DISCRIMINAÇÃO RACIAL E ÉTNICA NO FUTEBOL: CONDUTA DAS ENTIDADES ESPORTIVAS E OS EFEITOS GERADOS PELA INDEVIDA OU FALTA DE PUNIÇÃO DE ATOS DISCRIMINATÓRIOS.

RACIAL AND ETHNIC DISCRIMINATION IN FOOTBALL: CONDUCT OF SPORTS ENTITIES AND THE EFFECTS GENERATED BY IMPROPER OR LACK OF PUNISHMENT FOR DISCRIMINATORY ACTS.

DISCRIMINACIÓN RACIAL Y ÉTNICA EN EL FÚTBOL: COMPORTAMIENTO DE LAS ENTIDADES DEPORTIVAS Y LOS EFECTOS GENERADOS POR LA FALTA INDEBIDA O AUSENCIA DE CASTIGO DE ACTOS DISCRIMINATORIOS.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10255295


Poliana da Silva Carvalho Santos1


Resumo: O presente artigo visa analisar a conduta das entidades futebolísticas frente a casos de discriminação racial e étnica, abordando a importância de punir devidamente tais atos no futebol. Ao longo do presente ensaio, é discutido os efeitos sociais da impunidade em relação a discriminação no referido esporte, enfatizando como essas ações afetam maleficamente a sociedade. Finalmente, sendo sugeridas possíveis formas de resolução do problema, como a aplicação de punições mais severas, campanhas educacionais e promoção da diversidade e inclusão.

Palavras-chave: Futebol. Discriminação. Racial. Étnica. Impunidade. Punição.

Abstract: This article aims to analyze the behavior of football entities in the face of cases of racial and ethnic discrimination, addressing the importance of properly punishing such acts in football. Throughout the essay, the social effects of impunity regarding these discriminatory acts in the sport are discussed, emphasizing how these actions negatively affect society. Finally, possible solutions to the problem are suggested, such as the implementation of stricter penalties, educational campaigns, and the promotion of diversity and inclusion.

Keywords: Football. Discrimination. Racial. Ethnic. Impunity. Punishment.

Resumen: El presente artículo tiene como objetivo analizar la conducta de las entidades futbolísticas frente a casos de discriminación racial y étnica, abordando la importancia de sancionar adecuadamente tales actos en el fútbol. A lo largo del ensayo, se discuten los efectos sociales de la impunidad en relación con la discriminación en dicho deporte, enfatizando cómo estas acciones afectan perjudicialmente a la sociedad. Finalmente, se sugieren posibles formas de resolver el problema, como la aplicación de sanciones más severas, campañas educativas y promoción de la diversidad e inclusión.

Palabras clave: Fútbol. Discriminación. Racial. Étnica. Impunidad. Castigo.

1 – INTRODUÇÃO

Pretendeu-se avaliar por meio da presente pesquisa a conduta das entidades esportivas diante de casos de discriminação racial e étnica no futebol, bem como os efeitos sociais gerados pela indevida ou falta de punição dos atos discriminatórios.

Dessa forma, questionou-se sobre o risco de serem causados danos sociais em decorrência das condutas discriminatórias raciais e étnicas que prosperam no meio futebolístico. Assim, inicialmente se tem que o futebol é um esporte de grande popularidade e até aqueles que não acompanham ou não gostam acabam tomando conhecimento de notícias relacionadas a ele. Frente a este fator, presumiu-se que a não punição ou a punição indevida desses casos transmite a mensagem de que pode ser tolerado discriminações raciais e étnicas na sociedade, já que a tendência é que o ódio disseminado nos estádios se estenda para fora deles. 

Para alcançar os resultados pretendidos, firmou-se como objetivo geral desta pesquisa investigar os efeitos sociais gerados pelas práticas discriminatórias no futebol e o impacto da impunibilidade frente a estas condutas preconceituosas. Em relação aos objetivos específicos, são apontados os seguintes: a análise a conduta das ligas e confederações esportivas, bem como as decisões dos tribunais desportivos frente a atos discriminatórios raciais e étnicos no futebol; examinar os dispositivos jurídicos nacionais e internacionais, a exemplo do Código Brasileiro de Justiça Desportiva e as Resoluções estabelecidas nas Assembleias Gerais das Nações Unidas. 

