implementação do despacho de saneamento e organização do processo do trabalho como uma ferramenta oportuna à superação dessas idiossincrasias e estratégica para tornar o processo trabalhista muito mais producente, lógico, atingindo, ao final, a tônica e racionalidade prevista nos princípios norteadores d a Justiça do Trabalho.
Palavras-chave: Direito Processual do Trabalho, Saneamento e Organização Processual, Eficiência Processual, Contraditório substancial, Pacificação social.
Abstract: In the “state of affairs” of the Labor Court, permeated and known for its lack of procedural sanitation and organization, as well as decision-making standards, the need arises for procedural organization based on the sanitation provided by the CPC as a means of improving the efficiency of the labor process. The purpose of this article is to explore the errors and insistences of the institutional resistance that often manifests itself in the Labor Courts and, in the end, to indicate ways of implementing the order for sanitation and organization of the labor process as an opportune tool for overcoming these idiosyncrasies and strategic for making the labor process much more productive, logical and, in the end, much more in line with the principles that should guide the Labor Courts.
Key-words: Procedural Labor Law, Sanitation and Procedural Organization, Procedural Efficiency, Substantial Contradiction, Social Pacification.
1 INTRODUÇÃO
Há poucas coisas no mundo que tem o poder de provocar ampla concordância. O mundo é diverso e o que não falta são opiniões diferentes. Apesar disso, dentre essas raras coisas que possuem essa relativa força convergente, com certeza, está a afirmativa de que a organização é algo bom e bem-vindo.
Da mesma forma, não nos parece que essa “convergência social” seja diferente quando falamos dos benefícios da organização para o processo judicial. Ao contrário, nos parece que a afirmativa ganha ainda mais sentido. Seja para quem conduz o processo, seja para os interessados em seu resultado.
Afinal, como bem nos lembra Fredie Didier Jr., “a boa organização do processo interfere diretamente na duração razoável do processo e na proteção ao contraditório” (DIDIER, 2016, p. 702). A equação é o suprassumo democrático: os interessados têm uma decisão satisfatória em um tempo igualmente satisfatório, tudo isso com o pleno respeito ao contraditório.
Nessa ordem de raciocínio, a intenção desse artigo é explorar o estado de coisas do processo do trabalho, na ótica da organização processual, justamente para refletir sobre os problemas existentes e as possíveis soluções que podem vir a partir de uma nova forma de organização do processo.
A ideia é pensar se a organização do processo trabalhista é a melhor possível.
Com essa proposta, esse artigo se desenvolverá a partir de três perguntas:
A primeira delas: o processo do trabalho, hoje, é organizado de forma eficiente? Noutras palavras, a funcionalidade do atual formato processual pelo qual as ações trabalhistas (em sentido amplo) tramitam faz sentido para a tônica e finalidade do processo do trabalho?
A segunda, por sua vez, é um pouco mais específica e já parte das respostas encontradas na primeira pergunta. Nesse segundo momento, perguntamos: caso o processo do trabalho, em seu atual formato, não seja o mais eficiente, do que ele precisa para ser mais eficiente?
A terceira pergunta, enfim, se posiciona acima das outras duas. Mais do que isso, nessa terceira pergunta, parte-se de uma perspectiva ainda muito pouco explorada no processo do trabalho, mas que, ao respondermos às primeiras duas perguntas, nos parece uma ótica muito razoável: será que o processo civil, mais especificamente, o despacho de saneamento para fins de organização do processo (artigos 357 e seguintes), não seria uma ferramenta compatível e, mais do que isso, necessária para a reformulação do processo do trabalho, com vistas à superação dos problemas de efetividade e eficiência encontrados nas primeira e segunda perguntas?
Partindo dessas indagações, e explorando a utilidade do saneamento processual oferecido pelo Código de Processo Civil, esse artigo visa identificar os problemas que não estão permitindo ao processo do trabalho concretizar sua melhor e mais eficiente versão e, a partir disso, indicar meios para implementar o despacho de saneamento e organização processual no processo do trabalho, como uma ferramenta estratégica de eficiência, organização e duração razoável dos processos.
2 O PROCESSO DO TRABALHO ATUAL: ESTAMOS USANDO AS MELHORES FERRAMENTAS?
Na mitologia grega, as Moiras eram as responsáveis pelo destino e curso da vida de uma pessoa.
Cloto, uma das Moiras, era responsável por fiar o fio da vida de uma pessoa. Dentro desse mito, podemos visualizar a ideia de “destino adiado” relacionada à noção de que Cloto estaria ocupada fiando um fio por mais tempo do que deveria.
O resultado? O destino da pessoa fica atrasado
Dadas as devidas proporções, na mitologia chinesa, por sua vez, temos outra figura que flerta com a dimensão de tempo e atraso: o Guardião Vermelho (Zhu Bajie). Trata-se de uma figura que protege o Buda em sua jornada, e é conhecido por sua tendência a se atrasar. Apesar de sua natureza protetora, essa figura incorpora o conceito de atraso, enfrentando desafios decorrentes de sua tendência a postergar.
Por fim, na mitologia nórdica, o Ragnarök é o evento do fim do mundo, onde deuses e seres míticos enfrentam o destino inevitável da destruição. O atraso do Ragnarök poderia ser interpretado como um período de adiamento do apocalipse, onde o mundo está à beira do colapso e do novo, mas o fim ainda não chegou.
Pode se questionar essa contextualização e o que isso teria de relação com o processo do trabalho atual e a utilização do saneamento processual como forma de melhoramento do processo do trabalho. Em nossa opinião, e com a permissão de introduzir o assunto metaforicamente, apesar de estarmos tratando de um assunto muito prático, nos parece que que não há forma melhor para pensarmos o estado de coisas atual.
Afinal, a Justiça do Trabalho tem hoje suas Moiras e seus guardiões “do atraso”. Juízes, desembargadores, procuradores, auditores, advogados, enfim, entes envolvidos nos processos trabalhistas que, se apegando a um passado empoeirado, impedem o colapso do que temos para a bem-vinda irrupção do novo.
O processo trabalhista tem seu destino adiado por práticas que não fazem mais sentido, como um fio que é fiado por mais tempo que o necessário e protegido por guardiões que se prendem ao fetiche da resistência do passado, sem notar que o novo possui formas de tornar o processo do trabalho, paradoxalmente, melhor.
É nesse cenário que esse artigo se volta à reflexão sobre a possibilidade de o processo do trabalho encontrar no saneamento do processo e na organização processual, enfim, uma ferramenta para adequar sua rota em direção a um futuro muito mais eficiente e, espantam-se os “resistentes”, muito mais acoplado à principiologia trabalhista.
Traçando um paralelo, as “Moiras” e o “Guardião Vermelho” da Justiça do Trabalho parecem não se dar conta de que, ao insistirem em velhas práticas não mais aplicáveis e em uma repetição processual improdutiva, não-organizada e resistente de maneira injustificada, atrasam cada vez a necessária autopoiese e evolução que o processo do trabalho há muito merece.
Pior: ao assim agirem, não permitem que o processo do trabalho atinja o seu fim mais importante: a entrega de um processo célere, eficiente e que, de fato, entregue a prestação jurisdicional ao trabalhador no tempo mais razoável possível, com o respeito adequado ao contraditório e à ampla defesa.
Essas reflexões mitológicas contam a essência do atraso em várias culturas. Mas não é só isso. Elas oferecem não só uma oportunidade para visualizarmos as tradições antigas, mas também para repensarmos questões contemporâneas.
O que queremos dizer? Nossa comparação vem dizer que essas mitologias servem, sem dúvidas, para que nós, enquanto fiadores do fio do destino do processo do trabalho, possamos refletir se estamos, de fato, usando as melhores ferramentas. Esses paralelos servem para que vejamos se não é a hora de escolhermos as melhores ferramentas, de aposentar os Guardiões Vermelhos e, enfim, permitir a irrupção de um novo processo do trabalho a partir da eclosão do que temos.
No contexto do processo do trabalho, é urgente examinar os obstáculos que estão atrasando o destino das melhores práticas processuais para a mais efetiva resolução das demandas judiciais.
3 O ESTADO DE COISAS DO PROCESSO DO TRABALHO: A NORMALIZAÇÃO DA DESORGANIZAÇÃO PROCESSUAL
Na filosofia, o estado de coisas, também referido como situação, é a forma em que o mundo atual precisa estar ordenado para que uma dada proposição sobre o mundo atual seja verdadeira. Em outras palavras, o estado das coisas é o criador das verdades, enquanto a proposição é o portador da verdade.
Também chamado “status quo”, o estado de coisas remete ao estado atual das coisas, ou seja, as práticas que prevalecem em determinado contexto.
A partir disso, temos a primeira pergunta que esse artigo pretende responder: hoje, em sua atual estado de coisas, o processo do trabalho é organizado de uma maneira efetivamente eficiente?
