DO ABUSO NA COBRANÇA DA TAXA DE CONVENIÊNCIA DE INGRESSOS PARA EVENTOS CULTURAIS

ABUSE IN COLLECTING THE CONVENIENCE FEE FOR TICKETS FOR CULTURAL EVENTS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8229400


Giovanna Thais dos Santos Marouf


Resumo

Com o advento da tecnologia, o comércio e as transações comerciais passaram a ser também palco do ambiente virtual. Dentre o comércio realizado, a venda de ingressos de eventos culturais passou a ser realizada de forma online – e não exclusivamente presencialmente. Com esta mudança, houve outras modificações sobretudo nas relações de consumo, refletindo no Código de Defesa do Consumidor, já que, a partir deste momento, o valor de aquisição dos ingressos se faz acrescida pela  cobrança de taxa de conveniência que corresponde a até 20% do valor do ticket vendido, já que, segundo as empresas produtoras do evento, a referida taxa corresponde ao conforto e à facilidade que o consumidor possui ao adquirir os ingressos independentemente da onde esteja. Ocorre que a cobrança da taxa de conveniência , apesar de trazer mais lucro aos fornecedores de ingresso e propiciar facilidades ao consumidor, parece caracterizar prática comercial abusiva, sob a modalidade de venda casada, como prescrita pelo Código de Defesa do Consumidor.

Abstract

With the advent of technology, commerce and commercial transactions also became the stage of the virtual environment. Among the commerce carried out, the sale of tickets for cultural events began to be carried out online and not exclusively in person. With this change, there were other changes, especially in consumer relations, reflected in the Consumer Defense Code, since, from that moment on, tickets sold are accompanied by a convenience fee that corresponds to up to 20% of the ticket value. sold, since, according to the companies producing the event, the said rate corresponds to the comfort and ease that the consumer has when purchasing tickets, regardless of where they are. It so happens that the convenience fee brought many discussions about the legality of its collection, since, despite bringing more profit to ticket providers and providing facilities to the consumer, it is linked to an abusive practice of tying sales prescribed in the Code of Consumer Defense.

Keywords: Brazilian consumer relations. Consumer Defense Code, Abusive practice of tying sales.

1. Introdução:

O presente artigo tem como escopo a análise da legalidade das taxas de conveniência aplicadas na aquisição de ingressos online para eventos sociais. Antigamente, os consumidores enfrentavam desgastantes experiências ao depararem-se com extensas filas para a compra de ingressos destinados a atividades culturais, tais como cinema, shows e peças de teatro, ou qualquer outra forma de evento social. No entanto, com o advento da tecnologia, a modalidade presencial de filas foi substituída pelas filas virtuais, objetivando salvaguardar a vulnerabilidade do consumidor.

A mudança para o ambiente online conferiu aos consumidores a possibilidade de adquirir seus ingressos de forma virtual, no conforto de seu lar ou em qualquer local conectado a um dispositivo móvel. Esse cenário trouxe benefícios ao consumidor, uma vez que evitou a exposição a filas intermináveis e a necessidade de se deslocar por longas distâncias até os pontos de venda físicos, bem como reduziu a probabilidade de constrangimentos eventualmente enfrentados durante esse processo de decisão da compra.¹

O tema central da discussão abordada neste artigo é a legalidade das taxas de conveniência que são acrescidas ao valor dos ingressos no momento da compra online. A abordagem busca analisar a validade jurídica dessa prática e considera as perspectivas tanto dos consumidores quanto das empresas responsáveis pela comercialização dos ingressos.

Nesse sentido, serão examinados aspectos relevantes, como os fundamentos legais que embasam a cobrança de tais taxas, bem como as normas e regulamentações vigentes no âmbito do comércio eletrônico e proteção do consumidor. Ademais, serão considerados os impactos econômicos e sociais decorrentes dessa prática, a fim de proporcionar uma compreensão mais abrangente do tema em discussão.

Em conclusão, o presente estudo tem por finalidade lançar luz sobre a questão da legalidade das taxas de conveniência na compra de ingressos online para eventos sociais, contribuindo para um melhor entendimento do assunto e incentivando debates que possam subsidiar a formulação de políticas públicas e práticas comerciais mais justas e transparentes nesse setor.

