DIREITO À HABITAÇÃO E ACESSO AO CRÉDITO HABITACIONAL: UMA ANÁLISE DA POSIÇÃO DO PRINCIPAL AGENTE FINANCEIRO À LUZ DA LIVRE CONCORRÊNCIA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202412121355


Jorge Aurélio Ferreira Pracías1;
Orientador: Prof. Dr. Otacílio dos Santos Silveira Neto2


RESUMO

O Estado é o instrumento de ação coletiva, onde a sociedade procura alcançar a ordem, a estabilidade social, a liberdade, o bem-estar e a justiça social. O papel do Estado gravita entre limitar-se à melhoria dos mecanismos de distribuição de informações e regulação e/ou ser financiador direto de determinados setores. Sempre na defesa e manutenção de uma Economia próspera e estável. A presente pesquisa tratará da intervenção estatal no mercado imobiliário. A intervenção estatal na Economia é um ponto de discussão central da disciplina de DIREITO ECONÔMICO. Nossa constituição garante ampla liberdade aos particulares para empreenderem atividades econômicas, contudo condiciona a ordem econômica que se instala (mundo do ser) aos princípios constitucionais, condicionando a atividade econômica, em regra, por meio da regulação da ordem econômica constitucional (mundo do dever ser). Tanto o Estado como os particulares devem observar esses princípios constitucionais. Cabendo ao Estado também intervir para garantir observância desses princípios.

Palavras-chave: Ordem Econômica. Constituição de 1988. Intervenção. Estado. Caixa Econômica.

1 INTRODUÇÃO

A habitação desempenha um papel central em nossas vidas. O acesso a abrigo é uma necessidade humana básica e um fator determinante do bem-estar individual. A qualidade e localização das moradias moldam a vida social das pessoas, permitindo melhor acesso a cuidados de saúde, educação, oportunidades de trabalho e atividades recreativas. Também afetam o bem-estar no dia-a-dia, uma vez que a casa é o centro da vida familiar e agora cada vez mais da vida profissional, com a possibilidade da continuação do teletrabalho adotado durante a pandemia de COVID-19.

A habitação combina as características de bem de consumo e de bem de investimento.

Pesquisas nos países da OCDE, revelam que a habitação é, em média, o maior item de despesa em todos os grupos de renda e foi responsável por uma parcela cada vez maior do total de gastos das famílias nos últimos anos.

Figura 01 – Dívida total das famílias e hipotecas imobiliárias como parcela do PIB, 2021 ou o último ano disponível

https://www.oecd.org/housing/policy-toolkit/data-dashboard/enhancing-resilience
O crédito à habitação é a principal componente do endividamento das famílias.

Para a maioria das famílias, a habitação também constitui seu maior investimento ao longo da vida, geralmente financiado com dívida, e a maior parte de sua riqueza. A habitação responde por 50% da riqueza total das famílias, em média, nos países da OCDE; um número que sobe para mais de 60% para famílias de classe média.

O fato da habitação combinar as características tanto de um bem de consumo quanto de um bem de investimento tem implicações significativas para as políticas públicas.

No Brasil o combate à falta de moradia tem sido objeto de preocupação de diferentes agentes. A interação desses diferentes atores, aliada ao papel dado ao mercado neste processo, acaba por determinar os rumos das políticas habitacionais no país.

O crédito imobiliário é a principal modalidade de crédito à pessoa física do mundo, ele é um dos fatores chaves para o crescimento econômico de um país. O desenvolvimento do mercado de crédito imobiliário movimenta outras atividades como os setores de construção e venda de imóveis.

Com o crédito imobiliário as pessoas têm acesso à moradia e à construção de seu patrimônio, o que também resulta no aumento do patrimônio nacional.

Nas economias desenvolvidas o crédito imobiliário representa uma expressiva proporção do produto interno bruto (PIB). Em 2018, países como Suíça, Austrália e Dinamarca possuíam uma relação de crédito imobiliário/PIB maior que 100%. Os Estados Unidos, por sua vez, apresentam atualmente uma relação próxima a 50%, após atingir o pico de quase 75% em 2007, às vésperas da crise financeira mundial.

O mercado de crédito imobiliário brasileiro passou de cerca de 1,5% do PIB em 2003 para 9,33% do PIB quinze anos depois. Apesar da ligeira redução recente, a sua participação na carteira de crédito total passou de 6% para 20% nesse período.

Mas nem sempre são boas as notícias no mercado imobiliário brasileiro e mundial. O setor imobiliário foi responsável, em 2008, pela maior crise do capitalismo moderno (iniciada nos Estados Unidos da América).

A crise atingiu rapidamente as principais economias do mundo, com efeitos negativos nos países europeus. Todavia, o efeito foi um pouco mais brando no caso brasileiro.

Com um sistema altamente sofisticado de financiamento, o setor imobiliário dos EUA, manifestou os sintomas da crise que teve suas causas originadas no sistema financeiro.

O financiamento é o ponto chave na promoção do desenvolvimento imobiliário, pois, devido aos altos custos dos imóveis, é necessário que existam fontes geradoras de créditos direcionadas a este segmento.

A compra de um imóvel, na maioria das vezes, se constitui no maior ou no único grande investimento realizado durante toda a vida de um indivíduo.

