DO REGIME DE TELETRABALHO PREVISTO NA REFORMA TRABALHISTA E ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI 14.442/2022;

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7087039


Autor:
Marcelo Scarin Jantorno, advogado trabalhista inscrito na OAB/SP n.º 316.240 com ampla experiência na área, tendo atuado em escritórios de renome na capital do Estado de São Paulo, atualmente com banca própria.
Pós graduado em direitos humanos e direito tributário


Resumo: O presente artigo busca demonstrar as reformas legislativas sobre o teletrabalho e sua críticas perante o ordenamento.

Abstract: This article seeks to demonstrate the legislative reforms on telework and their criticisms of the legal system.

Keyword: Reforma Trabalhista – MP 1.108/2022 – Lei n.º. 14.442/2022 – teletrabalho.

DO REGIME DE TELETRABALHO PREVISTO NA REFORMA TRABALHISTA E ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI N.º. 14.442/2022

1 – Introdução

Foi criado pela reforma trabalhista um capítulo próprio para regulamentar as situações denominadas “teletrabalho”. A expressão “teletrabalho” não é mais um conceito meramente doutrinário. Foi conceituada na nova legislação como “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”. [1]

Este ponto da reforma trabalhista parece ter se inspirado no Código de Trabalho português, que define o teletrabalho como “a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa por meio de ferramentas de tecnologia de informação e de comunicação”.

2 – Do Teletrabalho e das alterações da Lei 14.442/2022

O instituto foi inserido no ordenamento laboral nos artigos 75-A a 75-F da CLT. Todavia, com o passar do tempo demandou-se maiores contornos para sanar divergência práticas.

Com isso, o Poder Executivo elaborou a MP 1.108/2022, promovendo uma série de inclusões no texto do art. 75-B da CLT. Recentemente, entrou em vigor a Lei 14.442/2022, ratificando os pontos promovidos pela MP. 1108/2022.

Atualmente, as novas regras incluídas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) são:

  • Os empregadores são dispensados de controlar o número de horas trabalhadas por empregados contratados por produção ou tarefa;
  • A presença do trabalhador no ambiente de trabalho para tarefas específicas, ainda que de forma habitual, não descaracteriza o trabalho remoto;
  • O contrato poderá dispor sobre os horários e os meios de comunicação entre empregado e empregador, desde que assegurados os repousos legais;
  • O uso de infraestrutura e ferramentas digitais pelo empregado fora da jornada não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver acordo;
  • O regime de trabalho também poderá ser aplicado a aprendizes e estagiários;
  • O regime de teletrabalho ou trabalho remoto não se confunde e nem se equipara à ocupação de operador de telemarketing ou de teleatendimento;
  • O empregado admitido no Brasil que pratique teletrabalho fora do país está sujeito à legislação brasileira, exceto em caso de legislação específica ou acordo entre as partes;
  • O empregador não será responsável pelas despesas ao retorno presencial do empregado que mora fora da sede, salvo acordo;
  • Terão prioridade no teletrabalho os empregados com deficiência e com filho ou criança de até quatro anos de idade sob guarda judicial. [2]

3 – Da manutenção (e alargamento) das críticas

À primeira vista, desde a reforma com a inclusão do artigo 75-D da CLT, que se manteve incólume, alguns doutrinadores afirmaram que o empregador poderia transferir ao empregado o custo da manutenção do seu local de trabalho (energia elétrica, mobiliário, equipamentos eletrônicos da residência do trabalhador, computadores necessários ao desempenho dos serviços).

No entanto, essa não parece ser a melhor interpretação e a crítica permanece mesmo com a nova legislação, agora estendida também ao que se prevê no §3º do artigo 75-D da CLT, com relação às despesas de retorno em caso de trabalho fora da sede por opção do empregado.

Pela literalidade do texto a idéia que temos é a de que, obrigatoriamente, as disposições relativas ao reembolso deverão estar previstas em contrato escrito.

Para chegar a essa conclusão, basta que se faça um corte textual com as palavras em destaque: “as disposições relativas ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito”.

