DO SURGIMENTO À CRISE: A HISTÓRIA DO CIGARRO ELETRÔNICO E A EPIDEMIA DE EVALI

FROM EMERGENCE TO CRISIS: THE HISTORY OF ELECTRONIC CIGARETTES AND THE EVALI EPIDEMIC

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202503151715


Murilo Alencar Quessada; Nicole Gundim de Souza; Milena Alencar Quessada; Adiel Sant’Ana Filho; Mirela Aparecida de Freitas Ribeiro Fernandes; Quintiliano Duarte Araujo; Felipe Vieira Simões; Luiz Gustavo Barbosa Fantin; Laura Maria de Oliveira Souza; Pedro Augusto Fonseca Tavares; Ana Carolina Carvalho de Faria; Luiza Werneck Said Valadão; Haroldo Neto Diniz Antonio; Eloiza Helena Ferreira da Silva; Vinícius Morais Cembranel; Orientador: Dr. João Rafael Alencar de Sousa


RESUMO

Este artigo apresenta uma revisão crítica da literatura sobre o uso de cigarros eletrônicos, destacando os fatores de risco, as causas do aumento de seu uso, e os impactos à saúde associados a essa prática, com ênfase na condição EVALI (lesão pulmonar associada ao uso de cigarro eletrônico). O objetivo é fornecer uma visão abrangente das consequências do uso de cigarros eletrônicos e discutir a crescente preocupação com os efeitos adversos à saúde, especialmente em relação aos jovens. Para isso, foi realizada uma análise sistemática de estudos acadêmicos de fontes como PubMed, Scielo e Lilacs, com foco nas implicações respiratórias, cardiovasculares e no risco de dependência de nicotina. Os resultados revelam que a utilização dos cigarros eletrônicos tem crescido consideravelmente, sendo muitas vezes percebido como uma alternativa menos prejudicial aos cigarros convencionais. No entanto, o aumento de casos de EVALI, com sérios problemas pulmonares, e a descoberta de substâncias tóxicas, como o acetato de vitamina E, colocam em evidência os riscos à saúde. Além disso, fatores como a atração por sabores diversos, a percepção de menor dano à saúde e o marketing direcionado aos jovens são apontados como determinantes para o aumento do uso. A revisão enfatiza a necessidade de regulamentação mais rigorosa e de políticas públicas que promovam a conscientização sobre os efeitos adversos desses dispositivos, particularmente entre adolescentes e jovens adultos.

PALAVRAS-CHAVE: Cigarro eletrônico. Lesão pulmonar. Tabaco.

ABSTRACT

This article presents a critical review of the literature on the use of electronic cigarettes, highlighting the risk factors, the causes of the increase in their use, and the health impacts associated with this practice, with an emphasis on the EVALI (electronic cigarette-associated lung injury) condition. The aim is to provide a comprehensive overview of the consequences of e-cigarette use and to discuss the growing concern about adverse health effects, especially in relation to young people. To this end, a systematic analysis of academic studies from sources such as PubMed, Scielo and Lilacs was carried out, focusing on respiratory and cardiovascular implications and the risk of nicotine addiction. The results reveal that the use of e-cigarettes has grown considerably, often being perceived as a less harmful alternative to conventional cigarettes. However, the increase in EVALI cases, with serious lung problems, and the discovery of toxic substances, such as vitamin E acetate, highlight the health risks. In addition, factors such as the attraction of different flavors, the perception of less harm to health and marketing aimed at young people are pointed out as determinants for the increase in use. The review emphasizes the need for stricter regulation and public policies to raise awareness of the adverse effects of these devices, particularly among adolescents and young adults.

KEYWORDS: Electronic Cigarette. Lung Injury. Tobacco.