Um sonho praticamente impossível sem o crédito.

São as inovações econômicas e regulatórias, promovidas pelos governos, que organizam o funcionamento dos mercados, e que permitem as inovações financeiras criadas pelas instituições privadas, ampliando a diversidade de produtos e mercados, que no final determinam a dinâmica evolutiva do sistema de financiamento habitacional e imobiliário.

Se as regulações criadas pelo governo não estimularem a criação de novos produtos, novas linhas de financiamento, por parte das empresas, ou se exacerbarem nos mecanismos regulatórios, o mercado não evoluirá.

O tempo é outro fator importante na tomada de decisão. Tanto por parte das empresas que fazem parte dos mercados, quanto dos consumidores no processo de tomada de decisão. O tempo carrega as expectativas de como estará à economia no futuro e a tomada de decisões, no presente, é consequência direta dos momentos de transformação que a economia vai passando ao longo do tempo.

2 DIREITO A HABITAÇÃO

Situado no rol dos direitos fundamentais de segunda geração ou dimensão, o direito fundamental à habitação, caracteriza-se como social e econômico.

Sarlet (2009) afirma que, tais direitos, surgiram como resposta ao impacto provocado pela industrialização e os graves problemas socioeconômicos provocados por ela.

Os movimentos de operários e trabalhadores do século XIX, alicerçados pelas doutrinas socialistas, foram os principais responsáveis pelo desenvolvimento e implantação de tais direitos, atribuindo ao Estado um comportamento ativo na realização da justiça social.

Tais direitos se assentam muito mais no princípio da dignidade da pessoa humana, do que na cidadania, como os direitos individuais.

Depois deste momento histórico Direitos Sociais e Individuais passam a conviver lado a lado.

Segundo Canuto (2010, p. 20) a função original da moradia era proporcionar proteção, segurança e privacidade. Atualmente, impõe-se que esta tenha outras condições dimensionais, de higiene e conforto adequadas, “compatíveis com a dignidade do ser humano, sob pena de ser um direito empobrecido e alheio ao princípio constitucional que o abriga”.

O Estado deve então promover saneamento básico, energia elétrica, abastecimento de água e, por exemplo, planejamento urbano e pavimentação para que a habitação permita condições de moradia digna, promovendo, ainda, a inserção social.

Entrando na construção histórica, com o devido atraso temporal, o problema habitacional brasileiro é um produto do século XX, e reflete o momento em que ocorreu o desenvolvimento industrial tardio do país.

Tal qual ocorreu em outras partes do mundo, como na Inglaterra, por ocasião da Revolução Industrial, a concentração das indústrias nos grandes centros urbanos levou ao êxodo rural. Fatores como a alta demanda por mão de obra, baixa remuneração, ausência de políticas públicas, levaram ao crescimento populacional de maneira desorganizada nas grandes cidades

O direito à moradia é um direito humano internacionalmente reconhecido e consagrado, que está na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 25, no 1:

Art. 25.1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

Outros instrumentos internacionais também ratificados pelo Brasil – Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU, ingressaram na Ordem Jurídica Nacional com força de norma constitucional (Constituição do Brasil – 1988 – artigo 5º, §§ 2º e 3º), obrigando o Estado brasileiro a proteger e promover o direito à moradia digna.

Art. 11. 1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento.

Por fim, na Constituição Federal de 1988, o direito à moradia emerge da proclamação da dignidade da pessoa humana como fundamento da República do Brasil (artigo 1º, III), da inserção da moradia entre as necessidades básicas da pessoa humana a serem atendidas pelo salário mínimo (artigo 7º, IV), da competência comum da União, Estados, Distrito Federal, e Municípios para promover programas de construção de moradias e melhorias das condições habitacionais (artigo 23º, IX) – previsão esta que vem ao lado daquelas relacionadas à garantia do direito à saúde e à educação, da enunciação de que a casa é asilo inviolável do indivíduo (artigo 5º, XI), da competência da União para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação (artigo 21º, XX), entre outros.

Não bastassem estas referências, editou-se a Emenda Constitucional 64/2010, inserindo explicitamente a moradia no rol dos direitos sociais (artigo 6º).

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Da leitura de outros dispositivos normativos constitucionais3 (Arts. 21 e 23) concluímos que é dever dos três entes federativos prover o direito humano fundamental à moradia digna, inclusive às pessoas sem condições de renda. Desde já adiantamos que um dos maiores desafios em política habitacional tem sido exatamente a articulação inter federativa e a criação de condições adequadas para que as administrações municipais exerçam seu protagonismo na implementação das políticas, sobretudo na gestão do seu território, algo que nem estados, nem a União podem fazer.

Logo, a habitação é um direito fundamental social, de segunda geração, que exige uma prestação positiva do Estado, fundado em movimentos sociais e balizado pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

3 EVOLUÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

Antes de examinar a ordem econômica constitucional presente na CF 1988, apresentar seus princípios, precisamos conceituar Ordem Econômica, diferenciar Ordem Econômica de Constituição Econômica, mostrar um pouco da sua evolução histórica, ressaltar sua importância e finalidade.

A Ordem Econômica faz parte da ordem jurídica e demonstra, com suas normas, como o Estado organiza a economia.