Conceito de Fornecedor e Consumidor à Luz do Código de Defesa do Consumidor:

Atualmente, o Código de Defesa do Consumidor conceitua o fornecedor e o consumidor da seguinte maneira:

“Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”

No caso da pauta do presente artigo, relaciona-se ao tema, o conceito de consumidor trazido pelo artigo 29 do Código de Defesa do Consumidor, referente a todas pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. Neste caso, independemente do consumidor ter sido alvo da prática abusiva, ele terá seu direito garantido.

Desta forma, aqueles que usufruem do ingresso são considerados como destinatários finais e aqueles que comercializam os ingressos são pessoas física ou jurídicas (públicas ou privadas) que realizam a comercialização dos tickets.

Na importância de definição de consumidor, Humberto Theodoro Jr, define “É certo que vivemos em uma sociedade de consumo, onde as relações jurídicas são travadas em massa, por meio de contratos de adesão, previamente elaborados pelos fornecedores, sem qualquer possibilidade de negociação por parte do consumidor. Cabe a este, portanto, apenas aderir ou não ao instrumento que lhe é apresentado. Essa situação o coloca numa posição de evidente vulnerabilidade, justificando a proteção especial que o Código de Defesa do Consumidor lhe confere. Eis o motivo pelo qual a conceituação de consumidor torna-se de extrema relevância.” (JR. THEODORO, 2020, p. 6).²

2. Razão pela cobrança da taxa de conveniência:

Com o investimento em tecnologia e segurança, as empresas tiqueteiras proporcionaram comodidade aos consumidores que economizaram tempo e deslocamento para usufruírem de ingressos que lhe proporcionarão experiências futuras em eventos sociais.

Ocorre que, em vista do papel do fornecedor, os mesmos entendem que essa “comodidade” proporcionada aos usuários custa um preço, que seria a taxa de conveniência, valor cobrado a parte do valor integral do ingresso para custear o serviço prestado e a comodidade proporcionada, não incluído, necessariamente, frete de entrega do produto fornecido.

Assim, as taxas de conveniências cobradas encarecem os produtos ofertados quando comparado as vendas presenciais em que este valor não é cobrado.

Ocorre que, tal valor é pago em desagrado dos consumidores, os quais relutam na justiça brasileira pela proibição em sua cobrança, pauta que é muito discutida atualmente acerca de qual seria o entendimento na esfera jurídica sobre o tema.

Esta pauta foi discutida pelo STJ, conforme será exposto no presente artigo, argumentando que a taxa de conveniência atrela, segundo a visão do fornecedor, comodidade ao consumidor, mas na verdade, gera desequilíbrio contratual, pois a venda de ingresso é uma atividade de risco que deve ser assumida pelo empresário, enquanto que o consumidor está sujeito a venda casada e ao limite a sua liberdade de escolha.

3. A Livre Iniciativa:

A empreender uma análise jurídica da presente pauta, faz-se mister examinar os aspectos legais e normativos, tal qual a Constituição Federal Brasileira entende que a Livre Iniciativa é um princípio fundamental norteador da Ordem Econômica, de forma que, em seu artigo primeiro, que a República Federativa do Brasil, constituída pela união dos Estados, Municípios e Distrito Federal formam o Estado Democrático de Direito que possui uma série de princípios dentre eles o de Valores Sociais e da Livre Iniciativa.

Logo, com base neste artigo, sob ótica das empresas, as mesmas podem auferir lucro na sua atividade e serviço prestado, possuindo liberdade de precificar pelo produto ou serviço prestado com o objetivo de empreender.

Sob a ótica dos consumidores, o Código de Defesa do Consumidor foi criado em 1990 por determinação da nossa Constituição Federal como forma de preencher eventuais lacunas, protegendo o consumidor vulnerável das relações consumeristas, criando uma série de princípios que defendem a saúde e segurança, o respeito à dignidade, a proteção dos interesses econômicos, a melhoria na qualidade de vida e transparência nas relações de consumo.³

O conceito de livre iniciativa é pautado por um princípio social e econômico, o qual defende a liberdade das pessoas e empresas para empreenderem, produzirem, comercializarem bens e prestarem serviços sem a interferência do governo, incentivando o crescimento econômico.