I. INTRODUÇÃO

O tabagismo é a maior causa de morte evitável do mundo, com mais de 8 milhões de óbitos anuais (OMS, 2023). As evidências sobre os malefícios do uso do tabaco são amplamente reconhecidas, incluindo o aumento da mortalidade por doenças cardiovasculares, diversos tipos de câncer (pulmões, cavidade oral, mama), doenças respiratórias crônicas, além de ser um fator de risco para doenças crônicas não transmissíveis, complicações na gestação e restrição de crescimento intrauterino. Originário da América, o tabaco foi utilizado desde aproximadamente 1000 a.C. nas sociedades indígenas da América Central, em rituais mágicos e religiosos. Sua utilização se expandiu para o resto do mundo com a chegada dos navegadores europeus no século XVI, e desde então o consumo de tabaco tem sido uma prática constante, com diferentes formas, como mascar, cheirar rapé e fumar cachimbos e charutos. No entanto, foi a partir do século XIX, com a industrialização do cigarro, que a prática se tornou popular, especialmente nos Estados Unidos e na Inglaterra, sendo visto como um produto mais dinâmico e prático (BRASIL, 2025).

Nos últimos anos, o uso de cigarros eletrônicos, conhecidos como vape ou pod, aumentou substancialmente, especialmente entre jovens. Inicialmente vistos como uma opção menos prejudicial para parar de fumar, os cigarros eletrônicos logo se tornaram populares devido ao seu design moderno, a variedade de sabores e a percepção de que eram menos nocivos do que os cigarros convencionais. A Organização Mundial da Saúde, em 2021, alertou para o aumento do uso de Sistemas Eletrônicos de Administração de Nicotina (SEAN), principalmente entre crianças e adolescentes, e para o risco de esses indivíduos iniciarem o uso de cigarros convencionais. Além disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) destacou a necessidade de uma regulamentação rigorosa desses produtos, tratando-os como produtos de tabaco e implementando medidas de controle adequadas para proteger a saúde pública (OMS, 2024).

De acordo com o CDC (Centers for Disease Control and Prevention) e a FDA (Food and Drug Administration) em 2024, uma pesquisa feita em escolas dos Estados Unidos da América (EUA), constatou que 1,63 milhões de estudantes relataram uso atual de cigarros eletrônicos. Em 2024, 19,0% dos estudantes do ensino médio e fundamental dos EUA representando 5,28 milhões de estudantes relataram já terem feito o uso do tabaco, sendo que 3,78 milhões já haviam usado cigarro eletrônico. Além disso, a pesquisa mostrou que mais de 1 em cada 4 (26,3%) dos atuais usuários jovens de cigarros eletrônicos usam um produto de cigarro eletrônico diariamente e mais de 1 em cada 3 (38,4%) jovens usuários de cigarros eletrônicos relatam ter usado cigarros eletrônicos em pelo menos 20 dos últimos 30 dias. A pesquisa mostra que mais de 8 em cada 10 usuários atuais de cigarros eletrônicos (87,6%) usaram cigarros eletrônicos com sabor, sendo os sabores de frutas os mais populares, seguidos por doces, sobremesas ou outros doces; menta; e mentol. Mais da metade (54,6%) dos estudantes que atualmente usam cigarros eletrônicos relataram usar sabores com “ice” ou “iced” no nome. Os dispositivos mais comumente usados entre os atuais usuários de cigarros eletrônicos foram os descartáveis ​​(55,6%), seguidos pelos dispositivos recarregáveis ​​(15,6%). As marcas mais comumente relatadas entre os atuais usuários de cigarros eletrônicos foram: Elf Bar (36,1%), Breeze (19,9%), Mr. Fog (15,8%), Vuse (13,7%) e JUUL (12,6%).

A EVALI (E-cigarette or Vaping Product Use-Associated Lung Injury) é uma condição de lesão pulmonar associada ao uso de cigarros eletrônicos. A primeira identificação de casos ocorreu em 2019, quando um número crescente de pessoas, muitas das quais jovens, começou a ser diagnosticado com lesões pulmonares graves, exigindo hospitalização. A EVALI é caracterizada por sintomas respiratórios como tosse, dificuldade para respirar, dor no peito e, em casos graves, insuficiência respiratória (MARROCCO et al, 2022). A relação entre o uso de cigarros eletrônicos e o desenvolvimento de EVALI está principalmente associada à inalação de substâncias tóxicas, como o acetato de vitamina E, encontrado em líquidos utilizados nos dispositivos principalmente com THC (TSAI; MALLAMPALLI, 2020). Além disso, o uso prolongado desses dispositivos pode prejudicar a função pulmonar, devido à exposição a compostos químicos como o propilenoglicol e o glicerol, que podem se decompor em substâncias tóxicas ao serem aquecidos. Estudos mostram que a EVALI se concentra principalmente em jovens, especialmente aqueles que utilizam dispositivos para o consumo de THC, embora também envolva usuários que consomem nicotina. Além disso, pessoas com problemas respiratórios preexistentes, como asma, estão mais vulneráveis a desenvolver essa condição. Casos graves de EVALI podem levar à morte, o que gerou uma reação global sobre o uso indiscriminado de cigarros eletrônicos. Embora a EVALI tenha sido mais associada ao consumo de produtos com THC, o uso de cigarros eletrônicos com nicotina também tem sido relacionado a problemas respiratórios, embora em menor escala (MARROCCO et al, 2022).