Para respondermos à referida pergunta, precisamos, antes, saber o que é eficiência para o processo do trabalho.
Não há outra forma melhor de buscarmos a resposta para esse conceito, senão a partir da recapitulação dos princípios fundamentais do processo do trabalho. Afinal, são esses principais que indicam quais são os objetivos do processo do trabalho, e, portanto, para os quais o processo deve ser estruturado para o atingimento desses fins.
Não poderia ser diferente. Até porque, como bem nos ensina Celso Antonio Bandeira de Mello, os princípios são os mandamentos nucleares de um sistema. São eles quem compõem o espírito e servem de critério para a exata compreensão e inteligência, justamente por definir a lógica do sistema normativo (BANDEIRA, 2001, p. 771-772)
Nessa ordem de raciocínio, para que possamos compreender como o processo do trabalho pode ser eficiente de acordo com sua racionalidade, podemos nos valer das bem-vindas explicações de Sérgio Pinto Martins e de Leone Pereira.
Ao analisar o polêmico assunto dos princípios do processo do trabalho, MARTINS diz que o verdadeiro princípio do processo do trabalho é o princípio da proteção (MARTINS, 2016, p. 90).
De forma mais segmentada, ao examinar o mesmo tema, Leone Pereira nos indica como princípios “peculiares” do processo do trabalho, os seguintes mandamentos: princípio da simplicidade, da informalidade, do jus postulandi, da oralidade e da subsidiariedade (PEREIRA, 2011, p. 60-78). O autor cita, ainda, o princípio da celeridade.
Nas palavras do autor, os referidos princípios contemplam as seguintes lógicas:
Princípio da simplicidade
[…] sempre que possível, os excessos do formalismo e da burocracia devem ser eliminados, na medida em que a busca da efetiva prestação jurisdicional e do acesso à ordem jurídica justa devem ser uma contante.
Princípio da informalidade
[…] a mencionada informalidade refere-se ao fato de que o procedimento judicial na Justiça do Trabalho não é tão solene e rígido quanto aos demais, justamente para garantir o pleno atendimento à justiça, mas sempre conforme os limites da lei.
Princípio do jus postulandi
O jus postulandi é uma das principais características do Processo do Trabalho, uma vez que traduz a possibilidade de as partes (empregado e empregador) postularam pessoalmente na Justiça do Trabalho e acompanharem as suas reclamações até o final, sem necessidade de dvogado..”
Princípio da oralidade
Trata-se de um princípio não exclusivo do Processo do Trabalho, também servindo de fundamento para o Direito Processual Comum. Entretanto, no processo do trabalho, ele é observado de forma mais acentuada, tendo em vista os princípios da simplicidade, da informalidade e do jus postulandi. […]
Princípio da subsidiariedade
A CLT e a legislação trabalhsita esparsa apresentam lacunas naturais, não conseguindo regular todas as situações jurídicas e sociais.
Assim, na fase de conhecimento, o art. 769 da CLT aduz que o Direito Processual Comum será fonte subsidiária do Direito Processual do Trabalho, contanto que preencha 2 (dois) requisitos cumulativos:
Omissão (lacuna, anomia) da CLT
Compatibilidade de princípios e regras.
Examinados os princípios, temos metade das condições para respondermos à primeira pergunta que esse artigo se propõe a responder. Afinal, nessa primeira parte da investigação, conseguimos observar o espírito do processo do trabalho, traçado a partir dos princípios acima examinados.
De forma condensada, é possível dizer que a eficiência do processo do trabalho está condicionada, portanto, à ideia de que o processo do trabalho deve ser um processo que entregue a efetiva prestação jurisdicional no menor tempo possível, com o mínimo de formalismo e burocracia, de um modo que seja privilegiada a concentração dos atos, um maior diálogo entre as partes, e com a maior efetividade, a partir, inclusive, da utilização de disposição do processo civil “comum” quando encontradas lacunas no ordenamento processual justrabalhista e/ou quando o procedimento comum trouxer maior efetividade, celeridade e melhoria da prestação jurisdicional trabalhista.
A partir dessa análise, o que temos é justamente o ideal de eficiência do processo do trabalho.
Essa percepção, porém, não é suficiente para respondermos à primeira pergunta proposta. Falta a outra parte do estudo que é justamente a análise da prática. Em outras palavras, olhar para a concretização do processo na realidade da rotina das Varas do Trabalho.
Afinal, agora que examinamos os princípios do processo do trabalho e que estabelecemos o que seria a finalidade principiológica de tal ramo, cabe refletir se, hoje, do modo como está organizado e funcionando, o processo do trabalho estaria efetivamente atingindo sua eficiência.
Como se verá a seguir, ao observarmos a prática, o que temos é uma aplicação que não nos parece a mais compatível com a principiologia acima examinada.
Afinal, salvo melhor juízo, da análise da prática processual trabalhista atual, observamos cenários que nada convergem com os princípios examinados e, portanto, que nada se ligam às finalidades principiológicas do processo do trabalho. Em suma, temos hoje um processo do trabalho que, aplicando o art. 837 e seguintes da CLT, reitera nas milhares de ações trabalhistas as seguintes práticas indiscriminadas:
a) A inclusão de processos em pauta de audiência sem qualquer tipo de despacho inicial, de modo padronizado;
b) A realização de audiências iniciais presenciais de modo generalizado, ignorando o fato de que em muitos casos o ato se torna extremamente inútil, seja pelas partes não terem interesse de acordo, seja pelo fato de que o ato é voltado apenas ao recebimento de defesa e designação de perícia ou audiência de instrução;
c) A inclusão de processos em pauta de audiência de instrução quando o feito não está com prova pericial concluída e/ou quando as partes ainda estão postulando a produção de provas prévias à prova oral;
d) A remarcação indiscriminada de audiências UNAS, por ausência de testemunhas, para a concessão de prazos de Réplica, ou, ainda, em virtude de atrasos na pauta de audiências de Varas do Trabalho, ensejadas justamente pela inclusão de audiências em tempos absolutamente improváveis e impossíveis de ocorrer em razão do contexto de provas;
Todas essas idiossincrasias nos apresentam a outra parte da moeda sobre a primeira pergunta que nos propusemos a responder nesse artigo.
Como já examinado, o processo do trabalho necessita ser rápido, eficaz, efetivo. Deve entregar, no menor tempo possível, a prestação jurisdicional.
No entanto, as práticas que vemos, hoje, no processo do trabalho vivido nas Varas do Trabalho parecem ignorar a principiologia do processo do trabalho.
Onde está a celeridade na remarcação de audiências? Há sentido na inclusão discriminada de audiências em pauta para que o ato sirva apenas para um novo momento em que o Juiz analisará o caso, quando a decisão anterior já poderia ter organizado melhor o processo e tornado a inclusão em pauta mais eficaz? Qual é a eficiência na verificação de ônus de prova em audiência de instrução ou em sentença?
Essas perguntas são importantíssimas.
O que podemos extrair desse primeiro confronto entre a ideia de eficiência do processo, adequadamente absorvida a partir do exame dos princípios processuais do trabalho, e da prática trabalhista, é que não há uma convergência entre o processo do trabalho e o espírito desse ramo específico pregam e o que a prática vem repetindo.
Afinal, não se observa consonância da prática aos fundamentos do processo, mas apenas uma repetição de praxes que não estão servindo aos melhores interesses dos envolvidos nos processos trabalhistas e que certamente não estão em harmonia com a efetividade processual.
Embora possa se dizer que a praxe trabalhista estaria agindo adequadamente, pois estaria em sintonia com a previsão celetista, não nos parece que essa resposta seja satisfatória.
Ao contrário: além de tal resposta ignorar a necessária evolução natural dos processos, sempre com o objetivo da melhor e mais adequada entrega da prestação jurisdicional, é fato que a aplicação da legislação trabalhista, principalmente no aspecto processual, precisa estar atualizada de modo que a aplicação seja a mais justa e satisfatória possível.
É fato que a CLT, legislação octogenária, prevê a partir de seu artigo 837, no bojo do Capítulo III, Seção I, a Forma de Reclamação e Notificação no processo do trabalho. Igualmente, é um fato que o artigo 841 da CLT prevê que, “recebida e protocolada a reclamação, o escrivão ou secretário, dentro de 48 (quarenta e oito) horas, remeterá a segunda via da petição, ou do termo, ao reclamado, notificando-o ao mesmo tempo, para comparecer à audiência do julgamento, que será a primeira desimpedida, depois de 5 (cinco) dias.”
Ainda sobre a CLT e sua previsão sobre a forma pela qual as ações trabalhistas se desenvolverão, não se perde de vista que o artigo 847, prevê que o reclamado teria vinte minutos para aduzir sua defesa, após a leitura da reclamação, quando esta não for dispensada por ambas as partes, e que seu parágrafo único prevê que a Reclamado poderá apresentar defesa escrita pelo sistema de processo judicial eletrônico até a audiência.
