DISCURSOS FEMININOS SOBRE O FENÔMENO DA COMERCIALIZAÇÃO DA NUDEZ NA INTERNET: EMANCIPAÇÃO OU RETÓRICA PATRIARCAL?

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8150790


Cíntia Caroline de Oliveira
Silvani dos Santos Valentim


RESUMO

A comercialização da nudez na internet, aqui tratado como fenômeno social, tem sido uma fonte controvérsia de debate. Enquanto alguns argumentam que a liberdade individual deve ser respeitada, outros apontam para os riscos potenciais, incluindo a exploração e a objetificação das pessoas envolvidas. O presente artigo tem como objetivo trazer uma discussão relacionada ao feminismo e como este se relaciona com a comercialização da nudez feminina na internet. Será feita uma discussão sobre o uso da internet como ferramenta que capitaliza o corpo feminino e ao mesmo tempo em que alimenta o discurso de um ambiente seguro e empoderado para exporem seus corpos. Partindo da análise da perspectiva feminista, e com base nos estudos e textos pesquisados, entenderemos como se dá a ligação entre a comercialização da nudez na internet e os discursos feministas, ao mesmo tempo alimenta as superestruturas de opressão da sociedade moderna, principalmente o capitalismo e patriarcado.

Palavras-chave: Nudez, Feminismo, Internet, Capitalismo, Patriarcado.

A BREVE HISTÓRIA DO MOVIMENTO FEMINISTA E A NUDEZ NA INTERNET

Na virada do século XIX para o século XX, as manifestações contra as formas de discriminação feminina ganharam força e uma expressividade maior no chamado movimento sufragista, que pleiteava o direito do voto às mulheres. O sufragismo, como movimento originalmente ocidental, de mulheres brancas de classes média/alta passou a ser reconhecido, como a “primeira onda” do feminismo. E foi “centrado na reivindicação dos direitos políticos – como o de votar e ser eleita, nos direitos sociais e econômicos – como o de trabalho remunerado, estudo, propriedade, herança” (PEDRO, 2005, p.69).

Mas será na denominada “segunda onda”, a partir da década de 1960, que o histórico debate feminista ganha força. Segundo Louro (1997), o feminismo, ultrapassa as preocupações sociais, individuais e políticas, e irá se voltar para as construções propriamente teóricas, onde será engendrado e problematizado o conceito de gênero. É dentro desse contexto de efervescência social, teórico, político, de contestação e de transformação, que o movimento feminista contemporâneo ressurge e mobiliza o debate intelectual, recrutando estudiosas, docentes e pesquisadoras, surgindo assim os estudos da mulher. Piscitelli (2009) explica que “a categoria mulher foi desenvolvida pelo feminismo da segunda onda em leituras segundo as quais a opressão das mulheres está além de questões de classe e raça.”

A segunda onda do feminismo também introduziu o termo “radical” em sua terminologia para se definir como um movimento que volta suas requisições para a origem das opressões contra as mulheres, questionando as estruturas de poder. 

Os avanços no campo dos debates teóricos e acadêmicos passaram pela terceira onda, na década de 1980, onde buscou-se desenvolver o conceito da categoria “mulher” enquanto categoria pretensamente universal, porém levando em consideração a análise da diferença dentro da semelhança1. A quarta onda do feminismo revela um movimento intenso do uso da internet como espaço de luta, emancipação e também de exposição de conflitos. Contudo, a questão do corpo feminino como instrumento de manifestação de sua existência ainda tem sido pouco explorada.

É a partir desse plano de fundo do contexto histórico dos debates feministas que este artigo pretende analisar, por meio de referenciais teóricos e com base nos estudos feministas, como a comercialização da nudez na internet tem sido uma fonte de controvérsia e debate. Enquanto algumas mulheres argumentam que a liberdade individual deve ser respeitada, outras apontam para os riscos potenciais, incluindo a exploração e a objetificação das pessoas envolvidas.

