DIVERSIDADE DE MULHERES NEGRAS NAS ORGANIZAÇÕES: O PAPEL DA GESTÃO DE PESSOAS

BLACK WOMEN’S DIVERSITY IN ORGANIZATIONS: THE ROLE OF HUMAN RESOURCE MANAGEMENT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202506121026


Guilherme Miranda Pinheiro¹
Kemilly Furtado Porfirio²
Orientadora: Eliete Mendes Ferreira³


Resumo

A presente pesquisa tem como objetivo analisar as práticas de equidade racial nas empresas brasileiras, com ênfase na promoção da diversidade, inclusão e enfrentamento do racismo estrutural no ambiente corporativo. Parte-se do entendimento de que, apesar dos avanços legais e institucionais, como o Estatuto da Igualdade Racial e as políticas de cotas, a presença de pessoas negras em cargos de liderança ainda é bastante limitada, refletindo desigualdades históricas e estruturais. A pesquisa adotou uma abordagem qualitativa e bibliográfica, fundamentada em autores como Silvio Almeida, Sueli Carneiro, Kabengele Munanga e Djamila Ribeiro, além de dados de instituições como o IBGE, IPEA e McKinsey & Company. Também foram analisadas iniciativas emblemáticas, como o programa de trainee exclusivo para pessoas negras da empresa Magazine Luiza, destacando os desafios e avanços na implementação de políticas afirmativas no setor privado. Os resultados apontam que muitas empresas ainda enfrentam barreiras para efetivar uma gestão da diversidade racial verdadeiramente transformadora. A inclusão racial tende a ser tratada de forma superficial, muitas vezes limitada a campanhas de marketing e não a mudanças estruturais na cultura organizacional. Contudo, organizações que investem em ações concretas de inclusão como programas de formação, metas de representatividade, comitês internos e ações de sensibilização têm demonstrado ganhos não apenas sociais, mas também econômicos e reputacionais. Conclui-se que a equidade racial nas empresas brasileiras requer mais do que boas intenções: exige comprometimento institucional, revisão de práticas de gestão e o reconhecimento do racismo como um problema organizacional. Somente assim será possível avançar na construção de ambientes corporativos mais justos, inclusivos e representativos da diversidade da sociedade brasileira.

Palavras-chave: Equidade Racial. Diversidade. Racismo Estrutural. Inclusão. Empresas Brasileiras.

1 INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, as organizações vêm sendo pressionadas a incorporar práticas voltadas à diversidade e à equidade em seus ambientes institucionais. No entanto, a presença de mulheres negras em cargos de liderança no Brasil permanece marcadamente reduzida, revelando a persistência de barreiras estruturais que limitam seu acesso aos espaços de poder. Essa realidade evidencia o funcionamento do racismo estrutural e do sexismo institucional, que se articulam de maneira interseccional para excluir essas mulheres das posições de influência e decisão (Crenshaw, 1991; Bento, 2002).

A teoria da interseccionalidade, cunhada por Kimberlé Crenshaw (1989), oferece um marco analítico fundamental para compreender como diferentes eixos de opressão – como gênero, raça e classe – se entrelaçam e produzem formas específicas de exclusão social. No contexto organizacional, essa abordagem permite problematizar modelos tradicionais de gestão que, ao adotarem uma postura pretensamente neutra e meritocrática, invisibilizam as desigualdades históricas enfrentadas por mulheres negras (Ribeiro, 2017).

Estudos como os de Maria Aparecida Bento (2002) e Djamila Ribeiro (2017) indicam que a exclusão dessas mulheres está profundamente enraizada em dinâmicas simbólicas e institucionais que naturalizam privilégios raciais e de gênero, reproduzindo pactos de exclusão silenciosos no cotidiano das corporações. Tais estruturas são reforçadas por vieses inconscientes nos processos seletivos e na distribuição de oportunidades, que atuam como mecanismos de manutenção do status quo organizacional (Banaji & Greenwald, 2013).

Neste cenário, a gestão de pessoas emerge como um campo estratégico para a promoção da justiça racial e de gênero, especialmente por meio da implementação de ações afirmativas, da criação de métricas de diversidade e da escuta ativa dos sujeitos historicamente marginalizados (Fleury, 2000). No entanto, para que essas iniciativas sejam eficazes, é necessário que estejam pautadas em um compromisso ético e político com a equidade.

Diante desse contexto, o presente artigo tem como objetivo analisar os principais entraves à inclusão de mulheres negras em cargos de liderança nas organizações brasileiras, com base em dados empíricos e referenciais teóricos que dialogam com a interseccionalidade, a gestão inclusiva e os desafios contemporâneos da diversidade no mundo do trabalho. Buscase, assim, contribuir para a reflexão crítica sobre os limites e possibilidades das políticas de diversidade atualmente em vigor e propor caminhos para uma transformação estrutural nas relações organizacionais.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA

A diversidade nas organizações é um tema central nas discussões contemporâneas sobre gestão de pessoas e responsabilidade social. Refere-se à presença de diferenças individuais no ambiente de trabalho tais como gênero, raça, etnia, orientação sexual, idade, entre outras e à forma como essas diferenças são reconhecidas, valorizadas e integradas às práticas organizacionais (FLEURY, 2000). No contexto brasileiro, a diversidade racial e de gênero assume contornos ainda mais complexos devido às desigualdades históricas e estruturais que marcam a trajetória social de grupos minorizados, especialmente das mulheres negras.

Como exemplo do reconhecimento dessa necessidade de enfrentamento das desigualdades raciais nas organizações, destaca-se o programa de trainee do Magazine Luiza, lançado em 2020, exclusivo para pessoas negras. A ação foi considerada pioneira no Brasil e teve grande repercussão nacional, sendo alvo de debates públicos e jurídicos. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo (2020), o programa teve como objetivo corrigir uma desigualdade histórica nos cargos de liderança da empresa, que eram majoritariamente ocupados por pessoas brancas. A iniciativa foi avaliada pelo Ministério Público do Trabalho, que concluiu tratar-se de uma ação afirmativa legal e necessária para promover equidade racial no setor privado (MPT, 2020).