No entanto, sabidamente esses artigos já não têm aderência ao que se vivencia no processo trabalhista, especialmente após a instituição do PJe.
Se na década de 40, de 50 ou até nos anos subsequentes a aplicação da CLT resolveu a praxe trabalhista, isso não se aplica mais. As relações de trabalho mudaram, o processo do trabalho é completamente diferente e se deve buscar pelo aumento da efetividade do processo por todas as fontes que seja possível, não o contrário.
De um modo mais amplo, ao se analisar os artigos 837 e seguintes sobressai a condição antiquada dos termos e das provisões quando se compara com a realidade vivenciada.
A título de exemplo, não se observa a leitura da inicial em audiência, com prevê o art. 847. Do mesmo modo, não se respeita o art. 841, que determina que, recebida a reclamação, o escrivão ou secretário, dentro de 48 (quarenta e oito) horas, remeterá a segunda via da petição, ou do termo, ao reclamado, notificando-o ao mesmo tempo, para comparecer à audiência do julgamento, que será a primeira desimpedida, depois de 5 (cinco) dias.
Enfim, há uma série de previsões que não dialogam com a realidade dos processos, que, hoje, são instruídos pelo PJe.
Além disso, como indicado na listagem acima, as condutas processuais atuais não refletem os princípios do processo do trabalho, na medida em que, ainda que se justificassem pelo seguimento “cego” das previsões celetistas, não estariam em sintonia com a melhor efetividade processual que a principiologia processual exige.
Afinal, não bastasse a desatualização das previsões ainda utilizadas no processo do trabalho, é possível observar um problema ainda maior: a falta de organização processual, a partir da reiteração de práticas inadequadas, prejudica a eficiência do processo do trabalho.
Ilustrativamente, podemos citar os problemas que envolvem desde a discussão de ônus de prova quando da discussão de relação de emprego e/ou de reconhecimento de dispensa discriminatória. Do mesmo modo, é possível recordar as discussões polêmicas advindas da distribuição de ônus de prova apenas em sentença, em desrespeito ao art. 10 do CPC. E não é só: há, ainda, a problemática da visualização de defesa apenas em audiência, falta de organização em audiência, com remarcações, por exemplo, que geram a repetição de atos e gasto público e privado, fora o atraso processual.
A decisão a seguir é um bom exemplo dos resultados danosos da praxe repetitiva e desorganizada do processo do trabalho em seu atual estado de coisas:
ÔNUS DA PROVA. FIXADO, POR DESPACHO SANEADOR, em DESFAVOR DA RECLAMADA. SENTENÇA FUNDADA em ÔNUS DA PROVA, em DESFAVOR DO RECLAMANTE, DIVERSO DO ESTABELECIDO PELO JUÍZO. INEXISTÊNCIA DE NOVA INCUMBÊNCIA DO ÔNUS PROBATÓRIO AO RECLAMANTE E DE SUA EVENTUAL CIÊNCIA. AUSÊNCIA DE OPORTUNIDADE DA EVENTUAL DESINCUMBÊNCIA DO ÔNUS PELO RECLAMANTE. DECISÃO SURPRESA CONSTATADA. NULIDADE DA R. SENTENÇA CONFIGURADA. Fixado, por despacho saneador, o ônus da prova em desfavor da reclamada, não pode o Juízo fundamentar a r. Sentença com base em ônus diverso do nele apontado, em desfavor da parte adversa, sob pena de violação aos princípios da vedação à decisão surpresa (arts. 9º e 10, CPC/15 e 4º, IN nº 39/2016 do C. TST), contraditório substancial e ampla defesa (art. 5º, LV, CF/88 c/c art. 7º, CPC/15) e do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/88), como ocorrido no caso dos autos. Assim sendo, configurada a decisão surpresa, em virtude da impossibilidade de decidir o mérito em favor da parte a quem aproveita (art. 282, § 2º, CPC/15), merece ser declarada a nulidade da r. sentença, com a consequente reabertura da instrução processual. Recurso conhecido. Preliminar de nulidade, parcialmente, acolhida. (TRT-11 – RO: 00001474020205110019, Relator: RUTH BARBOSA SAMPAIO, Data de Julgamento: 01/03/2021, 3ª Turma, Data de Publicação: 07/03/2021)
INTEIRO TEOR DA EMENTA ACIMA
O Brasil é um Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, CF/88) e, como tal, possui como fundamentos a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho (art. 1º, III e IV, CF/88). Além disso, possui como objetivo fundamental: construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF/88).
Nesse passo, a Constituição Federal de 1988 assegura diversos princípios norteadores do processo judicial brasileiro, sobretudo o do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/88), que tem como corolários diversos outros princípios processuais, como o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV, CF/88).
Ademais, constitui direito das partes a paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório (art. 7º, CPC/15).
Nesse norte, em regra, não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida (art. 9º, caput, CPC/15), razão pela qual o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício (art. 10, CPC/15), o que constitui o princípio da vedação à decisão surpresa, aplicável ao processo do trabalho (art. 4º, IN nº 39/2016 do C. TST).
Daí porque, também, é necessário que o Juízo possibilite à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído (art. 818, § 1º, da CLT c/c arts. 769, da CLT, 15 e 373, § 1º, do CPC/15), quando da sua aplicação dinâmica ou quando fixado ou reconhecido de modo diverso em despacho saneador.
No caso dos autos, verifica-se que o Juízo primário proferiu despacho saneador, declarando os pontos controvertidos e, em relação ao ônus da prova, atribuindo-o à reclamada, que:
“(…) Ao confirmar a prestação de serviços, mas negar o vínculo empregatício, a parte reclamada atraiu para si o ônus da prova, nos termos do artigo 818, II, da CLT, pois incumbe à parte demandada fazer prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Aplico a Súmula n. 338, I, do TST, para presumir a veracidade da jornada declinada na exordial. Considerando ser a presunção relativa, o ônus de a desconstituir é da ré.(…)”(grifei; Despacho Saneador, fl. 97).
Ocorre que, em verdadeira decisão surpresa, vedada conforme princípios e preceitos já citados (v.g. arts. 9º e 10, CPC/15 e 4º, IN nº 39/2016 do C. TST), o Juízo fundamentou a r. sentença de fls. 356/360 da seguinte forma:
“(…) De pronto, esclareço que, mesmo quando a demandada admite a prestação dos serviços, incumbe à parte autora, a teor das disposições do artigo 818, I, da CLT, a prova de suas alegações, quanto ao fato constitutivo do seu direito, ou seja, de que estão atendidas as disposições dos artigos 2º e 3º da CLT, a fim de caracterizar a relação de emprego. Isso porque, quando o reclamado afirma que o trabalho prestado foi de outro modo que não relação de emprego, está impugnando exatamente o enquadramento jurídico pretendido pela parte. Tratando-se de requerimento de reconhecimento de vínculo, devem estar presentes de forma clara e robusta os elementos caracterizadores do contrato de trabalho elencados nos artigos 2º e 3º da CLT. Na hipótese, o reclamante não produziu nenhuma prova cabal para demonstrar o alegado vínculo empregatício.(…)” (grifei, Sentença, fls. 359).
Sem embargo do mérito relativo a quem cabe, no caso, o ônus da prova, entendo que o Juízo a quo, em razão de ter fixado o ônus da prova relativa à ausência do vínculo empregatício e da jornada da inicial (fls. 97/98), não pode, em Sentença, entender de forma exatamente oposta, em desfavor da parte adversa, em razão de não haver sequer dado ciência anterior relativa à nova incumbência do ônus, bem como não oportunizou ao reclamante a desincumbência do ônus da prova (repita-se: não era seu) que serviu de base para a fundamentação da r. decisum, sob pena de violação aos princípios da vedação à decisão surpresa, contraditório substancial e ampla defesa e do devido processo legal, como ocorrido no caso dos autos.
Nessa esteira, em razão do exposto, entendo que a r. Sentença é passível de nulidade, em virtude das violações aos preceitos e princípios acima citados.
Outrossim, embora o ônus da prova tenha sido fixado em desfavor da reclamada mediante despacho saneador (fls. 97/98), analisando o contexto fático-probatório, sobretudo em relação ao depoimento da testemunha indicada pelo reclamante (fls. 343), Sr. Roberto Lopes Ribeiro, em harmonia aos princípios da comunhão e da imediação das provas, entendo que o caso dos autos não é o de superação da nulidade, porquanto não vislumbro, por ora, a possibilidade de decidir o mérito em favor da parte a quem ela aproveita (art. 282, § 2º, do CPC/15).
