DIREITOS E LIMITAÇÕES DOS COLECIONADORES, ATIRADORES DESPORTIVOS E CAÇADORES (CAC’s) APÓS O DECRETO DE REGULAÇÃO DAS ARMAS

RIGHTS AND LIMITATIONS OF COLLECTORS, SPORTS SHOOTERS AND HUNTERS (CAC’s) AFTER THE GUNS REGULATION DECREE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10968689


Matheus Augusto de Souza Borges1,
Vitor Cortizo Martins2,
Guilherme Soares Vieira3


RESUMO

O trabalho tem como objetivo investigar as implicações e desafios introduzidos pelo Decreto n° 11.615 de 21 de julho de 2023 para os direitos e limitações dos colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CAC’s). O Decreto n° 11.615/23 se apresenta como um marco significativo nesse contexto, pois alinha as práticas desses grupos às diretrizes já estabelecidas pela Lei n° 10.826/2003. A Lei n° 10.826 evidencia a vontade do Estado em regular, de maneira eficiente e eficaz, a circulação de armas de fogo em todo o território nacional. A metodologia deste estudo adota uma abordagem qualitativa e bibliográfica, priorizando a análise interpretativa e sistemática de fontes jurídicas e acadêmicas relativas ao tema em questão. Conclui-se que a regulamentação das armas de fogo no Brasil é um tema sensível e complexo, que demanda uma abordagem cuidadosa e baseada em evidências. É fundamental que qualquer mudança na legislação seja pautada pelo diálogo e pelo respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos, incluindo o direito à segurança e à autodefesa, sem deixar de lado a necessidade de prevenção da violência e do crime armado.

Palavras-chave: Atiradores e Colecionadores (CAC’s). Decretos e Regulamentações. Direito e Política de Armamento.

1 INTRODUÇÃO

A promulgação do Decreto n° 11.615/23 marca um marco importante na regulamentação das armas de fogo no Brasil. Este decreto, que entrou em vigor em 2023, trouxe consigo uma série de mudanças significativas nas regras e procedimentos relacionados à posse, porte e uso desses dispositivos. Elaborado com o intuito de promover maior controle e segurança no acesso às armas, o decreto tem despertado debates acalorados e gerado controvérsias em diversos setores da sociedade.

Nesse contexto, em virtude das alterações normativas introduzidas pelo Decreto n° 11.615 de 21 de julho de 2023, investiga-se: De que maneira as modificações impactaram os direitos e limitações previamente detidos pelos colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CAC’s), conforme as diretrizes anteriores à legislação em questão? Quais desafios e implicações emergiram para estes grupos e para as autoridades competentes na implementação das novas regras e procedimentos?

O objetivo geral é investigar as implicações e desafios introduzidos pelo Decreto n° 11.615 de 21 de julho de 2023 para os direitos e limitações dos colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CAC’s). Os objetivos específicos foram estudar o panorama legislativo do decreto n° 11.615/23 e sua aplicação aos CAC’s; avaliar a fiscalização, o controle e a segurança pública posterior ao decreto n° 11.615/23 e examinar o decreto n° 11.615/23 em contraste com normas anteriores: avanços, retrocessos, conflitos jurídicos e analise de jurisprudências 

Este tema foi escolhido porque o Decreto n° 11.615/23, em sintonia com a Lei n° 10.826 de 22 de Dezembro de 2003, que dispõe sobre o registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição e define o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, introduz alterações significativas na regulamentação das atividades de colecionadores, atiradores esportivos e caçadores (CAC’s) no Brasil. O novo decreto não apenas reconfigura os direitos individuais desses grupos, mas também redefine estratégias de segurança pública, fiscalização e controle.

A metodologia deste estudo adota uma abordagem qualitativa e bibliográfica, priorizando a análise interpretativa e sistemática de fontes jurídicas e acadêmicas relativas ao tema em questão. Inicialmente, foi realizada uma revisão bibliográfica meticulosa em bases de dados jurídicas renomadas, bibliotecas virtuais e repositórios acadêmicos.