O tema da presente pesquisa se mostra relevante, pois a popularidade do futebol o condiciona a uma “vitrine”, onde tudo aquilo que é usado, falado e praticado dentro do estádio reverbera para o mundo. Também é possível justificar a presente pesquisa em razão da sua repercussão atual, pois observa-se recorrente a descriminação nos estádios. Além disso, evidencia-se a importância deste trabalho na medida em que deixar que o racismo e a xenofobia prosperem nesse meio, sem que seja dada a devida importância pode alimentar condutas preconceituosas que afetariam a sociedade, implicando na violação de diretos de negros e estrangeiros que ficam expostos ao desrespeito e a violência. 

Acerca da metodologia utilizada, optou-se pela pesquisa do tipo bibliográfica com a consulta de livros e artigos científicos e de estudo de casos, analisando dados e reportagens sobre casos de racismo e xenofobia no futebol, avaliando cada um de forma pormenorizada. Acerca do método de abordagem, será utilizado o método misto, analisando tanto os aspectos numéricos quanto os qualitativos, buscando por meio de dados científicos números acerca da popularidade do futebol e resultados que incidam sobre a porcentagem de casos de discriminação racial e étnica, além de tentar compreender o comportamento das entidades e ligas esportivas frente a esses casos. No que diz respeito ao procedimento, o método escolhido foi o de consulta em livros na Minha Biblioteca, artigos científicos e dados encontrados por meio de pesquisa online e alguns livros físicos que serão adquiridos ao longo do processo de realização do presente artigo.

2 DESENVOLVIMENTO 

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA DISCRIMINAÇÃO NO FUTEBOL

Segundo Gilmar Mascarenhas (2009), registra-se que a inserção do futebol no Brasil ocorreu em 1985 na cidade de São Paulo por Charles Miller, que era brasileiro descendente de imigrantes ingleses, e na cidade do Rio de Janeiro em 1897 pelo estudante inglês Oscar Cox. Ainda segundo o autor, São Paulo já se apresentava como uma potência econômica nacional e, por esse motivo, muitas indústrias estrangeiras tinham interesse de se instalar na cidade, promovendo um ambiente que receberia costumes e inovações vindas de fora, viabilizando a entrada do futebol no Brasil.

Inicialmente, o futebol no Brasil era extremamente elitista. Conforme Mario Filho (2010), quando os jovens ricos da capital paulista começaram a gostar do esporte, os jogos viraram espetáculos aristocratas e dominados por aquela classe social, que fazia de tudo para que o referido esporte fosse inacessível às classes mais baixas. Neste mesmo período, com a abolição da escravatura sendo um evento recente, a integração do negro na sociedade era impensável e, consequentemente, a sua participação em classes sociais elevadas era algo inconcebível. Assim, tudo que envolvia o futebol era intencionalmente oneroso, desde uma bola até o valor de um ingresso, impedindo a participação de pobres e negros no esporte.

Um fato histórico marcante para a inserção do negro no futebol brasileiro ocorreu no ano de 1921, quando o então Presidente do Brasil, Epitácio Pessoa, pediu que a seleção brasileira viajasse à Argentina para disputar a Copa América sem jogadores negros. A história tem início no ano de 1920, quando o Brasil partiu para jogar um amistoso contra a Argentina e os brasileiros foram recebidos com uma charge que retratava os jogadores brasileiros como macacos e tendo acima da charge escrito “monos em Buenos Aires”, elaborada pelo jornal “Crítica”. No ano seguinte, o Presidente pediu à CDB (atual CBF) que convocasse apenas jogadores brancos e de cabelo liso. Ao final, o Brasil ficou como vice-campeão e teve um desempenho ruim no campeonato. (Observatório, 2019).

Ocorre que, no ano de 1919, Arthur Friedenreich, que era negro, jogou pela seleção brasileira sendo o artilheiro e fazendo o gol do título da Copa América conquistada pelo Brasil naquele ano. Friedenreich é considerado um dos primeiros ídolos do futebol brasileiro. Todavia, com o decreto do presidente, o jogador não pôde ser convocado para a Copa América de 1921. Logo, houve protesto popular pela volta de Friedenreich, fazendo com que Epitácio Pessoa revogasse o decreto e o jogador retornasse à seleção, sendo campeão da Copa América de 1922. (Observatório, 2019).

Com o passar dos anos, os clubes notaram que a inserção dos negros estava elevando a qualidade do futebol e perceberam que, para se manterem competitivos e com equipe qualificada para enfrentar os rivais, seria necessário inserir no seu elenco jogadores de todas as cores. Logo, com a profissionalização do futebol brasileiro, a cor de pele deixou de ser um aspecto importante, pois os jogadores eram contratados e remunerados conforme a sua qualidade técnica.