Postas tais premissas, em virtude e com base no todo o exposto, ACOLHO, parcialmente, a preliminar e DECRETO a nulidade da r. Sentença a quo, determinando a reabertura da instrução processual, de modo que seja observada a regra da distribuição do ônus da prova, seja estática ou dinâmica, fixada no despacho saneador de fls. 97/98 ou por meio de outro que venha a ser proferido, como entender de direito, desde que sempre observada a ciência inequívoca anterior da parte em relação ao seu ônus e seja respeitada a oportunidade de desincumbência do seu encargo probatório a quem competente for.
Por fim, resta obstada, por ora, a análise do mérito.
(TRT-11 – RO: 00001474020205110019, Relator: RUTH BARBOSA SAMPAIO, Data de Julgamento: 01/03/2021, 3ª Turma, Data de Publicação: 07/03/2021)2
De tudo isso, o que se vê é que a prática trabalhista em seu estado de coisas atual normaliza uma desorganização processual que em nada contribui para a construção de processo mais efetivo. Todas essas idiossincrasias não estão tornando o processo do trabalho mais eficaz, tampouco mais célere, e muito menos compatível com a principiologia do processo do trabalho.
A partir disso, cabe uma segunda pergunta a partir das respostas encontradas a partir da primeira pergunta. Se o processo do trabalho não está conseguindo ser eficiente, seja porque não está acoplado aos seus princípios, seja porque está reiterando práticas que atrasam e desorganizam os processos, remando em sentido contrário à melhor gestão processual, do que precisa então o processo trabalhista para ser mais eficiente?
4 DESTINO “EFICIÊNCIA”: COMO O PROCESSO DO TRABALHO PODE SER MAIS EFICIENTE?
Como examinado anteriormente, considerando os princípios que estruturam, racionalizam e instituem os mandamentos do processo do trabalho, é possível compreender que a eficiência do processo do trabalho está ligada à célere entrega da prestação jurisdicional no menor tempo possível e com o mínimo de formalismo e burocracia, de um modo que seja privilegiada a concentração dos atos, um maior diálogo entre as partes, e com maior efetividade, inclusive, por meio da utilização de disposição do processo civil “comum” quando encontradas lacunas no ordenamento processual justrabalhista e/ou quando o procedimento comum trouxer maior efetividade, celeridade e melhoria da prestação jurisdicional trabalhista.
É disso que se extrai – ou deveria se extrair – o ideal de eficiência do processo do trabalho. Traduzindo: aquilo que se deve buscar no exercício da jurisdição.
Nesse cenário, e considerando as problemáticas citadas anteriormente, passamos nesse momento à segunda pergunta que nos propusemos a responder nesse artigo: se o processo do trabalho não é eficiente como deveria ser, do que então o processo trabalhista precisa para ser mais eficiente?
Ao examinar o conceito de eficiência processual, Didier ensina que não há processo devido, se o processo não for, em primeiro lugar, eficiente (DIDIER, 2016, p. 103).
O autor, deixando clara a relevância da eficiência para o ordenamento jurídico, indica a posição mandamental desse conceito, esclarecendo sua natureza de verdadeiro princípio processual, ao assim escrever sobre o tema (DIDIER, 2016, p. 100):
O processo para ser devido, há de ser eficiente. O princípio da eficiência, aplicado ao processo, é um dos corolários da cláusula geral do devido processo legal. Realmente, é difícil conceber como devido um processo ineficiente.
[…]
O princípio repercute sobre a atuação do Poder Judiciário em duas dimensões: a) administração judiciária e b) a gestão de um determinado processo.
[…]
O princípio da eficiência, aplicado ao processo jurisdicional, impõe a condução eficiente de um determinado processo pelo órgão jurisdicional. O princípio, aqui, dirige-se ao órgão do Poder Judiciário, não na condição de ente da administração, mas, sim, na de órgão jurisdicional, responsável pela gestão de um processo (jurisdicional) específico. Assim, é norma de direito processual…”
Seguindo na análise do tema, temos, ainda, outra contribuição absolutamente relevante do autor. Ao afunilar sua análise a respeito do princípio da eficiência como norma de direito processual a ser seguida pelo órgão jurisdicional, Didier lembra que tal princípio se relaciona ao que chama de “gestão do processo” (DIDIER, 2016, p. 102-103):
O órgão jurisdicional é, assim, visto como um administrador: administrador de um determinado processo. Para tanto, a lei atribui-lhe poderes de condução (gestão) do processo. Esses poderes deverão ser exercidos de modo a dar o máximo de eficiência ao processo. Trata-se o serviço jurisdicional de uma espécie de serviço público – submetido, pois, às normais gerais do serviço público. Para a compreensão do princípio do processo jurisdicional eficiente, é imprescindível, então, o diálogo entre a Ciência do Direito Processual e a Ciência do Direito Administrativo.
Essa é a primeira premissa: o princípio da eficiência dirige-se, sobretudo, a orientar o exercício dos poderes de gestão do processo pelo órgão jurisdicional, que deve visar à obtenção de um determinado “estado de coisas”: o processo eficiente.
[…]
Exatamente por conta disso, pode-se sintetizar a eficiência, meta a ser alcançada por esse princípio, como o resultado de uma atuação que observou dois deveres: a) o de obter o máximo de um fim com o mínimo de recursos (efficiency); b) o de, com um meio, atingir o fim ao máximo (effectiveness).
Eficiente é a atuação que promove os fins do processo de modo satisfatório em termos quantitativos, qualitativos e probabilísticos. Ou seja, na escolha dos meios a serem empregados para a obtenção dos fins, o órgão jurisdicional deve escolher meios que os promovam de um modo minimamente intenso (quantidade – não se pode escolher um meio que promova resultados insignificantes) e certo (probabilidade – não se pode escolher um meio de resultado duvidoso), não sendo lícita a escolha do pior dos meios para isso (qualidade – não se pode escolher um meio que produza muitos efeitos negativos paralelamente ao resultado buscado). A eficiência é algo que somente se constata a posteriori: não se pode avaliar a priori se a conduta é ou não eficiente.
Ou seja, para o autor, há mandamento legal expresso para que o órgão jurisdicional extraia, a partir de uma condução do processo (meio), o melhor resultado, no aspecto de tempo, qualidade da decisão e pacificação social (fim) possível.
Nessa ordem de ideias, e concluindo seu raciocínio, assim deduz o autor:
Assim como o princípio da adequação, o princípio da eficiência impõe ao órgão jurisdicional o dever de adaptar ou “arquitetar”, na expressão de Eduardo José da Fonseca Costa, regras processuais, com o propósito de atingir a eficiência.
Mas enquanto a adequação é atributo das regras e do procedimento, a eficiência é uma qualidade que se pode atribuir apenas ao procedimento – encarado como ato.
Embora se conceba um procedimento a priori (em tese) adequado – um procedimento definido pelo legislador, com a observância dos critérios objetivo, subjetivo e teleológico, – […] um procedimento eficiente é inconcebível a priori; a eficiência resulta de um juízo a posteriori, como se disse, sempre retrospectivo.
A partir desse lugar, e aplicando-se esse raciocínio ao objeto desse artigo, ou seja, ao processo do trabalho, o que se tem é uma convergência muito clara para a “dor” identificada nas primeiras duas perguntas feitas no início desse estudo.
Recapitulando, nos perguntamos se o processo do trabalho, como está posto, é eficiente, e, na sequência, ao nos depararmos com uma resposta do “estado de coisas” em sentido negativo à pergunta; nos propusemos a verificar qual seria, então, a melhor resposta a segunda pergunta: se o processo do trabalho não é eficiente, do que ele precisa?
Encarando essa pergunta e exploradas as lições processualísticas acima estudadas, nos parece que a resposta caminha em uma direção comum: o processo do trabalho precisa de organização a partir da gestão processual.
Isso porque, como já abordado nesse artigo, o processo do trabalho enfrenta hoje um frenesi no qual repete práticas processuais de forma não organizada, que não promovem boas soluções para a construção de um processo mais rápido, inteligente e/ou satisfatório.
Oscar Wilde, em “A decadência da mentira” já predizia que a vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida (WILDE, 1891, p. 20) e ao olharmos o processo do trabalho, vemos que o autor parece não se enganar.
Afinal de contas, nessa repetição tumultuada dos processos trabalhistas, o processo do trabalho parece se esforçar para simular o 1984, de George Orwell e os filmes “Feitiço do Tempo”, “Grande Gatsby” e “Efeito Borboleta”.
A arte, em cada uma dessas suas espécies, tem um eixo central único: condutas se repetem no tempo e geram, invariavelmente, resultados reiterados, sem superação de erros e comportamentos do passado.
Em “1984”, de George Orwell, temos um mundo distópico onde o passado é constantemente reescrito para se adequar às necessidades do presente, evidenciando os perigos da manipulação histórica.
O tempo é revivido, também, em “Feitiço do Tempo” (Groundhog Day), onde Bill Murray vive um personagem preso em um loop temporal, revivendo o mesmo dia repetidamente.
