DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS: DA OMISSÃO ESTATAL À IMPORTÂNCIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS EM PROL DO ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10702119


Vinícius Fonseca-Nunes1


RESUMO

O objetivo deste artigo é arrazoar sobre a ineficácia da promoção de políticas públicas e, portanto, da ação estatal, referente à implementação das normas de Direitos Humanos Fundamentais Sociais no Brasil, com base na sã doutrina juspolítica e filosófica, que gera a demanda da organização democrática da sociedade civil organizada em movimentos sociais que venham a executar medidas de enfrentamento da realidade social brasileira em prol do Estado de Bem-Estar Social. Como é sabido, a Carta Magna brasileira possui um enorme arcabouço normativo de princípios e de regras de Direitos Humanos Fundamentais, o qual foi positivado na mesma após a conquista de valores que a humanidade construiu depois de séculos de lutas e mais lutas provenientes de vários movimentos sociais, mas que não é implementado em sua grande maioria na vida quotidiana de muitos brasileiros. Tratar-se-á, então, de levar o leitor o leitor à reflexão sobre o papel dos movimentos sociais na concretização da efetivação do conteúdo dos Direitos Humanos Fundamentais Sociais que são, per se, contrariamente à lógica de mercado perversa do Estado mínimo, direitos básicos necessários para que todos os seres humanos vivam com dignidade.

Palavras-Chave: Direitos Humanos Fundamentais; Movimentos Sociais; Estado de Bem-Estar Social.

1 Introdução

Os Direitos Humanos têm origem nas transformações que a humanidade passou e surgiram por causa das demandas e necessidades do homem em sua existência, sendo eles, portanto, um apanágio incontestável da vida humana, fato que os torna imprescindíveis na realidade do ser humano no mundo contemporâneo. Na Constituição brasileira de 1988, as cinco gerações de Direitos Humanos foram positivadas, tornando-se fundamentais, de sorte que a referida Carta Magna instiga um verdadeiro Estado do Bem-estar social, mas será que o chamado Welfare State se concretizou na realidade brasileira?

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 representa uma grande conquista em termos de Direitos Humanos Fundamentais, visto que a mesma positivou em seu bojo todas as normas atinentes à Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, mas a eficácia destas normas necessita da direta intervenção do Estado na economia e na sociedade. A efetividade, ou materialização, dos Direitos Humanos depende, também, em certa medida, da atuação da sociedade civil organizada, a qual deve constantemente cobrar do Estado o cumprimento de seu dever constitucional, pois a democracia (que colocou nas mãos do povo a soberania do poder) exige a participação popular, ainda que exista a representatividade parlamentar.

O Brasil possui um arcabouço legislativo, como se sabe, adequado para a implantação e a efetivação dos Direitos Humanos para a população, mas, empiricamente, não há no país uma rede de proteção efetiva destes direitos. Em termos de Direitos Humanos de primeira geração há no país, de certa forma, respeito aos mesmos de um modo geral, mas quando se trata de direitos sociais (de segunda geração) a questão torna-se mais complicada, posto que os mesmos encontram óbices e obstáculos à sua implantação.  

Nas palavras de Vaz (2007, p. 31): “a Constituição Federal de 1988 é uma das mais avançadas do mundo em relação à proteção dos direitos humanos e a primeira brasileira a elencar o princípio da prevalência dos direitos humanos como fundamental às relações internacionais do estado”1, e nela, pode-se dizer, há o imperativo da execução de diversos serviços obrigatórios por parte do Estado frente à população (como ocorre em seu artigo sexto, por exemplo, e em vários outros dispositivos), mas, infelizmente, diversos tipos de serviços assistenciais de caráter público, elencados pela Carta Política, reconhecidos como sociais, não têm efetividade na realidade do país. O Brasil, de fato, nunca chegou a estruturar, apesar das previsões normativas constitucionais para tanto, um Estado de Bem-estar, diferentemente do que ocorreu em muitos países de primeiro mundo.