2.2 POPULARIDADE DO FUTEBOL MUNDIALMENTE 

O futebol vem se estabelecendo como o esporte de maior popularidade a nível mundial. O banco de dados Statistics & Data fez um levantamento do ano de 2020 e constatou que o futebol é o esporte mais popular do mundo, com mais de 4 bilhões de entusiastas (Statistics and Data, 2020). No Brasil, não é diferente. O país carrega a alcunha de “país do futebol” e, por muitos anos, foi protagonista do esporte. À vista disso, foi realizado um estudo do qual se constatou que 75% dos brasileiros acompanham futebol. (Brand Finance, 2023).

Quanto à fama do referido esporte, Victor Andrade de Melo comenta:

O grau de popularidade do esporte é realmente impressionante. Há mais afiliados à Federação Internacional de Futebol (Fifa) e ao Comitê Olímpico Internacional (COI) do que à Organização das Nações Unidas (ONU). Essa difusão mundial tem forte relação com as características históricas do momento em que a prática se conformou, o século XIX: o fortalecimento de um mercado global, o desenvolvimento de movimentos internacionais, a consolidação da ideia de Estado-Nação, a valorização dos espetáculos e dos momentos de lazer, entre outras dimensões (MELO, 2014: 35).

Diante disso, Roberto Damatta (1982) defende que o esporte não deve ser visto como um elemento apartado da sociedade, pois estão intimamente interligados “como as duas faces de uma mesma moeda”. Aduz ainda que o esporte e o lazer não são elementos que derivam da sociedade, mas sim coisas intrínsecas a ela, uma necessidade humana tal qual comer e beber. Tal fator explicaria o motivo do futebol ser um esporte tão famoso e querido por milhares.

2.3 DIREITO E O ESPORTE

Segundo o Dicionário online da Porto Editora, racismo é uma ideia que defende que há superioridade de um determinado grupo de pessoas baseado na diferença entre raças, dos quais propagam-se atitudes discriminatórias contra esse grupo de minoria e marginalizado. Já a xenofobia pode ser definida com desprezo direcionado a estrangeiros. Ambas as formas de discriminação estão previstas na legislação brasileira.

O direito exerce uma função essencial e necessária na estruturação e regulação do futebol em diversas questões, já que a popularidade do esporte influi diretamente na sociedade. Inicialmente, interessa destacar o item 145 da Resolução da Assembleia Geral A/60/L.1 – 2005, o qual ressalta a importância do esporte para integração entre todos, valorização e observação da cultura de paz e os Direitos Humanos.

145. Salientamos que o desporto pode ajudar a promover a paz e o desenvolvimento e contribuir para um clima de tolerância e compreensão, e incentivamos o debate de propostas conducentes a um plano de ação sobre desporto e desenvolvimento na Assembleia Geral.

Extrai-se do referido item dois pontos primordiais: o primeiro é que a Organização das Nações Unidas reconhece o esporte como uma ferramenta de grande relevância para a promoção de integração, paz e desenvolvimento social; o segundo ponto é a necessidade de incentivo à discussão de propostas para elaborar um plano de ação que utilize o esporte como instrumento útil para tal. Visto que esta ferramenta só poderá ser de contribuição se for pensada e implementada dessa maneira, do contrário, poderá servir como obstáculo, contribuindo com a disseminação do discurso de ódio e atos discriminatórios.

Referente à legislação nacional, em janeiro deste ano, foi promulgada a Lei 14.532/2023, que estabelece como crime de racismo a prática de injúria racial, com pena aumentada de dois a cinco anos de reclusão, em substituição à pena anterior de um a três anos (Agência Senado, 2023).

Conforme informado pela Agência Senado (2023), a pena de um a três anos de reclusão permanece para casos de injúria relacionada à religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência. Porém, nos casos relacionados a raça, cor, etnia ou procedência nacional, a pena é aumentada para dois a cinco anos de reclusão. Já os crimes estabelecidos na Lei 7.716 (Lei de Crime Racial), quando ocorridos em contexto de descontração, diversão ou recreação, terão suas penas aumentadas em uma proporção de um terço até a metade. Quando se trata do crime de injúria, envolvendo ofensa à dignidade ou decoro baseado em raça, cor, etnia ou procedência nacional, a pena é aumentada pela metade se o delito for cometido por duas ou mais pessoas.