2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 O PANORAMA LEGISLATIVO DO DECRETO N° 11.615/23 E SUA APLICAÇÃO AOS CAC’s

O Decreto n° 11.615/23, que versa sobre a regulação de armas de fogo em todo o território nacional, um marco regulatório que tem gerado debates acalorados e opiniões divergentes na sociedade brasileira. Promulgado com o intuito de redefinir as políticas relacionadas ao porte e posse de armamentos. O Decreto n° 11.615/23, que versa sobre a regulação de armas de fogo em todo o território nacional, um marco regulatório que tem gerado debates acalorados e opiniões divergentes na sociedade brasileira (JARDIM, 2023) 

Promulgado com o intuito de redefinir as políticas relacionadas ao porte e posse de armamentos. Portanto, a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, comumente referida como o Estatuto do Desarmamento, configura-se como um marco legal primordial na regulamentação da posse, registro, e comercialização de armas de fogo e munições no Brasil (RAMOS, 2023). Ainda segundo, Ramos (2023), tal legislação, intrínseca ao Sistema Nacional de Armas (Sinarm) que opera sob a égide da Polícia Federal, atende a uma multiplicidade de objetivos que vão desde a identificação das características das armas de fogo, até o registro e acompanhamento de ocorrências que envolvem extravios, furtos e roubos de armas. A legislação é excepcionalmente detalhada, abarcando vários artigos que atendem a especificidades como a identificação do cano da arma e as características das impressões de raiamento e microestriamento de projétil disparado.

O Art. 1º do Estatuto estabelece o escopo de atuação do Sinarm em todo o território nacional. Esta territorialidade completa permite uma atuação integrada e centralizada, uma necessidade dada a gravidade e o alcance das questões relacionadas ao armamento. Os subitens do Art. 2º delineiam com maior especificidade as responsabilidades do Sinarm, abrangendo desde o cadastro de armas produzidas até o monitoramento e atualização de ocorrências que possam afetar os dados cadastrais, tais como furtos ou extravios (ALMEIDA, 2023).

Dessa forma, Pereira (2023) delineia que a Lei n° 10.826 evidencia a vontade do Estado em regular, de maneira eficiente e eficaz, a circulação de armas de fogo no Brasil. No entanto, é importante ressaltar que essa legislação não é fixa e precisa ser constantemente avaliada e ajustada para lidar com as complexidades que surgem no cenário sociopolítico do Brasil. Essa capacidade de se adaptar é fundamental para garantir que o sistema jurídico brasileiro esteja sempre em sintonia com as demandas contemporâneas, buscando equilibrar a liberdade individual e o bem-estar coletivo no contexto do armamento, buscando uma abordagem que atende aos desafios da sociedade.

Para Gonçalves (2023) a questão complexa que envolve a temática da regulação de armas de fogo no Brasil não se limita apenas aos debates políticos e acadêmicos, mas também tem impactos significativos na ordem social e na segurança pública. A Partir disto, o Decreto nº 11.615/23 surge como um documento normativo que busca conciliar interesses e responsabilidades, tanto institucionais quanto individuais, relacionados a esse tema.

O Decreto nº 11.615/23 também se destaca pelo sistema de governança que estabelece, atribuindo ao Sistema Nacional de Armas (Sinarm), instituído no âmbito da Polícia Federal, a responsabilidade pelo cadastro e monitoramento de armas e munições. Esta decisão representa um esforço em centralizar e coordenar as atividades de supervisão e controle, visando uma gestão mais eficaz e transparente das informações. Este sistema, além de fornecer dados cruciais para a política de segurança pública, também se propõe a agilizar procedimentos administrativos, como registros e autorizações, que até então eram considerados morosos e burocráticos (GONÇALVES, 2023).

Para Gonçalves (2023), ao estabelecer diretrizes para a posse e o porte de armas, assim como o tipo de munição autorizada, o decreto introduz um nível de rigor científico que orienta decisões judiciais, políticas públicas e debates sociais. O texto normativo busca equilibrar as variações complexas que afetam a circulação de armas de fogo no Brasil, abrangendo considerações relacionadas à segurança pública, direitos individuais e requisitos técnicos.