Ora, está expresso no texto que o contrato deverá prever a “forma como o reembolso das despesas será efetivado”. Por consectário lógico, obviamente, essas mesmas despesas deverão ser obrigatoriamente reembolsadas.

O contrato deverá prever também quais serão as regras no tocante à “responsabilidade” pela aquisição (quem vai ser o responsável por comprar, se o empregador ou o empregado), manutenção (o empregado ou o empregador dará a devida manutenção nos equipamentos) ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos (do mesmo modo, quem irá fornecer, empregado ou empregador) e, por fim, da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto.

Fato é que, se a compra for efetivada pelo empregado, obrigatoriamente o reembolso deverá ocorrer na forma prevista no contrato (prazo para reembolso, forma de reembolso etc.).

No entanto, há pelo menos uma hipótese na qual o empregado, ao fim e ao cabo, custeará parte dos equipamentos e infraestrutura, qual seja, quando aquelas despesas já forem despesas ordinárias do cotidiano do empregado.

Por exemplo, se ele já for o dono do computador e já arcar com os custos de internet.

Trata-se de despesa ordinária do empregado. Do mesmo modo, se o empregado ordinariamente já possui a infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto ele não deverá ser reembolsado por nada, pois se trata de despesa ordinária.

Essa mesma lógica já vinha sendo seguida por alguns ministros do TST no tocante às despesas com lavagem de uniforme.

Claro que se o empregador exigir uma máquina especial ou uma conexão mais potente ou, até mesmo, outros custos com a infraestrutura como condição necessária ao trabalho, deverá arcar com os custos correspondentes.

Por exemplo, se o empregado possui um computador que, depois de contratado, se revelar insuficiente para as funções (lentidão excessiva, baixa memória, etc.), caso o empregador exija nova máquina, devera custeá-la, exatamente por se tratar de despesa extraordinária.

Da mesma forma, exigências empresariais quanto a determinadas especificações de infraestrutura (como velocidade de internet) deverão ser por ela custeadas, caso ultrapasse o ordinário para aquela determinada região.

Portanto, a existência de qualquer gasto extraordinário com equipamentos tecnológicos, infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto e com despesas arcadas pelo empregado que ultrapasse o limite da despesa ordinária, deverá ser reembolsada. Mas, uma vez inexistentes prejuízos com gastos extraordinários, não há que se falar em indenização, tampouco em transferência dos riscos do empreendimento ao empregado.

Outros infindáveis questionamentos podem surgir quanto ao tema. Imagine-se a hipótese na qual ocorra o “desgaste” na vida útil dos equipamentos tecnológicos e dos objetos que compõe a infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto.

Nesse caso, indaga-se: faz jus o empregado ao ressarcimento material correspondente?

A melhor interpretação parece ser aquela que admite a indenização somente em hipóteses excepcionais, no qual o desgaste se deu muito além do razoavelmente esperado. Fora disso, não há que se falar em prejuízo indenizável.

Não se pode descartar a possibilidade, bastante comum, de a região onde o empregado reside não ser atendida por provedor nas especificações exigidas pelo empregador (por exemplo, se o provedor local somente oferece internet com velocidade reduzida). Nesses casos, não pode ser o futuro emprego instado a custear qualquer equipamento ou despesa a maior para atender aos anseios do empresariado.

É de bom tom que se advirta se eventualmente houver interrupção do trabalho remoto por motivos totalmente alheios a conduta do empregado e, por conseqüência, alguma tarefa deixar de ser cumprida, não pode ele ser penalizado por isso. Trata-se de risco do empreendimento, em todo caso.

Pensar de forma diferente é subverter a lógica de todo o direito do trabalho e solapar o princípio da alteridade, mediante o qual o trabalho se dá por conta alheia e os riscos do empreendimento ficam por conta do detentor do capital.

Necessário ainda chamar a atenção para a reforma do inciso III do artigo 62 da CLT, Inicialmente a Reforma Trabalhista havia excluído do Capítulo do controle de jornada todos empregados que trabalham à distância, através de instrumentos telemáticos ou informatizados, do Capítulo “Da Duração do Trabalho”. Posteriormente, tanto a MP 1.108/2022, confirmado pela novel legislação, detalhou que a exclusão abrange somente aqueles trabalhadores contratados nestas condições e remunerados por produção ou tarefa.