Já o Código Brasileiro de Justiça Desportiva estabelece em seu artigo 243-G, penalidades para atos discriminatórios relacionados a preconceito por origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. As penalidades incluem suspensão de partidas, multas e perda de pontos para entidades esportivas. Em casos graves, outras penalidades também podem ser aplicadas (IBDD, 2010).

O parágrafo 1º do mesmo artigo prevê que na hipótese de a infração ser realizada ao mesmo tempo por muitas pessoas relacionadas a mesma entidade de prática desportiva, estará sujeita a punição com a perda do número de pontos, e, na reincidência, a perda do dobro de pontos, independente do resultado da partida, e não havendo atribuição de pontos no regulamento da competição, haverá a exclusão do campeonato. Já o parágrafo 2º estabelece que os torcedores que forem identificados praticando tais atos serão impedidos de acessar o local esportivo correspondente por um período mínimo de setecentos e vinte dias (IBDD, 2010).

A Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa) publicou um novo código disciplinar em 2019. O referido código estabelece a possibilidade de perda de pontos, partidas com portões fechados e até a exclusão da competição onde ocorreu o caso. A Fifa estipula que como pena em caso de primeira infração jogar com um número reduzido de torcedores e uma multa de 20 mil francos suíços que equivalem a R$ 110 mil. O novo regulamento traz também a possibilidade de interrupção do jogo e caso isso ocorra será aplicada outra multa de 10 mil francos suíços, que são aproximadamente de R$ 55 mil, com a possibilidade de serem aplicadas outras sanções disciplinares (SCHWARTSMAN, 2021).

2.4 CONDUTA DA JUSTIÇA DESPORTIVA FRENTE AOS ATOS DISCRIMINATÓRIOS

No ano de 2005, o Juventude tornou-se o primeiro clube brasileiro penalizado por racismo. Em partida contra o Internacional, o clube foi punido, pois a torcida imitava um macaco quando o jogador Tinga, do Internacional, tocava na bola. O clube recebeu uma multa de R$ 200 mil e teve o mando de campo retirado por duas partidas. Do caso supra relatado, destaca-se a fala do relator do processo, o qual afirmou que o ocorrido no jogo mostrou que o problema do racismo estaria evoluindo e para combater este mal, deveria ser aplicada uma punição exemplar. Aduzindo que: “Tenho certeza de que no próximo jogo, o primeiro que imitar macaco será denunciado pelos torcedores e será preso” (RADEMAKER, 2005).

No jogo entre Grêmio e Santos pela Copa do Brasil de 2014, os torcedores do time gaúcho proferiram insultos racistas ao goleiro Aranha, do Santos, chamando-o de macaco. Primeiramente, o Grêmio foi excluído da Copa do Brasil daquele ano. No entanto, após o time recorrer, o STJD mudou a punição, aplicando a perda de 3 pontos ao clube, que foi eliminado da competição, além da aplicação de uma multa de R$ 50 mil. A punição foi aplicada também ao árbitro da partida, Wilton Pereira Sampaio, que foi suspenso por 45 dias e multado em R$ 800,00 (oitocentos reais) por não ter indicado de imediato os atos da torcida do Grêmio. Já para o quarto árbitro, Roger Goulart, foram aplicados 30 dias de suspensão e R$ 500,00 (quinhentos reais) de multa. (Terra, 2014).

No jogo entre PSG x Istanbul Basaksehir, ocorrido em dezembro de 2020 pela fase de grupos da Champions League, o árbitro Sebastian Constantin Coltescu foi acusado de racismo, pois teria insultado racialmente o ex-jogador Webó. As imagens revelam Coltescu conversando com outros árbitros romenos e proferindo a palavra negru, que em romeno significa preto, para identificar Webó. Após investigações, a União das Associações Europeias de Futebol – UEFA, entendeu que o árbitro violou o artigo 6, que caracteriza comportamento impróprio, e 11 do Regulamento Disciplinar. Além de suspenso até o fim da temporada de 2020/21, o romeno teve que participar de um programa educacional estabelecido pela UEFA. (ESPN, 2021).

