DO PLANEJAMENTO DAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES – LEI 14.133/2021

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12694858


Jonnathan Ferreira Pereira; Alexandre Rodrigues de Souza; Damázio Daniel de Lima Santos; Daniel dos Santos Lopes; Natércia da Fonseca Arruda Pereira.


RESUMO

O presente artigo baseia-se nos estudos desenvolvidos no âmbito do Departamento de Administração do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), que contempla o Serviço de Compras (Aquisição e Serviços) da instituição, ao longo dos anos 2022, e 2023, ou seja, antes da revogação da Lei 8.666/2021 e plena eficácia da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – Lei 14.133/2021. Nesse sentido, o artigo apresenta impressões embrionárias acerca dos institutos e procedimentos estabelecidos na nova lei – ainda que tenha sofrido revisão nesta oportunidade – e se restringe ao contexto das rotinas praticadas nas contratações levadas a efeito por aquela Unidade – que integra a administração pública federal – objetivando organizar de maneira sistematizada as etapas e os documentos que compõem o planejamento das contratações públicas que antecedem a elaboração do edital de licitação e do contrato.

Palavras-chave: licitação; planejamento, nova lei de licitações; plano de contratação anual.

ABSTRACT

This article is based on studies developed within the scope of the Administration Department of the Institute of Pharmaceutical Technology (Farmanguinhos/Fiocruz), which covers the institution’s Purchasing Service (Acquisition and Services), throughout the years 2022 and 2023, that is, before the repeal of Law 8,666/2021 and full effectiveness of the New Law on Tenders and Administrative Contracts – Law 14,133/2021. In this sense, the article presents embryonic impressions about the institutes and procedures established in the new law – even though it has been revised on this occasion – and is restricted to the context of the routines practiced in the hiring carried out by that Unit – which is part of the federal public administration – aiming to systematically organize the steps and documents that make up the planning of public contracts that precede the preparation of the bidding notice and the contract.

Keywords: bidding; planning, new bidding law; annual hiring plan.

INTRODUÇÃO

A Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações – NLL), diferente da Lei 8.666/1993, consolidou em seu texto a fase preparatória da licitação, estabelecendo e descrevendo as suas etapas, a sua caracterização e os seus fins pretendidos. Observa-se a ênfase que a lei deu ao planejamento das contratações públicas, uma vez que o consagrou como princípio expresso a disciplinar a matéria, conforme disposto no artigo 5º, da NLL. 

Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

Na nova sistemática estabelecida pela NLL, a governança dos processos de aquisição de bens e fornecimento de serviços, bem como a logística sustentável das contratações ganharam especial relevo. Nesse sentido, a lei confere destaque para a gestão dos riscos e para os controles internos (compliance) dos procedimentos que envolvem toda a contratação, ressaltando a sua preparação. 

A fase preparatória caracteriza-se pelo planejamento, o qual, nos termos da lei, deve compatibilizar-se com o Plano de Contratações Anual (PCA), e com as leis orçamentárias, bem como deve abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que possam interferir nas contratações.  

Dentre os documentos que devem ser elaborados pela Administração na fase preparatória das contratações destacamos aqueles que antecedem e subsidiam a confecção do edital de licitação ou a elaboração dos contratos, nas hipóteses de contratação direta, conforme a seguir:  

(i) Plano de Contratações Anual (PCA);
(ii) Documento de Formalização de Demanda (DFD);
(iii) Análise dos Riscos;
(iv) Estudo Técnico Preliminar (ETP);  
(v) Termo de Referência (TR);  

Tendo em vista o princípio da segregação de funções, consagrado no art. 5º, da NLL, caberá a área requisitante elaborar e registrar nos documentos da fase preparatória, as justificativas técnicas para as contratações, especificando as exigências e o interesse público que se pretende alcançar, bem como identificando um conjunto representativo das soluções existentes no mercado que atendam completamente a sua necessidade, antes de elaborar as especificações técnicas e a cotação de preços. 