Nesse cenário, a gestão de pessoas tem um papel estratégico na construção de ambientes organizacionais mais justos, igualitários e respeitosos com as diferenças humanas. A gestão contemporânea deve ir além das funções operacionais e assumir um compromisso com a diversidade e a inclusão. Chiavenato (2021) enfatiza que a gestão de pessoas deve ser vista como função estratégica, responsável por desenvolver o capital humano e promover um ambiente organizacional que respeite e valorize a diversidade.

A inclusão de mulheres negras nas organizações demanda, portanto, o reconhecimento de uma dupla marginalização de raça e de gênero que historicamente limita o acesso e o crescimento profissional desse grupo. Sueli Carneiro (2003), em suas reflexões sobre o feminismo negro, aponta que as mulheres negras enfrentam uma intersecção de opressões que as posiciona em uma das camadas mais vulneráveis do tecido social e econômico brasileiro. A mesma afirma que a mulher negra representa o elo mais oprimido da cadeia de exclusões sociais (CARNEIRO, 2003).

Mesmo diante de avanços em termos de escolaridade e qualificação, as mulheres negras continuam sub-representadas em posições estratégicas e de liderança nas organizações.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2023), mulheres negras ocupam apenas 1,6% dos cargos de liderança no Brasil, apesar de representarem mais de 28% da população. Esse dado evidencia a persistência de barreiras simbólicas e institucionais que atravessam o cotidiano profissional dessas mulheres.

O racismo estrutural, conceito amplamente discutido por autores como Silvio Almeida (2019), contribui para a manutenção dessas desigualdades. Segundo ele, o racismo no Brasil não é apenas individual, mas estrutural e institucional, funcionando como um sistema de dominação que organiza a sociedade a partir da hierarquização racial (Almeida, 2019). Esse sistema impacta diretamente as oportunidades de ascensão profissional de pessoas negras, sobretudo de mulheres negras, que também enfrentam o sexismo.

A cultura organizacional exerce influência significativa sobre a forma como a diversidade é percebida e vivida no cotidiano das empresas. Fleury (2000) afirma que organizações que promovem a diversidade cultural em sua gestão conseguem gerar ganhos importantes em termos de criatividade, inovação e desempenho coletivo. Para isso, é necessário adotar políticas claras de inclusão, com metas definidas, programas de desenvolvimento e mecanismos de avaliação contínua. Como destaca a autora: a gestão da diversidade não é apenas uma exigência ética, mas uma vantagem competitiva (FLEURY, 2000).

Dessa forma, a atuação da gestão de pessoas deve se alinhar a um compromisso real com a equidade. Não basta promover contratações de mulheres negras; é preciso garantir condições de permanência, reconhecimento e crescimento dentro das instituições. Isso inclui a criação de ambientes seguros, políticas de promoção transparentes, programas de mentoria e escuta ativa para combater as microagressões e os preconceitos no cotidiano organizacional.

2.1 Políticas de Equidade Racial e Interseccionalidade na Gestão de Pessoas

A construção de ambientes organizacionais mais justos e equitativos exige que as organizações adotem uma abordagem interseccional, especialmente quando se trata da inclusão de mulheres negras. Isso porque, no contexto corporativo, a experiência de mulheres negras não pode ser analisada isoladamente por sua identidade de gênero ou raça, mas sim pela intersecção de ambas. Em muitas situações, as mulheres negras enfrentam formas de opressão únicas, que são resultado de um entrelaçamento de fatores como o racismo e o sexismo, o que as coloca em uma posição de desvantagem, não apenas em termos de acesso ao mercado de trabalho, mas também em relação ao reconhecimento e desenvolvimento dentro das organizações. Compreender essas dimensões simultâneas de desigualdade é essencial para que políticas organizacionais sejam verdadeiramente inclusivas e eficazes.

No Brasil, a situação dessas mulheres é marcada por uma invisibilidade histórica nos espaços de poder. A presença de mulheres negras em cargos de liderança continua sendo minoria, mesmo quando possuem as qualificações necessárias para tais funções. Este fenômeno é reflexo de uma estrutura social e organizacional que tem raízes profundas no racismo estrutural e na desigualdade de gênero. Não basta que as mulheres negras tenham acesso ao mercado de trabalho; elas precisam ter as mesmas condições de avanço e reconhecimento que seus pares. No entanto, isso só será possível quando a sociedade e as organizações superarem a ideia de que essas mulheres carecem de competência ou preparação, uma crença que está enraizada em estereótipos raciais e de gênero. A realidade, no entanto, mostra que as barreiras que essas mulheres enfrentam no campo profissional são mais profundas e complexas do que simples limitações individuais de qualificação.

Esse cenário se reproduz, muitas vezes de forma sutil, dentro das próprias organizações. A cultura organizacional, que define o conjunto de valores e normas que regem as práticas dentro de uma empresa, frequentemente sustenta privilégios estruturais que mantêm a exclusão de grupos marginalizados, como as mulheres negras. Muitas organizações, sem uma análise crítica de suas próprias práticas, continuam a perpetuar uma estrutura que favorece certos grupos predominantemente brancos e masculinos e dificulta a ascensão de mulheres negras a posições de destaque. A discriminação não se manifesta apenas em comportamentos explícitos, mas também nas regras implícitas que governam as promoções, os processos seletivos e os critérios de avaliação de desempenho. Tais estruturas, em muitos casos, fazem com que as mulheres negras permaneçam invisíveis nas decisões estratégicas e de liderança dentro das empresas.