Os limites que são impostos à livre iniciativa por conta dos Direitos Fundamentais seriam, majoritariamente, os próprios consumidores, já que, conforme Constituição Federal, sendo, portanto um limite a livre iniciativa, o Código de Defesa do Consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor se mostra como um limite à livre iniciativa, já que, o fornecedor não pode tomar qualquer iniciativa sem antes respeitar os limites dos consumidores, que devem ser protegidos de direitos abusivos e vulnerabilidades, tratando-se de uma liberdade não absoluta, tendo o fornecedor o risco da atividade, pois o mesmo poderá exercer qualquer atividade, mas esta causar dano ao consumidor, será o fornecedor que arcará com os danos sofridos.

4. Prática Abusiva prevista no CDC: Venda Casada

Dentre os princípios e conceitos que o Código de Defesa do Consumidor traz consigo, conceitua-se a venda casada em seu artigo 39, I, prática abusiva que atrela o fornecimento de um produto ou serviço a outro que é vendido separadamente, compelindo o consumidor a aceitá-lo em razão da sua vulnerabilidade, tratando-se, portanto, de uma imposição, pelo fornecedor ao consumidor, da contratação indesejada de um intermediário escolhido pelo fornecedor, cuja participação na relação negocial não é obrigatória.4

Ao ser disponibilizado a venda de ingressos de um evento por intermédio de uma única tiqueteira, restringe e limita o consumidor que tem de se submeter aos valores e taxas ofertados por ela, não obrigando o consumidor a consumir o produto/serviço, mas limitando-o que adquira através de outro local.

Desta maneira, quando se aborda sobre “venda de ingressos”, trata-se de um risco da atividade empresarial a qual visa lucro, de forma que, a venda do ingresso ao consumidor final corresponde à fase principal da cadeia produtiva, determinando o sucesso ou não do negócio, de forma que, a venda pela internet atinge um número maior de pessoas do que presencialmente, beneficiando os fornecedores, pelos quais recebem o retorno do investimento realizado e atingem um público muito maior do que antigamente.

Assim, o praticas comerciais abusivas são todas aquelas relacionadas ao abuso do direito, havendo o uso irregular e desviante do direito em seu exercício pelo seu titular. Vinculam-se as ações realizadas por empresas que violam os direitos, colocando o consumidor em situação de desvantagem, induzindo o mesmo ao erro ou engano ao adquirir produtos/serviços. Estas ações são consideradas ilícitas, independentemente do consumidor ser lesado ou não.

Conforme jurisprudência e doutrina, práticas abusivas envolvem exigências de vantagens excessivas dos consumidores, aplicação de fórmulas de reajuste diferentes do que foi inicialmente contratado, repasse de informações depreciativas, entrega de produtos e serviços aos consumidores sem ocorrências de solicitações, recusa ao atendimento às demandas dos consumidores e etc.

Abaixo há uma jurisprudência sobre o tema, discutindo o objeto do presente artigo e demonstrando a ocorrência de uma prática abusiva de venda casada:

  “JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. DIREITO DO CONSUMIDOR. VENDA DE INGRESSOS ONLINE. TAXA DE CONVENIÊNCIA. INDEVIDA. ÚNICA FORNECEDORA. TAXA DE ENTREGA. INDEVIDA. ENVIO DOS INGRESSOS POR E-MAIL. SEM CUSTO. COBRANÇA INDEVIDA. DEVOLUÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Ação de repetição de indébito, na qual a parte ré interpôs recurso inominado contra a sentença que julgou procedente o pedido inicial para lhe condenar a devolver aos autores a quantia de R$356,00 (trezentos e cinquenta e seis reais).  2. A parte autora argumenta na inicial que adquiriu 2 (dois) ingressos pelo preço de R$ 1.028,00 (um mil e vinte e oito reais), através do site da requerida (www.ticketsforfun.com.br). Afirma que depois de finalizar a compra notou-se a cobrança abusiva e indevida referente ao pagamento de taxa de conveniência, no valor de 20% de cada ingresso, totalizando R$ 170,00 (cento e setenta reais) e de taxa de entrega no valor de R$ 8,00 (oito reais). Alega que a taxa de entrega refere-se a um e-ticket, ou seja, o envio de um simples e-mail com os ingressos de forma eletrônica no formato PDF para a impressão por parte do cliente. 3. Nas suas razões recursais, a parte ré discorre sobre a legalidade da cobrança da taxa de conveniência e afirma que não cabe repetição do indébito. Por fim, pugna pelo provimento recursal. Contrarrazões apresentadas. 4. A venda do ingresso é a parte típica e essencial do negócio, risco da própria atividade empresarial que visa o lucro e integrante do investimento do fornecedor. Ademais, a compra realizada através de site não pode ser considerada uma mera conveniência, visto que, na prática, é considerável a aquisição de ingressos por esse meio, diante dos inúmeros benefícios em relação à compra presencial. 5. Posto isso, entende-se que a cobrança de taxa de conveniência é a transferência ao consumidor de parcela considerável do risco do empreendimento, considerando-se que os custos com a venda dos ingressos devem ser arcados pelos próprios fornecedores, além das enormes vantagens à produtoras e promotoras do evento cultural, já que conseguem alcançar número muito maior de interessados se comparado à venda presencial, em espaço de tempo e custo muito menor. 6. Além disso, nota-se nos autos que a ré era a única fornecedora dos ingressos, virtuais e físicos, para o evento musical, inexistindo outra possibilidade de escolha para aquisição, com mais de uma opção de venda online, além de estrutura suficiente nas vendas presenciais, limitando a liberdade de escolha dos consumidores, configurando abuso na venda de ingressos mediante o pagamento de taxa de conveniência. Precedente: (STJ. 3ª Turma. REsp 1.737.428-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/03/2019 (Info 644).). 7. Quanto à taxa de entrega, não houve custos à empresa que justificasse tal valor, visto que os ingressos foram encaminhados ao e-mail dos autores, sendo indevida a cobrança. 8. Por fim, verifica-se a presença dos três requisitos (parágrafo único do artigo 42 do CDC) para devolução em dobro, a saber: que a cobrança realizada tenha sido indevida, que haja o efetivo pagamento pelo consumidor e que não tenha ocorrido engano justificável. 9. Recurso da parte ré conhecido e não provido. Sentença mantida por seus próprios fundamentos. 10. Condenada a parte recorrente ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios em favor do patrono da parte recorrida, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. 11. Acórdão elaborado de conformidade com o disposto nos artigos 46 da Lei 9.099/1995.”
(TJDFT: Acórdão de n° 1270688 – Processo n° 07634318320198070016 – Segunda Turma Recursal)

O que se observa é a prática abusiva duplamente reconhecida, pois o consumidor está sujeito a obrigatoriamente pagar pela taxa de conveniência e também pela de entrega, caso opte por comprar o ingresso virtualmente. Neste caso, trata-se da venda casada, pois as referidas taxas só são pagas com a condição da efetuação do pagamento do ticket.

As consequências das práticas abusivas aos consumidores consistem no induzimento a erro, efetuação de pagamento de valores excessivos por parte dos consumidores, insatisfação com produto/serviço adquirido, lesão de direitos, ocorrência de danos físicos e morais aos consumidores, dentre outros.

5. Pela Análise do STJ:

Após várias discussões sobre o tema, o assunto ganhou força quando a Associação de Defesa dos Consumidores do Rio Grande do Sul (“ADECONRS”) se reuniu para discutir sobre o tema e entrou com uma ação coletiva de consumo pleiteando pelo reconhecimento da ilegalidade na cobrança de “taxa de conveniência” em virtude da empresa Ingresso Rápido Promoção de Eventos Ltda disponibilizar ingressos à venda, que quando comprados, vinham junto com uma cobrança de taxa de conveniência (REsp 1737428/RS – (2017/0163474-2 – RECURSO ESPECIAL Nº 1.737.428 – RS (2017/0163474-2). Superior Tribunal de Justiça, 2017. Análise de Ação Coletiva de Consumo).

A ADECONRS solicitou também a condenação de danos morais coletivos e danos materiais, referente ao ressarcimento aos consumidores dos valores cobrados pelas taxas de conveniência dos últimos cinco anos.

A ação foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), o qual reconheceu a abusividade na cobrança da taxa de conveniência, já que ocorre a venda casada pela disponibilização desse serviço associado à aquisição do ingresso, em que se identifica a vulnerabilidade do consumidor face aos fornecedores de produtos e serviços que possuem controle sob o mercado.

