DIREITO DE GREVE DE EMPREGADOS PÚBLICOS DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA E INDIRETA.

RIGHT TO STRIKE FOR PUBLIC EMPLOYEES OF THE DIRECT AND INDIRECT ADMINISTRATION.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202412131603


Maria Clara Cordeiro Escossia1


Resumo

O presente artigo aborda as relações contratuais de trabalho na Administração Pública, em especial busca analisar a possibilidade e os limites do exercício do direito à greve pelos servidores públicos. Diferentemente do direito conferido àqueles que não integram a Administração Direta ou Indireta, é necessário observar regras e limites mais rígidos, a fim de evitar que sejam violados direitos da população em geral. O trabalho traça um pequeno resumo da evolução histórica do direito à greve e, em seguida, analisa as principais correntes doutrinárias sobre o tema. Por fim, se debruça sobre as decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, nas quais as Cortes buscaram estabelecer limites e contornos diante da lacuna legislativa.

Palavras-chave: Relações de trabalho. Administração Pública. Direito de greve.

1. INTRODUÇÃO

A temática do direito à greve dos servidores públicos é marcada por grandes controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais ao longo do tempo. Isso porque, conforme leciona Rafael Oliveira, o exercício desse direito pelos servidores “deve ser exercido dentro de certos limites para não se pode colocar em risco o princípio da continuidade do serviço público” (OLIVEIRA, 2020, p. 1086). O fato de a previsão constitucional de extensão do direito à greve aos servidores públicos ter sido, em um primeiro momento, lida como norma de eficácia limitada e com a mora do Poder Legislativo em editar lei específica regulamentadora sobre o tema deixou um espaço em branco sobre o qual doutrinadores e juristas se debruçaram ao longo dos anos.

Diante da inércia legislativa, os Tribunais foram instados a tentar sanear a questão e conferir contornos a esse direito que não pode ser impossibilitado de ser exercido pelo não cumprimento das obrigações do legislador nacional.

II BREVE PANORAMA HISTÓRICO DO DIREITO À GREVE

• O direito de greve dos servidores públicos foi uma importante inovação assegurada pela Constituição de 1988, pondo fim a discussão acerca da possibilidade de realização de greve no serviço público.

A ordem constitucional anterior vedava expressamente em seu art. 157, § 7º, a greve de servidores públicos. A Constituição Federal de 1967 assim enunciava: “não será permitida greve nos serviços públicos e atividades essenciais, definidas em lei”.

No entanto, diante do caráter de direito social fundamental expressamente reconhecido pela Constituição de 1988, não havia espaço para impedir o servidor público de valer-se da greve para garantir seus direitos, enquanto direito fundamental instrumental que é.

Assim, o texto constitucional promulgado contemplou todos os trabalhadores com a prerrogativa de exercê-lo, ressalvados os servidores públicos militares. O art. 37, VII, enunciava que o direito de greve dos servidores públicos seria exercido “nos termos e nos limites definidos em lei complementar”.

No entanto, após a Emenda Constitucional nº 19, de 1988, o direito de greve dos servidores públicos passou a ser disposto na seguinte forma, em seu art. 37, VII, veja-se:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;

Importante ressaltar que referida normativa se aplica aos servidores públicos de pessoas jurídicas de direito público, não sendo aplicáveis aos empregados públicos das empresas estatais, uma vez que estes estão submetidos ao regime celetista e a eles se aplica o art. 9º da CF/882. Isto é, podem exercer seu direito de greve em conformidade coma Lei nº 7.783/89.

Até o presente momento, referida lei específica que seria responsável por regulamentar a matéria não foi editada. Em um primeiro momento, o Supremo Tribunal Federal entendia que o art. 37, VII, da CF/88 era norma de eficácia limitada ou norma não aplicável. Isto é, o direito de greve dos servidores públicos só poderia ser exercido de maneira legítima após a promulgação de lei específica regulando a matéria.

Todavia, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MI 708, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, alterou sua posição e passou a entender que, mesmo sem haver a lei prevista no art. 37, VII, da CF/88, os servidores públicos podem fazer greve, não sendo considerado o ato ilícito.

Nesse caso, enquanto não houver a edição da lei, a greve dos servidores públicos será regulamentada pela Lei nº 7.701/88 e Lei nº 7.783/89, que regem a greve no âmbito privado.

III DOS LIMITES E CONTORNOS DO EXERCÍCIO DO DIREITO À GREVE PELOS SERVIDORES PÚBLICOS CONFERIDOS PELO STF E STJ

Em relação ao exercício da greve em si, é certo que há uma série de requisitos para que essa classe possa exercer seus direitos. Isto é, deve haver um equilíbrio entre o exercício do direito de greve e a essencialidade dos serviços públicos.