Quanto a este ponto, já possuíamos severas críticas que se mantém, com a possibilidade de argüição de inconstitucionalidade por violação ao art. 07º, XIII da CF/88.

Isso significa que esses trabalhadores, mesmo que controlados, ainda passam a não ter direito às horas extras, intervalo intrajornada, intervalo interjornada, hora noturna e adicional noturno, caso sejam contratados com remuneração por tarefa ou produção.

Faria algum sentido se o texto partisse da premissa que esse tipo de trabalho NÃO é controlado e, por isso, se equipararia ao trabalho externo. Entretanto, ressalta-se que o projeto (art. 75-B da CLT) expressamente afirma que o teletrabalhador NÃO É TRABALHADOR EXTERNO, assumindo por conta disso a possibilidade do controle. E o texto do art. 75-B da CLT, caput, foi mantido.

Não poderia ser diferente, pois com as novas tecnologias é perfeitamente possível o controle, a fiscalização e a mensuração do trabalho executado. Cada vez mais o teletrabalhador é controlado pelos meios tecnológicos, como login/logout, chat, número de toques e/ou atendimento, GPS, telefones, rádios, web câmeras, intranet etc.

E isso independe da modalidade de remuneração, que e mero parâmetro de pagamento. Até porque a quantidade da produção ou tarefa diária pode ser notoriamente superior a 08 horas de trabalho.

O que realmente continua pretendendo a legislação é a mera exclusão de uma determinada classe de trabalhadores submetidos ao controle empregatício do controle da jornada, dos intervalos intrajornada e interjornada. Até mesmo porque as funções que combinam com este tipo de labor são aquelas que mais permitem este tipo de remuneração, como desenvolvimento de software, que pode ser considerada uma tarefa em si, por exemplo.

Seguimos não admitindo tal posicionamento do legislativo. Se o teletrabalhador for controlado, fiscalizado ou seu trabalho puder, de qualquer forma ser mensurado (seja por média de tempo em relação à produção por unidade) e ultrapassar 8h por dia, deve receber as horas extras pelo trabalho, assim como a hora noturna se adentrar o horário noturno. A proposta esbarra na inconstitucionalidade, quando pretende excluir um trabalhador do limite da jornada.

O art. 62, III da CLT merece interpretação restritiva, dada sua excepcionalidade, o que quer dizer que o teletrabalho somente retira os direitos de limitação à jornada quando incompatíveis com o controle. O mero deslocamento territorial não é motivo justificador de jornadas irrestritas.

O que confirma tal argumento é a inalterabilidade do art. 06º da CLT que determina que: “não haverá diferenças entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador ou no domicílio do empregado e o realizado à distância”.

Portanto, sua forma de remuneração não seria suficiente para torná-lo atípico, assim como não o era o mero local ou forma de realização do trabalho.

No mais do mais, o § único do art. 06º da CLT determina que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica aos meios pessoais e direitos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

4 – Conclusão

A sobrevivência constitucional do próprio art. 62 da CLT é justamente a atipicidade do trabalho que impossibilita o controle de jornada. Interpretar extensivamente o art. 62, III, da CLT ao invés de sistematicamente, implica na retirada da eficácia da norma vigente no art. 06º da CLT, o que não pode ocorrer. Portanto, defendemos que somente haverá a exclusão da grande maioria dos direitos atinentes à jornada de trabalho quando o teletrabalho for incompatível com o controle de jornada. [3]

De qualquer forma, vale lembrar que se mantém o direito ao descanso semanal remunerado para estes empregados, posto que é regulado por legislação esparsa – Lei n.º. 605/49 e tem assento constitucional – art. 07, XV da CF/88.

Referência Bibliográfica

[1] BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm;

[2] Agência do Senado, disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/08/03/aprovada-mp-que-regulamentateletrabalho-e-muda-auxilio-alimentacao

[3] Silva, Homero Batista Mateus da – Comentários à Reforma Trabalhista / Homero Batista Mateus da Silva. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017;