Dessarte, apesar de o Estado brasileiro não poder se eximir de seu papel de ser promotor, e indutor, da efetivação dos Direitos Humanos Fundamentais Sociais, devendo fomentar ações próprias, regular e executar políticas públicas necessárias ao desenvolvimento da população com dignidade, visto que a República Federativa do Brasil deve resguardar a dignidade da pessoa humana, como está previsto no artigo segundo, inciso III, da Constituição Federal de 1988, o mesmo, que é arrecadador, e possuidor do dever precípuo de implementar os direitos sociais que o constituinte elegeu como necessários ao mínimo existencial, foge de sua responsabilidade, fato que obriga a sociedade civil a se organizar na forma de movimentos sociais para a cobrança política e para a implementação dos valores expressos na Carta Magna.  

2 Dimensões históricas dos Direitos Humanos

Preliminarmente, é preciso dizer que pensar em Direitos Humanos como simples direitos não reflete a realidade, visto que eles são fruto de grandes conquistas históricas decorrentes de uma variada gama de lutas do ser humano em diversos contextos sociais e em diferentes épocas, que tiveram a finalidade de interromper as arbitrariedades nefastas do Estado frente ao indivíduo e, também, que tiveram a finalidade de melhorar as relações dos seres humanos uns com os outros e com a coletividade.

Assim, para falar de efetivação dos Direitos Humanos, faz-se necessário tratar de suas dimensões históricas. Para começar, deve-se dizer que a primeira geração, ou dimensão, dos Direitos Humanos está relacionada, na modernidade (com o surgimento do Estado liberal), à emancipação dos direitos individuais, políticos e de nacionalidade. Eles são direitos cuja efetivação necessita da negativa prestação estatal, ou seja, da abstenção do Estado, da não interferência do Estado na vida dos cidadãos, de modo que os indivíduos pertencentes a determinada nacionalidade sejam livres em seu ir e vir, livres para se associar, livres em suas opiniões, livres na manutenção de suas propriedades, livres para gerir as suas vidas como queiram e livres politicamente para escolherem os seus representantes de governo.

Quanto aos Direitos Humanos de segunda geração, ou dimensão, os mesmos possuem grandeza social, cultural e econômica, e eles são fruto de uma gestação do viés coletivo e não mais do indivíduo (e dos direitos individuais naturais, como ocorreu na primeira geração de direitos), principalmente após as lutas sociais do século XIX contra o Estado liberal burguês. Os Direitos Humanos de segunda geração são imperativos, de modo que a sua efetivação necessita da presença positiva do Estado. Enquanto nos Direitos Humanos de primeira geração a sua violação se deu pela atuação do Estado, no que se refere aos Direitos Humanos de segunda geração a interferência do Estado é obrigatória para a sua efetivação, sendo a sua omissão uma verdadeira violação.  

Os Direitos Humanos de terceira geração, ou dimensão, dizem respeito aos direitos difusos, transindividuais, supraindividuais ou metaindividuais. Eles são os direitos resultantes da organização internacional, principalmente no pós-Segunda Guerra Mundial, são direitos de fraternidade e solidariedade, difusos e coletivos, como a paz, o desenvolvimento, o meio ambiente, a autodeterminação dos povos, a proteção internacional ao consumidor e outros. São direitos difusos no sentido de que, via de regra, não determinam os seus titulares, nem mensuram o número exato de beneficiários; e são direitos coletivos no sentido de que, quanto aos seus titulares, estes compartilham de uma mesma condição jurídica.   

Há ainda, doutrinariamente, os Direitos Humanos de quarta e de quinta geração, ou dimensão. Os Direitos Humanos de quarta geração seriam aqueles resultantes da globalização, dos quais são exemplos: o direito à democracia, à informação, ao pluralismo e, para alguns, principalmente, a bioética e os avanços da engenharia genética, visto que o poder científico do homem e a rapidez das descobertas biológicas, pela biotecnologia, levam o homem, a sociedade, e o Direito, a diversos questionamentos éticos. E os Direitos Humanos de quinta geração, dimensão, seriam, em síntese, aqueles relacionados normativamente ao direito à paz.

Apresentadas as gerações, ou dimensões, doutrinárias de Direitos Humanos Fundamentais, passemos à análise dos Direitos Humanos de segunda geração, ou sociais, da sua eficácia na sociedade brasileira, e do papel dos movimentos sociais.