Dessa forma, é necessário verificar no caso concreto: a) a tentativa de negociação prévia, direta e pacífica; b) a frustração ou a impossibilidade de negociação ou de se estabelecer uma agenda comum; c) a existência decisão assemblear prévia à deflagração; d) comunicação aos interessados, no caso, ao ente da Administração Pública a que a categoria se encontre vinculada e à população, com antecedência mínima de 72 horas (uma vez que todo serviço público é atividade essencial); e) a utilização de meios pacíficos; e f) a garantia de que continuarão sendo prestados os serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades dos administrados (usuários ou destinatários dos serviços) e à sociedade.

Dentre as temáticas acerca do tema que foram objeto de grande controvérsia, pode-se citar a questão da possibilidade ou não da Administração Pública descontar da remuneração os dias em que houve a paralisação.

O Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, no julgamento do RE 693456/RJ, sob relatoria do. Min. Dias Toffoli, julgado em 27/10/2016, fixou a seguinte tese: “A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre. É permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público.”

Ou seja, em regra, é permitido o desconto dos dias em que houve paralisação em razão do exercício do direito de greve, salvo se verifique que a greve foi decorrente de conduta ilícita do Poder Público, como atraso no pagamento, hipótese em que a remuneração permanecerá sendo paga na sua integralidade.

Veja-se o acórdão na íntegra:

Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Questão de ordem. Formulação de pedido de desistência da ação no recurso extraordinário em que reconhecida a repercussão geral da matéria. Impossibilidade. Mandado de segurança. Servidores públicos civis e direito de greve. Descontos dos dias parados em razão do movimento grevista. Possibilidade. Reafirmação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Recurso do qual se conhece em parte, relativamente à qual é provido.

  1. O Tribunal, por maioria, resolveu questão de ordem no sentido de não se admitir a desistência do mandado de segurança, firmando a tese da impossibilidade de desistência de qualquer recurso ou mesmo de ação após o reconhecimento de repercussão geral da questão constitucional.
  2. A deflagração de greve por servidor público civil corresponde à suspensão do trabalho e, ainda que a greve não seja abusiva, como regra, a remuneração dos dias de paralisação não deve ser paga.
  3. O desconto somente não se realizará se a greve tiver sido provocada por atraso no pagamento aos servidores públicos civis ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão da relação funcional ou de trabalho, tais como aquelas em que o ente da administração ou o empregador tenha contribuído, mediante conduta recriminável, para que a greve ocorresse ou em que haja negociação sobre a compensação dos dias parados ou mesmo o parcelamento dos descontos.
  4. Fixada a seguinte tese de repercussão geral: “A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público”.
  5. Recurso extraordinário provido na parte de que a Corte conhece.
    STF. Plenário. RE 693456/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 27/10/2016 (repercussão geral) (Info 845).

O Superior Tribunal de Justiça decidiu que não é necessário que seja realizado processo administrativo prévio para que sejam realizados os descontos na remuneração. Isso porque, eles decorrem da suspensão do vínculo funcional (STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 780.209/SC, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 24/5/2016).

Outrossim, não se mostra razoável que referido desconto seja feito em parcela única sobre a remuneração do servidor público, diante da sua natureza alimentar (RMS 49.339-SP, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 6/10/2016). Dessa forma, é permitido o parcelamento dos descontos decorrentes do exercício de greve.

Ainda, importante ressaltar que é possível que os descontos na remuneração sejam substituídos por compensação de dias e horas paradas, todavia esse aspecto está inserido no âmbito da discricionariedade administrativa, sendo uma faculdade do Poder Público apenas.

Outro aspecto que chegou ao Supremo Tribunal Federal diz respeito à competência para decidir se a greve é legal ou não. Isto é, hipótese em que haja divergência acerca da abusividade da greve entre servidores e Administração Pública.

Conforme MI 708, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, julgado em 25/10/2007, a competência para julgar questões relativas à greve dos servidores públicos é da Justiça Comum, federal ou estadual. Esse entendimento permanece ainda que se trate de empregado público, dotado de vínculo celetista, veja-se:

A justiça comum, federal ou estadual, é competente para julgar a abusividade de greve de servidores públicos celetistas da Administração pública direta, autarquias e fundações públicas.
STF. Plenário. RE 846854/SP, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 1º/8/2017 (repercussão geral) (Info 871).