A expressão Ordem Econômica denota “a parcela do sistema normativo voltada para a regulação das relações econômicas que ocorrem em um Estado. Seria, pois, a ordem jurídica da econômica”, conforme aponta Eros Grau (2004, p. 51):

“Ainda que se oponha à ordem jurídica a ordem econômica, a última expressão é usada para referir uma parcela da ordem jurídica. Esta então, tomada como sistema de princípios e regras jurídicas, compreenderia uma ordem pública, uma ordem privada, uma ordem econômica, uma ordem social.“

Grau (2010) reescreveu seu entendimento de ordem econômica como a parcela de ordem jurídica (mundo do dever ser) que compreende o conjunto de normas que institucionaliza uma determinada ordem econômica (mundo do ser).

André Ramos Tavares (2006, p. 81)a concebe como uma ordem jurídica da economia, definindo-a como sendo “a expressão de certo arranjo econômico, dentro de um específico sistema econômico, preordenado juridicamente. É a sua estrutura ordenadora, composta por um conjunto de elementos que confronta um sistema econômico.”

Explicam Berdnarski e Azevedo (1988, p. 29-31) que:

[…] expressão ordem econômica foi incorporada à linguagem dos juristas a partir da primeira metade do século XX, com a Constituição de Weimar, de 1919, que trazia uma seção intitulada “a vida econômica”. Embora o pioneirismo no tratamento da organização econômica seja atribuído à Constituição Mexicana de 1917.

A ordem econômica alcança planos jurídicos distintos(direito público e direito privado) e ramos jurídicos distintos(direito comercial, direito civil, direito do trabalho, direito administrativo entre outros).

A finalidade da ordem econômica é organizar e regulamentar as atividades econômicas, mas para isto, é imprescindível que alguns princípios sejam obedecidos tanto pelo Estado como também pelos agentes privados.

Nazar (2009) explica que a ordem econômica, como parcela da ordem jurídica, aparece como uma inovação, produto da substituição da economia liberal pela intervencionista.

A transformação se dá no momento em que a ordem jurídica (mundo do dever ser) passa a visar o aprimoramento da economia (mundo do ser).

A relevância da ordem econômica vem do fato de que o sistema econômico de um país apresenta uma inter-relação com o próprio sistema político, além de uma íntima relação com o sistema social, uma estreita relação entre grau de liberdade pessoal e grau de liberdade econômica.

A ordem econômica é abrangente, posto que é constituída por todas as normas ou instituições jurídicas que tem por objeto as relações econômicas. Dentre essas, somente algumas possuem caráter fundamental e constituem a Constituição Econômica.

Já a Constituição Econômica constitui, delimita e legitima a ordem econômica, posto que ė a norma máxima do ordenamento jurídico.

Berdnarski e Azevedo (1988, p. 31)conceituam da seguinte forma “Constituição Econômica”:

Constituição Econômica é o conjunto de preceitos jurídicos que, garantindo os elementos de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada forma de organização da economia, constituindo uma determinada Ordem Econômica.

José Afonso da Silva (2001, p. 764) trata da “Constituição Econômica” e a conceitua como a “[…] parte da Constituição que interpreta o sistema econômico, ou seja, que dá forma ao sistema econômico.”

Canotilho (1993, p. 345) define a Constituição Econômica, no sentido estrito, como o “[…] conjunto de disposições constitucionais – regras e princípios – que dizem respeito à conformação da ordem fundamental da economia”.

Nazar (2009, p. 50) entende como Constituição Econômica “o conjunto de preceitos jurídicos que, garantindo os elementos de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada forma de organização da economia, constituindo uma determinada Ordem Econômica”.

O autor destaca, em nossa Constituição Econômica, duas características principais: ser estatutária, por caracterizar determinada forma econômica, e é programática, por estabelecer uma ordem econômica criando meios de modificar o cenário econômico. E, na esteira de sua característica estatutária, a Constituição Federal de 1988 organiza a atividade econômica, consagrando um sistema econômico capitalista, com a previsão da presença do Estado para implementar um regime social.

Coletamos abaixo uma breve evolução histórica das constituições brasileiras e como foi tratado o assunto econômico.

Constituição de 1824

Segundo Washington Albino Peluso de Souza (2005) a ideologia era a do liberalismo de Adam Smith, em que basicamente se defendia o Estado ausente da economia, deixando que essa se regulasse livremente pela lei da oferta e da procura. O poder econômico refletia-se no poder político, com a exclusão do direito de votar daqueles que não tivessem renda.

O direito à propriedade era garantido em sua totalidade.

Por outro lado, no comércio e na indústria tudo dependia do governo, com autorizações, favores, tarifas protecionistas e concessões.

Constituição de 1891

Ainda de acordo com Souza (2005), a Constituição de 1891, consagrava o regime republicano federativo e captava os elementos tradicionais da ideologia liberal, no tocante à Constituição Econômica.

A livre iniciativa foi garantida assim como invioláveis, a liberdade, a segurança pessoal e a propriedade aos brasileiros e estrangeiros.