Diante disso, é importante evitar eventuais imposições de ordem técnica que restrinjam a competitividade nas licitações ou que deixem de observar, dentre outros, os princípios da razoabilidade e da economicidade, os quais devem pautar todas as contratações públicas.  

Observa-se, ainda, na NLL uma valorização do processo administrativo e dos trâmites internos e anteriores à efetiva contratação, o que é imprescindível para que a Administração promova licitações menos restritivas, mais bem planejadas e eficazes, de modo a atender os fins a que se destina. 

METODOLOGIA DE PESQUISA

A pesquisa caracteriza-se como qualitativa, exploratória e descritiva, utilizando fontes secundárias, incluindo legislação, literatura acadêmica e documentos oficiais, para análise do planejamento das contratações públicas na nova lei de licitações. A coleta de dados envolveu a revisão de decretos e leis, como o Decreto nº 10.947/2022, Instrução normativa nº 58/2022, Instrução Normativa nº 01/2019, Lei nº 8.666/1993 e Lei nº 14.133/2021, além de artigos acadêmicos e relatórios governamentais.

I. O Sistema de Planejamento e Gerenciamento de Contratações (PGC) e o Plano de Contratações Anual (PCA)

O Plano de Contratações Anual (PCA), previsto no inciso VII, do caput do art. 12 da NLL é o documento construído a partir de documentos de formalização de demanda, que consolida as requisições que o órgão ou a entidade planeja contratar no exercício subsequente ao de sua elaboração, cujo fim é proporcionar a racionalização das contratações, garantir o alinhamento com o planejamento estratégico e subsidiar a elaboração das leis orçamentárias.  Pode-se afirmar acerca do PCA que o documento objetiva centralizar as compras, reduzindo os custos processuais, a partir da compreensão da real necessidade da área requisitante.   

Art. 12. No processo licitatório, observar-se-á o seguinte:

VII – a partir de documentos de formalização de demandas, os órgãos responsáveis pelo planejamento de cada ente federativo poderão, na forma de regulamento, elaborar plano de contratações anual, com o objetivo de racionalizar as contratações dos órgãos e entidades sob sua competência, garantir o alinhamento com o seu planejamento estratégico e subsidiar a elaboração das respectivas leis orçamentárias.

No âmbito da União, o Decreto Federal nº 10.947, de 25 de janeiro de 2022, regulamentou o PCA e instituiu o Sistema de Planejamento e Gerenciamento de Contratações (PGC) no Portal de Compras do Governo Federal, ferramenta informatizada integrante da plataforma do Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais (SIASG), disponibilizada pelo Ministério da Economia para elaboração e acompanhamento do plano de contratações anual pelos órgãos e pelas entidades federais.  

O Sistema de Planejamento e Gerenciamento de Contratações (SPGC) foi criado pelo Governo Federal com a publicação da Instrução Normativa nº 1, de 10 de janeiro de 2019, substituída posteriormente pelo Decreto nº 10.947, de 25 de janeiro de 2022.  

Com a implementação do SPGC alterou-se a forma de cadastrar os itens: agora, o requisitante deverá gerar um Documento de Formalização de Demanda (DFD), agrupando vários itens sob uma mesma justificativa e mesma área demandante. Além disso, não é mais obrigatório o cadastro por item (embora continue sendo possível), podendo o requisitante registrar apenas uma classe/grupo de materiais/serviços ou um padrão descritivo, sem individualizar o item.  

Vale destacar que a Unidade deve elaborar, consolidar e aprovar o seu plano de contratações anual, até a primeira quinzena de maio de cada exercício financeiro, o qual conterá todas as contratações que pretende realizar no exercício subsequente, incluídas as contratações diretas por inexigibilidade, dispensa de licitação, caronas (adesões), processos de importação e Intenção de Registro de Preços (IRPs); as contratações que envolvam recursos provenientes de empréstimo ou de doação, oriundos de agência oficial de cooperação estrangeira ou de organismo financeiro de que o País seja parte.   