Em um cenário ideal, a gestão de pessoas teria um papel fundamental na desconstrução dessas barreiras. Isso implica não apenas em revisar os processos seletivos, garantindo que eles sejam mais inclusivos, mas também em criar programas de desenvolvimento profissional que atendam de forma efetiva às necessidades das mulheres negras, garantindo que elas tenham as mesmas oportunidades de crescimento e ascensão que seus colegas. Além disso, é essencial que a gestão de pessoas adote uma postura estratégica, que considere a diversidade como um valor central para a organização. A diversidade não deve ser vista como uma simples questão de cumprir cotas ou realizar ações pontuais, mas como um compromisso contínuo de transformação cultural, que reflete a pluralidade da sociedade e proporciona um ambiente de trabalho mais inclusivo, saudável e produtivo.

Além de revisar as práticas internas, as empresas precisam adotar uma postura proativa na criação de metas de inclusão, na promoção da equidade salarial e na construção de espaços seguros para que questões relacionadas ao racismo e à desigualdade de gênero possam ser abordadas abertamente. Isso significa que as organizações precisam estar dispostas a confrontar as dificuldades e resistências que surgem quando se busca implementar mudanças significativas, sendo fundamental a disposição para ouvir as vozes das mulheres negras, que têm experiências e perspectivas únicas a oferecer. A verdadeira transformação organizacional só será alcançada quando as empresas se comprometerem a ir além da retórica e implementarem mudanças concretas que promovam a equidade, a justiça e o respeito à diversidade.

A promoção da diversidade nas organizações deve ser considerada uma prioridade estratégica, especialmente quando se trata da inclusão de mulheres negras. A gestão de pessoas deve ser vista como um agente de mudança, com o poder de reverter as desigualdades históricas e estruturais que ainda afetam esses grupos. Esse compromisso deve ser genuíno e contínuo, visando a criação de ambientes corporativos nos quais todas as pessoas, independentemente de sua cor, gênero ou classe social, possam ter as mesmas oportunidades de desenvolvimento e sucesso. A verdadeira inclusão exige ações concretas e uma reflexão profunda sobre as práticas existentes, garantindo que as barreiras sejam efetivamente removidas e que a diversidade seja uma característica intrínseca da cultura organizacional.

2.2 A Importância da Gestão de Pessoas na Inclusão de Mulheres Negras no Mercado de Trabalho

A gestão de pessoas desempenha um papel essencial na criação de ambientes organizacionais mais justos e equitativos, especialmente no que tange à inclusão de mulheres negras. Este grupo, historicamente marginalizado tanto nas estruturas corporativas quanto no mercado de trabalho, enfrenta desafios específicos relacionados à interseção entre o racismo estrutural e o sexismo. A busca por uma gestão de pessoas mais inclusiva não pode se limitar a práticas superficiais, como a promoção de cotas, mas deve se expandir para abordar as barreiras estruturais que dificultam a ascensão das mulheres negras no ambiente de trabalho, particularmente em cargos de liderança e no reconhecimento pleno de suas competências.

No Brasil, a sub-representação das mulheres negras em posições de liderança, somada à desigualdade salarial, reflete uma estrutura organizacional marcada por desigualdades históricas e estruturais, que exigem uma abordagem estratégica da gestão de pessoas. Para que a inclusão seja efetiva, é necessário que a gestão de pessoas compreenda que as práticas organizacionais não afetam igualmente todos os colaboradores, especialmente as mulheres negras, que enfrentam desafios duplos relacionados ao racismo e ao sexismo. As experiências de discriminação vividas por essas mulheres não podem ser analisadas isoladamente, mas sim como resultado da interseção entre o racismo e o sexismo, conforme proposto por Kimberlé Crenshaw (1991). Segundo a autora, a interseccionalidade desvela as formas complexas de marginalização que afetam as mulheres negras, considerando a sobreposição de múltiplas identidades e as desigualdades que delas resultam.

A teoria da interseccionalidade é fundamental para entender as experiências de discriminação enfrentadas pelas mulheres negras no ambiente corporativo. A gestão de pessoas, ao adotar uma perspectiva interseccional, deve ser capaz de identificar e combater as múltiplas formas de opressão que impactam esse grupo, criando políticas organizacionais que reconheçam as especificidades das barreiras enfrentadas pelas mulheres negras. Djamila Ribeiro (2017), importante referência do feminismo negro no Brasil, destaca a invisibilidade histórica dessas mulheres nos espaços de poder e decisão. Para Ribeiro, o conceito de “lugar de fala” é central para a criação de um ambiente corporativo mais inclusivo, uma vez que reconhece as experiências e os saberes das mulheres negras como legítimos e necessários para o desenvolvimento de políticas institucionais verdadeiramente inclusivas. Ela afirma que o lugar de fala das mulheres negras deve ser reconhecido como essencial no processo de construção de um ambiente mais inclusivo, onde suas experiências não sejam apenas ouvidas, mas respeitadas como parte da transformação organizacional (Ribeiro, 2017).

Além disso, Maria Aparecida Bento (2002), ao analisar a dinâmica do mercado de trabalho no Brasil, identifica o que denomina de pactos narcísicos da branquitude, ou seja, acordos implícitos que favorecem a manutenção dos privilégios brancos dentro das organizações. Esses pactos operam de maneira silenciosa e invisível, perpetuando a exclusão racial nas esferas corporativas e dificultando o acesso das mulheres negras a cargos de liderança. Bento argumenta que as organizações, ao não enfrentarem o racismo estrutural, acabam por sustentar uma lógica que limita a mobilidade e o reconhecimento de trabalhadores negros, reproduzindo desigualdades históricas da sociedade (Bento, 2002). Em função disso, a gestão de pessoas deve atuar de maneira estratégica, revisando processos seletivos, critérios de promoção e implementando programas de desenvolvimento que considerem as especificidades da diversidade étnico-racial e de gênero.