Christophe Galtier, atual técnico do Al-Duhail, será julgado em dezembro deste ano por falas racistas e xenofóbicas ditas na temporada de 2021/22, quando era treinador do time francês Nice. O técnico foi denunciado pelo ex-diretor do clube, o qual relatou que o treinador reclamava da quantidade de jogadores negros e muçulmanos no time, asseverando que não representava a realidade da cidade, dentre outras falas discriminatórias. No texto da intimação consta que Galtier corre risco de ser sentenciado a três anos de prisão e multa de 45 mil euros (R$ 235 mil). (Globo Esporte, 2023).

2.5 (IR)RESPONSABILIDADE DAS LIGAS E ENTIDADES ESPORTIVAS FACE AOS ATOS DISCRIMINATÓRIOS

Segundo Farah (2017), para combater a xenofobia, o racismo e outros tipos de intolerâncias, deve haver mais debates sobre o tema, com deliberações que não se limitem a pensar em ações posteriores à ocorrência dos atos discriminatórios, mas visem impedir que a discriminação seja consumada. À vista disso, evidencia-se ser de grande importância a análise da conduta dos clubes e entidades futebolísticas, visando verificar se estes promovem ações que buscam impedir ou punir as discriminações, de forma a evitar sua ocorrência.

Partindo para exemplos práticos, Vinícius José Paixão de Oliveira Júnior, mais conhecido como Vini Jr., é um jogador de futebol brasileiro que atua pelo clube espanhol e vem se consolidando como um dos principais jogadores de nível mundial. Com o bom futebol e o grande destaque, ele passou a ser alvo de sucessivos ataques racistas em jogos da La Liga. 

Após constantes cobranças, inclusive da própria vítima, que declarou em sua rede social que “o racismo é normal na La Liga”, o presidente da competição expressou-se, dizendo que “Antes de criticar e insultar La Liga, é preciso que você se informe bem Vinícius Júnior”; por fim, o jogador declarou que “mais uma vez, em vez de criticar os racistas, o presidente da La Liga aparece nas redes sociais para me atacar” (Globo Esporte, 2023).

Em maio deste ano, Vinícius foi vítima de racismo praticado pelos torcedores do Valencia. O jogador prestou depoimento em tribunal pelo ocorrido, e após suas declarações o Valencia emitiu nota comunicando que:

“Face à informação publicada sobre a alegada declaração prestada em tribunal pelo jogador de futebol Vinícius Jr., afirmando que todo o Estádio Mestalla lhe lançou insultos racistas no jogo entre Valencia CF e Real Madrid CF na temporada passada, o Clube deseja manifestar a sua surpresa, rejeição e indignação. (…) Os torcedores do Valencia não podem ser classificados como racistas e o Valencia CF exige que Vinicius Jr. retifique publicamente a sua referida declaração desta manhã” (Ge, 2023).

Ainda na audiência referente ao caso do Valencia, os advogados dos três jovens identificados e acusados afirmaram que “é chamado de macaco porque é um provocador” (HOFMAN, 2023). Posteriormente, no mesmo ano, em um jogo contra o Sevilla, o mesmo jogador voltou a ser alvo de ofensas racistas. No entanto, diferentemente do Valencia, o Sevilla em momento algum culpabilizou Vinicius, dando total apoio à vítima. Compartilharam uma nota na qual repudiavam comportamentos xenófobos e racistas, informando também que: “Após detectar comportamento xenófobo e racista de um torcedor em suas arquibancadas, identificaram, expulsaram do estádio e denunciaram imediatamente essa pessoa às autoridades” (Globo Esporte, 2023).

No ano de 2022, Pedro Braco, que é agente de jogadores, foi ao programa espanhol “El Chiringuito” e fez um comentário extremamente racista sobre o jogador. Pedro disse que Vinicius deveria deixar de “fazer macaquice”, devido ao fato de o jogador sempre comemorar os seus gols com danças (Globo Esporte, 2022).

Na copa do mundo de 2022, Roy Keane, ex-jogador e comentarista de futebol, manifestou sua indignação ao ver os jogadores da seleção brasileira dançando para comemorar os gols, declarando que achava desrespeitoso com o adversário (Globo Esporte, 2022). Todavia, observa-se que quando jogadores europeus e brancos dançam para comemorar um gol a repercussão não é a mesma, comentaristas e jogadores não aparecem declarando ser provocação ou desrespeito, a exemplo do jogador francês, Griezmann que faz a dança inspirada em um jogo eletrônico e nunca houve nenhuma polêmica voltada para isso.