3 Considerações sobre os Direitos Humanos Sociais (de segunda geração), sobre a sua eficácia no Brasil e sobre os movimentos sociais pátrios

Os direitos sociais, Direitos Humanos de segunda geração, ou dimensão, desde a manufatura e a consolidação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (DUDH), foram incorporados em diversas constituições de países em todo o mundo, e também na Constituição Federal brasileira de 1988, juntamente com os direitos fundamentais civis e políticos de primeira dimensão, garantindo condições para o bem-estar social, fomentando, por exemplo, direitos à previdência social, ao trabalho digno (com garantia de salários e de trabalhos iguais), à moradia, ao lazer, ao repouso, à maternidade e à infância, à alimentação, ao respeito ao credo religioso etc.

Desse modo, os direitos sociais são direitos que reclamam do Estado prestações positivas, e que têm por objetivo a redução das desigualdades sociais e o bem-estar social. Segundo o doutrinador Carlos Weis (1999, p. 39):

Em seu início, os direitos sociais se limitavam a proteger os trabalhadores. Os direitos sociais surgiram em função da desumana situação em que vivia a população pobre das cidades industrializadas da Europa Ocidental, em resposta ao tratamento oferecido pelo capitalismo industrial e diante da inércia própria do Estado liberal, em meados do século XIX (WEIS, 1999, p. 39).

Assim, desde a sua concepção, em oposição ao tratamento desumano proporcionado pelo capitalismo industrial liberal, a existência da reivindicação dos direitos sociais exigiu imperatividade, de modo que a sua efetivação necessitou, e necessita ainda, da presença positiva do Estado. Os direitos sociais necessitam, portanto, para a sua efetivação, da interferência do Estado, de modo que a sua omissão incorre em uma verdadeira violação.

De acordo com o doutrinador Paulo Bonavides (2010, p. 564), os direitos sociais, Direitos Humanos de segunda dimensão, “nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula”. E, conforme Marcos Sampaio (2013), no contexto atual, em que já houve a conquista e a positivação dos direitos sociais nas constituições, “a realização dos direitos fundamentais sociais goza de proteção jurisdicional, formulada de distintos modos, dentre os quais a proibição de retrocesso social”, de modo que:

A vedação do retrocesso social, ou a não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais, significa que, uma vez consagradas normativa e faticamente as referidas prestações sociais, não é dado eliminá-las sem o imediato estabelecimento de alternativas ou compensações […]. O conteúdo essencial dos direitos sociais, além de impor uma configuração dos direitos sociais, sob pena de omissão inconstitucional, gera a proibição efetiva de reduzir ou retroceder as conquistas já feitas, no plano da legislação (SAMPAIO, 2013, s/n).

Destarte, dentro do contexto constitucional brasileiro, em consonância com Rafael Moreira Nogueira (2006, p. 47):

A Constituição ao declarar direitos sociais impõe “a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta” o gozo de tais direitos pelos seus beneficiários “sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal” (NOGUEIRA, 2006, p. 47).

Neste sentido, tratar dos direitos sociais é tratar de questões que envolvem a vedação do retrocesso social com a consequente efetivação da dignidade humana dos indivíduos da população, as quais podem ser resolvidas, precipuamente, a partir da ação do poder público do Estado frente às necessidades e mazelas humanas dentro de seu território. Assim, conforme Vera da Silva Telles (1998, p. 37):

Falar dos direitos sociais é um modo de se apropriar da herança (uma certa herança) da modernidade e de assumir a promessa de igualdade e justiça com que acenaram. Mas ao invés de tomar isso como dado plenamente objetivado na história e agora traído ou negado pela fase atual de reestruturação do capitalismo mundial, trata-se de coisa muito diferente – trata-se de tomar os direitos sociais como cifra pela qual se problematiza os tempos que correm e, a partir daí, quem sabe, formular as perguntas que correspondam às urgências que a atualidade vem colocando (TELLES, 1998, p. 37).

Neste tocante, para que haja maior efetividade na prestação dos direitos sociais no interior de nossa nação, com as devidas ações estatais, faz-se mister o papel dos movimentos sociais, os quais estão ligados à resolução de problemas sociais. Estes movimentos oportunizam ações locais, onde o “olho” do Estado não enxerga, e, também, oportunizam ações mais abrangentes, que transcorrem os limites locais, para solução de problemas pertinentes (com ações que envolvem a cidadania).