Para elaboração do PCA, o requisitante deve preencher o DFD com a justificativa da necessidade da contratação, descrição sucinta do objeto a ser contratado, os quantitativos e a estimativa preliminar do valor da contratação, o grau da prioridade da contratação, entre outros aspectos relevantes, constantes do art. 8º do Decreto nº 10.947/2022. Cabe mencionar que as informações devem ser formalizadas no PGC até o dia 1º de abril do ano de elaboração do PCA (art. 10º do Decreto 10.947/2022). 

Ressalta-se que os documentos que formalizam as demandas os quais servirão de base para o PCA poderão, quando necessário, ser remetidos pelo requisitante à área técnica para fins de análise, complementação das informações, compilação de demandas e padronização.  

Caberá ao setor do órgão ou da entidade da administração responsável pelo planejamento, coordenação e acompanhamento das ações destinadas às contratações, consolidar as demandas encaminhadas pelas áreas requisitantes, até 30 de abril do ano de sua elaboração (art. 11º do Decreto 10.947/2022) e encaminhá-lo para aprovação da autoridade competente, adotando antes as medidas necessárias para:  

(i) agregar, sempre que possível, os documentos de formalização de demanda com objetos de mesma natureza com vistas à racionalização de esforços de contratação e à economia de escala;   
(ii) adequar e consolidar o plano de contratações anual, observados os objetivos dispostos no art. 5º do Decreto em referência;
(iii) elaborar o calendário de contratação por grau de prioridade da demanda, consideradas a data estimada para o início do processo de contratação e a disponibilidade orçamentária e financeira.  

Até a primeira quinzena de maio do ano de elaboração do plano de contratações anual, a autoridade competente aprovará as contratações nele previstas, por meio do PGC (art. 12º do Decreto 10.947). 

Durante o ano de sua elaboração, o plano de contratações anual poderá ser revisado e alterado por meio de inclusão, exclusão ou redimensionamento de itens, no período de 15 de setembro a 15 de novembro. (art. 15º do Decreto 10.947). 

II. Documento de Formalização da Demanda (DFD)

Conforme mencionado acima, a Lei nº 14.133/2021 (NLL) afirma, expressamente, em seu art. 12, inciso VII, que, a partir de documentos de formalização de demandas (DFD), os órgãos responsáveis pelo planejamento de cada ente federativo poderão elaborar plano de contratações anual, com o objetivo de racionalizar as contratações dos órgãos e entidades sob sua competência, garantir o alinhamento com o seu planejamento estratégico e subsidiar a elaboração das respectivas leis orçamentárias.  

Nesse contexto, nos termos do art. 18 da NLL, a fase preparatória deve compatibilizar-se com o Plano e Contratações Anual (PCA), o que nos indica que a contratação terá início, de fato, com o recebimento do Documento de Formalização da Demanda (DFD) pela área responsável pelo planejamento, coordenação e acompanhamento das ações destinadas às contratações. 

Assim, o DFD deverá ser o primeiro documento a ser elaborado pela área requisitante da solução, sendo o instrumento através do qual, em regra, se inicia o processo de contratação, seja por licitação ou por contratação direta, tendo em vista que a obrigatoriedade da sua elaboração consta expressamente do art. 72, inciso I, que trata da instrução processual nas contratações diretas. Observa-se que a NLL inovou e incluiu em seu texto a exigência da criação do DFD previamente à elaboração do Plano de Contratação Anual (PCA), de modo a subsidiar a sua confecção.  

Art. 72. O processo de contratação direta, que compreende os casos de inexigibilidade e de dispensa de licitação, deverá ser instruído com os seguintes documentos:

I – documento de formalização de demanda e, se for o caso, estudo técnico preliminar, análise de riscos, termo de referência, projeto básico ou projeto executivo;

Dessa forma, a NLL refere-se a dois momentos distintos nos quais a Administração deverá utilizar o DFD: o primeiro deles é previamente ao PCA, como subsídio para a sua formação e, após, como sendo o primeiro documento para instrução do processo de contratação, seja para aquisição de bens, prestação de serviços e obras, por licitação ou contratação direta. 