Tavares (2003), citando Manoel Gonçalves Ferreira Filho, conclui que foi somente na Constituição de 1891, que surgiu a liberdade de associação4 – entendida por Tavares, como aquela que têm as pessoas de pôr em comum bens, direitos ou valores, o seu trabalho, a sua atividade, os seus conhecimentos, forças individuais quaisquer para um fim desinteressado ou não intelectual, moral, caridoso, econômico, artístico ou recreativo.

Nesta época surgiram as medidas iniciais de intervenção mais ativa do Estado no domínio econômico – intimamente ligada ao comportamento da taxa cambial, para proteção do café, principal produto de exportação.

Constituição de 1934

A primeira Constituição brasileira a fazer constar um título referente à “Ordem Econômica e Social”, do mesmo modo que pela primeira vez constaram regras estabelecendo uma série de direitos inerentes ao trabalho e a criação da Justiça do Trabalho – como influência da Constituição do México de 1917 e Constituição de Weimar, de 1919.

Souza (2005) relata que no período que vai de 1930 a 1934:

Surgiram as legislações sobre juros, a estatização por meio de institutos que concentravam a atividade econômica em regulamentos e condicionavam a sua prática à política econômica que ainda perdura e só começa a esmaecer na medida em que as novas ondas liberalizantes mais acentuadas tomam força.

Segundo o autor, na constituição de 1934, o texto impõe a obrigatoriedade de o Estado, através de leis, direcionar a economia e por isso surge a primeira constituição programática do país.

E, por fim, o autor destaca as mudanças no conceito de propriedade introduzindo a função social da propriedade5.

A liberdade econômica é assegurada no art. 115, mediante limitações

Art. 115 – A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica.

A estatização de Indústria ou atividade econômica ficou autorizada pelo art. 1166, por motivo de interesse público e autorizada em lei especial, para assegurar a ordem econômica dentro dos limites propostos.

Comentando a constituição, Bonavides (2009, p. 366) cita:

Com a Constituição de 1934 chega-se a fase que mais de perto nos interessa, porquanto nela insere a penetração de uma nova corrente de princípios, até então ignorados do direito constitucional positivo vigente no País. Esses princípios consagravam um pensamento diferente em matéria de direitos fundamentais da pessoa humana, a saber, faziam ressaltar o aspecto social, sem dúvida grandemente descurado pelas Constituições precedentes. O social aí assinalava a presença e a influência do modelo de Weimar numa variação substancial de orientação e de rumos para o constitucionalismo brasileiro.

Constituição de 1937

A Ordem Econômica novamente foi tratada num capítulo próprio, localizada dos artigos 135 a 155, e, formalmente, muitos de seus dispositivos ficaram semelhantes à Constituição anterior de 1934.

Ressaltamos o artigo 1357, pois dele podemos extrair a visão de alguns princípios da época: 1) a riqueza e a prosperidade nacional se fundam: na iniciativa individual, no poder da criação, de organização e de invenção do indivíduo exercido nos limites do bem público; 2) a intervenção do Estado no domínio econômico só se justificaria para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores de produção de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação representados pelo Estado; 3) estabelecendo o tempo e forma de intervenção do Estado: mediata ou imediata, sob a forma de controle, do estímulo ou da gestão direta.

Pela primeira vez no constitucionalismo brasileiro, aparece a expressão “Intervenção do Estado no Domínio Econômico”.

Constituição de 1946

Em 1946 a Intervenção no Domínio Econômico é posta como atribuição da União, e o próprio constituinte determina que tal intervenção deva limitar-se ao interesse público e não ferir os direitos fundamentais garantidos pela Constituição.

Pela leitura do artigo 1458 a ordem econômica estava submetida aos princípios da justiça social, assentada na conciliação da liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.

Apesar do reconhecimento da livre iniciativa como princípio da Ordem Econômica, esta época é fortemente marcada por um capitalismo de estado em relação às indústrias de base, em especial siderurgia, portos e petróleo – compatível com um monopólio pela própria escala dos negócios.

O direito individual a propriedade era assegurado no art. 141, §16o9, mas seu uso passou a estar condicionado ao próprio bem-estar-social.

O constituinte de 1946 estabeleceu a repressão ao abuso de poder econômico10.

Constituição de 1967

Assim como na Constituição anterior, a Ordem Econômica e Social também mereceu um capítulo próprio, delineada nos artigos 157 a 166.

Tentou-se aperfeiçoar a redação, no art. 15711, para distinguir a finalidade da ordem econômica (realizar a justiça social) e os princípios (liberdade de iniciativa, valorização do trabalho como condição da dignidade humana, função social da propriedade, harmonia e solidariedade entre os fatores de produção, desenvolvimento econômico, repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros).

Como novidade temos o desenvolvimento econômico, categorizado como princípio, quando na verdade deveria ser um fim a ser perseguido através do ordenamento da economia.

Emenda Constitucional de 1969

Segundo Maluf (1986, p. 496):

A Emenda No1 de 1969, aperfeiçoou a Carta de 1967, ficando a ordem econômica e social registrada com os números 160 a 174, formalmente dentro do artigo 1º da Emenda, mantendo no setor socioeconômico as diretrizes básicas do regime de 1946.

O desenvolvimento econômico é trocado pelo desenvolvimento nacional e deslocado de princípio da Ordem Econômica e Social12, para finalidade.