A criação de uma cultura organizacional inclusiva é um fator determinante para a promoção de igualdade de oportunidades no ambiente de trabalho. Fleury (2000) destaca que as empresas que reconhecem a diversidade cultural como um ativo estratégico tendem a apresentar melhores resultados em termos de inovação e produtividade. Fleury argumenta que empresas que reconhecem a diversidade cultural como um ativo estratégico têm maior capacidade de inovação e um clima organizacional mais positivo (Fleury, 2000). Isso sugere que a gestão de pessoas deve ser entendida como um motor de transformação, capaz de implementar ações concretas que aproveitem a diversidade como uma prática constante, não apenas como um discurso. A implementação de programas de inclusão, ações afirmativas, a promoção da equidade salarial e a criação de espaços seguros para o enfrentamento de práticas discriminatórias são essenciais para garantir que a diversidade seja verdadeiramente integrada na cultura organizacional.

A gestão de pessoas deve assumir um papel estratégico e ativo na inclusão das mulheres negras nas organizações. Isso envolve uma compreensão profunda das múltiplas formas de discriminação que essas mulheres enfrentam e a implementação de práticas que não apenas promovam a diversidade, mas que combatam ativamente o racismo e o sexismo estrutural. A interseccionalidade, como proposta por Crenshaw, oferece uma base teórica sólida para compreender a complexidade das barreiras que as mulheres negras enfrentam, orientando as ações de gestão de pessoas para a construção de ambientes mais justos e equitativos. A transformação organizacional, portanto, deve começar pelo reconhecimento das desigualdades e pelo compromisso real em superá-las, criando um ambiente de trabalho mais inclusivo e representativo para todos os colaboradores.

2.3 O Papel da Gestão de Pessoas na Inclusão e Promoção da Diversidade Étnico-Racial nas Organizações

A gestão de pessoas desempenha um papel fundamental na promoção de ambientes organizacionais mais inclusivos e na construção de espaços que reconheçam e valorizem a diversidade étnico-racial. No entanto, a verdadeira inclusão das mulheres negras nas organizações vai além de ações superficiais, como a promoção de cotas, exigindo mudanças estruturais nas práticas organizacionais, desde o recrutamento até as oportunidades de desenvolvimento profissional e promoção.

A teoria da interseccionalidade, desenvolvida por Kimberlé Crenshaw (1989), é central para compreender as múltiplas formas de opressão enfrentadas pelas mulheres negras no ambiente de trabalho. A autora argumenta que as experiências de discriminação não podem ser compreendidas de forma isolada, considerando apenas uma característica, como a raça ou o gênero. Pelo contrário, é necessário entender como diferentes formas de opressão se entrelaçam e impactam as mulheres negras de maneira única. Em suas palavras, a interseccionalidade oferece uma forma de compreender como as interações entre as categorias sociais, como raça e gênero, criam formas únicas de marginalização (Crenshaw, 1989). Dessa forma, a gestão de pessoas deve adotar uma perspectiva interseccional para que suas práticas organizacionais reconheçam as barreiras específicas que as mulheres negras enfrentam no acesso e ascensão profissional.

No contexto brasileiro, Djamila Ribeiro (2017) é uma das principais vozes do movimento feminista negro, e ela discute em seus escritos a invisibilidade histórica das mulheres negras nas estruturas de poder. Segundo Ribeiro, a exclusão das mulheres negras dos espaços de liderança e decisão nas organizações não decorre da falta de competência, mas sim de uma estrutura social e organizacional que, em muitos casos, desqualifica suas habilidades devido ao racismo estrutural e ao sexismo. Ribeiro (2017) afirma que o reconhecimento do lugar de fala das mulheres negras é essencial para a construção de um ambiente mais inclusivo, onde suas experiências não sejam apenas ouvidas, mas respeitadas como parte de um processo de transformação organizacional (Ribeiro, 2017). Para a autora, é imprescindível que as práticas corporativas criem condições para que as mulheres negras não sejam apenas incluídas, mas também reconhecidas e respeitadas em seus espaços de trabalho.

Em consonância com as ideias de Ribeiro, Maria Aparecida Bento (2002) aborda as dinâmicas que sustentam as desigualdades raciais nas organizações. A autora identifica os “pactos narcísicos da branquitude”, que operam de forma implícita e silenciosa nas estruturas corporativas, favorecendo o acesso dos brancos a posições de poder, enquanto marginalizam os negros, especialmente as mulheres. Bento (2002) argumenta que as organizações empresariais, ao não enfrentarem o racismo estrutural, acabam por sustentar uma lógica que limita a mobilidade e o reconhecimento de trabalhadores negros, perpetuando as desigualdades históricas da sociedade (Bento, 2002). Essa reflexão aponta para a necessidade urgente de que a gestão de pessoas adote práticas e políticas que desfaçam essas barreiras e promovam uma igualdade real de oportunidades.

Além disso, a criação de uma cultura organizacional inclusiva é essencial para garantir a equidade dentro das empresas. Empresas que reconhecem a diversidade como um ativo estratégico tendem a apresentar melhores resultados em termos de inovação e produtividade. Fleury (2000) ressalta que organizações que se comprometem com a valorização da diversidade cultural têm maior capacidade de inovação e um clima organizacional mais positivo (Fleury, 2000). Nesse sentido, a gestão de pessoas deve ser encarada como um agente de transformação, capaz de criar práticas que assegurem a inclusão real de mulheres negras.

Isso inclui a revisão dos processos seletivos, a implementação de programas de capacitação voltados para grupos sub-representados e a promoção de uma cultura de equidade salarial.