Neste caso, trata-se de uma venda casada “às avessas”, já que é admitido uma conduta de consumo relacionada a um produto ou serviço, cujo exercício é restringido à única opção oferecida pelo próprio fornecedor, limitando a liberdade de escolha do consumidor.

Caso a submissão dos ingressos à venda terceirizada ocorra em meio virtual, deve ser oferecido ao consumidor diversas opções de compra em diversos sítios eletrônicos, sob pena da liberdade dos consumidores de escolha da intermediadora da compra ser cerceada, limitada unicamente aos serviços oferecidos pela fornecedora, configurando em venda casada, prática abusiva não admitida nas relações de consumo.

O STJ reconheceu que a ilegalidade verificada não atinge valores essenciais da sociedade, configurando mera infringência da lei. Porém, foi entendido que as empresas fornecedoras de ingressos para realização de eventos culturais não poderão cobrar taxa de conveniência, sob pena da aplicação de multa diária, bem como que, terá de devolver as taxas que foram pagas pelos consumidores aos mesmos nos últimos cinco anos, publicando a sentença em jornais de grande circulação para que a prática abusiva da cobrança das referidas taxas atreladas a aquisição dos ingressos não se repita novamente em outras empresas do mesmo ramo de atuação.5

Destaca-se que a mera disponibilização de ingressos online através do pagamento da referida taxa não beneficia o consumidor que é a parte hipossuficiente da relação, favorecendo apenas o aumento da publicidade e do lucro da empresa promotora do evento cultural e da sua intermediadora, de forma que, as despesas para manutenção de softwares e estrutura de informática estão inerentes aos serviços oferecidos pela fornecedora. O consumidor, mesmo pagando a taxa, é obrigado a se deslocar até o ponto de vendas, no dia do espetáculo ou em dias anteriores, enfrentando filas ou pagando por taxas de entrega para receber seu ingresso em sua residência.

Ficam prejudicados, sobretudo, consumidores que vivem em localidades mais distantes do local de realização do evento, já que estão sujeitos, obrigatoriamente, ao pagamento de valores exorbitantes das taxas, já que não possuem a opção de adquirirem ingressos em localidades próximas à sua residência.

As empresas entendem que a cobrança de taxas é legal, pois oferece uma comodidade ao consumidor, aduzindo que nunca tiveram restrição a sua liberdade de escolha, já que a aquisição pelos métodos presenciais e sem presença de opções de pagamento sem a taxa de conveniência estariam disponíveis, afirmando que o seu lucro seria exclusivamente obtido pela taxa de conveniência, porque o custo pelo ingresso em si tem seu valor convertido em lucro para produtora do evento e para os artistas em questão.

O STJ foi favorável aos consumidores, ao entender que mesmo que os mesmos se direcionem as compras de ingresso presenciais, o seu deslocamento poderá ter sido em vão, pois enquanto está aguardando em fila, os ingressos podem ter sido 100% vendidos de forma virtual. Ademais, considera-se que quando há aplicabilidade do direito de arrependimento, isto é, quando o consumidor desiste da compra em até 7 dias e tem seu reembolso efetuado, o mesmo não contempla o valor da taxa de conveniência. Se o fornecedor vender este mesmo ingresso que foi alvo de desistência, estará lucrando duas vezes com a taxa de conveniência da pessoa que se arrependeu e do novo comprador.

Desta forma, fica-se evidenciado o desequilíbrio entre as partes, já que o fornecedor está em muito mais vantagem do que o consumidor.

A autora do artigo concorda com o posicionamento do STJ, já que a maioria dos consumidores adquirem ingressos virtualmente, não se tratando de uma mera conveniência, mas o comportamento recorrente dos consumidores, diante dos inúmeros benefícios em relação à compra presencial (deslocamento, ausência de filas e etc), havendo um desequilíbrio contratual, já que é um risco do negócio e do fornecedor a venda de ingressos ao público, enquanto que o consumidor se encontra lesionado por ser vítima de uma prática abusiva de venda casada, sendo obrigatoriamente necessário efetuar o pagamento da referida taxa, caso ocorra a compra de ingressos para eventos sociais.

Ademais, além da venda casada, quando há venda de ingressos online, há um único site responsável pela comercialização do evento, limitando o consumidor de escolha, configurando-se em uma abusividade a quebra da equivalência das obrigações entre as partes, já que o consumidor se mostra muito mais vulnerável do que o consumidor.