Compete à área requisitante o preenchimento do DFD no Sistema de Planejamento e Gerenciamento de Contratações (PGC), no Portal de Compras do Governo Federal (compras.gov.br), com as informações referidas no art. 8º do Decreto Federal nº 10.947, de 25 de janeiro de 2022. 

O DFD deverá ser formalizado no PGC até o dia 1º de abril do ano de elaboração do plano de contratações anual para que o setor do órgão ou da entidade da administração responsável pelo planejamento, coordenação e acompanhamento das ações destinadas às contratações consolide as informações das contratações no PCA e elabore o calendário anual de contratações. Após, é necessário que uma cópia do documento seja inserida no processo administrativo de contratação, dando início à fase interna da contratação em si.

Devem constar do DFD, obrigatoriamente, as seguintes informações:  (i) justificativa da necessidade da contratação; (ii) descrição sucinta do objeto; (iii) quantidade a ser contratada, quando couber, considerada a expectativa de consumo anual; (iv) estimativa preliminar do valor da contratação, obtida por meio de procedimento simplificado, de acordo com as orientações da Secretaria de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia – SEDGG; (v)  indicação da data pretendida para a conclusão da contratação, a fim de não gerar prejuízos ou descontinuidade das atividades do órgão ou da entidade; (vi) grau de prioridade da compra ou da contratação em baixo, médio ou alto, de acordo com a metodologia estabelecida pelo próprio órgão ou pela entidade contratante; (vii) indicação de vinculação ou dependência com o objeto de outro documento de formalização de demanda para a sua execução, com vistas a determinar a sequência em que as contratações serão realizadas; e (viii) nome da área requisitante ou técnica com a identificação do responsável. 

O DFD é documento de suma importância, já que é o primeiro ato que impulsionará todo o procedimento administrativo que culminará em uma contratação.

III. Estudos Técnicos Preliminares

O Estudo Técnico Preliminar (ETP) é o documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação, onde se caracteriza o interesse público envolvido e a sua melhor solução, bem como serve de base ao anteprojeto, ao termo de referência e ao projeto básico, quando cabível, a serem elaborados, caso se conclua pela sua viabilidade (art. 6º, XX, da NLL).  

Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:

XX – estudo técnico preliminar: documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação que caracteriza o interesse público envolvido e a sua melhor solução e dá base ao anteprojeto, ao termo de referência ou ao projeto básico a serem elaborados caso se conclua pela viabilidade da contratação;

O ETP conjuga elementos de planejamento, dentre os quais destaca-se, o estudo e a análise das soluções disponíveis no mercado com potencial para atender a necessidade administrativa que se almeja atender com a contratação, a indicação dos requisitos da contratação e a demonstração dos resultados pretendidos, em especial quanto à economicidade.  

A Instrução Normativa nº 58, SEGES de 08 de agosto de 2022, regulamentou o tema, dispondo acerca da elaboração dos Estudos Técnicos Preliminares e sobre o Sistema ETP digital, para a aquisição de bens e a contratação de serviços e obras, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.  

A partir do ETP é que se verifica a viabilidade técnica, socioeconômica e ambiental da contratação pretendida. Ademais, o ETP deverá estar alinhado com o Plano de Contratações Anual e com o Plano Diretor de Logística Sustentável, além de outros instrumentos de planejamento da Administração, sendo elaborado conjuntamente por servidores da área técnica requisitante ou, quando houver, pela equipe de planejamento da contratação. 

Com o fito de garantir que o interesse público seja atendido satisfatoriamente, o art. 18, inciso I, da NLL trouxe expressamente a descrição da necessidade da contratação (justificativa de necessidade) como principal conteúdo do estudo técnico preliminar, enquanto o art. 9º, da mencionada IN 58/2022 foi além e estabeleceu os elementos que o integram a serem registrados no Sistema, conforme representação gráfica abaixo: 

A depender da complexidade do objeto da contratação, excepcionalmente, o ETP poderá não contemplar todos os elementos acima elencados previstos nos incisos I, V, VI, VII e XIII do caput do art. 9º da IN 58/22, no entanto, deverá conter no mínimo as informações constantes dos quadros em fundo azul representados na imagem colacionada acima. Nesta hipótese, caberá ao responsável pela sua elaboração apresentar as devidas justificativas para que o ETP não contenha todos os elementos estabelecidos na Instrução Normativa. 