Não muito diferente disso, em “O Grande Gatsby”, baseado na obra de F. Scott Fitzgerald, assistimos personagens que parecem presos em padrões de comportamento autodestrutivos, repetindo erros do passado.
Por fim, de formas trágicas, em “Efeito Borboleta” (The Butterfly Effect), vemos como pequenas ações podem ter repercussões significativas no futuro, destacando os perigos de padrões de comportamento que perpetuam consequências negativas.
Da sétima arte e da literatura para o processo do trabalho, o que vemos é que o processo do trabalho vem repetindo uma prática processual como se revivesse o mesmo dia repetidamente. A tragédia é real: repete-se a falta de organização, não se arquitetam novas regras processuais e tampouco há esforço inovador para produzir um processo que seja, de fato, satisfatório no sentido da principiologia da qual o processo do trabalho se reveste.
Essa repetição não contribui para nenhum melhoramento do processo do trabalho, especialmente no que se refere à eficiência do processo quanto aos princípios que deveriam nortear a condução processual.
Como na arte, o processo do trabalho também está preso em um loop temporal, revivendo o mesmo dia repetidamente. Não há como se esperar que encontre uma solução diferente.
Nesse contexto, e na tentativa de responder à segunda pergunta que nos propusemos a responder, nos parece que, ante a falta de organização processual e o tumulto gera do e já exemplificado em tópico anterior, é necessário, como recorda DIDIER (2016, p. 42), um aggiornamento do processo.
Abrasileirando a afirmativa, é preciso adequar o processo do trabalho e seu conjunto de práticas seculares à realidade, de modo que a arquitetura do processo trabalhista seja organizado e gerenciado de uma forma eficiente.
Noutras palavras, para que seja possível ao processo do trabalho sair de sua inércia repetitiva e começar a se mover em direção a uma modernização bem-vinda, principalmente no que toca à efetivação dos princípios processuais do trabalho, é fundamental que o processo do trabalho seja aperfeiçoado pelo saneamento e organização processual advindos do Direito Processual Civil, por meio das lacunas ontológicas e axiológicas da CLT.
Com essa ferramenta, o processo ganhará estruturação inicial, uma boa organização para que caminhe em frente sem adiamentos, repetições e redundâncias. Só assim é que se poderá pensar na futura obtenção dos melhores fins possíveis do processo, para que ele seja satisfatório muito além de estatísticas, e, de fato, um meio eficiente na concretização do direito material e processual do trabalho.
Nesse sentido, partindo-se da visão de eficiência de Fredie Didier Jr., não basta que essa autopoiese se limita ao direito material. Para que o processo seja efetivo, é preciso que ele seja eficiente. Para ser eficiente, no entanto, ele precisa ser organizado.
Alcançado esse ponto, nos resta apenas a terceira pergunta: seria o Direito Processual Civil, em seu despacho de saneamento para fins de organização do processo (artigos 357 e seguintes) a ferramenta compatível e necessária para a reformulação do processo do trabalho, com vistas à superação dos problemas atuais e concretização da eficiência desejada?
5 ORGANIZAR PARA MELHORAR: O SANEAMENTO PROCESSUAL COMO INSTRUMENTO DE EFICIÊNCIA DOS PROCESSOS TRABALHISTAS
Enfim, chegamos à terceira pergunta proposta nesse artigo: afinal, seria o saneamento para organização processual do Direito Processual Civil, previsto nos artigos 357 e seguintes, o instrumento necessário para a reformulação do processo do trabalho, com vistas à superação dos problemas atuais e concretização da eficiência desejada?
A resposta dessa pergunta exige que nos recordemos da visão que obtivemos a partir das respostas extraídas das primeira e segunda perguntas.
Ao buscarmos responder se o processo do trabalho é eficiente, pudemos notar que ele não se mostra dessa forma, especialmente no que se refere à dissonância entre os princípios que deveria nortear o processo trabalhista e a realidade tumultuada que visualizamos.
Identificamos como raiz dessa dissonância a reiteração de práticas processuais que atrasam o processo, tumultuam o bom andamento processual e, para além disso, que não estão entregando a prestação jurisdicional da forma mais ágil, efetiva e adequada que deveriam.
Dentre as práticas tumultuárias constatadas, vimos, por exemplo, (a) a inclusão de processos em pauta de audiência sem qualquer tipo de despacho inicial, de modo padronizado; (b) a realização de audiências iniciais presenciais de modo generalizado, ignorando o fato de que em muitos casos o ato se torna extremamente inútil, seja pelas partes não terem interesse de acordo, seja pelo fato de que o ato é voltado apenas ao recebimento de defesa e designação de perícia ou audiência de instrução; (c) a inclusão de processos em pauta de audiência de instrução quando o feito não está com prova pericial concluída e/ou quando as partes ainda estão postulando a produção de provas prévias à prova oral; e, ainda, (d) a remarcação indiscriminada de audiências UNAS, por ausência de testemunhas, para a concessão de prazos de Réplica, ou, ainda, em virtude de atrasos na pauta de audiências de Varas do Trabalho, ensejadas justamente pela inclusão de audiências em tempos absolutamente improváveis e impossíveis de ocorrer em razão do contexto de provas.
Quanto ao diagnóstico desse tumulto processual nada bem-vindo à almejada celeridade processual no âmbito trabalhista, notamos que esses problemas derivam, em sua grande maioria, de uma estagnação no processo do trabalho em relação aos avanços trazidos pelo Direito Processual Civil, a partir da injustificada repetição das empoeiradas disposições da CLT, que não mais transmitem ou permitem que o processo do trabalho anda na velocidade que ele deve andar.
Caminhando, ao investigarmos qual seria a resposta da segunda parte, vimos, em um horizonte mais distante, que essa resistência mostrava efeitos danosos principalmente para a efetividade dos princípios fundamentais do processo do trabalho (proteção, efetividade e celeridade), pois gerava prejuízos à organização do processo.
Por consequência, visualizamos que esses prejuízos não são “mera característica” do “estado de coisas”, mas se concretizavam como uma fonte geradora de prejuízos à própria efetivação do espírito do processo do trabalho. Isso porque, como se observou, a utilização resistida da CLT, apesar da erosão de tais regramentos pelo tempo, vem prejudicando a organização processual de forma eficiente, o que, por sua vez, empurra o processo trabalhista para um lugar cada vez mais longínquo de sua racionalidade criativa.
A essência do processo do trabalho é absolutamente positiva. Isso não só é um fato como foi objeto inspiracional para diversas alterações que, curiosamente, o próprio CPC/15 acabou absorvendo e normatizando.
No entanto, vimos que essa essência vem sendo prejudicada pela insistência processualística de reiterar práticas com base em uma legislação que não se mostra a mais eficiente e não coaduna com a desejada melhoria contínua da prestação jurisdicional. Pior: que poderia ser substituída e melhorada a partir da utilização de legislação processual comum que em nada se incompatibilizaria ou prejudicaria à inspiração criadora do processo trabalhista.
Nesse sentido, para a segunda pergunta, encontramos como resposta a palavra organização processual. Para ser mais eficiente, o processo do trabalho necessita de uma remodelação a partir de uma nova forma de se organizar o processo para uma melhor condução e o afastamento das idiossincrasias que o mantém revivendo o mesmo dia continuamente. Para que o processo seja efetivo, é preciso que ele seja eficiente. Para ser eficiente, no entanto, ele precisa ser organizado.
Alcançado esse ponto, nos resta apenas a terceira pergunta: seria o Direito Processual Civil, em seu despacho de saneamento para fins de organização do processo (artigos 357 e seguintes) a ferramenta compatível e necessária para a reformulação do processo do trabalho, com vistas à superação dos problemas atuais e concretização da eficiência desejada?
Em “Show de Truman”, Jim Carrey vive Truman Burbank. O personagem nasce e é inserido em um mundo meticulosamente preparado para ele. Desconhecendo a verdade, Truman vive sua vida em uma cidade fictícia, sob a constante vigilância de câmeras ocultas.
Truman, alheio à artificialidade de seu ambiente, começa a questionar a natureza de sua existência, desencadeando uma busca pela verdade em um mundo que foi cuidadosamente orquestrado para o que os criadores do show consideram ser “o melhor para ele”, em detrimento de suas próprias aspirações e desejos.
Novamente, aqui, a arte imita a vida.
Afinal, consolidando todas as mazelas processuais exploradas, vemos que a justiça do trabalho parece justamente repetir suas práticas processuais ineficientes por considerar que se tratam do “o melhor para a Justiça do Trabalho” e para aqueles que batem à sua porta.
Tal qual os organizadores do mundo de Truman, parecem ignorar o espírito e finalidade do processo do trabalho.
Como bem lembram Mauro Schiavi e Jorge Luiz Souto Maior, ambos magistrados, o processo do trabalho, embora seja um ramo autônomo, deve beber de fontes que possam minar de outros lugares além da CLT desde que essas fontes respeitam o espírito consolidados nos princípios processuais e quando trouxeram mais efetividade.