Jardim (2023) enfatiza que o decreto incentiva um exame minucioso dos procedimentos de registro e controle de armas de fogo, incorporando medidas mais rigorosas de fiscalização e monitoramento. As diretrizes atualizadas não só intensificam os esforços para combater o comércio ilícito de armas, mas também dão prioridade à transparência e à eficiência na administração deste domínio altamente delicado. Esta iniciativa marca uma conquista significativa na prossecução de uma estratégia de segurança mais eficiente que se alinhe com os requisitos e circunstâncias da nação

Em sequência histórica, o Decreto n. 9.685, de 15 de janeiro de 2019, trouxe modificações relevantes ao Decreto 5.123 de 2004, que antes regulava o Estatuto do Desarmamento. A mudança mais notável foi a presunção de veracidade da declaração de efetiva necessidade para adquirir armamento. Além disso, estendeu-se a efetiva necessidade para o porte de armas a categorias específicas, como residentes em áreas rurais e urbanas com altos índices de violência (REBOUÇAS, 2023).

No mesmo ano, sob a administração de Jair Bolsonaro, com uma inclinação claramente pró-armamentista, ocorreram outras alterações significativas. O Decreto n° 9.846 ampliou consideravelmente a lista de pessoas autorizadas a portar armas. Isso incluiu CACs com Certificado de Registro de Arma de Fogo expedido pelo Comando do Exército, Advogados, Oficiais de Justiça, políticos durante o mandato, entre outros (CHIARELOTO, 2021).  

Avançando no tempo, o Decreto 10.629/2021 permite que os indivíduos com Certificado de Registro de Arma de Fogo, conhecidos como CACs, carreguem armas curtas como pistolas ou revólveres, já carregadas e prontas para serem usadas. Esta autorização é válida em qualquer momento enquanto se deslocam entre o local onde guardam a arma e os lugares destinados a treinos, testes, competições, manutenções, caça ou abate. Contudo, essa permissão não está formalizada em qualquer lei específica. O decreto também fixa que atiradores e caçadores, que já são proprietários de armas, têm a possibilidade de comprar até 1.000 munições e materiais para a recarga de até 2.000 cartuchos para cada arma de uso restrito. Além disso, eles podem adquirir até 5.000 munições e insumos para a recarga de até 5.000 cartuchos para cada arma que possuam autorização para uso (VITÓRIA, 2023).

O Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019) introduziu mudanças significativas na legislação penal e processual penal brasileira. Entre as alterações, destaca-se o endurecimento das penas para posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, comércio ilegal e tráfico internacional (ALBERO, 2022). Mais recentemente o Ministério da Justiça e Segurança Pública (2023), lançou uma nota sobre o Decreto n° 11.615 de 2023, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, simboliza uma mudança paradigmática, atuando em contraposição a uma série de decretos e normas que flexibilizavam o acesso às armas. 

Em específico, Vitória (2023) ressalta que o decreto revoga leis que flexibilizavam o acesso às armas, focando na suspensão dos registros de aquisição e transferência de armas e munições de uso limitado para CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) e particulares. Trata-se de um ponto crítico, já que afeta diretamente um grupo que tinha gozado de certas liberdades nos anos anteriores. Consequentemente, essa decisão reflete uma nova abordagem do governo em relação ao controle de armas, priorizando a segurança pública e o combate à violência armada.

2.1 Impacto imediato nas normativas precedentes

O novo decreto brasileiro sobre o controle de armas de fogo representa uma mudança substancial nas políticas de armamento para Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs), além de impor novas diretrizes para a aquisição de armas destinadas à defesa pessoal. Em termos de defesa pessoal, o decreto resgata a exigência de “efetiva necessidade” como critério para aquisição de armas, limitando a quantidade permitida de armas para dois por cidadão e estabelecendo uma cota anual de 50 munições por arma. Tal paradigma constitui um contraste notável em relação às normas anteriores, que permitiam a posse de até quatro armas e a aquisição de até 200 munições por arma a cada ano (DOLZAN, 2023).

Algumas das principais mudanças ao regime aplicável aos CACs foram: Comprovação de “efetiva necessidade” para a aquisição de armas por CACs (art. 15, III, parágrafos 1º e 3º; Proibição da compra e venda de armas e munições de uso restrito, exceto para atiradores nível 3 e para caçadores excepcionais de espécie invasora (art. 13); Proibição de porte de arma municiada em deslocamentos para treinos e competições (art. 21, parágrafo único, e art. 33, parágrafo 1º); Fim do tiro recreativo para aqueles não registrados no Exército como CACs (art. 34, parágrafo 6º); Filiação obrigatória de atirador a um clube de tiro (art. 35) (LIMA et al., 2023). 