 Fato é que a nota de repúdio do Valencia, a fala dos advogados, de Pedro Braco e do ex-jogador Roy Keane, munem e escusam os racistas e xenófobos, fazendo com que se sintam cada vez mais à vontade para ir aos estádios e praticar discriminações. Posturas como estas devem ser exemplos do que não fazer ou falar na ocorrência, e para evitar o acontecimento destes casos.

Nessa toada, sabe-se que o direito penal tem caráter subsidiário e age em última ratio, respeitando o princípio da ofensividade (REALE, 2020). Neste sentido, a FIFA, as confederações, as ligas e os clubes devem ter em mente que, a princípio, têm maior responsabilidade em combater tais condutas, reforçando a importância de inibir a discriminação antes que ela ocorra.

Nas competições organizadas pela Confederação Sul-Americana de Futebol, a CONMEBOL, observam-se constantes atos de racismo e xenofobia contra os brasileiros, tanto torcedores quanto jogadores. Os casos são tão recorrentes que para a final da Libertadores da América deste ano, disputada entre Fluminense e Boca Juniors, no Brasil, o clube argentino alertou os torcedores pedindo para que não fossem racistas ou xenófobos. O comunicado expedido pelo clube carregava recomendações das quais constavam pedido para evitar insultos e provocações ao povo brasileiro e as penas para quem praticasse este crime. (Globo Esporte, 2023).

Conforme a matéria de Janone e Barreto (2022), um levantamento do Observatório Racial do Futebol evidencia que, no ano de 2022, o futebol sul-americano bateu recorde em casos de injúria racial, com seis ocorrências na Libertadores e três na Copa Sul-Americana. Como medida, a CONMEBOL elevou a multa de US$ 30 mil (trinta mil dólares) para US$ 100 mil (cem mil dólares) para o clube cujo torcedor praticar discriminação “por motivação de cor de pele, raça, sexo, orientação sexual, etnia, idioma, credo ou origem”, bem como a possibilidade de o time jogar sem torcida ou o fechamento parcial do estádio do clube.

Para o diretor do Observatório Racial do Futebol, a quantidade de ocorrências está aumentando em decorrência da “maior consciência dos torcedores, que agora estão denunciando mais”. Em contrapartida, Marcel Tonini, doutor em História Social pela USP e pesquisador do Centro de Referência do Futebol Brasileiro do Museu do Futebol, diz que a impunidade é um fator que impulsiona esse tipo de conduta, afirmando que “ainda temos a ideia de que os estádios são entendidos como um espaço e tempo que permitem que as pessoas expressem todas as emoções. Isso não é regional. Isso acontece no mundo inteiro” (JANONE e BARRETO, 2022).

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) foi a primeira entidade a adotar uma punição esportiva em casos de racismo. Ainda neste ano, os Ministérios da Igualdade Racial e o Ministério do Esporte assinaram com a CBF um protocolo de intenções que visa empenhar no combate ao racismo, incentivando a diversidade e a inclusão racial no esporte por meio de políticas de enfrentamento a discriminação. Na promoção do referido projeto, ocorreu uma ação de mídia durante a final da Copa do Brasil, na qual estava presente a mensagem “Com racismo não tem jogo”. Houve também a divulgação do Disque 100, canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e da Justiça. (CBF, 2023).

Com base na análise dos muitos casos envolvendo a discriminação racial e étnica, acredita-se que os dois pontos de vista estão corretos. O tema está sendo mais falado hoje em dia, despertando em alguns a consciência de repúdio e denúncia de tais atos. Por outro lado, acredita-se que as entidades diretamente ligadas ao futebol ainda não atuam de forma satisfatória para combater a impunidade frente a esses casos.

2.6 EFEITOS SOCIAIS DA IMPUNIBILIDADE FRENTE A ATOS DISCRIMINATÓRIOS NO FUTEBOL

O time Lazio da Itália é conhecido por entoar cantos preconceituosos que exaltam o fascismo. No ano de 2021, durante uma apresentação com uma águia (animal símbolo do clube), um dos funcionários se dirigiu aos torcedores realizando uma saudação fascista em alusão a Mussolini. Face ao ocorrido, o presidente da União das Comunidades Judaicas na Itália (UCEI), Noemi Di Segni, proferiu uma nota de repúdio da qual importa destacar a seguinte afirmação: “O mundo do futebol deve livrar-se dos fascistas e dos portadores do ódio, ódio que se espalha dos campos de futebol às praças públicas” (GZH Esportes, 2021).