O objetivo deste artigo de revisão é analisar os principais estudos sobre a EVALI e os riscos à saúde relacionados ao uso de cigarros eletrônicos. O aumento do consumo desses dispositivos, especialmente entre jovens, trouxe à tona preocupações sobre os efeitos a curto e longo prazo para a saúde, incluindo o desenvolvimento de doenças respiratórias graves como a EVALI. A revisão visa identificar os principais fatores de risco associados ao uso desses dispositivos, com ênfase nas substâncias químicas presentes nos líquidos de vaporização, como o acetato de vitamina E, além de explorar as implicações clínicas dessa condição. A partir da análise da literatura científica, pretende-se compreender os mecanismos fisiopatológicos envolvidos, identificar os grupos mais vulneráveis e discutir as medidas de prevenção e controle necessárias para mitigar os riscos associados ao consumo de cigarros eletrônicos.

II. METODOLOGIA

A metodologia adotada para esta revisão integrativa teve como objetivo abordar de maneira abrangente a lesão pulmonar associada ao cigarro eletrônico, além de investigar as causas, os mecanismos fisiopatológicos e as potenciais consequências à saúde a curto e longo prazo. Inicialmente, foi formulada uma questão de pesquisa direcionada: ” Quais são os fatores históricos, sociais e regulatórios que contribuíram para a popularização do cigarro eletrônico e como o aumento de casos de EVALI reflete uma crise na regulação e segurança desses dispositivos? ”

Esta pesquisa foi baseada na coleta de informações a partir de plataformas virtuais secundárias, buscando analisar, discutir e sintetizar os dados compilados. A busca foi realizada através das plataformas: Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Google Acadêmico, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e PubMed, no período compreendido entre janeiro e março de 2025. Para o levantamento de artigos, foram utilizados os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): “E-Cigarette”, “Vaping”, “Smoking”, ‘’ E-Cig’’, “Electronic Cigarette”, ‘’ Lung Injury’’, “Lesão Pulmonar Associada ao Uso de Cigarro Eletrônico”, “Tobacco” em inglês e português. Como estratégia de busca, foi utilizado o operador ‘’AND’’ entre os descritores supracitados. Os critérios de inclusão definidos para a seleção dos artigos foram: idioma – artigos publicados em inglês e português, tipo de estudo realizado, publicação no período entre 2009 a 2024, além de artigos disponíveis na íntegra. Os critérios de exclusão foram: estudos publicados no formato de resumo, cartas ao editor, diretrizes, dissertações e teses. Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram reunidos 73 artigos, organizados por ordem de relevância. A partir daí, selecionou-se 30 artigos, publicados na língua inglesa e portuguesa, publicados em conformidade com os critérios de inclusão, previamente determinados, para compor o presente estudo.

A análise dos dados foi conduzida de forma narrativa, organizando os achados em categorias temáticas principais: contextualização, conceito, epidemiologia, causas, impactos e medidas de controle. Esta abordagem permitiu não apenas sintetizar as informações disponíveis, mas também identificar lacunas no conhecimento e áreas que necessitam de pesquisas e estudos. Finalmente, a revisão integrativa discutiu as implicações dos achados para o desenvolvimento de políticas públicas e práticas clínicas, enfatizando a importância de estratégias educativas e regulatórias para mitigar os potenciais impactos negativos do uso de cigarros eletrônicos.