Portanto, para que a gestão de pessoas seja verdadeiramente eficaz na inclusão de mulheres negras nas organizações, é necessário que adote uma abordagem interseccional que reconheça as múltiplas formas de discriminação que essas mulheres enfrentam. Além disso, a gestão de pessoas deve atuar de maneira proativa na criação de ambientes mais justos e equitativos, revisando práticas organizacionais e implementando ações afirmativas que promovam a inclusão e o respeito à diversidade. A transformação organizacional, nesse sentido, começa com o reconhecimento das desigualdades e com um comprometimento real em superá-las, criando um ambiente de trabalho mais inclusivo e representativo para todos.

2.4 O Papel das Ações Afirmativas e Políticas de Diversidade na Promoção da Equidade Racial e de Gênero nas Organizações

A promoção da equidade racial e de gênero no ambiente corporativo requer mais do que a implementação de medidas pontuais. É necessário um compromisso institucional com a transformação das estruturas organizacionais, historicamente excludentes, que marginalizam grupos como o das mulheres negras. As ações afirmativas, nesse contexto, surgem como estratégias fundamentais para reparar desigualdades históricas e assegurar condições equânimes de acesso, permanência e ascensão profissional.

No Brasil, a implementação de políticas públicas de ação afirmativa no ensino superior, como a Lei de Cotas (Lei nº 12.711/2012), abriu caminhos para que a discussão se estendesse ao setor privado. Contudo, nas organizações, ainda há uma tendência a tratar a diversidade como um valor simbólico e não como um pilar estratégico. Ações pontuais, como a realização de palestras ou campanhas internas, não são suficientes para desconstruir práticas arraigadas de exclusão. Como destacam Lélia Gonzalez e Sueli Carneiro, o racismo institucional opera de maneira silenciosa, naturalizando desigualdades e tornando invisíveis as barreiras enfrentadas pelas mulheres negras em seu cotidiano profissional (GONZALEZ, 1988; CARNEIRO, 2003).

Um exemplo emblemático de política afirmativa no setor privado foi o programa de trainee do Magazine Luiza, lançado em 2020, voltado exclusivamente para pessoas negras. A iniciativa foi alvo de intensos debates, mas também reconhecida como uma medida ousada e necessária diante da sub-representação histórica de pessoas negras em cargos de liderança. Como analisam Telles e Theodoro (2021), essa ação demonstrou a importância de enfrentar de forma explícita as desigualdades raciais no ambiente de trabalho, afirmando que o mercado não é neutro, mas sim atravessado por relações de poder e exclusão.

Além disso, políticas de diversidade bem implementadas podem gerar impactos positivos não apenas sociais, mas também econômicos. Estudos como o da McKinsey & Company (2020) apontam que empresas com maior diversidade de gênero e raça nos cargos de liderança apresentam melhor desempenho financeiro. Isso se deve, em parte, à ampliação das perspectivas na tomada de decisões, ao fortalecimento do clima organizacional e à maior capacidade de inovação. Entretanto, tais benefícios só são alcançados quando a diversidade é compreendida como um valor intrínseco e incorporada nas práticas diárias da gestão de pessoas.

A atuação da gestão de pessoas nesse processo é estratégica. Para além do recrutamento e seleção, é fundamental repensar políticas internas como planos de carreira, sistemas de avaliação de desempenho e práticas de liderança. Santos (2019) argumenta que o enfrentamento das desigualdades no ambiente corporativo passa pela definição de metas claras de inclusão, pela responsabilização da alta liderança e pela criação de indicadores que permitam avaliar o progresso real das iniciativas.

Outro ponto crucial é a necessidade de formação continuada em diversidade e inclusão. Programas de capacitação que abordem o racismo estrutural, os vieses inconscientes e a interseccionalidade são ferramentas essenciais para sensibilizar lideranças e gestores. Conforme argumenta Munanga (2005), o combate ao racismo institucional não será possível sem uma mudança cultural profunda, que envolva tanto o nível individual quanto o coletivo.

Ações afirmativas e políticas de diversidade não devem ser encaradas como concessões ou medidas excepcionais, mas como instrumentos de justiça social e desenvolvimento organizacional. A inclusão de mulheres negras no mercado de trabalho não pode ser tratada como uma questão secundária, mas como parte essencial de uma estratégia ética, econômica e política. Reconhecer a legitimidade dessas políticas e implementá-las de forma séria e estruturada é um passo decisivo para a construção de ambientes organizacionais mais justos, representativos e inovadores.

2.5 Ações Afirmativas e o Papel Transformador das Políticas Inclusivas nas Organizações

A adoção de ações afirmativas nas organizações tem sido um mecanismo fundamental para enfrentar as desigualdades raciais e de gênero historicamente consolidadas no Brasil. Tais políticas não apenas viabilizam a inclusão de grupos sub-representados, como as mulheres negras, mas também contribuem para uma transformação estrutural dentro das instituições. As ações afirmativas envolvem medidas proativas voltadas para corrigir distorções históricas de acesso, especialmente no mercado de trabalho e na educação, por meio da criação de oportunidades reais de inserção e ascensão social.

Um exemplo emblemático no setor privado brasileiro foi o programa de trainee exclusivo para pessoas negras lançado pelo Magazine Luiza em 2020. A iniciativa gerou ampla repercussão social e jurídica, sendo defendida por diversos especialistas como uma medida legítima e necessária no combate ao racismo estrutural. Segundo Theodoro e Telles (2021), ao estabelecer critérios voltados à equidade racial, a empresa contribuiu para provocar a reflexão crítica sobre os processos seletivos e os critérios meritocráticos que historicamente marginalizam negros no ambiente corporativo. Esse tipo de ação evidencia o papel estratégico das políticas inclusivas, não apenas como respostas temporárias, mas como formas de instituir mudanças culturais e institucionais permanentes.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, estabelece a igualdade como um princípio fundamental, e, ao longo dos anos, políticas públicas como o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010) e o sistema de cotas raciais em universidades e concursos públicos (Lei nº 12.711/2012) reforçam a legitimidade das ações afirmativas. Tais políticas são fundamentais para ampliar o acesso de mulheres negras a espaços de poder, decisão e liderança, historicamente vedados a esse grupo em razão de sua posição interseccional de opressão.