A liberdade de iniciativa foi reafirmada no artigo 17013, da emenda à Constituição de 1969, que consagra preferencialmente às empresas privadas a organização e exploração das atividades econômicas, deixando ao Estado apenas a suplementação à iniciativa privada.

A intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade constituem restrição ao princípio da liberdade de iniciativa estando consentidos no art. 16314.

O artigo acima admite a intervenção do Estado no domínio econômico por motivo de segurança nacional, o que continua presente até os dias atuais, tem significado demasiado aberto e pode ser interpretado de acordo com o viés político do governo presente.

3.1 A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988

A Constituição de 1988 foi produto de uma Assembleia Geral Constituinte.

Os parlamentares acumularam as funções de constituinte e de legisladores ordinários. adotou-se o sistema de formação de comissões e subcomissões temáticas, surgindo daí textos que refletiam as mais diversas correntes ideológicas e até interesses pessoais.

Para Maluf (1986, p. 365-368), o resultado “foi a promulgação de uma Constituição com falta de unidade sistemática e a impossibilidade de se conseguir um sistema harmônico de normas, que se refletiu em uma Constituição heterogênea”.

A mudança no contexto histórico muda a disposição dos artigos e a Constituição coloca em precedência os Princípios Fundamentais da República, previstos nos artigos 1º a 4º que são definidores da forma de Estado, da estrutura do Estado, do regime político, da forma de governo e da organização política em geral e no art. 5º os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos.

Fonseca (2004) destaca:

No artigo primeiro, os princípios que servem de base para a ordem política – princípios fundamentais da soberania, da dignidade da pessoa humana, da preservação e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa – acabam por permear todo o conteúdo da Ordem Econômica, uma vez que esta, não se restringe aos artigos contidos no Título VII.

A Constituição de 1988 juntou o tratamento da Ordem Econômica a Ordem Financeira e separou a Ordem Econômica da Ordem Social, gerando críticas da doutrina.

Segundo Eros Grau (2004, p. 71):

A Ordem Econômica integra a Ordem Social. A alusão a uma Ordem Econômica e Social ou a uma Ordem Econômica e a uma Ordem Social reproduz o equívoco semântico que supõe econômica a produção e social a repartição”. Para o autor produção e repartição representam as duas faces de uma única cadeia de fatos, os fatos econômicos.

Outro crítico, Bastos (2001, p.270), entende que a Constituição de 1988 dispensou uma extensão maior à Ordem Econômica do que as Constituições que a precederam. Exagerando em minúcias “levou para o bojo da Lei Maior normas que poderiam muito bem permanecer no contexto em que elas se enquadravam, qual seja, da lei ordinária”.

Silva (2001, p. 764) assevera que “a ordem econômica, consubstanciada na Constituição vigente é uma forma econômica capitalista, porque ela se apoia inteiramente na apropriação privada dos meios de produção e na livre iniciativa”.

Horta (Horta apud Moraes, 2008, p. 796), afirma que o texto constitucional na ordem econômica;

Está impregnado de princípios e soluções contraditórias, pois ora reflete um rumo do capitalismo liberal, consagrando os valores fundamentais desse sistema ora avança no sentido de intervencionismo sistemático e do dirigismo, com elementos socializadores”.

A maioria das normas que fazem parte da Ordem Econômica e Financeira na Constituição de 1988, bem como nas anteriores, são classificadas pela doutrina como normas programáticaspor serem disposições de princípios voltadas para o futuro exigindo sucessiva atividade do Poder Legislativo.

Nesse sentido, Ricardo Sayeg (2012, p. 11-30)anota que:

[…] nossa Constituição Federal sustenta o capitalismo como regime econômico, contudo, longe de ser sórdido e selvagem, muito menos de um Estado centralizador, mas sim indutor da livre iniciativa e da propriedade privada, com vista à consecução dos objetivos fundamentais da República e concretizador dos direitos humanos de primeira, segunda e terceira dimensão, em especial, os direitos sociais, que assegurem a toda a população existência digna, mediante a alocação eficiente dos recursos econômicos disponíveis e regência jurídica, quando necessária, da economia, implementando e o cumprimento pelo Estado de seu papel de agente normativo e regulador, na fiscalização, fomento e planejamento da atividade econômica, sendo esse último indicativo para o setor privado e determinante para o setor público, na forma do artigo 174 da Carta Magna.

Conforme comenta Bercovici (2006. p. 19-39):

[…] o conflito é inafastável vez que a autonomia da política econômica envolve mudanças profundas nas esferas política, econômica e social, bem como discussões sobre a própria ideia de soberania econômica, presente nos dias de hoje diante da tendência de formação de blocos políticos e econômicos que minimizam a autonomia dos Estados.

Todas estas dificuldades são refletidas também na políticas públicas e alguns aspectos não são claramente discutidos pela sociedade, quando os governos decidem como equilibrar interesses econômicos e necessidades sociais.

4 PRINCIPIOS DA LIVRE INICIATIVA E DA LIVRE CONCORRENCIA

Segundo Reale (1986, p. 60):

Princípios são, pois verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições, que apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários.

Para Barroso (1999, pág. 147):

São o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui.