III. RESULTADOS

Embora os cigarros eletrônicos tenham sido inicialmente comercializados como uma alternativa mais segura aos cigarros tradicionais, as evidências de que esses dispositivos não são isentos de riscos tem se acumulado. Relatos de casos associaram o uso de cigarros eletrônicos a várias doenças pulmonares, como achados radiográficos assintomáticos, pneumonia lipoide, pneumonia eosinofílica aguda, pneumonite de hipersensibilidade e hemorragia alveolar difusa. Esses primeiros relatos provavelmente foram as primeiras evidências da toxicidade pulmonar dos cigarros eletrônicos. Mais recentemente, foi descrita uma nova entidade de insuficiência respiratória associada ao uso de cigarros eletrônicos, chamada EVALI (WINNICKA; SHENOY, 2020).

A EVALI é uma síndrome de lesão pulmonar aguda associada ao uso de dispositivos eletrônicos de vaporização e foi identificada pela primeira vez nos Estados Unidos, em abril de 2019. Médicos se depararam com pacientes jovens, muitos sem histórico de problemas pulmonares. A condição rapidamente se tornou uma crise significativa nos EUA, com milhares de casos registrados em pouco tempo. A maioria dos pacientes tinha entre 18 e 34 anos, com predominância masculina. Até fevereiro de 2020, foram reportados 2.807 casos de EVALI e 68 mortes (CDC, 2020). Os sintomas incluem falta de ar, dor no peito, tosse e hemoptise. Sintomas gastrointestinais como náuseas, vômitos e dor abdominal, além de sintomas constitucionais como febre e mal-estar, também são comuns. Os pacientes frequentemente apresentam taquicardia, taquipneia, febre e hipoxemia. O grau de insuficiência respiratória é variável, com até um terço dos pacientes necessitando de intubação e ventilação mecânica (WINNICKA; SHENOY, 2020).

A análise demográfica dos pacientes com EVALI revelou que 67% são do sexo masculino, a idade média é de 24 anos e 86% estão associados ao uso de vaporizadores com THC. Sintomas pulmonares também podem ser observados em usuários de cigarros eletrônicos sem EVALI. Um estudo transversal realizado em Hong Kong encontrou sintomas como tosse, coriza, dispneia e estertores comuns entre os usuários. Estudos anteriores também documentaram efeitos fisiológicos adversos imediatos semelhantes aos do tabagismo tradicional, como aumento da resistência ao fluxo de ar e diminuição do óxido nítrico exalado (WINNICKA; SHENOY, 2020).

Nenhum estudo laboratorial específico tem sido capaz de fornecer diagnóstico definitivo, embora pacientes com EVALI tendam a apresentar leucocitose com predominância neutrofílica e níveis elevados de marcadores inflamatórios como VHS, PCR e procalcitonina. A contagem periférica de eosinófilos geralmente é normal. O CDC e o Departamento de Saúde do Estado de Nova Iorque, em colaboração com o Centro Médico da Universidade de Rochester, propuseram algoritmos diagnósticos para EVALI. O primeiro passo deve ser obter uma história detalhada, com ênfase nos sintomas respiratórios, gastrointestinais e constitucionais, além de informações sobre o uso recente de vaporizadores. A coleta de dados sobre a marca, o sabor, a frequência e a duração do uso, e o consumo de THC também são essenciais. Achados importantes no exame físico, como febre, taquipneia e hipoxemia, podem ser úteis no diagnóstico (WINNICKA; SHENOY, 2020).

Tanto o CDC quanto a FDA associaram 85% dos casos de EVALI ao consumo de nicotina e ao uso de acetato de vitamina E, um espessante presente principalmente em líquidos de vaporizadores com THC. A maioria dos casos de EVALI está associada à vaporização de produtos com THC. A FDA, após analisar amostras desses líquidos, identificou o acetato de vitamina E como um provável agente causal da síndrome, particularmente quando utilizado em líquidos com THC (SILVA et al., 2021).

O CDC investigou 29 amostras de lavado broncoalveolar associadas à EVALI, todas contendo acetato de vitamina E, corroborando a relação do composto com a doença. Quando inalado, o acetato de vitamina E se integra aos fosfolípidos do surfactante pulmonar, aumentando a permeabilidade e diminuindo sua funcionalidade, o que pode levar a uma cascata inflamatória nos tecidos pulmonares. A decomposição térmica do acetato de vitamina E também pode gerar compostos irritantes, como o ceteno, que podem desempenhar um papel na EVALI. Além do THC e do acetato de vitamina E, outros componentes presentes nos líquidos de vaporização, como propilenoglicol, glicerina vegetal e metais pesados, também podem contribuir para a toxicidade pulmonar (TITUANA et al., 2023).