Com a insuficiência do marxismo tradicional, desde a década de 1970, em descrever o universo das lutas sociais, o surgimento das lutas através de movimentos sociais mais ou menos organizados, transcendendo a antiga luta de classes, lutando contra opressões, em favor de princípios democráticos de base, valorizando as liberdades individuais e coletivas e a efetivação de direitos sociais constantes na DUDH, ganhou destaque no cenário mundial e também no bojo do contexto político brasileiro.

Os movimentos sociais se tornaram, no Brasil, instrumentos de intervenção e pressão política, chamando o Estado, e os seus representantes políticos, ao debate sobre questões da sociedade que envolvem direitos básicos da população que eram, e que são, negligenciados ou repisados. Isto porque, apesar das conquistas que o Brasil teve, em termos de positivação de Direitos Humanos em sede constitucional, não houve, desde 1988, grandes reduções nos índices de desigualdade social e de pobreza da população, ocorrendo uma verdadeira violação dos ditames constitucionais normativos referentes aos direitos sociais e à evolução do Estado enquanto Estado Democrático de Direito.

A prestação dos Direitos Humanos Fundamentais sociais, enquanto dever do Estado brasileiro, como é sabido, está positivada no artigo sexto da Constituição Federal de 1988, e em diversos outros artigos do mesmo diploma legal, porém a sua efetivação se dá de forma ineficiente, ou, até, não se dá em muitos casos. O estado de bem-estar no Brasil, verdadeiramente, não se dá na mesma medida da formosura do texto constitucional. Com base em dados oficiais recentes, por exemplo, o país possui, neste momento, cerca de 14 milhões e 800 mil desempregados, a saúde pública está um caos, a Previdência pública está passando por um processo de enxugamento de concessão de benefícios, mais de 33 milhões de brasileiros não têm moradia, e a educação e a segurança pública estão em colapso.

Além do mais, os direitos aqui discutidos, tidos como sociais, têm sofrido um ataque constante, no Brasil, como em muitos outros países do mundo, do neoliberalismo. Conforme Augusto Jubei Hoshino Rizzo, na revista Carta Capital2, “desde a década de 1980, sob os nomes de modernização ou neoliberalismo, efetivaram-se em escala internacional inúmeros ataques contundentes não somente ao que usualmente se chama de “Estado de bem-estar social”, mas à própria compreensão do que constitui a esfera pública da sociedade”. De acordo com o autor, ainda:

[…] com o avanço das medidas neoliberais, implicitamente se esvazia o próprio conteúdo da cidadania, pois se retiram dela os aspectos da vida humana que por meio da luta política foram reconhecidos como preocupações coletivas, e que passam a ser compreendidos como interesses particulares a serem mercantilizados e explorados para gerar lucro (RIZZO, 2020, s/n).

Os Direitos Humanos Fundamentais são, per se, os direitos e as liberdades básicas necessários para que todos os seres humanos vivam com dignidade. São aqueles que, também, obrigam o Estado a promover o acesso à população a oportunidades de educação, à superação das desigualdades sociais, a uma saúde pública não precária, à transparência no uso do poder, e a inúmeros outros direitos. Diante das inúmeras mazelas que abocanham a população brasileira, contudo, urge a necessidade da intervenção estatal em prol do Bem-Estar Social e faz-se necessária a participação popular nos negócios democráticos do Estado, para que os problemas mais graves de nossa sociedade, tais como fome, violência, falta de saneamento básico, opressões, saúde pública precária, e tantas outros, sejam diluídos até o ponto de se tornaram inexistentes. A efetividade dos Direitos Humanos necessita, portanto, de políticas públicas eficientes por parte do poder constituído e da sociedade civil organizada lutando por aquilo que é direito seu.

Neste ínterim, todavia, os movimentos sociais em nosso país, dado o descaso do Estado brasileiro em concretizar e efetivar, de fato, os direitos sociais fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, em prol da vedação do retrocesso social, e contra os princípios nocivos do neoliberalismo, têm um papel crucial na luta pelas tradicionais reivindicações acerca dos Direitos Humanos de segunda dimensão, devendo os mesmos, ainda, modernizar-se e assumir novos paradigmas de batalha e de defesa dos princípios humanitários que devem incidir de forma pragmática sobre a vida da população brasileira.