Os princípios da Ordem Econômica não são ideias desencontradas, esparsas, dentro do ordenamento jurídico, mas fontes do direito que possuem uma carga de valores, capazes de nortear todo o sistema econômico e toda atividade desenvolvida pela iniciativa privada diante da magnitude com que eles se apresentam e conduzem a atividade econômica empresarial.

Horta (2003, p. 260) distingue nove princípios na concepção constitucional da Ordem Econômica, e os separa em três categorias:

i) princípios-valores: soberania nacional, propriedade privada, livre concorrência;

ii) princípios que se confundem com intenções: redução das desigualdades regionais, busca do pleno emprego, tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte; função social da propriedade e

iii) princípios de ação política: defesa do consumidor e defesa do meio ambiente.

Analogamente, Barroso (2003) agrupa os princípios constantes do art. 170 da Constituição Federal de 1988 em dois grandes grupos, conforme se trate de princípios de funcionamento da ordem econômica ou de princípios-fins da ordem econômica.

Segundo o autor princípios de funcionamento são os que estabelecem os parâmetros de convivência básicos que os agentes da ordem econômica deverão observar e que se referem à dinâmica das relações produtivas, às quais todos os seus agentes estão vinculados, constantes dos incisos I a VI do art. 170 da CF (soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor e defesa do meio ambiente).

Já princípios–finsseriam os que descrevem realidades materiais que o constituinte deseja que sejam alcançadas, ou seja, os objetivos que como produto final a ordem econômica como um todo deverá atingir, estando localizados tanto no caput do art. 170 quanto em seus incisos finais. São eles: existência digna para todos, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego, e a expansão das empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.

Dos princípios constitucionais elencados no Art. 170 e incisos de I ao IX, da Constituição Federal, a saber, soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas pelas leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país analisaremos mais detalhadamente, como objeto deste trabalho, apenas a Livre Iniciativa e a Livre Concorrência.

4.1 Princípio da Livre Iniciativa

De acordo com Forgioni (2012, p. 167-168):

A origem da defesa da livre iniciativa econômica remonta à Idade Média, época em que o acesso ao mercado era minuciosamente regulado pelos estatutos das corporações de ofício, pela existência de elevadas barreiras alfandegárias entre os países e também no interior de muitos deles. Tais instrumentos impunham, não apenas o monopólio da fabricação e da comercialização, mas também regras de conduta e de polícia que neutralizavam a concorrência entre seus membros, impossibilitando a captação da clientela alheia. Contudo, a ascensão da burguesia revelou a necessidade de ampliar os horizontes dos negócios e, assim, aumentar as oportunidades de troca. A mudança do contexto, abrindo espaço para o sistema de mercado, que então começava a se impor, emerge a ideia de liberdade de iniciativa., corporificada no ideal de libertação dos ligames das corporações medievais.

Historicamente, para Grau (2015, p.201),

O princípio da liberdade de iniciativa econômica é postulado no Édito do Turgot,12 de 9 de fevereiro de 1776. Em seguida, a livre iniciativa é reafirmada no Decreto D’Allarde, de março de 1791, o qual determinava que, a partir de 1° de abril daquele ano, a realização de qualquer negócio ou exercício de qualquer profissão, arte ou ofício seria livre a qualquer pessoa, desde que esta se provesse previamente de uma “patente” (imposto direto), bem como pagasse as taxas exigíveis e se sujeitasse aos regulamentos de polícia.

No século XVIII várias correntes de pensamento se desenvolveram na Europa instaurando o liberalismo político e econômico.

O modelo de mercado foi desenvolvido a partir da obra do economista inglês Adam Smith que serviu para estabelecer um sistema compatível com os postulados do liberalismo político.

A concepção liberal, por sua vez, não identifica a existência de qualquer conflito entre o exercício egoístico da livre iniciativa e a sua função social. Ao contrário, pressupõe-se que a busca do interesse individual coincide com a maximização do benefício social, como se deduz da célebre passagem de Adam Smith (1996, p. 438):

Cada indivíduo esforça-se continuamente por encontrar o emprego mais vantajoso para qualquer que seja o capital que detém. Na verdade, aquilo que tem em vista é o seu próprio benefício e não o da sociedade. Mas o juízo de sua própria vantagem leva-o, naturalmente, ou melhor, necessariamente, a preferir o emprego mais vantajoso para a sociedade.

Por liberalismo Bobbio (1993, p. 7) compreende “determinada concepção de Estado na qual este tem poderes e funções limitadas, de modo que, como tal se contrapõe tanto ao Estado Absoluto quanto ao Estado Social”.

É precisamente na época do Estado Liberal, que foram concebidos os direitos fundamentais, tidos como de primeira dimensão, descritos por Sarlet (2012, p. 260) como “os direitos do indivíduo frente ao Estado, ou melhor, direitos que não só demarcam uma zona de não intervenção do Estado, como reivindicam uma esfera de autonomia individual em face de seu poder.”

O direito à livre iniciativa econômica se insere, sem sombras de dúvidas, nessa classificação.

Um conceito para o direito à livre iniciativa, não é algo fácil nem de consenso entre os vários autores.