Além dessas modificações, de acordo com Pereira (2023), houve uma revisão nos critérios para a concessão e renovação dos registros, com a implementação de medidas mais rigorosas de avaliação da idoneidade e capacidade técnica dos candidatos a CACs. Adicionalmente, o decreto estabeleceu diretrizes mais claras para o armazenamento seguro das armas e munições, visando evitar desvios e garantir que esses equipamentos estejam sempre sob controle adequado. Outro ponto relevante é a intensificação das exigências para participação em eventos de tiro, com a imposição de padrões mais elevados de desempenho e frequência para os atiradores de níveis superiores. 

Pereira (2023) informa que a validade do Certificado de Registro de Arma de Fogo (CRAF) foi ajustada para acomodar diferentes categorias: colecionadores, atiradores esportivos e caçadores excepcionais têm validade de 3 anos; a posse de arma de fogo para caça de subsistência é válida por 5 anos; as empresas de segurança privada têm validade de 5 anos; e profissionais de segurança pública têm prazo de validade indeterminado. Além disso, as entidades de tiro esportivo são obrigadas a respeitar o distanciamento mínimo de 1 km das escolas e funcionar entre 6h e 22h. Essas entidades tiveram carência de 18 meses para cumprir as novas normas de distanciamento previstas no Decreto.

Gonçalves (2023) menciona que o objetivo dessas medidas possui sentido duplo, como o de melhorar a regulamentação das armas de fogo e garantir que apenas indivíduos qualificados e responsáveis possam obtê-las. E ao mesmo tempo, impor restrições ao número e tipos de armas detidas pelos colecionadores, com capacidade de impedir o desvio e garantir documentação e supervisão adequadas. No entanto, essa limitações podem ter consequências adversas para os entusiastas e colecionadores de tiro desportivo, impedindo potencialmente as suas atividades e interesses legais. 

3 A FISCALIZAÇÃO, O CONTROLE E A SEGURANÇA PÚBLICA POSTERIOR AO DECRETO N° 11.615/23

São devidamente regulados por meio da Lei nº 10.826/2003 o registro, o comércio, fiscalização e posse de armas e munição no país, conhecido por Estatuto do Desarmamento, profundamente alterado durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, com a edição de mais de quarenta atos normativos entre 2019 e 2021, a fim de flexibilizar as disposições do diploma legal, conforme dados disponibilizados pela ABRASCO (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) (DOLZAN, 2023).

Entretanto, em 2023, o então atual presidente Lula, publicou o Decreto nº 11.615/2023, alterando significativamente o Estatuto, trazendo, conforme disposto ainda no preâmbulo do Decreto, que as regras e procedimentos com relação a aquisição, posse e porte, cadastro e comercialização destas armas em atividades de caça excepcional, de sustento, desportivas e de colecionador, dispondo de estrutura do Sistema Nacional de Armas (SINARM) (BRASIL, 2023).

Atualmente, conforme explica ainda Loyola Filho (2018) o sistema de controle baseia-se em dois sistemas integrados: o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (SIGMA), vinculado ao Exército Brasileiro, regulando o armamento dentro das forças armadas, ele gerencia o registro, controle e as atividades relacionadas às armas utilizadas pelas instituições militares; e o Sistema Nacional de Armas (SINARM), vinculado ao Departamento da Polícia Federal, é responsável pelo controle e regulamentação de todas as demais armas no território nacional. Ele abrange armas em posse de civis, incluindo aquelas utilizadas por forças de segurança estaduais (como as Polícias Militares) que não são parte das Forças Armadas. 

Esses sistemas tem a função de regulamentar o acesso, posse, porte, registro e demais atividades relacionadas a armas de fogo no país. O controle rigoroso é uma medida destinada a garantir a segurança pública, prevenir crimes relacionados a armas e promover um ambiente seguro para a população em geral. Inicialmente, o diploma normativo que regulava tais mecanismos pelo Decreto nº 9.847/2019. Contudo, as deliberações acerca do SINARM foram revogadas pelo Decreto nº 11.615/2023, que, conforme já citado em linhas supra, tratou de regulamentar e estruturar melhor e mais detalhadamente o SINARM (GONÇALVES, 2023).