Kabengele Munanga (2004) destaca que a promoção da igualdade racial só é possível quando as instituições reconhecem as desigualdades estruturais e adotam medidas intencionais para enfrentá-las. Isso inclui, no caso das organizações, a revisão dos processos seletivos, a reformulação de critérios de promoção e o investimento em programas de capacitação e mentoria voltados especificamente para mulheres negras. Tais ações não devem ser vistas como privilégios, mas como reparações históricas que visam equilibrar um campo de disputa desigual desde sua origem.

Além disso, Sueli Carneiro (2003) reforça que a promoção da equidade só se efetiva quando se reconhece a centralidade do racismo na estrutura social brasileira. Ela argumenta que a marginalização das mulheres negras é resultado da intersecção entre o racismo e o sexismo, o que exige políticas específicas que enfrentem essa dupla opressão. Nesse sentido, a gestão de pessoas deve ser entendida como um espaço de articulação dessas políticas, promovendo o diálogo institucional sobre diversidade e inclusão e estabelecendo metas claras para a transformação do ambiente organizacional.

As ações afirmativas representam mais do que estratégias administrativas: elas são instrumentos éticos e políticos de transformação social. As organizações que se comprometem com tais práticas se posicionam não apenas como agentes de desenvolvimento econômico, mas também como promotoras de justiça social. Cabe à gestão de pessoas garantir que essas políticas sejam institucionalizadas, monitoradas e ajustadas constantemente, com o objetivo de promover a diversidade de maneira efetiva, assegurando que as mulheres negras tenham não apenas acesso, mas também permanência e protagonismo nas estruturas organizacionais.

2.6 Barreiras Invisíveis nas Organizações: O Impacto dos Vieses Inconscientes na Inclusão de Mulheres Negras

Apesar dos avanços normativos e do crescente discurso em prol da diversidade, muitas organizações ainda mantêm barreiras invisíveis que comprometem a plena inclusão de mulheres negras no ambiente corporativo. Entre essas barreiras, os vieses inconscientes desempenham um papel central na reprodução de desigualdades raciais e de gênero. Esses vieses são atitudes, estereótipos ou associações automáticas e inconscientes que influenciam o julgamento e o comportamento dos indivíduos, mesmo quando estes acreditam agir de forma imparcial (Banaji & Greenwald, 2013).

No contexto da gestão de pessoas, os vieses inconscientes se manifestam em diferentes etapas dos processos organizacionais, como no recrutamento, seleção, promoção e avaliação de desempenho. Mulheres negras, por estarem na interseção entre o racismo e o sexismo, são frequentemente vítimas de estereótipos que as colocam como menos competentes, menos confiáveis ou inadequadas para cargos de liderança. Tais percepções, ainda que não expressas de forma deliberada, impactam diretamente suas trajetórias profissionais e suas possibilidades de ascensão.

Segundo a pesquisa “Diversity Matters”, da consultoria McKinsey & Company (2015), empresas com maior diversidade étnico-racial apresentam resultados financeiros superiores, mas isso só é alcançado quando a diversidade não é apenas simbólica. O estudo aponta que a inclusão efetiva exige o enfrentamento de práticas e culturas organizacionais que favorecem a homogeneidade. A permanência de lideranças brancas e masculinas em posições estratégicas, por exemplo, é sintomática da resistência a mudanças estruturais e da atuação contínua de mecanismos de exclusão disfarçados de critérios “meritocráticos”.

Para combater essas barreiras, é necessário que as organizações desenvolvam estratégias intencionais de sensibilização e formação, como treinamentos sobre viés inconsciente e letramento racial. Tais ações não devem ser pontuais, mas incorporadas como parte da cultura organizacional. De acordo com Jones et al. (2016), intervenções bem estruturadas podem reduzir significativamente a influência dos vieses em processos decisórios, promovendo um ambiente mais justo e equitativo. No entanto, os autores alertam que tais treinamentos precisam estar articulados com políticas institucionais concretas para que seus efeitos sejam duradouros.

Além disso, a implementação de comitês de diversidade e inclusão, bem como o uso de indicadores de diversidade, permite que a gestão de pessoas monitore ativamente os avanços e retrocessos em relação à equidade. A transparência nos dados, como índices de contratação, promoção e rotatividade por raça e gênero, é essencial para a construção de diagnósticos realistas e para a elaboração de estratégias eficazes. Como aponta Kátia Mattoso (2020), não se transforma o que não se mede: o combate ao racismo nas empresas exige evidências, metas e responsabilização.

O reconhecimento e o enfrentamento das barreiras invisíveis nas organizações são passos essenciais para promover a verdadeira inclusão de mulheres negras. A gestão de pessoas deve assumir um papel pedagógico e transformador, promovendo uma cultura corporativa que vá além do discurso e que reconheça, enfrente e desfaça os mecanismos sutis que perpetuam a exclusão. A transformação organizacional só será possível quando os vieses inconscientes forem substituídos por ações conscientes, estruturais e continuadas em prol da equidade.

3 METODOLOGIA

O presente estudo se configura como uma pesquisa qualitativa de natureza exploratória, cuja abordagem metodológica fundamenta-se em uma revisão bibliográfica sistemática. O objetivo central é compreender, por meio de diferentes perspectivas teóricas, os principais desafios enfrentados por mulheres negras no ambiente corporativo, bem como o papel estratégico da gestão de pessoas na promoção da diversidade, da equidade racial e de gênero. Tal escolha metodológica justifica-se pela capacidade que a revisão bibliográfica oferece de sistematizar o conhecimento já produzido sobre o tema, identificar lacunas e tensionar conceitos consolidados.