Segundo Snowden (1995), o preconceito e a discriminação racial são problemas persistentes no convívio social. Acredita-se que esse problema presente na sociedade é levado aos estádios e, pela popularidade do esporte, quando a discriminação ocorrida dentro desses espaços não é punida ou é punida indevidamente, influi na ocorrência de mais casos de racismo e xenofobia na sociedade, formando um ciclo interminável.

Segundo o Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol (2021), uma das consequências que se revelam decorrentes das discriminações nos estádios ocorre quando uma pessoa preta é abordada por andar em um carro de luxo, quando é insultada ou olhada de forma estranha ao frequentar ambientes de alto padrão. Afirma-se que essas pessoas são, primeiramente, diminuídas, vítimas de uma estrutura que “segrega, hostiliza, menospreza e, em muitas vezes, condena injustamente”.

Para Luiz Carlos de Paula Salles e Ronaldo Figueiredo Brito, a impunidade mancha os valores éticos da sociedade gerando exclusão, revoltas e consequentemente descredibiliza a ordem jurídica do país, instaurando-se um caos social, observe-se: 

“A impunidade põe em risco a paz social, o bem comum, a segurança pública, as instituições públicas e particulares, a inversão dos valores do certo e do errado, dos valores éticos, cívicos e morais, causando a estagnação e o descrédito do país, criando castas acima da lei e consequente revolta dos desfavorecidos”. 

No livro “Processos Psicossociais de Exclusão Social”, Lima (2020), traz o que acredita ser uma das principais consequências maléficas da ocorrência de discriminações na sociedade, afirmando que atos discriminatórios colocam negros e brancos em posição de desigualdade, e essa desigualdade é percebida pelas crianças. O autor também apresenta o pensamento de dois outros autores, os quais aduzem que:

Durante os anos escolares, as crianças não só observam, mas também reproduzem processos de discriminação contra membros de grupos socialmente desvalorizados (da Costa Silva & França, 2016; Rutland & Killen, 2015). Desta-ca-se que o preconceito e a discriminação tendem a causar danos negativos sobre o desenvolvimento das crianças pertencentes a minorias sociais, as quais tendem a construir imagens negativas de si mesmas (Trinidad, 2016).

Seguindo as afirmações de da Costa Silva, França, Rutland, Killen e de Trinidad, as crianças, ao observarem o comportamento ao seu redor, têm a tendência de emular padrões de discriminação direcionados a indivíduos pertencentes a grupos marginalizados na sociedade. Esse seria o principal fator de risco, visto que as crianças representam o futuro da sociedade, sendo de suma importância educar indivíduos livres de todo e qualquer preconceito.

Além disso, argumenta sobre outro efeito social grave, que é o impacto prejudicial no desenvolvimento e na autoestima de crianças que fazem parte dessas minorias sociais, as quais formam concepções desfavoráveis de sua própria identidade, podendo afetar até mesmo a aquisição de habilidades sociocognitivas (Abrams, Van de Vyver, Pelletier, & Cameron, 2015; França & Monteiro, 2013).

3 ANÁLISE DOS RESULTADOS

No decorrer deste estudo, foram examinados os aspectos históricos da discriminação no futebol, a sua popularidade a nível mundial, a relação entre o direito e o esporte, a conduta da justiça desportiva e entes esportivos frente aos atos discriminatórios. Também se discutiu os efeitos sociais da impunidade em relação a tais atos. Ao final, conclui-se que ao observar o histórico do futebol no Brasil, fica claro que o esporte, em seu início, era extremamente elitista e discriminatório, com barreiras que impediam a participação de negros e pessoas de classes sociais mais baixas. No entanto, ao longo do tempo, os clubes perceberam que a diversidade e inclusão melhoravam a qualidade do futebol, levando a uma mudança significativa na abordagem em relação à discriminação racial e étnica.

Os efeitos sociais da impunidade em relação a atos discriminatórios no futebol são profundos. Além de perpetuar estereótipos prejudiciais, que promovem segregação e condenações injustas, a discriminação compromete os valores éticos da sociedade, gerando exclusão, revoltas e minando a credibilidade da ordem jurídica do país, resultando em um estado de caos social, bem como, afeta a autoestima e o desenvolvimento de crianças pertencentes a estas minorias sociais. Portanto, a luta contra a discriminação no esporte não é apenas uma questão esportiva, mas também uma questão social e educacional.