Eros Grau (2000, p. 237-238) reconhece que a livre iniciativa, por decorrer da liberdade humana, e não do direito de propriedade, não pode ser reduzida à ideia de liberdade econômica ou de iniciativa econômica:

Dela – da livre iniciativa – se deve dizer, inicialmente, que expressa desdobramento da liberdade. (…). Vê-se para logo, destarte, que não se pode reduzir a livre iniciativa, qual consagrada no art. 1º, IV do texto constitucional, meramente à feição que assume como liberdade econômica ou liberdade de iniciativa econômica.

Bastos (200, p. 274) compreende livre iniciativa como “o direito que todos têm de desenvolver atividade de bens e serviços por sua conta e risco”. Significa escolha de um sistema capitalista de produção, em que os recursos de produção e a decisão de produção são tomados de modo livre pelos empreendedores, sem que seja determinado por um governo. A liberdade de iniciativa e de empresa pressupõe o direito de propriedade e pode ser de certa forma considerada como uma decorrência deste.

Tavares (2013, p. 33-34) explica que o postulado da livre iniciativa possui duas conotações: “a primeira de viés positivo, traduzida na liberdade garantida a qualquer cidadão; e a segunda de viés negativo, traduzida na imposição de não intervenção estatal.”

Coelho (2014) também analisa a livre iniciativa sob dois vetores, para ele há, de um lado, um freio à intervenção do Estado na economia, e do outro, a coibição à determinadas práticas empresariais.

Para o autor o primeiro vetor diz respeito às questões atinentes às atividades econômicas constitucionalmente reservadas à União, ou melhor, na obrigação imposta ao Estado de não interferir na economia, dificultando ou impedindo a formação e o desenvolvimento de empresas privadas, enquanto o segundo vetor ocupa-se da coibição das práticas empresariais incompatíveis com a liberdade de iniciativa, impondo aos empresários o dever de concorrerem licitamente.

Já Barroso (2014, p. 17-18) entende que é possível extrair da própria Constituição os elementos essenciais ao conteúdo da livre iniciativa, os quais enumera da seguinte forma:

A propriedade privada, garantida pelo art. 5°, inciso XXII; a liberdade de empresa, garantida pelo art. 170, parágrafo único; a liberdade de trabalho, garantida pelo art. 5°, inciso XIII; a liberdade de contratar, garantida pelo art. 5°, inciso II; e a livre concorrência, garantida pelo art. 170, inciso IV.

Ferraz Jr. (1989) expressa o conteúdo da livre iniciativa quando explica que o art. 170 da Constituição Federal, ao proclamá-la como fundamento da ordem econômica, reconheceu na liberdade de iniciativa econômica um de seus fatores estruturais, o que não significa dizer – adverte o autor – a defesa de uma ordem onde impere a máxima do “laissez faire”, ou seja não há um sentido absoluto e ilimitado da livre iniciativa que permita a exclusão da atividade normativa e reguladora do Estado.

Compilando o entendimento de vários autores na publicação Constituição de 1988: O Brasil 20 anos depois. Estado e Economia em Vinte Anos de Mudanças, do Senado Federal, Volume IV, Vieira Gomes15 conclui:

A livre iniciativa compreenderia enquanto direito, à criação de empresa (isto é, o direito de empreender) e à sua gestão de forma autônoma, o qual compreende:

(a) a liberdade de investimento ou de acesso, a qual se traduz no direito de escolha da atividade econômica a desenvolver;

(b) a liberdade de exercício e de organização da empresa, ou seja, a liberdade de determinar como será desenvolvida a atividade, incluindo-se a forma, qualidade, quantidade e o preço dos produtos ou serviços a serem produzidos, isto é, o direito ao exercício da atividade econômica em um sistema de livre concorrência, sem que entraves sejam impostos pelo poder público ou pelo poder (econômico) privado;

(c) a liberdade de contratação ou liberdade negocial, por meio da qual são estabelecidas de forma livre e isonômica as relações jurídicas e seu conteúdo;

(d) a liberdade para concorrer, isto é, o direito ao exercício da atividade econômica em um sistema de livre concorrência, sem que entraves sejam impostos pelo poder público ou pelo poder (econômico) privado.

Com previsão na Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso IV e repetido no artigo 170, caput, a livre iniciativa é considerada fundamento da Ordem Econômica, elevada à condição de princípio fundamental, juntamente com os valores sociais do trabalho.

Para Grau (2015) por ser preceito expresso no art. 1o, como fundamento da República Federativa do Brasil, junto com o valor social do trabalho, a livre iniciativa não deve ser compreendida como expressão individualista, mas sim no quanto expressa de socialmente valioso.

Confirmando que a regra geral da constituição16 é o modo privado de produção e a livre iniciativa (art. 170), encontramos no art. 173, que a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou relevante aos interesses coletivos.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

Outras exceções, para atuação do estado, enumeradas pela constituição estão no art. 177. São as atividades sujeitas ao monopólio da União.

Barroso (2002) assinala:

A Constituição de 1988 implementou uma visão da ordem econômica e do papel do Estado bem diversa daquela adotada pelos modelos anteriores, sobretudo pelo fato de determinar que as exceções à livre iniciativa haverão de estar autorizadas pelo próprio texto que a consagra.