Além disso, tendo em vista que um dos objetivos do Sistema ETP Digital é viabilizar a integração entre as unidades administrativas usuárias da ferramenta, ele possibilita que os órgãos e entidades possam acessar contratações similares, com o objetivo de identificar a existência de novas metodologias, tecnologias ou inovações que melhor atendam às necessidades da Administração. O Sistema ETP Digital dispõe, ainda, de indicadores de performance, destacando os ETP cujas contratações tiveram as maiores avaliações de desempenho do contratado. 

Com o intuito de promover uma maior participação social na tomada de decisão para a resolução do problema, há possibilidade de se realizar audiência e/ou consulta pública, preferencialmente na forma eletrônica, para coleta de contribuições e levantamento de informações. 

O ETP deve ser confeccionado pelos órgãos e entidades federais no Sistema ETP Digital – SIASG, disponibilizado pela Secretaria de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do

Ministério da Economia, sendo acessado no sítio eletrônico: www.gov.br/compras. O referido sistema é de uso obrigatório pelos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Serviços Gerais (SISG). 

A elaboração do ETP é obrigatória, em regra, e dispensável apenas nas hipóteses expressamente previstas no art. 14, da IN nº 58/2022. 

No caso específico das aquisições no âmbito da instituição que atuo, em virtude da necessidade do agrupamento dos materiais, com vistas a evitar o fracionamento de despesas, o agrupamento dos itens será realizado pelo Serviço de Compras, não sendo possível que o requisitante, no momento de elaboração do carrinho de compras, dispense a elaboração do ETP, com base na definição prévia da contratação por dispensa de licitação, nos termos do art. 75, II da Lei 14.133/2021.

Cabe mencionar que a IN SEGES nº 58/2022 inovou ao mencionar expressamente a possibilidade de se considerar soluções inovadoras para o interesse público que se pretende atingir, principalmente, as menos onerosas à Administração, tais como chamamentos públicos de doação e permutas.  

IV. Gerenciamento de Risco

Com a Lei nº 14.133/2021 (NLL), se manteve a importância de se realizar a gestão de riscos, conforme previsão expressa no art. 11, parágrafo único.  

Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos:

Parágrafo único. A alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no caput deste artigo, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações.

Risco pode ser definido como um evento futuro, seja ele positivo ou negativo, associado à determinada probabilidade de se verificar um impacto.     

Em se tratando de planejamento de contratações, a gestão de riscos assume importante relevância, devendo ser feita, necessária e principalmente por duas razões:

) Para aumentar a chance de sucesso no futuro de determinado processo de contratação (desde a realização do pregão até a execução contratual), deve-se identificar e tratar as situações que podem impactar o resultado desse processo em todas as suas fases, podendo ser constantemente atualizado.  

2°) Para priorizar as ações de gestão, afinal, qualquer organização lida com recursos escassos e não se pode fazer gestão sem priorização: os riscos tratados são aqueles que detêm maior combinação de probabilidade de ocorrência e de impacto, caso se concretizem.    

A Gestão de riscos pode ser dividida em cinco etapas sucessivas:    

1ª) Identificaçãodos eventos, externos ou internos, que possam impactar os objetivos de determinado processo.  

2ª) Avaliação e determinação do efeito potencial do risco, ou seja, o grau de exposição da organização àquele risco e a capacidade, bem como o preparo para administrá-lo.  

3ª) Tratamentodas situações, definindo quais ações podemos adotar para que os riscos priorizados sejam eliminados, transferidos ou mitigados.   

4ª) Implementação do tratamento delineado na etapa anterior, capitaneada por estruturas e/ou gestores previamente definidos.  