Logo em seu artigo 1º, o Decreto 11.615/2023, tratou de definir como finalidade do Sistema Nacional de Armas a conservação de cadastro geral, interligado e constante de armas, licenças de porte expedidas pela Polícia Federal, transferências de propriedades, interdição de armas, entre outras situações, a fim de manter-se um acervo informacional extenso das questões que norteiam a regulação, controle e fiscalização dessas armas (BRASIL, 2023).

Conforme disposto no Decreto nº 9.847/2019, ao regulamentar Sistema de Gerenciamento Militar de Armas, composto pelo campo da Administração do Exército do Ministério da Defesa, estabelece diretrizes específicas relacionadas ao cadastro nacional das armas de fogo. Conforme mencionado no artigo 4º esse sistema é parte integrante do campo da administração do Exército, tendo a responsabilidade de alimentar o mesmo, por armas, produzidas, importadas e distribuídas no Brasil, desde que essas armas não estejam contidas no artigo 3º (BRASIL, 2019). 

Logo, percebe-se que a competência do órgão é residual, fazendo o controle das armas de uso reservado, determinadas pelo artigo 12 do Decreto 11.615/2023, que são armas de uso restrito do Comando do Exército e da Polícia Federal: armas de fogo automática, armas de pressão por gás ou mola, armas de fogo de porte que sua munição saia de cano de prova, armas de fogo portáteis, longas, de alma lisa, e armas de fogo não portáteis (BRASIL, 2023).  

Gonçalves (2023) enfatiza que diretamente subordinado ao Comando do Exército, o órgão armazena dados relativos à arma de fogo e ao dono, além de também serem nele cadastrados dados referentes aos responsáveis pelo comércio autorizado de armas, acessórios e munições de todo o território brasileiro, conforme dispõe os artigos 5º e 7º do Decreto nº 9.847/2019. Além disso, a competência é do Sigma a autorização do ingresso em território nacional de armas e munição para uso em competições oficiais de tiro, de maneira que é expedido porte de trânsito específico para este fim.

O Estatuto do Desarmamento, previa, de fato, que a autorização do porte de armas de fogo para CAC’S é do Comando do Exército, essa contribuição é estabelecida no artigo 9º bem da referida lei. Como a autorização e fiscalização do registro e porte de trânsito das armas de fogo, conforme disposto no artigo 24 deste mesmo documento também é atribuída ao Comando do Exército. Já nas alterações do Decreto, no parágrafo segundo do artigo 7º, passa a prever que é de competência do SINARM o registro e armazenamento de informações relativas as armas de fogo do grupo, até que seja implementado o trabalho interligado do órgão com o Sigma. Ademais, passou a prever ainda a necessidade de comprovação de efetiva necessidade para aquisição de armas, bem como deslocou do Exército para a Polícia Federal a jurisdição para fiscalização do armamento e munição adquiridos (SALES, 2023).

Enquanto tal interoperabilidade ainda não ocorre de forma plena, o Governo Federal expõe, a migração do cadastro dessas armas ocorre desde janeiro desse ano, no qual os registros dos CACs serão retirados do Exército e repassados para a Polícia Federal, seguindo, nas palavras do atual Ministro da Justiça, Flávio Dino, o que determinava a Lei, desde 2003, e deixando a competência do Sigma restrita aos órgãos da segurança pública (ALBUQUERQUE; VASCONCELOS, 2023). De forma mais autoritária, o novo Decreto trouxe maior restrição no que diz respeito a aquisição e registro dessas armas de fogo e munição pelos CAC’s, evidenciando o objetivo desarmamentista, tanto do novo Presidente, quanto do Estatuto em si. 