Estudos indicam que o uso de cigarros eletrônicos está associado a diversos riscos à saúde, especialmente devido à presença de nicotina. A exposição à nicotina pode levar ao aumento da frequência cardíaca, elevação da pressão arterial e ao aumento do estresse oxidativo, fatores que contribuem para doenças cardiovasculares. O uso contínuo de cigarros eletrônicos também está relacionado à inflamação, disfunção endotelial, lesões vasculares e ao desenvolvimento de aterosclerose. No âmbito pulmonar, os dispositivos de vaporização podem causar lesões pulmonares, intoxicação aguda por nicotina (por ingestão acidental ou intencional) e danos às vias aéreas. Além disso, o uso de cigarros eletrônicos também afeta a aprendizagem, a concentração e o humor, especialmente entre os jovens (MENEZES et al., 2021).

A nicotina é a principal substância responsável pela dependência associada ao tabagismo, afetando milhões de pessoas em todo o mundo. Estima-se que aproximadamente 90% dos fumantes diários desenvolvam dependência dessa substância. Quando inalada, cerca de 25% da nicotina atravessa os alvéolos pulmonares e chega ao cérebro em cerca de 15 segundos. Uma vez no cérebro, ela se liga aos receptores nicotínicos de acetilcolina, estimulando a liberação de neurotransmissores como dopamina, serotonina e noradrenalina, os quais estão relacionados a sensações de prazer, alívio do estresse e melhora do humor. Com o uso contínuo, o cérebro adapta-se a essas mudanças, levando à necessidade de doses maiores para obter os mesmos efeitos, o que caracteriza a dependência (MACIEL et al., 2021).

O uso de cigarros eletrônicos tem crescido entre adolescentes e jovens adultos devido à variedade de sabores e ao marketing agressivo das empresas. No entanto, pesquisas mostram que a exposição precoce à nicotina pode afetar negativamente o desenvolvimento cerebral, prejudicando funções como memória, aprendizado e controle de impulsos. Muitos jovens, porém, não conhecem os riscos envolvidos no uso desses dispositivos (MACIEL et al., 2021).

Nos Estados Unidos e no Brasil, as autoridades implementaram políticas para restringir a venda e o consumo de vaporizadores e produtos associados, especialmente entre os jovens, devido a preocupações com o aumento da dependência de nicotina e os riscos à saúde pulmonar. Sabores como menta e frutas, que são populares entre os adolescentes, estão associados ao aumento da dependência. Nos EUA, a FDA proibiu, em 2020, o uso de cigarros eletrônicos com sabor, exceto os sabores de tabaco e mentol. A medida visa reduzir a atratividade dos produtos para os jovens, que frequentemente iniciam o consumo de nicotina por meio de dispositivos com sabor (SONEJI et al., 2020).

No Brasil, de acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 46, de 2009, a ANVISA proibiu a comercialização, importação e propaganda de todos os tipos de dispositivos eletrônicos para fumar no Brasil. Essa decisão foi tomada após uma avaliação detalhada dos riscos que esses produtos podem representar à saúde pública e da falta de evidências sobre sua eficácia como método para cessação do tabagismo. De acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 855, de abril de 2024, a ANVISA atualizou sua regulamentação, mantendo a proibição e estendendo-a para incluir também a fabricação, transporte, distribuição, armazenamento e venda desses dispositivos. Uma vez que a exposição a substâncias tóxicas presentes nos líquidos de vaporização pode ser prejudicial, especialmente em dispositivos de baixa qualidade ou mal regulados (GOTTLIEB, 2019).

IV. DISCUSSÃO

O uso de cigarros eletrônicos e o surgimento da condição EVALI tem sido assunto em vários estudos recentes, trazendo à tona questões importantes sobre os riscos à saúde. Apesar de que os cigarros eletrônicos tenham sido inicialmente promovidos como uma alternativa mais segura em relação ao cigarro tradicional, muitos estudos demonstraram que, ao contrário do que se pensava, esses dispositivos também estão associados a graves problemas respiratórios e pulmonares. O aumento de casos de EVALI, especialmente entre os jovens, é um exemplo claro disso. Casos de lesões pulmonares graves relacionadas ao uso de cigarros eletrônicos, muitas vezes causados pela inalação de substâncias como o acetato de vitamina E, tem sido documentado, o que reflete a complexidade do problema.