Nesse sentido, assim ensina Mauro Schiavi (SCHIAVI, 2010, p. 120):
“Sob outro enfoque, o juiz, como condutor do Processo do Trabalho, encarregado de zelar pela dignidade do processo e pela efetividade da jurisdição trabalhista, conforme já nos posicionamos, deve ter em mente que o processo deve tramitar em prazo compatível com a efetividade do direito de quem postula, uma vez que a duração razoável do processo foi erigida a mandamento constitucional, e buscar novos caminhos e interpretação da lei no sentido de materializar este mandamento constitucional.
(…) a moderna doutrina vem defendendo um diálogo maior entre o Processo do Trabalho e o Processo Civil, a fim de buscar, por meio de interpretação sistemática e teleológica, os benefícios obtidos na legislação processual civil e aplicá-los ao Processo do Trabalho. Não pode o juiz do Trabalho fechar os olhos para normas de Direito Processual Civil mais efetivas que a CLT, e se omitir sob o argumento de que a legislação processual do trabalho não é omissa, pois estão em jogo interesses muito maiores que a aplicação da legislação processual trabalhista e sim a importância do Direito Processual do Trabalho, como sendo um instrumento célere, efetivo, confiável, que garanta, acima de tudo, a efetividade da legislação processual trabalhista e a dignidade da pessoa humana”.
Na mesma direção, assim ensina Jorge Luiz Souto Maior:
As modificações do processo civil conduzem sempre a uma indagação na esfera do processo do trabalho: elas se aplicam ao procedimento trabalhista?
Para tal análise, importante lembrar que a aplicação de dispositivos do processo comum ao processo do trabalho, conforme prevê o art. 769, da CLT, só se justifica se atendidas duas condições: houver omissão na legislação trabalhista e houver compatibilidade entre as normas do processo civil e o processo do trabalho.
Mas, apenas dizer isto não basta. É preciso entender a regra do artigo 769, da CLT, sob o prisma teleológico e principiológico.
Das duas condições fixadas no artigo 769, da CLT, extrai-se um princípio, que deve servir de base para tal análise: a aplicação de normas do Código de Processo Civil no procedimento trabalhista só se justifica quando for necessária e eficaz para melhorar a efetividade da prestação jurisdicional trabalhista.
A fixação deste princípio nos conduz, inevitavelmente, a uma proposição de extrema importância, qual seja: as normas do Código de Processo Civil não vinculam, automaticamente, o juízo trabalhista.
O juízo trabalhista, portanto, apenas se valerá das normas do processo civil quando estas, sendo compatíveis com o espírito do processo do trabalho, como dito, puderem melhorar a prestação jurisdicional, no sentido da efetividade da prestação jurisdicional.
Em suma, quando há alguma alteração no processo civil o seu reflexo na esfera trabalhista só pode ser benéfico, tanto no prisma do processo do trabalho quanto do direito do trabalho, dado o caráter instrumental da ciência processual.
[…]
Dito em outras palavras, mais claras e diretas: quando alguém diz que foram formuladas mudanças no Código de Processo Civil, o processualista trabalhista deve indagar: – alguma das inovações traz benefício à efetividade do processo do trabalho, para fins de melhor fazer valer os direitos trabalhistas? Se a resposta for negativa, ou até o contrário, que representa a criação de uma formalidade capaz de gerar algum óbice a este propósito, deve-se concluir, sem medo de se estar errado: – então, não é preciso nem dizer quais foram as tais alterações!3
Noutras palavras, é absolutamente bem-vindo e justificável que o processo do trabalho se utilize de legislações se essas forem eficazes à melhora da efetividade da prestação jurisdicional trabalhista.
É por isso que esse artigo enxerga com bons olhos o saneamento e a organização processual, previstas nos arts. 357 e seguintes do Código de Processo Civil como um instrumento de aperfeiçoamento do processo do trabalho, justamente porque tais disposições contribuem para a organização do processo e, consequentemente, para a eficiência do processo do trabalho.
Como se sabe, a aplicação das disposições comuns no processo do trabalho é regulada, na CLT, pelo art. 769, que assim dispõe:
Art. 769 – Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.
A partir disso, duas correntes se estabeleceram (PEREIRA, 2011, p. 64-65):
1ª Corrente – Teoria Tradicional ou Restritiva: a aplicação subsidiária das regras do Direito Processual Civil somente é possível na hipótese de lacuna na legislação processual trabalhista. Assim, a existência de omissão é condição indispensável para a aplicação subsidiária. Portanto, somente a lacuna normativa, que é a ausência de norma reguladora do caso concreto, autoriza a aplicação subsidiária.
[…]
2ª corrente – Teoria Moderna, Evolutiva, Ampliativa ou Sistemática: a aplicação subsidiária do Direito Processual Civil ao Direito Processual do Trabalho é possível não somente nos casos de lacunas normativas, mas também nas hipóteses de lacunas ontológicas e axiológicas. Para essa linha de entendimento, ainda que a CLT ou legislação processual trabalhista extravagante preveja norma específica reguladora do caso concreto, é cabível a aplicação subsidiária da norma do Processo Civil se a norma processual trabalhista estiver desatualizada ou se a respectiva aplicação mostrar-se injusta ou insatisfatória.
Fundamentos:
– princípio da efetividade processual;
– princípio da celeridade processual (razoável duração do processo);
– princípio do acesso à ordem jurídica justa;
– caráter instrumental do processo;
– melhoria da prestação jurisdicional trabalhista;
– dignidade da pessoa do trabalhador;
– melhoria da condição social do trabalhador.
Nesse contexto, nos alinhando ao posicionamento dos autores já citados, nos alinhamos à segunda corrente, principalmente pela lista de fundamentos trazida pelo autor, que se coaduna a todo o contexto desse artigo, servindo como luva a todos os problemas práticos citados. Para tal alinhamento, citamos a interpretação do autor Leone Pereira, que assim ensina:
Diante do atual estágio de desenvolvimento do processo comum e da necessidade de se conferir aplicabilidade à garantia constitucional da duração razoável do processo, os artigos 769 e 889 da CLT comportam interpretação conforme a Constituição Federal, permitindo a aplicação das normas processuais mais adequadas à efetivação do direito. Aplicação dos princípios da instrumentalidade, efetividade e não retrocesso social.
Assim, devemos adotar a tríplice classificação das lacunas, considerando não apenas as lacunas normativas, mas também as ontológicas e axiológicas.
A efetividade do processo é assunto da ordem do dia, e deve-se buscar o acesso real e efetivo do trabalhador à Justiça do Trabalho com primazia, trazendo o rápido recebimento de seu crédito alimentar.
De outra sorte, a crítica construtiva que faço à Teoria Ampliativa é a aplicação subsidiária desmedida, trazendo grande insegurança jurídica aos jurisdicionados e aos operadores do Direito, afrontando inexoravelmente o consagrado princípio constitucional do devido processo legal, princípio dos princípios da Ciência Processual. A segurança e a estabilidade das relações jurídicas e sociais devem ser respeitadas, com base no princípio da segurança jurídica.
Concluindo, devemos adotar a aplicação subsidiária do Processo Civil ao Processo do Trabalho (diálogo das fontes), com base na efetividade do processo, melhoria do Processo Laboral e acesso real e efetivo do trabalhador à Justiça Obreira, sem esquecimento dos princípios do devido processo legal e da segurança jurídica.
Os princípios da ponderação de interesses, da razoabilidade, da proporcionalidade e da equidade deverão pautar a atuação do juiz do trabalho na aplicação subsidiária das normas do Processo Civil ao Processo do Trabalho.
Também, os princípios constitucionais do processo e os valores de direitos humanos fundamentais deverão ser observados, em uma interpretação sistemática e teleológica dos sistemas processuais.
No mesmo norte que o autor, entendemos que o Direito Processual Civil pode e deve ser utilizado pelo processo do trabalho não só em suas lacunas normativas, mas principalmente em suas lacunas ontológicas e axiológicas. Tudo isso pelo motivo central desse artigo: fornecer meios mais adequados à efetivação do direito, a partir dos princípios da eficiência, da efetividade e melhoria da prestação jurisdicional.
Ora, como já debatido, ao buscarmos as respostas para o trio de perguntas propostos inicialmente, vimos que a raiz dos problemas de eficiência do processo do trabalho reside na reiteração de práticas processuais baseadas apenas na CLT, especialmente no artigo 837 e seguintes da CLT.
Tais disposições, como já investigado, não fornecem os meios mais adequados à efetivação do direito. Em palavras técnicas, tratam-se de disposições cuja aplicação é insatisfatória, injusta ou ineficaz socialmente.
Ou seja, não são os melhores instrumentos para a efetivação dos já citados princípios da eficiência, da efetividade e melhoria da prestação jurisdicional, ainda que sejam, no aspecto “normativo”, disposições que não permitiriam “lacunas” de tal natureza.