Entretanto, cabe pontuar que se trata de matéria controversa, havendo entendimento doutrinário em sentido diverso. Rafael de Oliveira leciona que:

Em nossa opinião, a competência para julgamento das causas que discutem o direito de greve dos servidores celetistas deveria ser da Justiça do Trabalho, na forma do art. 114, I, da CRFB, cabendo à Justiça comum o julgamento das causas que envolvam os servidores estatutários. (OLIVEIRA, 2020, p. 1088)

Em relação à competência ser da justiça federal ou estadual, deverá ser verificado no caso concreto se os servidores públicos são, respectivamente, da União ou dos Estados e Municípios.

Nesse aspecto, se a greve for deflagrada por servidores municipais ou estaduais e estiver limitada a um único Estado, o Tribunal de Justiça local será competente, em razão da aplicação analógica do art. 6º da Lei nº 7.701/88.

Outrossim, caso se verifique o movimento grevista ocorre no âmbito do serviço público federal, estando limitada a uma região da Justiça Federal apenas, o TRF local será dotado de competência para julgar o caso, por aplicação analógica do art. 6º da Lei nº 7.701/88.

Ainda, em aplicação analógica do art. 2º, I, “a”, da Lei nº 7.701/88, será de competência do STJ caso a greve seja de âmbito nacional ou abranja mais de uma unidade da federação ou região da Justiça Federal.

Entretanto, cabe ressaltar que a greve não é um direito absoluto, não sendo, portanto, um direito de todos os servidores públicos. Dessa forma, deve ser feita uma ponderação entre o direito de greve e o direito à segurança pública e à manutenção da ordem pública e paz social, a fim de definir acerca da possibilidade ou não.

Assim, a Constituição Federal em seu art. 142, 3º, IV c/c art. 42, § 1º veda expressamente o exercício de greve pelos Policiais Militares, Bombeiros Militares e militares das Forças Armadas.

A proibição do exercício de greve a esses grupos foi estendida aos policiais civis pelo STF, que fixou a seguinte tese, em sede de repercussão geral, no julgamento do ARE 654432/GO: “O exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública.”

Dentre os entendimentos relevantes do STF acerca do tema, a Corte já decidiu pela constitucionalidade do compartilhamento, mediante convênio, com estados, distrito federal ou municípios, da execução de atividades e serviços públicos federais essenciais, e a adoção de procedimentos simplificados para a garantia de sua continuidade em situações de greve promovidas por servidores públicos federais.( STF. Plenário. ADI 4857/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 11/3/2022)

Na 1306/BA, de relatoria da Min. Carmen Lúcia, o STF decidiu pela constitucionalidade de um decreto autônomo editado pelo Governador da Bahia que previa as seguintes medidas: a) convocação dos grevistas a reassumirem seus cargos; b) instauração de processo administrativo disciplinar; c) desconto em folha de pagamento dos dias de greve; d) contratação temporária de servidores; e) exoneração dos ocupantes de cargo de provimento temporário e de função gratificada que participarem da greve.

A Corte Superior entendeu que a norma impugnada apenas elencava medidas a serem adotadas pelos agentes públicos no sentido de dar continuidade aos serviços públicos, estando, inclusive, em consonância com a orientação fixada pelo STF no julgamento do MI 708 ao prever o não pagamento dos dias de paralisação.

No mesmo julgamento, o STF entendeu pela possibilidade de contratação temporária excepcional (art. 37, IX, da CF/88) prevista no decreto, em razão do dever constitucional do Poder Público de prestar serviços essenciais que não podem ser interrompidos. Condicionou a constitucionalidade à limitação da contratação ao período de duração da greve.

IV. CONCLUSÃO

Dessa forma, percebe-se o papel central do Poder Judiciário, em especial das Cortes Superiores, a fim de normatizar, garantindo contornos e limites ao exercício do direito de greve pelos servidores públicos.

No entanto, diante do status de direito social fundamental garantido pela Constituição Federal de 1988, é urgente a edição e promulgação de uma lei regulamentando a greve dos servidores públicos, a fim de se garantir maior segurança jurídica e homogeneidade no tratamento dessas questões. Evitando-se, assim, que diversas questões cheguem aos Tribunais Superiores.


2 Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
§ 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 780.209/SC, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 24/05/2016

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – STJ. 2ª Turma. RMS 49.339-SP, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 06/10/2016

BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. ARE 654432/GO, Rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 05/04/2017 (repercussão geral) 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. ADI 4857/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 11/3/2022

BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. ADI 1306/BA, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 13/6/2017

BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. Plenário. MI 708, Rel.  Min. Gilmar Mendes, julgado em 25/10/2007

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo – 8. ed. – Rio de Janeiro, Método, 2020. Ebook. P. 1088


1 Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), pós-graduada pela Escola Superior de Advocacia Pública (ESAP-PGE/RJ). e-mail: mariaclaraescossia@gmail.com