3.1 Implicações para a segurança pública e prevenção de ilícitos: análise do impacto do decreto na segurança pública e na prevenção de abusos ou atividades ilegais

Quanto as inovações apresentadas pela publicação do Decreto 11.615/2023, se espera, como consequência lógica da maior rigidez do controle e supervisionamento do posse e porte de armas de fogo, maior segurança da população. Quando proclamada em 2003, a Lei nº 10.826 segundo Bezerra e Lopes (2022) afetou negativamente o comércio legalizado de armas de fogo, devido as exigências legais e o alto do custo de sua aquisição. 

Entretanto, o diploma legal não evitou o comércio ilegal de armas. Dados do Viva Rio (2010) e da Subcomissão de Armas do Congresso Nacional, a respeito do mapa do tráfico ilícito de armas no país, mostraram que quase metade das armas de fogo circulantes no Brasil é ilegal, da mesma forma que se verificou o aumento dos índices de assassinatos por armas de fogo (BEZERRA; LOPES, 2022). Para Bezerra e Lopes (2022), foi registrado um número maior de assassinatos por armas de fogo após a adoção do controle de armas implementado com a edição do Estatuto. Spina (2023) explicou tal fenômeno, que diz, embora a lei seja severa e prediga a presença de órgãos que fiscalizem a fabricação e o comércio dessas armas de fogo, com capacidade para assinalar as propriedades de cada uma delas, por meio do cadastro nacional com o apontamento da arma e do seu respectivo dono.

As novas medidas de controle previstas no Decreto 11.615/2023 pendem a gerar o mesmo movimento: aumento de armas de forma ilegal circulando e o seu uso de maneira descabida. Logo, percebe-se que, ainda que a tendência seja a coerção ao porte e posse de armas, mesmo que seu uso seja condenado e reservado no território nacional, esta não surge efeito ante ao comércio ilegal. Os bandidos de baixo ou alto escalão não possui dificuldade para adquirir estas armas, e também não pedem permissão para os órgãos regulamentadores (FERREIRA, 2023). Dados da última edição do Atlas da Violência (2019) mostram que em 2016, antes da flexibilização proposta por Jair Bolsonaro, os assassinatos originados por armas de fogo foi visivelmente maior do que em 2019, em que Bolsonaro já havia flexibilizado a aquisição e o porte dos armamentos. Goiás, por exemplo, registrou 2.143 mortes por arma de fogo em 2016, já em 2019 o número cai para 1.457 (IPEA, 2019).

Nucci (2008), possui o posicionamento favorável ao desarmamento, considerando correta a postura do legislador em concentrar o controle do armamento nas mãos do Estado. Logo, a tendência é, caso a nova atualização legislativa siga o mesmo fluxo de receptividade social da versão inédita do Estatuto do Desarmamento, também resultar em ineficácia da medida enquanto política de contenção da violência no Brasil. 

4 O DECRETO N° 11.615/23 EM CONTRASTE COM NORMAS ANTERIORES: AVANÇOS, RETROCESSOS E CONFLITOS JURÍDICOS 

A legislação sobre armas de fogo no Brasil passou por significativas mudanças ao longo da história. Durante a colonização, o porte e a propriedade eram livres. No entanto, as restrições surgiram a surgir no Brasil Imperial em 1835 com o Código Penal do Império, onde o uso de armas era tido como ofensiva (Proibida). O histórico legislativo sobre o controle de armas de fogo no Brasil remonta a 1934, com a criação do Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105), que restringiu o uso civil a calibres menores. Em 1937, foram estabelecidas as primeiras restrições ao porte, posse e uso de armas de fogo, introduzindo a figura jurídica do “Porte de Arma”. Durante o período militar em 1969, houve revisões no tipo penal, aumentando as penalidades e impondo novas restrições, criminalizando a importação, fabricação e posse sem permissão das autoridades, refletindo uma mudança na orientação das armas de fogo no país (MENDONÇA, 2023).

Cabette (2023) complementa que o objetivo deste decreto, recém-assinado, é estabelecer novas diretrizes para a aplicação da Lei Nº 10.826 de 2003, conhecida como Estatuto do Desarmamento. Entre as medidas de controle introduzidas pelo decreto, incluem-se a redução do limite de munições, a restrição de calibres, a significativa redução no número máximo de armas permitidas, o fim definitivo ao porte de trânsito e um aumento na burocracia para obtenção do Certificado de Registro (CR).