Nesse cenário, partindo-se da interpretação ontológica e axiológico, por meio das quais se permite, respectivamente, (i) a aplicação do CPC quando, embora haja norma para o caso concreto, essa não tenha eficácia social, e (ii) a aplicação do CPC quando também há norma para o caso concreto, mas a aplicação seja insatisfatória ou injusta, nota-se que há um caminho para a aplicação do Direito Processual Civil ao processo do trabalho, pois os instrumentos da CLT já não são mais suficientes e/ou satisfatórios ao atingimento dos anseios fundantes do processo do trabalho.
Não trazem celeridade, tumultuam o processo e prejudicam a proteção. São disposições que, embora preencham o espaço normativo, estão, axiológica e ontologicamente, erodidas pelo tempo. São roupas que não servem mais.
Tratam-se de disposições que, embora pareçam “ocupar todo o espaço”, em verdade, por não mais atenderem satisfatoriamente às finalidades principiológicas do processo do trabalho, não são mais instrumentos que possam fornecer a máxima efetividade ao processo do trabalho.
Assim, considerando a via de aplicação do Direito do Processo Civil ao processo do trabalho, por meio das lacunas ontológicas e axiológicas, bem como a situação de tumulto processual visualizada ao longo desse artigo, proveniente em grande medida da falta de organização processual, emerge a possibilidade de respondermos positivamente à terceira pergunta.
Ao pisarmos nesse terceiro patamar, o saneamento e organização processual do CPC apresentam-se como uma ferramenta de incrível utilidade, plenamente apta a preencher e aperfeiçoar o vácuo de aspecto ontológico e axiológico deixado pela CLT.
Nesse contexto, lembremos o que dispõem os artigos 357 e seguintes do Código de Processo Civil:
Do Saneamento e da Organização do Processo
Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo:
I – resolver as questões processuais pendentes, se houver;
II – delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos;
III – definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373 ;
IV – delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito;
V – designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento.
§ 1º Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável.
§ 2º As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz.
§ 3º Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.
§ 4º Caso tenha sido determinada a produção de prova testemunhal, o juiz fixará prazo comum não superior a 15 (quinze) dias para que as partes apresentem rol de testemunhas.
§ 5º Na hipótese do § 3º, as partes devem levar, para a audiência prevista, o respectivo rol de testemunhas.
§ 6º O número de testemunhas arroladas não pode ser superior a 10 (dez), sendo 3 (três), no máximo, para a prova de cada fato.
§ 7º O juiz poderá limitar o número de testemunhas levando em conta a complexidade da causa e dos fatos individualmente considerados.
§ 8º Caso tenha sido determinada a produção de prova pericial, o juiz deve observar o disposto no art. 465 e, se possível, estabelecer, desde logo, calendário para sua realização.
§ 9º As pautas deverão ser preparadas com intervalo mínimo de 1 (uma) hora entre as audiências.
Analisados os referidos artigos, o que extraímos é que o CPC busca claramente indicar mandamentos de organização processual ao Magistrado, que tem evidente objetivo de tornar o processo mais lógico, organizado e transparente.
Nesse sentido, Didier lembra que a decisão de saneamento é “uma das mais importantes decisões proferidas pelo órgão jurisdicional”, já que a “a boa organização do processo interfere diretamente na duração razoável do processo e na proteção ao contraditório” (DIDIER, 2016, 701-702).
Essa máxima converge de forma absoluta com os princípios trabalhistas: há preocupação para que o processo seja célere, eficaz e efetivo. Tudo aquilo que o processo do trabalho, em respeito ao seu espírito, mais exige e necessita
No mais, analisando especificamente os dispositivos relativo ao “Saneamento e da Organização do Processo”, o que notamos é que suas disposições têm amplo acoplamento ao processo do trabalho, ao contrário que alguns podem entender.
O artigo 357, por exemplo, ao dar comando direto ao Magistrado para proferir decisão de saneamento e de organização do processo com o objetivo de (i) resolver as questões processuais pendentes, se houver; (ii) delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; (iii) definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373 ; (iv) delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; e, por fim, (v) designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento, mostra-se extremamente bem-vindo à seara do processo trabalhista.
Afinal, ao observarmos cada uma desses mandamentos do saneamento/organização do processos, notamos que eles contribuem diretamente para colocar fim na temporada de repetições de práticas processuais ineficientes. Tratam-se de claros meios para colocar fim à falta de organização já dissecada e, por consequência, induzir o aggiornamento que o processo do trabalho necessita para, enfim, se tornar satisfatório.
Afinal, como já concluído, para que seja possível ao processo do trabalho sair de sua inércia repetitiva e começar a se mover em direção a uma modernização bem-vinda, principalmente no que toca à efetivação dos princípios processuais do trabalho, é fundamental que o processo do trabalho seja aperfeiçoado pelo saneamento e organização processual advindos do Direito Processual Civil, por meio das lacunas ontológicas e axiológicas da CLT.
Quanto à (i) resolução de questões processuais pendentes, se houver, isso evidentemente contribuirá para o aperfeiçoamento do processo a partir de uma melhor organização e gestão processual. Afinal, resolvidas questões processuais pendentes, o Magistrado poderá, desse ponto em diante, colocar o processo em marcha adiante.
Em posicionamento contrário, temos o “estado de coisas”, que por muitas vezes só “visualiza” as questões processuais em “hora adiantada”, seja em audiência, seja em sentença, condição que gera remarcações, adiamentos e, na pior das hipóteses, nulidades, que só atravancam o bom andamento dos processos. Jogam contra os princípios da celeridade, da efetividade e da proteção.
Quanto à (ii) delimitação das questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos, nota-se que esse instrumento é igualmente positivo ao processo do trabalho. Isso porque, além de deixar claro às partes o que deverá ou não ser objeto de atividade probatória, ambas as partes terão condições prévias de produzir provas exatamente como se espera.
Longe de se tratar de uma solução que pudesse encontrar alguma incompatibilidade com o processo do trabalho, entendemos que essa disposição contribui diretamente para o princípio da proteção, da efetividade e verdade real.
Afinal, no “estado das coisas” atual, no qual inexiste tal previsão, é absolutamente comum a prolação de decisões – para ambos os lados – em que, em sentença, as partes “descobrem” que o Magistrado entendia que determinado questão, na interpretação do julgador, era “de fato” e que cabia prova “testemunhal ou documental” sobre tal. Situação idêntica se para a (iv) delimitação das questões de direito relevantes para a decisão do mérito.
Essa surpresa, além de contrária ao artigo 10 do CPC, claramente é totalmente dissonante dos princípios trabalhistas, seja pela ineficiente do processo, a partir de nulidade, seja pela contrariedade aos princípios da proteção, da verdade real e da celeridade. É, novamente, o tumulto vivenciado pela prática versus a almejada finalidade eficaz do processo do trabalho.
Do mesmo modo, (iii) a distribuição prévia do ônus da prova mostra-se totalmente bem-vinda ao processo do trabalho. Enfrentando os mesmos problemas do item “ii”, essa previsão mandamental contida na decisão de saneamento e organização processual é absolutamente convergente ao processo do trabalho, pois traz possibilidade às partes de, em audiência, produzirem provas sobre os fatos que sobre eles recaem o ônus, além de afastar dúvidas às partes sobre quais provas incumbe a produção, condição que é deveras pior para a parte hipossuficiente.
Quanto ao item (v) da designação de audiência de instrução e julgamento mostra-se extremamente bem-vindo à seara do processo trabalhista. Afinal, no estado atual do processo trabalhista, são inúmeros os casos em que audiências de instrução são designadas para datas posteriores, e, no ato, nota-se que a questão processual era de direito ou que não havia mais provas a serem produzidas por questões particulares do caso, hipótese que ofende claramente a celeridade e a eficácia do processo.
Por fim, a partir da leitura dos parágrafos 4º a 8º do art. 357 do CPC, nota-se, ainda, mais benefícios à organização e consequente eficácia do processo. Afinal, em tais parágrafos há a previsões quanto à indicação de rol de testemunhas, bem como sobre a prova pericial, duas previsões que, longe de prejudicarem o processo do trabalho, em verdade, só o aperfeiçoam, na medida em que tornam a instrução probatória – testemunhal e pericial – muito mais organizada, afastando, por exemplo, nulidades ou discussões advindas de interpretações variadas de julgadores sobre a necessidade de apresentação de rol, carta convite, etc.
O que se nota, portanto, a partir de todos esses fatos e comparações, é que a resposta para a terceira pergunta que nos propusemos a fazer não poderia ser mais previsível: o saneamento processual é visivelmente um instrumento de aperfeiçoamento notável do processo do trabalho.