5ª) Monitoramento, ou seja, controle periódico da implementação, a fim de se verificar o avanço fático no tratamento dos riscos inaceitáveis. 

No contexto do planejamento, o documento que materializa o gerenciamento de riscos é denominado Mapa de Riscos, tendo sido implementada a necessidade da sua feitura previamente a instrução do processo de compras. Já em se tratando de serviços, foram elencados modelos mais abrangentes, trazendo “causas” que possam evidenciar os eventos e consequências para uma melhor gerência dos riscos oriundos da contratação almejada; diferentemente da IN nº 05/2017, que trazia modelos mais simplificados.  

A elaboração do mapa de risco é obrigatória no formato digital, no módulo de Gestão de Riscos Digital. Além disso, por oportuno, menciono que o dever de realizar a gestão de riscos também se aplica ao PCA, mediante elaboração de um “relatório de gestão de riscos do Plano de Contratações Anual”. O documento deve traduzir as etapas de identificação, avaliação e proposição de tratamento dos riscos e as ações previstas devem ser executadas e monitoradas pelo órgão ou entidade.

V. Termo de Referência

A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLL) – Lei 14.133/2021, diferentemente da legislação anterior, definiu expressamente a diferença entre os instrumentos de projeto básico e termo de referência, trazidos no art. 6º incisos XXIII e XXV, in verbis: 

Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:

XXIII – termo de referência: documento necessário para a contratação de bens e serviços, que deve conter os seguintes parâmetros e elementos descritivos:

XXV – projeto básico: conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado para definir e dimensionar a obra ou o serviço, ou o complexo de obras ou de serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegure a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução…”

O conceito de Projeto Básico apresentado no novel diploma (NLL), se relaciona apenas a obras e serviços de engenharia, enquanto, o instituto do termo de referência é empregado nas contratações de bens e serviços em geral.

É mister registrar que não há compatibilidade entre o Termo de Referência definido o inciso XXIII, da Lei 14.133/2021 e o disposto no Decreto nº 10.024/2019, que regulamentava a licitação, com base na revogada Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002.

Dessa forma, o documento, juntamente com o edital, e na condição de seu anexo obrigatório, fixa os parâmetros de seleção do fornecedor, e das condições da futura contratação será o Termo de Referência (TR), cuja elaboração compete à área técnica e requisitante, apoiada pela sua equipe de planejamento da contratação.  

Diante disso, nas hipóteses de compras (contratação de bens) e de serviços em geral, o TR deverá estar presente também nos processos de contratação direta, que compreendem os casos de inexigibilidade e de dispensa de licitação.  

Acerca do conteúdo do TR, o art. 6º, XXIII, da NLL, elenca os seguintes parâmetros e elementos que devem, obrigatoriamente, constar do documento:  

i) definição do objeto, incluídos sua natureza, os quantitativos, o prazo do contrato e, se for o caso, a possibilidade de sua prorrogação; 
ii) fundamentação da contratação, que consiste na referência aos estudos técnicos preliminares correspondentes;
iii) descrição da solução como um todo, considerado todo o ciclo de vida do objeto;  
iv) requisitos da contratação;
v) modelo de execução do objeto, que consiste na definição de como o contrato deverá produzir os resultados pretendidos desde o seu início até o seu encerramento;
vi) modelo de gestão do contrato, que descreve como a execução do objeto será acompanhada e fiscalizada pelo órgão ou entidade;
vii) critérios de medição e de pagamento;
viii) forma e critérios de seleção do fornecedor;
ix) estimativas do valor da contratação, acompanhadas dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, com os parâmetros utilizados para a obtenção dos preços e para os respectivos cálculos, que devem constar de documento separado e classificado;
x) adequação orçamentária.

A NLL estabelece, ainda, em seu art. 40, § 1º, além dos elementos acima, que TR deverá conter: I – especificação do produto, preferencialmente conforme catálogo eletrônico de padronização, quando for o caso, complementar a especificação de forma detalhada, observados os requisitos de qualidade, rendimento, compatibilidade, durabilidade e segurança; II – indicação dos locais de entrega dos produtos e das regras para recebimentos provisório e definitivo, quando for o caso; III – especificação da garantia exigida e das condições de manutenção e assistência técnica, quando for o caso. 