Contudo, é necessário entender que estamos situadas dentro de um sistema neoliberal de produção voltada ao capital, ditado pelo patriarcado composto majoritariamente por homens brancos heteronormativos, e que a internet é mais uma ferramenta de suporte a esse sistema, mesmo que se criem ferramentas de enfrentamento ao patriarcado, definido segundo (PISCITELLI, 2009) por “um sistema social no qual a diferença sexual serve como base da opressão e da subordinação da mulher pelo homem”, o mundo virtual possui suas próprias regras e moedas de troca ditadas pelo capitalismo global.

O texto será está organizado em quatro partes: primeiramente, será situado a nudez feminina na internet como lócus de existência e conflito e como a comercialização da nudez feminina na internet vem recebendo atenção nas ultimas décadas, devido a expansão das tecnologias digitais e da forma como transformaram nossas vidas. Já na segunda parte, discutiremos com base em alguns estudos feministas, como a nudez na internet reverbera sobre o discurso do “meu corpo, minhas regras”. A terceira parte do texto, intitulada “nudez na internet: emancipação ou manutenção do fetiche?” Discute como o fetichismo dos corpos femininos é um fenômeno estrutural que está presente tanto na vida privada das mulheres, quanto nas novas formas de organização do mundo do trabalho, por meio do fenômeno da plataformização. Por fim, traremos uma breve conclusão sobre a discussão relacionada ao feminismo e como este se relaciona com a comercialização da nudez feminina na internet.

A NUDEZ FEMININA NA INTERNET: LÓCUS DE EXISTÊNCIA E CONFLITO

A nudez tem sido historicamente associada ao corpo feminino e a sua objetificação, como um símbolo de submissão às expectativas patriarcais sobre a beleza e a sexualidade. Como escreve bell hooks em seu livro “Feminist Theory: From Margin to Center”: “as mulheres são sempre vistas em termos de seus corpos e suas aparências. A nudez é frequentemente usada para tornar as mulheres objetos de desejo e de consumo, reduzindo-as a objetos sexuais”.

Essa objetificação pode ser vista em várias áreas da cultura popular, incluindo a moda, o cinema, a publicidade e a pornografia, áreas essas em constante expansão devido ao fenômeno do capitalismo global, onde o corpo feminino é frequentemente retratado de maneira sexualizada e muitas vezes sem regras e limites, para além das fronteiras físicas territoriais. Conforme ressalta Susan Bordo em seu livro “Unbearable Weight: Feminism, Western Culture, and the Body”: “A nudez feminina na publicidade e na pornografia é quase sempre construída em torno de uma imagem de submissão e disponibilidade”.

O patriarcado também influencia a forma como a nudez é vista. Embora os corpos masculinos também sejam sexualizados em alguns contextos, eles geralmente são considerados mais aceitáveis e menos vulneráveis à objetificação e à exploração do que os corpos femininos. Como argumenta Michael Kimmel em seu livro “Manhood in America”: “Os homens nunca são completamente objetos sexuais, mas apenas parcialmente”.

O avanço das tecnologias e do globalismo digital tem afetado consideravelmente as fronteiras entre trabalho, sexo e o discurso feminista. As possibilidades de comercialização da nudez na internet sem a burocracia excessiva abalam os eixos discursivos e econômicos, e podem coproduzir subjetividades femininas disfarçadas de discursos emancipatórios. De acordo com Vargas (2015), a nudez feminina vem se tornando uma mercadoria cultural e comercial, onde as mulheres são despojadas de seu poder e sua nudez é utilizada para reforçar a posição de poder dos homens.

A comercialização da nudez feminina na internet vem recebendo atenção nas ultimas décadas, devido a expansão das tecnologias digitais e da forma como transformaram nossas vidas. Segundo Castells (2010), elas permitem uma conexão instantânea com pessoas de todo o mundo e o acesso a informações em uma escala sem precedentes. Contudo, o fenômeno da comercialização da nudez feminina vem recebendo maior destaque nas mídias, sendo apontado por Ramalho (2021) como um dos mais vantajosos financeiramente dentro do mercado do sexo.