Segundo Gil (2008), a revisão bibliográfica permite ao pesquisador explorar as contribuições teóricas mais relevantes sobre determinado assunto, facilitando a construção de um arcabouço conceitual sólido. Complementarmente, Lakatos e Marconi (2003) destacam que a revisão de literatura constitui uma etapa essencial em qualquer investigação científica, pois fornece os fundamentos para a análise crítica de um problema, permitindo ao pesquisador dialogar com o conhecimento já acumulado.

Para a seleção de material bibliográfico foram consultados bases de dados científicas como Scopus, SciELO, Google Scholar e CAPES Periódicos, utilizando os seguintes descritores combinados em português e inglês: “interseccionalidade”, “mulheres negras”, “gestão de pessoas”, “diversidade organizacional”, “racismo estrutural”, “inclusão no trabalho” e “equidade de gênero”. Os critérios de inclusão adotados foram: textos publicados entre 1991 (ano de publicação do artigo seminal de Kimberlé Crenshaw sobre interseccionalidade) e 2024; textos acadêmicos ou relatórios de instituições reconhecidas; e disponibilidade em acesso integral.

A análise do material selecionado foi orientada pela análise temática, conforme proposta por Bardin (2011), que visa identificar, codificar e categorizar os principais temas presentes nos textos. Esta abordagem metodológica é adequada para estudos qualitativos, pois permite captar sentidos, contradições e nuances nos discursos analisados. Foram estabelecidas três categorias principais de análise: (1) interseccionalidade e exclusão estrutural; (2) práticas organizacionais e barreiras institucionais; e (3) políticas de gestão inclusiva.

Dentre os autores que fundamentam o presente estudo, destacam-se Crenshaw (1991), que propôs o conceito de interseccionalidade como ferramenta analítica para compreender as múltiplas dimensões da opressão que afetam mulheres negras; Ribeiro (2017), cuja obra contribui para o debate sobre o “lugar de fala” e a visibilidade das mulheres negras; Bento (2002), que aborda a persistência do racismo institucional através do conceito de “pacto narcísico da branquitude”; e Fleury (2000), que discute a gestão da diversidade como um ativo estratégico para organizações contemporâneas.

Para ampliar o escopo de análise, também foram incorporadas publicações internacionais, como o relatório Diversity Matters da McKinsey & Company (2015), que comprova empiricamente a correlação positiva entre diversidade no ambiente de trabalho e desempenho organizacional. Adicionalmente, obras como Microaggressions in Everyday Life, deSue (2010), e Blindspot: Hidden Biases of Good People, de Banaji e Greenwald (2013), oferecem subsídios para compreender os efeitos dos vieses inconscientes e das microagressões raciais nas experiências laborais de mulheres negras.

Assim, ao reunir uma base teórica sólida e atualizada, esta pesquisa busca contribuir para o aprofundamento do debate sobre a inclusão de mulheres negras nas organizações, evidenciando a necessidade de políticas de gestão de pessoas pautadas na equidade e na justiça social. A revisão bibliográfica, nesse sentido, não se limita à simples descrição de textos, mas propõe uma leitura crítica e integrada das produções acadêmicas, visando subsidiar tanto reflexões teóricas quanto práticas organizacionais transformadoras.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

A presente pesquisa revelou que a inclusão de mulheres negras nas organizações ainda está distante de se concretizar de forma ampla e estrutural. Embora iniciativas institucionais de diversidade tenham ganhado força nos últimos anos, principalmente em grandes empresas, os dados apontam que essas ações muitas vezes não alcançam profundidade suficiente para modificar as estruturas de poder vigentes. A persistente sub-representação de mulheres negras em cargos de liderança e de tomada de decisão reflete a reprodução do racismo estrutural e do sexismo institucional, fenômenos que se entrelaçam e operam simultaneamente para excluir essas mulheres dos espaços de influência e prestígio no mundo corporativo.

A teoria da interseccionalidade, conforme desenvolvida por Kimberlé Crenshaw (1989; 1991), é essencial para compreender como múltiplas formas de opressão como racismo, sexismo e classismo não apenas coexistem, mas se potencializam mutuamente nas experiências vividas por mulheres negras. Essa abordagem permite desconstruir explicações simplistas para a exclusão dessas mulheres e aponta para a necessidade de políticas públicas e práticas organizacionais que levem em consideração a complexidade das identidades sociais. A gestão de pessoas, portanto, precisa adotar ferramentas que reconheçam essa interseccionalidade, abandonando modelos neutros e universalistas que ignoram as diferenças.

A contribuição de Djamila Ribeiro (2017) reforça esse olhar ao defender o reconhecimento do lugar de fala das mulheres negras, destacando que suas experiências históricas e subjetividades devem ocupar um papel central no desenho de políticas de inclusão. Isso significa deslocar o foco das iniciativas institucionais de diversidade que tratam os sujeitos de forma genérica e passar a construir práticas baseadas nas realidades específicas dessas mulheres, legitimando suas vozes e saberes como agentes ativos da transformação organizacional.

Os estudos de Maria Aparecida Bento (2002) introduzem a noção de pactos narcísicos da branquitude, que funcionam como barreiras silenciosas à inclusão racial. Tais pactos manifestam-se por meio da manutenção de normas e critérios que favorecem os grupos historicamente privilegiados, especialmente no que diz respeito ao acesso a redes de relacionamento, oportunidades de visibilidade e confiança institucional. Essas dinâmicas tornam-se ainda mais complexas quando afetam as mulheres negras, que enfrentam a desconfiança recorrente sobre suas competências, a hipervisibilidade em situações de erro e a invisibilidade quando seus resultados são positivos.