Além disso, os danos não se restringem apenas às questões respiratórias. Estudo após estudo indica que o uso de cigarro eletrônico pode contribuir para o desenvolvimento de outras condições crônicas, como doenças cardiovasculares, além de agravar doenças preexistentes, como asma. A falta de regulamentação e o controle precário sobre a comercialização desses dispositivos são fatores que contribuem para o aumento do consumo, particularmente entre os mais jovens, o que levanta sérias preocupações quanto à sua segurança a longo prazo.

O contexto histórico e social também deve ser considerado. A evolução do consumo de tabaco, desde os povos indígenas da América Central até a sua popularização no século XIX com a industrialização do cigarro, mostra uma continuidade no comportamento de consumo de nicotina. O surgimento do cigarro eletrônico, como alternativa ao cigarro tradicional, foi uma tentativa de oferecer uma solução para a dependência da nicotina, mas, na prática, pode estar mantendo os indivíduos em uma nova forma de vício, com consequências igualmente graves para a saúde pública.

Há um consenso crescente entre os pesquisadores sobre o impacto negativo dos cigarros eletrônicos na saúde, especialmente no que diz respeito ao aumento das lesões pulmonares. A condição EVALI, identificada em 2019, deixou claro que o uso de vaporizadores não é isento de riscos. A associação entre o consumo desses produtos e a presença de substâncias tóxicas, como o acetato de vitamina E, é amplamente reconhecida, assim como os danos ao sistema respiratório e cardiovascular.

Outro ponto amplamente aceito pela comunidade científica é o impacto que o cigarro eletrônico tem sobre os jovens. O aumento do consumo entre adolescentes e jovens adultos, muitas vezes devido à percepção equivocada de que os cigarros eletrônicos são inofensivos, tem sido um grande motivo de preocupação. A Organização Mundial da Saúde tem alertado sobre o uso crescente desses dispositivos entre as novas gerações, destacando a importância de regulamentações mais rigorosas para proteger a saúde pública.

Além disso, há um consenso claro sobre a necessidade de regulamentação mais eficaz. O controle da qualidade dos líquidos de vaporização e a proibição da comercialização de produtos com substâncias potencialmente perigosas são vistos como medidas essenciais para garantir a segurança dos consumidores e reduzir os danos à saúde pública.

Apesar dos avanços no entendimento dos riscos associados ao uso de cigarros eletrônicos, existem várias áreas que ainda precisam ser mais investigadas. Primeiramente, os efeitos de longo prazo do uso de cigarros eletrônicos não são completamente compreendidos. A maioria dos estudos se concentra nos impactos imediatos e a curto prazo, mas faltam investigações que explorem as consequências do consumo prolongado desses dispositivos, especialmente em relação a doenças como o câncer e as doenças pulmonares crônicas.

Outra lacuna importante diz respeito aos mecanismos fisiopatológicos por trás das lesões causadas pelos cigarros eletrônicos. Embora as evidências sobre a relação entre o uso de cigarros eletrônicos e problemas respiratórios, como a EVALI, sejam claras, os detalhes sobre como as substâncias presentes nos líquidos de vaporização afetam o corpo ainda precisam ser mais bem esclarecidos. Por exemplo, como substâncias como o propilenoglicol e o glicerol, que estão presentes nos líquidos de vaporização, se decompõem e causam danos à saúde ainda não é completamente entendido.

Ademais, embora o uso de cigarros eletrônicos tenha se expandido consideravelmente nas últimas décadas, a literatura científica sobre os seus impactos à saúde ainda é limitada, especialmente no campo epidemiológico. A escassez de estudos epidemiológicos robustos sobre o tema impede uma compreensão mais aprofundada da magnitude dos riscos associados a esses dispositivos. Embora haja algumas investigações, muitos dos estudos existentes são de caráter observacional ou de pequena escala, dificultando a generalização de seus resultados.

Além disso, os efeitos do uso de cigarros eletrônicos em pessoas com condições pré-existentes, como doenças respiratórias, também precisam ser mais bem documentados. Existem evidências de que os indivíduos com asma ou outras doenças pulmonares são mais vulneráveis a sofrer complicações, mas mais pesquisas são necessárias para entender a extensão desses riscos.