Segundo os estudos de Bichir (2022), trata-se de um mercado em ascensão, principalmente durante a pandemia de causada pelo SARS-CoV-2 (COVID-19), na qual uma parcela significativa da população aumentou o tempo que passa na internet. Para se analisar um fenômeno como esse é imprescindível considerar o capitalismo patriarcal, uma vez que se apresentam como formações sociais inseparáveis (HIRATA; KERGOAT, 2007).

“A nudez das mulheres é frequentemente usada para objetificá-las e sexualizá-las, enquanto a nudez dos homens é frequentemente vista como natural e não sexualizada. Isso reflete a forma como a sexualidade é controlada e moldada pelo patriarcado.” (FRECCERO, 1997, p. 26)

Segundo Gere (2008, p. 1) “o globalismo digital vem transformando o mundo em uma economia digital, onde o valor é criado através do conhecimento e da inovação, em vez de bens físicos”. Por um lado, temos o potencial de criar novas oportunidades de econômicas e reduzir as algumas desigualdades, mas também pode levar a novas formas de exclusão e exploração camufladas pelo discurso de emancipação e liberdade.

Um dos principais problemas é que a internet se tornou o caminho mais fácil para as mulheres entrarem no mercado de conteúdo erótico, muitas vezes com pouca ou nenhuma proteção. Como observa Heather Berg em seu livro “Porn Work: Sex, Labor, and Late Capitalism”: “A internet permitiu que qualquer pessoa com um computador e uma conexão de internet vendesse sua imagem nua para o mundo, sem nenhum tipo de regulamentação ou proteção”.

Essa falta de proteção pode levar desde a exploração de trabalhadores sexuais e a um aumento do tráfico humano, especialmente em países onde a prostituição é ilegal ou mal regulamentada. Como observam as autoras Solomon e Rothman (2016) na obra “The Pornography Industry: What Everyone Needs to Know”: “A pornografia online pode fornecer uma fachada para o tráfico humano, permitindo que traficantes e criminosos sexuais usem a internet para recrutar e explorar mulheres e meninas vulneráveis”. A comercialização da nudez na internet muitas vezes perpetua a objetificação das mulheres, perpetuando estereótipos e ideais irreais de beleza e sexualidade. Além disso, a nudez feminina é frequentemente usada para deslegitimar as mulheres em posições de poder ou autoridade, como observa Adams (2012) “a nudez ou a sexualidade de uma mulher torna-se uma maneira fácil de desacreditar sua capacidade de liderança ou sua autoridade”.

FEMINISMOS E NUDEZ NA INTERNET: UM DEBATE SOBRE O DISCURSO DO “MEU CORPO, MINHAS REGRAS”

Apesar da nudez na internet ser um atual tema de debate na sociedade, especialmente no âmbito acadêmico, ainda é um assunto pouco abordado entre as(os) estudiosas(os) do feminismo no Brasil, principalmente no que diz respeito à sua relação com a emancipação ou manutenção do fetiche e do sexismo. Alguns estudiosos e estudiosas argumentam que a exposição do corpo nu na internet pode ser vista como uma forma de libertação da sexualidade feminina, enquanto outras(os) alegam que isso perpetua o fetiche e a objetificação das mulheres.

Em um estudo sobre a exposição de imagens sexuais na internet, Gómez (2017) destaca que a nudez feminina online pode ser considerada uma forma de emancipação, mas apenas em um contexto em que as mulheres têm total controle sobre suas imagens e são respeitadas e valorizadas como seres humanos. A autora argumenta que, infelizmente, essa não é a realidade da maioria das mulheres que expõem suas imagens sexuais na internet, pois muitas vezes elas são exploradas e objetificadas pelos homens.

Friedman (2020) também argumenta que a nudez feminina na internet é uma prática que perpetua a objetificação das mulheres. Segundo a autora, a exposição de imagens sexuais femininas na internet muitas vezes tem o objetivo de agradar e satisfazer o desejo masculino, em vez de celebrar a sexualidade feminina. Em seu artigo intitulado “Digital objectification: The marketing and consumption of female bodies online”, a autora conclui que a comercialização da nudez feminina na internet contribui para a desigualdade de gênero e a violência contra as mulheres.