A literatura também aponta que a valorização da diversidade não deve ser vista apenas como um imperativo ético, mas também como uma estratégia de inovação e competitividade. Conforme observa Maria Tereza Fleury (2000), empresas que desenvolvem culturas organizacionais inclusivas tendem a apresentar ganhos em produtividade, engajamento e clima organizacional. No entanto, a apropriação desses discursos por parte de setores empresariais não garante, por si só, a mudança de paradigmas. Quando não há uma revisão crítica das práticas e estruturas que moldam o ambiente corporativo, corre-se o risco de transformar a diversidade em um produto de marketing, esvaziado de compromisso político e transformador.

Outro ponto discutido na revisão é a presença de viéses inconscientes nos processos seletivos e de promoção. Pesquisas como as de Banaji e Greenwald (2013) indicam que mesmo profissionais que se dizem comprometidos com a diversidade podem reproduzir estereótipos de forma automática e inconsciente, impactando negativamente a trajetória de mulheres negras nas empresas. A naturalização desses vieses contribui para a perpetuação de desigualdades e destaca a importância de treinamentos contínuos e de uma cultura organizacional que promova a autocrítica institucional.

A análise crítica da literatura também indica que o discurso meritocrático, muitas vezes usado para justificar a ausência de mulheres negras em posições de destaque, desconsidera os obstáculos históricos e estruturais que esse grupo enfrenta. Embora o acesso à educação e à qualificação tenha aumentado, essas conquistas não se traduzem em mobilidade proporcional dentro das empresas. A permanência de barreiras simbólicas e práticas confirma que a simples equiparação formal de oportunidades não é suficiente para promover a equidade.

Além disso, os dados empíricos disponíveis evidenciam essa disparidade. Segundo o Instituto Ethos (2016), entre as 500 maiores empresas do Brasil, apenas 0,4% dos cargos executivos são ocupados por mulheres negras. Esse dado, por si só, demonstra a urgência de políticas afirmativas específicas, que vão além da diversidade genérica e se concentram na reparação histórica de grupos racializados e marginalizados. A Tabela 1 apresenta uma visão geral da representatividade de mulheres negras em cargos de liderança nos principais setores organizacionais do Brasil, refletindo as diferenças significativas de inclusão entre as esferas pública, privada e terceiro setor.

Tabela 1 – Representatividade de Mulheres Negras em Cargos de Liderança no Brasil

Fonte: Pinheiro e Porfirio, Adaptado (2025)

Além disso, as barreiras estruturais que limitam a inclusão das mulheres negras são amplamente reconhecidas na literatura. A Tabela 2 apresenta um quadro das principais barreiras estruturais enfrentadas por essas mulheres, juntamente com as propostas teóricas para sua superação.

Tabela 2 – Barreiras estruturais vs. Propostas da literatura

Fonte: Pinheiro e Porfirio, Adaptado (2025)

Portanto, a discussão dos resultados indica que a gestão de pessoas tem um papel estratégico e político na promoção da justiça racial e de gênero. Isso exige não apenas uma postura técnica, mas também um posicionamento ético e transformador, capaz de desafiar práticas excludentes, desconstruir paradigmas naturalizados e construir novos referenciais para o sucesso e o pertencimento nas organizações. Essa transformação passa pela escuta ativa, pelo comprometimento institucional com indicadores de inclusão, pela transparência nos processos de ascensão profissional e pela construção de um ambiente de trabalho que valorize a pluralidade como um bem comum.

5 CONCLUSÃO

A análise realizada ao longo deste artigo evidencia que a inclusão de mulheres negras nas organizações brasileiras ainda se depara com profundas barreiras estruturais, históricas e simbólicas. A persistência da sub-representação em cargos de liderança, aliada à invisibilidade institucional e à naturalização de estereótipos, revela que os avanços no discurso da diversidade não têm se traduzido, de forma proporcional, em práticas efetivas de equidade.

Ao lançar mão da teoria da interseccionalidade, foi possível compreender que a vivência das mulheres negras no ambiente corporativo é atravessada por múltiplas opressões que se reforçam mutuamente como o racismo, o sexismo e o classismo. Tal perspectiva rompe com abordagens universalistas e simplificadoras, exigindo das organizações um compromisso ético e político que vá além de ações simbólicas ou meramente institucionais.

Autores como Kimberlé Crenshaw, Djamila Ribeiro, Maria Aparecida Bento e Maria Tereza Fleury demonstram, por diferentes caminhos, que o enfrentamento dessas desigualdades passa por reconhecer o valor das experiências situadas, desconstruir privilégios brancos e masculinos e implementar práticas de gestão comprometidas com a justiça social. Treinamentos contra vieses inconscientes, definição de metas claras de diversidade, valorização do lugar de fala e o combate aos pactos narcísicos da branquitude são algumas das estratégias que se mostram urgentes e necessárias.

Os dados apresentados, especialmente os provenientes do Instituto Ethos, IPEA e CEERT, reforçam o abismo existente entre a retórica da inclusão e a realidade da exclusão. Frente a isso, é imprescindível que as organizações revejam suas estruturas internas, seus processos seletivos, critérios de ascensão e ambientes de trabalho, de modo a promover não apenas a diversidade numérica, mas a transformação cultural necessária para que mulheres negras possam ocupar espaços de poder com dignidade, reconhecimento e pertencimento.

Promover a inclusão de mulheres negras nas organizações não é apenas uma demanda de justiça histórica, mas uma condição para a construção de ambientes corporativos mais humanos, inovadores e socialmente comprometidos. O futuro da gestão de pessoas passa, necessariamente, pela capacidade de enfrentar desigualdades estruturais com coragem, escuta ativa e ação transformadora.

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¹Discente do Curso Superior de Bacharelado em Administração do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amapá Campus Laranjal do Jari e-mail: guilhermepinheiro184@gmail.com
²Discente do Curso Superior de Bacharelado em Administração do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amapá Campus Laranjal do Jari e-mail: kemillyfurtado2002@gmail.com
³Docente do Curso Superior de Bacharelado em Administração do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amapá Campus Laranjal do Jari e-mail: eliete.ferreira@ifap.edu.br