Tem-se que de forma geral, para combater o racismo nos estádios, é necessário adotar uma abordagem ampla, que englobe ações educativas, conscientização, punições severas para os responsáveis e promoção da diversidade e inclusão. É fundamental envolver as autoridades esportivas, clubes, jogadores e torcedores nesse processo. Face ao exposto nos tópicos anteriores, observa-se que os clubes estão sendo penalizados financeiramente. No entanto, a continuidade da ocorrência desses fatos indica a necessidade de punições mais pontuais.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A popularidade do futebol a nível mundial é inegável, e a sua capacidade de unir pessoas de diferentes origens é evidente. No entanto, esse esporte também reflete os desafios sociais e a discriminação presente em muitas sociedades. Nesse contexto, a atuação do direito desempenha um papel importante na regulação do futebol, incentivando a integração, a cultura de paz e o respeito aos direitos humanos. 

As recentes mudanças legislativas no Brasil, como a Lei 14.532/2023, que estabelece penas mais rigorosas para atos de racismo, demonstram um compromisso em combater a discriminação no esporte. Além disso, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva também prevê penalidades para atos discriminatórios relacionados a preconceito por origem étnica, raça, sexo, cor, idade e condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. 

No entanto, a aplicação efetiva dessas leis e regulamentos ainda é um desafio, e a impunidade continua a ser uma questão preocupante. A análise de casos recentes envolvendo discriminação racial no futebol, como o incidente com Vinícius Júnior e os casos na América do Sul, destaca a importância de uma resposta mais rigorosa e eficaz por parte das autoridades esportivas. Para resolver essa problemática, é essencial adotar uma abordagem ampla que inclua educação, conscientização, punições mais rigorosas para os responsáveis e a promoção da diversidade e inclusão. 

As autoridades esportivas, os clubes, os jogadores e os torcedores desempenham um papel crucial nesse processo. Além disso, a aplicação mais contundente de penalidades, como a perda de pontos ou a exclusão direta de competições, pode ter um impacto mais significativo na prevenção da discriminação. Em última análise, a luta contra a discriminação racial e étnica no futebol é um esforço contínuo que requer a colaboração de todos os envolvidos no esporte. Somente através de uma abordagem abrangente e ação efetiva, podemos esperar criar um ambiente de igualdade e respeito no futebol, refletindo assim os valores que o esporte pode verdadeiramente representar.

Defende-se a aplicação mais contundente do artigo 243-G § 1º, 2º e 3º do CBJD, os quais estabelecem a possibilidade de perda de pontos ou exclusão direta do campeonato. Já atinente ao criminoso identificado com atitudes ou falas racistas e/ou xenofóbicas, defende-se que seja aplicada uma suspensão temporária e, caso o mesmo torcedor venha a praticar algum tipo de discriminação dentro dos estádios novamente, que seja permanentemente impedido de frequentar o estádio.

Fato é que a punição por meio de multa não tem o impacto necessário no torcedor. Já o sistema de perda de pontos ou exclusão de um campeonato causaria mais comoção naqueles que frequentam o estádio, os quais contribuiriam com a identificação dos infratores, participando ativamente no combate à discriminação. Para além disso, o Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol preceitua: 

Não é apenas se preocupar para que o clube não seja multado por um ato preconceituoso, mas sim entender que aquela expressão, que aquele canto ou aquela atitude está buscando menosprezar alguém, rebaixar uma pessoa, tirar a sua dignidade. Que ali há um ser humano que está sendo insultado, seja um pai ou uma mãe que chegará em casa e terá que explicar para os filhos o que aconteceu. (Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol, 2021).

Para Zamora (2012), o racismo é um algo que está em constante evolução, modificando-se ao longo dos tempos e apresentando-se de diferentes maneiras, havendo a árdua tarefa de garantir o direito à igualdade ao lidar com suas adaptações. O autor estabelece que o fortalecimento no combate à discriminação racial e a promoção da igualdade ocorrem por meio da devida punição, quando deve ser reforçado o caráter repressivo do direito. Afirma ainda que a incitação à igualdade e fortalecimento do aspecto promocional do direito, bem como o incentivo à valorização da diversidade e a implementação de programas educativos e campanhas de sensibilização são fatores primordiais no combate às discriminações.

REFERÊNCIAS

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1 Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Ages Senhor do Bonfim. E-mail: polipoliscsantos@gmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito da Ages. 2023. Orientador: Prof. João Lucas Lino Vasconcelos, Bacharel em Direito e Professor.