Outros trabalhos abordam como a exposição do corpo nu na internet pode ter impactos negativos na autoestima e na saúde mental das mulheres. Ringrose e Harvey (2015) discutem como a cultura da imagem sexualizada nas redes sociais pode levar a uma pressão insalubre para que as mulheres se conformem a padrões irreais de beleza e corpo, contribuindo para a perpetuação do sexismo e da desigualdade de gênero.

Ao meu ver, um dos pontos delicados e complexos para compreensão do fenômeno da comercialização da nudez feminina na internet tem a ver com a relação dos discursos sobre a liberdade de manifestação do corpo feminino, visto que este é um símbolo material e cultural histórico da luta contra as formas de opressões masculinas. O corpo feminino é político, e nele incide a questão da autonomia corporal das mulheres, incluindo o direito de fazer escolhas sobre seus corpos, como o direito ao aborto, à contracepção e à sexualidade. Como destaca Lorber (2005, p. 30), “a autonomia corporal é uma questão fundamental de justiça social, pois a falta de controle sobre o próprio corpo coloca as mulheres em uma posição de subordinação em relação aos homens”.

Por outro lado, não podemos perder de vista que a nudez é frequentemente usada como uma ferramenta de opressão e controle no contexto patriarcal capitalista. A luta feminista tem sido em grande parte sobre a rejeição da ideia de que o corpo feminino é a medida do valor das mulheres. Como afirma Wolf (1991, p.15), “as mulheres precisam ser capazes de afirmar que o corpo não é o lugar de nossa liberdade, e sim o lugar de nossa opressão”. E uma das principais formas de opressão do corpo feminino é a sexualização excessiva e objetificação das mulheres. Fredrickson e Roberts (1997), argumentam que as mulheres são frequentemente reduzidas a objetos sexuais em mídias populares e publicidade, e isso reforça a noção de que o corpo feminino é mais importante do que a inteligência, a personalidade e a capacidade.

Ao transferirmos esse complexo cenário de debate para os espaços virtuais, podemos identificar as manifestações do movimento feminista de “quarta onda”, em especial o ciberfeminismo, que é uma vertente do feminismo que tem como foco a relação entre tecnologia e gênero. Segundo Plant (1998), uma das principais teóricas do ciberfeminismo, a tecnologia pode ser vista como uma forma de empoderamento para as mulheres, já que ela permite que elas se conectem e se comuniquem de formas nunca antes vistas.

O ciberfeminismo tem sido associado à quarta onda do feminismo por se tratar de um importante espaço de luta contra a misoginia e na busca por uma maior representatividade das mulheres nas áreas de tecnologia e ciência. A quarta onda do feminismo é impulsionada pelo surgimento da internet e das mídias sociais, que proporcionaram uma nova plataforma para a discussão e visibilidade de questões feministas e para a organização de movimentos sociais.

Um dos mais famosos discursos femininos impulsionados pela ascensão dos espaços virtuais é o discurso “meu corpo, minhas regras”, que tem sido um slogan popular na luta feminista e uma das formas de reivindicar a autonomia corporal das mulheres. À medida que conceitos com conotação emancipatórios como “agência” e “escolha” passaram a ser colocados a serviço do neoliberalismo, a palavra “empoderamento” foi eviscerada de conteúdo controverso ou desafiador (CORNWALL, 2018).

O “meu corpo, minhas regras” é uma afirmação política poderosa que sinaliza a autonomia das mulheres sobre seus corpos e sua sexualidade. Esse potente discurso também é uma forma de desafiar as normas sociais que tentam controlar os corpos das mulheres, incluindo a questão da reprodutiva. Além disso, o discurso “meu corpo, minhas regras” é uma forma de desafiar a ideia de que o corpo feminino é propriedade pública e que as mulheres devem seguir padrões de beleza e comportamento impostos pela sociedade. Como afirma Jhally (2010, p. 55), “é uma forma de dizer que as mulheres não são objetos para serem possuídos ou controlados por outros”.