A fim de regulamentar o TR, foi editada a Instrução Normativa SEGES/ME nº 81, de 25 novembro de 2022, a qual dispõe sobre a elaboração do TR no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e sobre o Sistema TR Digital. 

Dessa forma, estabeleceu-se que o TR deverá ser elaborado no Sistema TR Digital, observados os procedimentos estabelecidos no manual técnico operacional, disponibilizado para operacionalização no endereço eletrônico 

Contudo, até a completa disponibilização do Sistema TR Digital, o órgão ou entidade poderá utilizar outra ferramenta para o processo de contratação no sistema informatizado de controle e movimentação de processos administrativos eletrônico oficial (SEI).  

É importante destacar que, no âmbito de Farmanguinhos, para aquisições de bens, assim como ocorre em compras/serviços, em razão da necessidade de se promover o agrupamento de itens, o TR elaborado pela área técnica requisitante é inserido como anexo ao seu carrinho de compras (carrinho de compras A).  

Assim, ao ser recepcionado pelo Serviço de Planejamento e Agrupamento de Suprimentos (SPAS), os TR de cada área requisitante são consolidados em um único documento, com as devidas justificativas para a contratação, o que gera um novo carrinho (carrinho de compras B), com a minuta de um único TR consolidada. Apenas após isto a minuta do TR segue para ser utilizada como subsídio para a pesquisa de preços. Uma vez realizada a pesquisa de mercado, a versão final do TR, devidamente consolidada e já contendo a estimativa de valor da contratação, segue, finalmente, para assinatura de todos os requisitantes envolvidos. 

Vale ressaltar que a Advocacia-Geral da União disponibiliza modelos de TR que devem ser utilizados como parâmetro pela Administração Pública federal, conforme link  Modelos de Licitações e Contratos — pt-br (www.gov.br), devendo o responsável pela elaboração do documento atentar-se para que toda a fundamentação legal citada no TR seja a da NLL e não mais das Leis 8.666/1993 e 10.520/2002.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo analisou aspectos importantes da Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), destacando as novas diretrizes por ela estabelecidas, bem como enfatizando a fase preparatória das contratações públicas e os documentos que antecedem a publicação do edital e a assinatura do contrato. 

Sobretudo, ressalta-se a ênfase na modernização dos procedimentos – agora com maior integração, através dos sistemas digitais – no planejamento, na governança e na segregação de funções, com a valorização dos trâmites administrativos e preparatórios das contratações públicas, essenciais para promover processos menos restritivos, mais bem planejados, eficazes e alinhados aos objetivos públicos.

Esses elementos refletem uma mudança significativa na forma como as contratações são planejadas e conduzidas no Brasil, visando maior eficiência, publicidade, transparência e sustentabilidade nos processos de contratação pública.

Referências bibliográficas:

ACHE, Andrea; FENILI, Renato. A lei de licitações e contratos: visão sistêmica: das licitações planejamento e seleção do fornecedor: arts 1-71 – 1ª ed. – Guarulhos, SP: Format Comunicação Gráfica e Editora, 2022.

BRASIL. Lei de nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Brasília, DF, 01 abr. 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm. Acesso em 26.06.2024.

Instrumento de padronização dos procedimentos de contratação – Brasília: Advocacia-Geral da União: Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, 2023. Disponível em instrumento-de-padronizacao-dos-procedimentode-contratacao-agu-fev-2024.pdf (www.gov.br). Acesso em 21.06.2024.

Orientações sobre o relatório de gestão de riscos do Plano de Contratações Anual – PCA. Disponível em 37. Orientações sobre o relatório de gestão de riscos do Plano de Contratações Anual – PCA — Portal de Compras do Governo Federal (www.gov.br) . Acesso em 21.06.2024.

TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Públicas Comentadas – 14ª ed., rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Juspodium, 2023.