3 Conclusão

Dado o exposto neste artigo, pode-se dizer que os Direitos Humanos Fundamentais para serem efetivos não podem ser apresentados, apenas, como uma mera criação legislativa, mas como uma criação historicamente conquistada e construída por toda a sociedade, e que culturalmente devem ir ao encontro dia após dia de sua efetivação. Assim, deve-se compreender o que vem a ser a efetividade. Segundo Luis Roberto Barroso (2002) a efetividade é:

A realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social (BARROSO, 2002, p. 85).

De acordo com José Afonso da Silva (2001), a efetividade jurídica:

Designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos nela indicados; nesse sentido, a eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica, e não efetividade (SILVA, 2001, p. 66)

Assim, então, pode-se asseverar que a efetividade das normas de Direitos Humanos Fundamentais apresentadas constitui-se no alcance dos objetivos das mesmas no mundo material pragmático da realidade quotidiana, designando uma efetiva conduta que esteja acorde com a conduta prevista pela norma. E, neste sentido, no contexto do que vem sendo apresentado, a efetivação dos Direitos Humanos Fundamentais Sociais no Brasil depende, em concordância com Wang (2006, p. 3): “da realização de políticas públicas por parte do Estado, o que faz com que a proteção de um direito social se dê pela ação estatal, e a violação pela omissão do poder público”3.

Isto posto, não se pode olvidar que para a realização efetiva dos Direitos Humanos Fundamentais Sociais na sociedade brasileira e do Bem-Estar Social, o Estado brasileiro não deveria se eximir de seu papel, e, muito menos, cumprir com uma agenda neoliberal (de Estado mínimo), apenas incentivando os particulares a cumprir com o seus desígnios sociais de forma desamparada, em meio a uma economia de mercado perversa, porque a ideia da transferência da responsabilidade do Estado para a sociedade civil é um projeto perverso que, na verdade, apregoa uma ideologia mercadológica que camufla um projeto de poder de grupos econômicos e de classes políticas mais abastadas e menos comprometidas com a sociedade brasileira.

Contudo, por fim, deve-se afirmar que na falta de medidas estatais efetivas de implementação de políticas positivas promotoras dos Direitos Humanos Fundamentais Sociais, os movimentos sociais, mediante ações coletivas, debates, pressões políticas e manifestações populares, possuem um papel fundamental na construção de uma sociedade brasileira mais justa, livre, solidária, com redução das desigualdades sociais e com direitos sociais efetivados, na qual os cidadãos, contribuintes em sua maioria, e pouco conhecedores de seus direitos e garantias, responsabilidades e obrigações, podem apropriar-se do conceito de Hannah Arendt (2006, p. 324), que afirma que o “próprio Homem seria a sua origem e seu objetivo último”, posto que, conforme leciona Pierre Bordieu (2001, p. 19):

Não existe política social sem um movimento social capaz de impô-la, e que não é o mercado, como se tenta convencer hoje em dia, mas sim o movimento social que “civilizou” a economia de mercado, contribuindo ao mesmo tempo enormemente para sua eficiência. [Os movimentos sociais] criam ou recriam formas de ação originais, em seus fins e seus meios, de forte conteúdo simbólico. Orientam-se para objetivos precisos, concretos e importantes para a vida social […]. Exaltam a solidariedade, que é o princípio tácito da maioria de suas lutas, além de se esforçarem para exercê- las tanto por ação (encarregando-se de todos os “sem-”) como pela forma de organização que são dotados (BOURDIEU, 2001, p. 19).


1VAZ, Anderson Rosa. A cláusula da reserva do financeiramente possível como instrumento de efetivação planejada dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Revista de Direito Constitucional e Internacional, a. 15, n. 61, out./dez. 2007. P. 31.

2https://www.cartacapital.com.br/blogs/lado/neoliberalismo-e-direitos-sociais-um-ataque-a-cidadania

3WANG, Daniel Wei liang. Escassez de recursos, custos dos direitos e reserva do possível na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Monografia. Sociedade Brasileira de Direito Público – Escola de Formação, 2006. p. 3.

REFERÊNCIAS

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WEIS, Carlos. Os direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 1999.

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Mestre e Doutorando em Memória: Linguagem e Sociedade pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)
Instituição: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)
Endereço: Vitória da Conquista – BA, Brasil
Especialista em Direitos Humanos pela Faculdade Internacional Signorelli
E-mail: vinicius.fnunes@gmail.com