Mas e em relação à comercialização da nudez feminina na internet? É um fenômeno que se enquadra perfeitamente no discurso sobre a autonomia dos corpos femininos ou é mais uma armadilha do machismo estrutural aliado ao capitalismo global para manter o controle das superestruturas de poder?2

NUDEZ NA INTERNET: EMANCIPAÇÃO OU MANUTENÇÃO DO FETICHE?

O fetichismo dos corpos femininos é um fenômeno que está presente na cultura ocidental há séculos e tem sido intensificado no mundo capitalista atual. Como afirma Lorde (1984, p. 108), “o corpo feminino tem sido objeto de exploração e objetificação ao longo da história, e continua sendo assim na sociedade capitalista”. E no capitalismo, o corpo feminino é visto como uma mercadoria a ser vendida e consumida. Isso é evidenciado pela indústria da moda, da beleza e da pornografia, que utilizam o corpo feminino para vender seus produtos e serviços. Além disso, o fetichismo dos corpos femininos está intimamente ligado ao patriarcado, à opressão das mulheres e a objetificação dos corpos femininos, o que reforça a ideia de que elas são meros objetos a serem utilizados pelos homens (Fredrickson e Roberts, 1997).

O fetiche dos corpos femininos também causa impactos negativos na autoimagem, na autoestima e na saúde física e mental das mulheres. No livro “O Mito da Beleza”, escrito pela feminista britânica Naomi Wolf e publicado na década 1990, a autora questiona a indústria da beleza e sua influência sobre as mulheres. Wolf argumenta que a busca pela beleza ideal é uma forma de opressão que restringe a liberdade e autonomia femininas.

A indústria da venda de nudez na internet é um exemplo atual de como o trabalho feminino pode ser alienado e explorado em uma economia capitalista. Como afirma Sassen (2013, p. 142), “a venda de nudez na internet é um exemplo de como a economia global está se reorganizando em torno de mercados altamente especializados e fragmentados, nos quais as mulheres são frequentemente empregadas como trabalhadoras precárias”.

Múltiplas e multifacetadas são as mudanças no mundo do trabalho, e um fenômeno atual e globalizado que nos chama atenção dentro do contexto de comercialização da nudez feminina na internet é plataformização do mundo do trabalho. A plataformização do mundo do trabalho refere-se ao aumento do uso de plataformas digitais para intermediar a relação entre trabalhadores e empregadores, bem como para gerenciar e monitorar o trabalho. Esse fenômeno tem sido discutido na literatura acadêmica e na mídia. As chamadas publicitárias das empresas-plataformas de trabalho são sedutoras, e criam uma narrativa entre o trabalhador a sociedade: autonomia e flexibilidade (CARDOSO, ARTUR e OLIVEIRA, 2020).

É propagandeada que há parceria, renda fácil, remuneração significativa, flexibilidade de horário, ausência de chefes e consequente autonomia no trabalho. De acordo com essas empresas, as vantagens desse novo tipo de relação não têm limites e só dependem do empenho de cada um (CARDOSO; ARTUR; OLIVEIRA, 2020, p. 207)

Porém, essa nova forma de organização do trabalho também tem gerado preocupações com relação à precarização e falta de proteção social para os trabalhadores, principalmente entre as mulheres. Segundo Figueiras e Antunes (2020) plataformas digitais, constituem espaços cada vez mais individualizados e invisibilizados e se expressam de formas diferenciadas de assalariamento, visando a obtenção de lucro pela exploração da mais valia e também espoliação do trabalho.

A plataforma que mais nos chama atenção quanto à comercialização da nudez na internet é a plataforma OnlyFans, uma rede social que permite que usuários vendam conteúdo exclusivo aos seus seguidores, incluindo fotos e vídeos, na sua maioria eróticos. A plataforma tem recebido muita atenção recentemente, pois muitas mulheres têm encontrado nela uma forma de ganhar dinheiro e se sustentar financeiramente, especialmente durante a pandemia de COVID-19.