6. Conclusão:

No que tange à questão em análise, foi comprovada uma postura favorável à proibição da cobrança de taxa de conveniência correspondente a 20% do valor do ingresso. Essa perspectiva baseia-se na possibilidade de que tal prática possa infringir disposições do Código de Defesa do Consumidor, caracterizando-se como uma espécie de venda casada, onde a taxa é aplicada somente mediante a efetivação da compra do ingresso.

Destaca-se que não somente a cobrança no percentil apontado caracteriza prática comercial abusiva, mas como qualquer valor apontado, por se configurar venda casada, prática abominável do Código Consumerista, que muitas vezes é associada ao limite da liberdade de escolha do consumidor, já que, apenas um site de venda oferta os ingressos e ainda por cima, em valor exorbitantes.

Ademais, sustenta-se a existência de um desequilíbrio nas relações entre as partes envolvidas, prejudicando principalmente o consumidor, que é geralmente a parte mais vulnerável nesse contexto. Isso ocorre pelo fato de que a empresa promotora do evento pode tirar vantagem da venda de ingressos, especialmente em situações em que o direito de arrependimento é aplicável. Nesses casos, o consumidor pode desistir da compra no prazo de até 7 dias, contudo, o ingresso devolvido poderá ser revendido a outro cliente, o que implica na cobrança de duas taxas de conveniência pelo mesmo ingresso: uma pelo consumidor que desistiu da compra, sem a restituição da taxa, e outra pelo novo cliente que efetua a nova aquisição.

Com base nessas considerações, sustenta-se a necessidade de se proibir a cobrança da taxa de conveniência, visando assegurar os direitos dos consumidores e coibir práticas que possam ser percebidas como abusivas, bem como promover maior equilíbrio nas relações de consumo.

Assim, torna-se injusta a cobrança da taxa de conveniência pelo desequilíbrio apontado e pelo motivo do consumidor não ter culpa pelo avanço da tecnologia propiciar um novo ambiente virtual de vendas, já que está acompanhando as mudanças da sociedade.

A cobrança de taxa de conveniência deve ser banida por ser um exemplo claro de venda casada, em que o consumidor fica restrito a compra do ingresso a um único exclusivo site de vendas, assim, os consumidores não devem pagar a taxa de conveniência, o mesmo se aplica ao caso sujeito a avaliação do STJ, que além disto, os consumidores deverão ser ressarcidos das taxas que pagaram nos últimos cinco anos.

Porém, a cobrança da taxa não está sujeita a condenação por danos morais coletivos à fornecedora, já que, não atinge valores essenciais de uma sociedade, tampouco possui o atributo de intolerabilidade, caracterizando apenas um descumprimento legal.

Portanto, conclui-se que há ilegalidade por parte das empresas que cobram taxas de conveniências atreladas à venda de ingresso, aplicável em todo território nacional, de forma que, caso um comprador tenha seu direito violado, deverá buscar pela justiça brasileira para impedir e proibir a cobrança de taxas de conveniência.

Bibliografia:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.737.428 – RS (2017/0163474-2). Superior Tribunal de Justiça, 2017. Análise de Ação Coletiva de Consumo.

ADDARIO, Marilsen Andrade. Conceituação de Consumidor: Destinatário ou uso não profissional? Revista de Direito do Consumidor, n. 75, p. 167-213, jul.-set. 2010.

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ASCARELLI, Túlio. Panorama do Direito Comercial. São Paulo: Freitas Bastos, 1947.

https://www.procon.sp.gov.br/devolucao-da-taxa-de-conveniencia-por-cancelamento/


¹MERLO, Edgard M.; CERIBELI, Harrison B. Comportamento do Consumidor. Grupo GEN, 2013. p.188.
²JR., Humberto T. Direitos do Consumidor. Grupo GEN, 2020.p. 6.
³CRUZ, Guilherme Ferreira da. Teoria geral das relações de consumo. Editora Saraiva, 2014.p. 18
4NUNES, Rizzato. Curso de direito do consumidor. Editora Saraiva, 2021. p. 209
5JR., Humberto T. Direitos do Consumidor. Grupo GEN, 2020. p. 312.