A avaliação das limitações e ampliações impostas pelo Decreto 11.615/23 em relação às legislações antecedentes revela um panorama complexo, marcado por avanços significativos e desafios a serem superados. O Decreto 11.615/2023, novo regramento que substitui o Decreto 11.366, assinado no primeiro dia da atual gestão, 1 de janeiro, retoma medidas importantes para a política de controle de armas e munições no país e corrige distorções das normas editadas entre 2019 e 2022 (BRASIL, 2023).

Segundo Gonçalves (2023), a nova regulamentação, mais próxima ao regime anterior a 2019, e inclusive mais restrita do que este, deixa de tratar como armamento permitido os de calibres universalmente utilizados para defesa pessoal. Portanto, o decreto 11.615/2023, inova ao prever casos de uso permitido e restrito de acordo com o tamanho do armamento, rompendo com as sucessivas regulamentações da lei.  A maior diferença em relação ao regime imediatamente anterior se encontra na previsão do inciso III do caput do artigo 15, ao prever a necessidade de comprovação da efetiva necessidade para a posse do armamento, não apenas para a obtenção do porte (LIMA et al, 2023).  

Embora o atual Governo Federal discorde da política armamentista, far-se-á necessário preservar o respeito à ordem hierárquica normativa, respeitando sempre os direitos individuais e coletivos presentes na Constituição Federal. É importante que haja um equilíbrio entre a liberdade individual de posse de armas e a responsabilidade do Estado em garantir a segurança pública. Além disso, é imperativo que sejam promovidos investimentos em políticas sociais e de prevenção à violência, visando abordar as causas subjacentes ao aumento da criminalidade e garantir uma sociedade mais justa e pacífica (SANDERSON, 2023). 

Para Dilay (2023), o Decreto 11.615/23 tem suscitado debates acalorados acerca de seu impacto tanto nos direitos individuais quanto no interesse público. Ao regulamentar questões sensíveis como o acesso e porte de armas de fogo, este decreto busca equilibrar a preservação dos direitos individuais dos cidadãos com a promoção da segurança coletiva, representando um desafio complexo para o Estado.

Contudo, conforme relatado no site institucional do Senado Notícias (2023), dois projetos foram propostos em oposição ao decreto 11.614/2023, um foi elaborado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) com o respaldo de outros dez senadores. O PDL 193/2023 foi apresentado, argumentando que o referido decreto excedeu a competência legislativa do Congresso ao estabelecer novas atribuições e modificar competências previamente estabelecidas. Adicionalmente, o mencionado senador a Polícia Federal pode ter deficiência na gestão do sistema de registro de armas. Em mensagem de vídeo publicada nas redes sociais, Flávio vinculou o decreto a uma “agenda para desmonte do Brasil” e antecipou que a medida legislativa teria resistência no Congresso.

De acordo com o Senado Notícias (2023, p. 01), o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) afirmou que: 

O Decreto 11.614/2023 tem por finalidade apelar aos criminosos, assassinos e estupradores, bem como às suas vítimas desarmadas, isto irá facilitar seus esforços. A oposição e os legisladores que compreendem as verdadeiras preocupações do país já manifestaram o seu apoio ao nosso esforço. Destruir as armas da população é uma armadilha.

De acordo com o autor do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 190/2023, o senador Luís Carlos Heinze (PP-RS) (2023), o decreto em questão é objeto de críticas por violar diversos pontos da Constituição, ultrapassar os limites do poder regulamentar do Executivo e diminuir o exercício de direitos garantidos pelo Estatuto do Desarmamento (RENKOVSKI, 2023). Em seguida, Renkovski (2023) complementa que o senador Luís Carlos Heinze enfatiza a intervenção ilegal do governo em uma atividade econômica que contribui para a geração de empregos e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

Nessa acepção, Costa et al (2023) divulgam que referentes ao Decreto n. 11.615/2023, foi extrapolado o que dele se ambicionava como disciplina suplementar do Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/2003). O Decreto passa a existir com a manifesta finalidade de acordar as medidas armamentistas mais permissivas adotadas pelo governo anterior. Entretanto, esse decreto acabou procedendo consequências exageradas e, surpreendente, envolvendo assuntos que excedem muito o escopo da Lei n. 10.826/2003.