Por fim, a eficácia das políticas de regulamentação ainda é um campo pouco explorado. Embora haja um consenso sobre a necessidade de maior controle sobre a fabricação e comercialização, faltam estudos que comparem diferentes abordagens regulatórias e seus impactos na saúde pública. Como cada país adota um modelo diferente, entender quais estratégias são mais eficazes pode ser crucial para melhorar o controle e proteção da população.

V. CONCLUSÃO

A análise dos efeitos dos cigarros eletrônicos revela que, embora sejam frequentemente promovidos como uma alternativa menos prejudicial ao tabaco tradicional, há uma série de riscos associados ao seu uso, principalmente em relação à saúde pulmonar e cardiovascular. Casos de doenças pulmonares graves, como a EVALI, e o aumento de dependência entre os jovens destacam a urgência da regulamentação mais rigorosa desses produtos. A implementação de medidas de controle eficazes, incluindo restrições de vendas e campanhas educativas, é crucial para proteger a saúde pública. Para avançar no entendimento dos impactos dos cigarros eletrônicos, é essencial que mais estudos epidemiológicos sejam realizados, com foco em seus efeitos a longo prazo e nos mecanismos específicos envolvidos. A pesquisa contínua poderá fornecer os dados necessários para orientar políticas públicas e estratégias de saúde mais eficazes, com o objetivo de mitigar os danos causados por esses dispositivos.

VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ANVISA. Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 46, de 28 de agosto de 2009. Proíbe a comercialização e a importação de cigarros eletrônicos no Brasil, entre outras medidas. Diário Oficial da União, 2009. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2009/res0046_28_08_2009.html. Acesso em: 3 mar. 2025.

2. ANVISA. Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 855, de 2024. Aprova as normas de regulamentação sobre a proibição da comercialização e uso de cigarros eletrônicos e produtos relacionados no Brasil. Diário Oficial da União, 2024. Disponível em: https://anvisalegis.datalegis.net/action/ActionDatalegis.php?acao=abrirTextoAto&link=S&tipo=RDC&numeroAto=00000855&seqAto=000&valorAno=2024&orgao=RDC/DC/ANVISA/MS&cod_modulo=310&cod_menu=9431. Acesso em: 2 mar. 2025.

3. BARRETO, I. F. Tabaco: a construção das políticas de controle sobre seu consumo no Brasil. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 25, n. 3, p. 797–815, 2018.

4. BARUFALDI, L. A. et al. Risco de iniciação ao tabagismo com o uso de cigarros eletrônicos: revisão sistemática e meta-análise. Ciência & Saúde Coletiva, v. 26, n. 12, p. 6089–6103, 2021.

5. BELOK, S. H. et al. E-cigarette, or vaping, product use-associated lung injury: a review. Pneumonia, v. 12, n. 1, 2020.

6. BRASIL. Ministério da Saúde; INCA – Instituto Nacional de Câncer. O controle do tabaco no Brasil: uma trajetória. Rio de Janeiro: INCA, 2012. Disponível em:   https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/exposicao_controle_tabaco_brasil_trajetoria.pdf. Acesso em: 27 fev. 2025.

7. CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). Outbreak of lung injury associated with the use of e-cigarette, or vaping, products – United States, 2020. Morbidity and Mortality Weekly Report (MMWR), v. 69, n. 3, p. 60-63, 2020. Disponível em: https://www.cdc.gov/mmwr/volumes/69/wr/pdfs/mm6903e2-H.pdf. Acesso em: 1 mar. 2025.

8. CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Tobacco Product Use Among Middle and High School Students — National Youth Tobacco Survey, United States, 2024. Morbidity and Mortality Weekly Report, v. 73, n. 41, p. 917-922, 2024. Disponível em: https://www.cdc.gov/mmwr/volumes/73/wr/pdfs/mm7341a2-H.pdf. Acesso em: 4 mar. 2025.

9. GOTTLIEB, M. A.E-Cigarettes versus Nicotine-Replacement Therapy for Smoking Cessation.New England Journal of Medicine, v. 380, n. 20, p. 1973–1975, 2019.