Todas essas previsões, arranjos iniciais e preparação do processo, longe de atrasar a prestação jurisdicional, em verdade, apenas fazem com que o processo marche adiante de maneira muito mais firme. Não há retrocessos ou recomeços. A marcha, quando organizada, é apenas para frente. Ganha o Judiciário com processos mais bem organizados, ganha o jurisdicionado que obtém resposta da Justiça em tempo satisfatório.
No mais, ainda que entendimentos diversos possam questionar que a aplicação do saneamento processual pudesse confrontar os princípios da oralidade e da conciliação, que nortearam toda a construção do processo do trabalho, não visualizamos esse aparente confronto.
Isso porque, na esteira do parágrafo 3º do art. 357 do CPC, caso o processo apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, é exigido do juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.
No mais, é fato que o julgador poderá, sem qualquer infringência à lei, mas em uma verdadeira compatibilização da aplicação da lei processual civil na seara trabalhista, partindo das peculiaridades desse ambiente, promover as condutas organizacionais do art. 357 e, paralelamente, incluir, por exemplo, o feito em pauta para audiência conciliatória, enquanto concede prazo regular de defesa. Fato é que os nortes conciliatórios e orais do processo do trabalho em nada se perdem com a organização do processo.
Ao contrário disso, como bem ensina o autor Fredie Didier Jr., mais bem organizado o processo, tudo flui melhor, inclusive, as condições para o diálogo entre os envolvidos no processo e a própria conciliação (DIDIER, 2016, p. 705):
Mais bem organizado o processo, com a delimitação tão precisa quanto possível do cerne da controvérsia, evitam-se provas inúteis ou desnecessárias, aumenta-se a chance de autocomposição e diminuem as possibilidades de interposição de recurso fundado em equívoco na apreciação pelo juiz ou invalidade por ofensa ao contraditório…” […]
Nessa linha de raciocínio, nota-se que a organização do processo pode ser benéfica, inclusive, aos referidos princípios, ao contrário do que alguns poderiam entender.
No mais, claramente se verifica possível problemática quanto ao o § 2º do já mencionado artigo. Afinal, em tal artigo a legislação processual civil prevê a possibilidade de as partes apresentarem ao juiz, para homologação, delimitação consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz.
Considerando, por óbvio, a dificuldade de compatibilizar tal dispositivo ao processo do trabalho, em razão da disparidade de forças entre as partes, nos parece que esse artigo só faria sentido quando estivessem em casos envolvendo forças semelhantes, como em processos de hiperssuficiente, Ministério do Trabalho e/ou sindicatos.
Feita essa investigação, nos parece que, com essa ferramenta, o processo ganhará estruturação inicial, uma boa organização para que caminhe em frente sem adiamentos, repetições e redundâncias. Só assim é que se poderá pensar na futura obtenção dos melhores fins possíveis do processo, para que ele seja satisfatório muito além de estatísticas, e, de fato, um meio eficiente na concretização das bases criadoras e inspirações do direito material e processual do trabalho.
Vejamos que não se trata de uma possibilidade teórica, mas com impactos práticos absolutamente positivos.
Ao recapitularmos todas as mazelas práticas resultantes da aplicação do artigo 837 e seguintes da CLT (citadas em trecho anterior desse artigo), hipótese reiterada a partir da “inexistência” de lacuna, é possível notar que o saneamento processual poderia trazer soluções extremamente positivas:
1. Quanto ao exemplo da inclusão de processos em pauta de audiência sem qualquer tipo de despacho inicial, de modo padronizado, teríamos muito menos processos pautados de forma generalizada. Além disso, com o saneamento inicial e o “pontapé” inicial pelo Julgador, nada impediria a inclusão paralela do caso em pauta de conciliação, condição dúbia que compatibilizaria a organização do processo às finalidades conciliatórias do processo do trabalho;
2. Noutro aspecto, quanto à inclusão de processos em pauta de audiência de instrução quando o feito não está com prova pericial concluída e/ou quando as partes ainda estão postulando a produção de provas prévias à prova oral, os incisos II (“delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos;”), V (“delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito;”), do art. 357 do CPC, por exemplo, reduziriam claramente essas situações problemáticas e tornariam a marcha do processo muito menos claudicante.
3. Situação igualmente mitigada ou resolvida seria à da prática de remarcação indiscriminada de audiências UNAS, por ausência de testemunhas, para a concessão de prazos de Réplica, ou, ainda, em virtude de atrasos na pauta de audiências de Varas do Trabalho, já que não só os incisos acima resolveriam em boa parte esse problema, como os parágrafos relacionados à prova pericial e testemunhal também auxiliariam em uma maior racionalização dessas condutas processuais, reduzindo atos processuais ineficientes.
De tudo isso, e tendo em vista que é incontroverso que o processo do trabalho necessita ser rápido, eficaz, efetivo, devendo entregar, no menor tempo possível, a prestação jurisdicional, emerge o saneamento do processo como resposta.
Ao permitir uma melhor organização do processo, quanto a questões de ônus de prova, entendimentos jurisprudenciais e ordem do procedimento, não há como se negar que tal organização processual traria clara celeridade processual, diminuição de tumultos processuais e um processo mais efetivo, inclusive, na medida do contraditório substancial.
Estas soluções sobressaem-se de forma muito benéfica, como bem ensina TALAMINI:
O processo não é “coisa das partes”, como diziam os antigos. Mas tampouco é apenas “coisa do juiz” – como se pretendeu no momento de sistematização científica e afirmação publicística do direito processual. Então, mais do que uma exigência de simples organização do modo de atuação do agente jurisdicional, trata-se da imposição de um esforço conjunto entre o juiz e as partes, “para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” (na dicção do art. 6º do CPC, ao prever genericamente o dever de cooperação).
Assim, o saneamento destina-se a propiciar eficiência à atuação jurisdicional – e consequentemente economia processual (duração razoável do processo). Mas também se presta a assegurar previsibilidade (segurança jurídica) e a tornar mais qualificado o debate entre as partes e o juiz (contraditório), ampliando-se as chances de uma solução justa e eficaz.”4
Neste cenário, o saneamento e organização processual se apresenta como uma ferramenta vital, garantindo uma busca justa e, principalmente, eficaz para a resolução dos litígios. Afinal, tanto quanto a falta de organização resulta em desperdício de tempo e esforço, a organização eficaz é igualmente investimento para alcançar a eficiência.
Por fim, para que não haja equivocadas compreensões sobre os objetivos deste artigo, ressalta-se que não se busca, como se poderia advogar contrariamente à proposta deste estudo, a aplicação de dispositivos da seara comum – especialmente do Código de Processo Civil, na seara trabalhista, de forma puramente observada pela resolução de conflitos estabelecidos na ótica do interesse individual.
Nosso estudo busca investigar justamente o contrário.
Todas estas proposições se consolidam a partir da aproximação do processo do trabalho à sua racionalidade mais pura. Algo que hoje curiosamente, no “estado de coisas”, não vem sendo respeitada.
A essência do processo do trabalho é absolutamente positiva. Tanto é assim que o Direito Processual Civil, no código de 2015, regulamentou e normatizou várias previsões que o processo do trabalho, a partir de sua construção e principiologia, arquitetou na prática do processo (celeridade, informalidade, redução de formalismos, irrecorribilidade imediata de decisões, dentre tantas outras ferramentas). O que se pretende com esse artigo é reviver esse sentido criativo.
Respondendo à terceira pergunta, nos parece que a organização do processo do trabalho a partir da ferramenta saneadora do CPC, quase como uma troca de favores entre esses “dois mundos”, pode ser um início.
2Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trt-11/1177565978/inteiro-teor-1177566064 acessado em 05/12/2023
3Disponível em: https://www.jorgesoutomaior.com/uploads/5/3/9/1/53916439/reflexos_das_altera%C3%A7%C3%B5es_do_c%C3%B3digo_de_processo_civil_no_processo_do_trabalho2.pdf Acessado em 04/12/2023.
4TALAMINI, Eduardo. Saneamento e organização do processo no CPC/15. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI235256,11049-Saneamento+e+organizacao+do+processo+no+CPC15> Acesso em: 05 de dez. 2023.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Código de Processo Civil.
BRASIL. Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, Parte geral e processo de conhecimento. Ed. JusPodivm, 2016.
MAIOR, Jorge Luiz Souto. Reflexos das Alterações do Código de Processo Civil no Processo do Trabalho.
MARTINS, Sério Pinto. Direito Processual do Trabalho. 38ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. Ed. Malheiros, 2001.
PEREIRA, Leone. Manual de processo do trabalho. Ed. Saraiva, 2011.
SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. Ed. LTr, 2010.
TALAMINI, Eduardo. Saneamento e organização do processo no CPC/15
WILDE, Oscar. A decadência da mentira e outros ensaios. Ed. Principis, 189).
1SALOMÃO, Luiz Paulo. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2017). Pós-graduando em Direito e Processo do trabalho pela mesma instituição. Mestrando em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.