A seguir apresenta-se uma decisão judicial em relação ao Decreto 11.615/2023. O caso é divulgado por Henrique (2023) entende-se que o mesmo era o próprio advogado do caso, referente a renovação do porte de arma. O impetrante, detentor de um revólver calibre .357 Mag, obteve o porte por requerimento válido até 10 de agosto de 2023. Entretanto, a renovação foi negada com base no novo decreto, que reclassificou armas como o 357 Mag de uso permitido para restrito. A regra de transição, contida no art. 79 do decreto, permite que proprietários mantenham armas de calibre restrito, adquirindo munições correspondentes, sem alterar a finalidade do armamento. No entanto, a decisão da Autoridade Policial parece não ter considerado essa regra, levando à extinção do pleito sob a alegação de perda do objeto (HENRIQUE, 2023).

Portanto, Henrique (2023) ressalta que a análise do impetrante e do art. 79 do Decreto nº 11.615/2023 sugere plausibilidade nas alegações. A regra de transição garante o direito dos proprietários de armas restritas. A decisão da Autoridade Policial levanta dúvidas sobre a sua fundamentação. Consequentemente, a renovação do porte de arma para o impetrante parece justificada. A Decisão Judicial em 13/11/2023, o Magistrado, ao deferir a liminar no Mandado de Segurança para o porte de arma de fogo do impetrante, reconheceu a plausibilidade da medida solicitada pelo advogado. A decisão baseia-se na análise preliminar do caso, destacando que o único obstáculo para a renovação é o calibre, agora restrito pelo Decreto nº 11.615/2023. A concessão da tutela provisória demonstra a importância da jurisdição rápida em situações urgentes. O magistrado reconhece a urgência em restabelecer o direito do impetrante, especialmente diante do novo enquadramento do calibre como restrito. Assim, determina que a Autoridade Policial proceda à renovação do porte de arma de fogo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo possibilitou uma análise mais profunda das diversas vertentes que cercam o debate sobre a flexibilização do armamento no Brasil. É evidente que se trata de um assunto controverso, suscitando debates acalorados, visto que o país não possui um consenso claro sobre a liberação ou restrição do porte de armas. No entanto, é importante reconhecer que o Decreto nº 11.615/23 foi elaborado com o objetivo de promover maior controle e segurança no acesso às armas de fogo, buscando evitar sua utilização indevida e prevenir a ocorrência de crimes. Nesse sentido, o decreto estabeleceu novos critérios e requisitos para a concessão de autorizações e registros para CACs, visando garantir que apenas indivíduos idôneos e capacitados possam adquirir e manter armamentos.

Um dos principais pontos de discussão refere-se à reclassificação de determinados calibres como de uso restrito, o que impacta diretamente a posse e o transporte de certos tipos de armas pelos CACs. Além disso, as exigências mais rigorosas em relação à comprovação de necessidade e capacidade técnica para a posse de armas de fogo também são fonte de preocupação para os CACs, que temem que tais requisitos possam dificultar ou até mesmo impossibilitar a obtenção de autorizações e registros.

Embora a flexibilização possa aumentar o acesso da população às armas, o que realmente é necessário é uma aplicação mais rigorosa das leis contra o uso ilegal e a participação em crimes. Entretanto, essa não tem sido a realidade do Brasil, onde a população se encontra desarmada e vulnerável diante de criminosos armados. Considerando ainda a positividade do referendo de 2005, destaca que repetir tal processo, seria muito interessante, que fosse permitido uma decisão pública acerca da flexibilização ou não, do acesso às armas ou não, como já aconteceu. Por fim, cabe ressaltar que a regulamentação das armas de fogo no Brasil é um tema sensível e complexo, que demanda uma abordagem cuidadosa e baseada em evidências. 

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1Discente do Curso Superior de Direito da Instituição Universidade Evangélica de Goiás Campus Ceres. E-mail: matheusaugusto205.ma@gmail.com 

2Docente do Curso Superior de Direito da Instituição Universidade Evangélica de Goiás Campus Ceres. E-mail: cortizo1979@gmail.com

3Diretor do campus Ceres da Universidade Evangélica de Goiás e Coordenador do curso de Direito. E-mail: guilherme.vieira@unievangelica.edu.br