10. LILLY, C. M. et al. Vaping-Associated Respiratory Distress Syndrome. Critical Care Explorations, v. 2, n. 2, p. e0081, 2020.

11. MENEZES, I. L. et al. Cigarro Eletrônico: Mocinho ou vilão? Revista Estomatológica Herediana, Lima, v. 31, n. 1, p. 28-36, 2021.

12. MACIEL, R. R. et al. Grau de dependência à nicotina de pacientes atendidos para tratamento do tabagismo em universidade pública. SMAD, Revista Eletrônica Saúde Mental Álcool Drogas (Edição em português), Ribeirão Preto, v. 17, n. 1, p. 48-57, 2021.  

13. MALTA, D. C. et al. Mudanças no uso do tabaco entre adolescentes brasileiros e fatores associados: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. Ciência & Saúde Coletiva, v. 29, n. 9, p. e08252023, 2024.

14. MALTA, D. C. et al. O uso de cigarro, narguilé, cigarro eletrônico e outros indicadores do tabaco entre escolares brasileiros: dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2019. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 25, p. e220014, 2022.

15. MARROCCO, A. et al. E-cigarette vaping associated acute lung injury (EVALI): state of science and future research needs. Critical Reviews in Toxicology, v. 52, n. 3, p. 188–220, 2022.

16. MORAIS, É. A. H. et al. Fatores individuais e contextuais associados ao tabagismo em adultos jovens brasileiros. Ciência & Saúde Coletiva, v. 27, n. 6, p. 2349–2362, 2022.

17. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Tobacco, 2023. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/tobacco. Acesso em: 3 mar. 2025.

18. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Tobacco: e-cigarettes, 2024. Disponível em: https://www.who.int/news-room/questions-and-answers/item/tobacco-e-cigarettes. Acesso em: 1 mar. 2025.

19. QASIM, H. et al. Impact of Electronic Cigarettes on the Cardiovascular System. Journal of the American Heart Association, v. 6, n. 9, 2017.

20. SCHOLZ, J. R. et al. Posicionamento da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre o Uso de Dispositivos Eletrônicos para Fumar – 2024. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 121, p. e20240063, 2024.

21. SILVA, C. L. C. A. et al. Effects of electronic cigarette aerosol exposure on oral and systemic health. Biomedical Journal, v. 44, n. 3, 2020.

22. SONEJI, S. et al. Association Between Initial Use of e-Cigarettes and Subsequent Cigarette Smoking Among Adolescents and Young Adults. JAMA Pediatrics, v. 171, n. 8, p. 788–797, 2017.

23. SUSSMAN, M. A. VAPIng into ARDS: Acute respiratory distress syndrome and cardiopulmonary failure. Pharmacology & Therapeutics, v. 232, p. 108006, 2021.

24. TEIXEIRA, L. A.; JAQUES, T. A. Legislação e controle do tabaco no Brasil entre o final do século XX e início do XXI. Revista Brasileira de Cancerologia, v. 57, n. 3, p. 295-304, 2011.

25. TITUANA, N. Y. et al. E-cigarette use-associated lung injury (EVALI). Pneumologie, v. 78, n. 1, p. 58-69, 2023.

26. TRAVASSOS, C. C. A.; FLISTER K. F. T. Lesão pulmonar induzida pelo uso excessivo de cigarros eletrônicos: toxicantes envolvidos e mecanismos fisiopatológicos. Vigilância Sanitária em Debate, v.12: e02292, 2024.

27. TRUCCO, E. M. et al. Electronic Cigarette Use Among Youth: Understanding Unique Risks in a Vulnerable Population. Current Addiction Reports, v. 7, n. 4, p. 497–508, 2020.

28. TSAI, Muchun; MALLAMPALLI, Rama K. E-Cigarette or Vaping Product Use-associated Lung Injury: opportunities and challenges. American Journal Of Respiratory Cell And Molecular Biology, v. 62, n. 3, p. 397-398, 2020.

29.  WERNER, A. K. et al. Hospitalizations and Deaths Associated with EVALI. New England Journal of Medicine, v. 382, n. 17, p. 1589–1598, 2020.

30. WINNICKA, L.; SHENOY, M. A. EVALI and the Pulmonary Toxicity of Electronic Cigarettes: A Review. Journal of General Internal Medicine, v. 35, n. 7, p. 2130–2135, 2020.