De acordo com a revista Exame, “a plataforma tem sido apontada como um ‘salvador financeiro’ para muitas mulheres em todo o mundo, especialmente durante a pandemia de COVID-19, quando muitas perderam seus empregos e enfrentaram dificuldades financeiras” (EXAME, 2021). No entanto, a plataforma também tem sido criticada por explorar mulheres e perpetuar estereótipos sexistas. Segundo a revista Veja, “a OnlyFans está sendo acusada de capitalizar sobre a sexualidade feminina e perpetuar a ideia de que as mulheres devem ser objetificadas e reduzidas a seu apelo sexual” (VEJA, 2021).

CONCLUSÃO

A comercialização da nudez feminina no mundo capitalista, impulsionada pelas tecnologias digitais, é um fenômeno atual, complexo e multifacetado, que está intimamente ligado ao patriarcado, à opressão das mulheres e à indústria do consumo. É importante que sejam tomadas medidas para desafiar e combater essa forma de objetificação e exploração das mulheres.

A sensação de liberdade que o mundo digital oferece, impulsionado pelo discurso da flexibilidade de horário, ausência de burocracia, e promessas de ganhos maiores que os trabalhos convencionais, são alguns atrativos que levam as mulheres a optarem pela comercialização da nudez nas plataformas digitais. Há também o viés ideológico do discurso empoderador do “meu corpo, minhas regras”. De fato, o corpo feminino é uma ferramenta de existência e resistência poderosa de várias pautas progressistas como: liberdade de proferir sua sexualidade, identidade de gênero, liberdade reprodutiva e etc. Contudo, não podemos perder de vista que a nudez é frequentemente usada como uma ferramenta de opressão e controle no contexto patriarcal capitalista, especialmente no que diz respeito às mulheres. Reconhecer e criticar essas práticas pode ser um caminho para promover a igualdade de gênero e o respeito pelos corpos e escolhas individuais de todas as pessoas. A ideia deste texto não é a de esgotar a discussão e chegar a uma conclusão sobre comercialização da nudez feminina, e muito menos levantar bandeiras moralistas sobre as escolhas individuais das mulheres.

A ideia de escrever esse texto está relacionada em problematizar esse fenômeno e situá-lo criticamente nos debates e estudos feministas, visto que ele reverbera tanto na vida privada das mulheres quanto nas novas formas de organização do mundo do trabalho.

A nudez é frequentemente usada como uma ferramenta de opressão e controle no contexto patriarcal, especialmente no que diz respeito às mulheres. É importante que reconheçamos e critiquemos essas práticas, a fim de promover a igualdade de gênero e o respeito pelos corpos e escolhas individuais de todas as pessoas.

Por fim, a comercialização da nudez na internet apresenta sérias preocupações em termos de exploração, objetificação e perpetuação de estereótipos sexuais. O debate é necessário para chamar atenção das agências reguladoras e da sociedade em geral, para que continuem a monitorar e discutir essas questões, a fim de promover a igualdade de gênero e a proteção dos direitos humanos.

Em resumo, enquanto a nudez na internet pode ser vista como uma forma de emancipação feminina em um contexto em que as mulheres têm total controle sobre suas imagens, na maioria das vezes essa prática perpetua o fetiche e a objetificação das mulheres, contribuindo para a desigualdade de gênero e a violência contra as mulheres. As políticas públicas devem ser implementadas para proteger as mulheres de exploração e objetificação na internet.

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1Essas diferenças precisam ser analisadas dentro das dimensões estruturantes da desigualdade de gênero e étnico-raciais, que são aprofundadas pelo conceito de interseccionalidade, cunhado pelas estudiosas do feminismo negro, a exemplo de Kimberlé Crenshaw e Patrícia Hill Colins, que sob a ideia de interseccionalidade que “já recriminavam argumentos de competição entre os mais excluídos, as hierarquias entre eixos de opressão e violações consideradas menos preponderantes.” (AKOTIRENE, p. 24, 2018).

2Superestruturas de poder são conceitos relacionados ao poder e controle em uma sociedade. Segundo os estudos de Marx e Engels (2005), a superestrutura é composta por instituições, ideias e valores que são criados e mantidos pelas classes dominantes para justificar e preservar seu poder. Essas instituições incluem o governo, o sistema legal, a religião, a mídia e a educação, entre outras.