Souza Neto e Mendonça (2007) alertam:

A Constituição garantiu a livre iniciativa e suas limitações de uma forma genérica, usando termos amplos, de modo que a construção de seu conteúdo e abrangência é necessariamente polêmica, bem como sujeita a interpretações “fundamentalistas”, quer dizer, interpretações que podem atribuir conteúdo ao referido princípio com base em doutrinas abrangentes particulares, sejam liberais ou social-dirigentes.

Segundo Salomão Filho (2003):

A dicção dos artigos não define, com exatidão, imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivos, deixando ao trabalho interpretativo do aplicador do Direito a extensão e os limites do intervencionismo estatal, fazendo conviver na exata medida os princípios da livre iniciativa e da justiça social.

A constituição não permite que a intervenção do Estado no domínio econômico bloqueie o desenvolvimento da iniciativa privada, mas apenas busque evitar condutas abusivas e atentatórias à dignidade coletiva e retorne o equilíbrio do setor privado quando este ultrapassar os limites da lei e contrariar interesses da sociedade.

Observa-se, assim, uma tendência social, concomitantemente, com o desenvolvimento econômico de natureza capitalista.

A própria jurisprudência do STF firmou-se no sentido de que o princípio da livre iniciativa não pode ser invocado para afastar regras de regulamentação do mercado e de defesa do consumidor.

[…]

1. O exercício de qualquer atividade econômica pressupõe o atendimento aos requisitos legais e às limitações impostas pela Administração no regular exercício de seu poder de polícia, principalmente quando se trata de distribuição de combustíveis, setor essencial para a economia moderna. 2. O princípio da livre iniciativa não pode ser invocado para afastar regras de regulamentação do mercado e de defesa do consumidor.

[…]

2. Recurso extraordinário conhecido e provido (RE 349.686, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 5.8.2005).

Também do entendimento do SFT temos que a liberdade de iniciativa não exclui a possibilidade de um planejamento vinculante por parte do Estado. Segundo a corte suprema a intervenção na ordem econômica se justifica para o atingimento das diversas “diretrizes, programas e fins” a serem realizados pelo Estado e também constitucionalmente previstos, tais como, por exemplo, a garantia do efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto (artigos 23, inciso V, 205, 208, 215 e 217 § 3º, da Constituição Federal).

Em relação ao caráter não absoluto da livre iniciativa e à regulamentação do mercado, veja-se, da jurisprudência do STF, as ADIs 1.950/SP, DJ de 02/06/2006 e nº 3.512/ES, DJ de 23/06/2006 e RE nº. 349.686/PE, DJ de 05/08/2005. 

Grau também menciona exemplo interessante

Julgamento em 03/11/2005, Tribunal Pleno, DJ de 02-06-2006; RE 321796 Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 08/10/2002, Primeira Turma, DJ de 29-11-2002. EMENTA: – DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. FARMÁCIA: HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO. MATÉRIA DE COMPETÊNCIA MUNICIPAL. PRECEDENTE DO PLENÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE. AGRAVO.

1. Como salientado na decisão agravada, “o Plenário do Supremo Tribunal Federal já decidiu, por unanimidade, no julgamento do RE 237.965-SP, publicado no DJ, 31.03.00, Rel. Ministro MOREIRA ALVES, que a fixação de horário de funcionamento para farmácias é matéria de competência municipal, não procedendo, portanto, as alegações de violação aos princípios constitucionais da isonomia, da livre iniciativa, da livre concorrência, da liberdade de trabalho, da busca do pleno emprego e ao direito do consumidor”.

2. Os fundamentos desse precedente foram resumidos na decisão agravada, que mencionou outros, e não infirmados pela agravante.

3. Agravo improvido.

(RE 321796 AgR, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Primeira Turma, julgado em 08/10/2002, DJ 29-11-2002 PP-00020 EMENT VOL-02093-05 PP-00904).

O planejamento vinculante está expresso no texto constitucional, em seu art. 174, atribuindo ao Estado as funções de fiscalização, incentivo e planejamento de maneira determinante para o setor público e indicativas para o setor privado.

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Do artigo, conclui Barroso (2002):

O Estado não pode impor aos particulares o atendimento às diretrizes ou intenções por ele pretendidas, mas, tão somente, incentivar e fomentar a iniciativa privada através de atraente planejamento indicativo e mecanismos de fomento, tais como: incentivos fiscais, financiamentos públicos, redução da alíquota de impostos e melhores condições de exercício de determinadas atividades.

Assim, a valorização da liberdade econômica no texto constitucional está expressa pela adoção do modo de produção capitalista, por considerar a liberdade de iniciativa econômica como uma expressão da dignidade da pessoa humana e sua defesa se justifica não só na necessidade de garantir a existência de condições materiais mínimas para o acesso ao mercado, mas também porque possui caráter emancipatório, que reclama, inclusive, a criação de mecanismos de incentivo e estímulo por parte do Estado.

Resumindo com as palavras de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins (2000, p. 18): “O importante, contudo, é notar que a regra é a liberdade. Qualquer restrição a esta há de decorrer da própria Constituição ou de leis editadas com fundamento nelas”.

4.2 Princípio da Livre Concorrência

Forgioni (1998, p. 31) relata que a proteção da concorrência já existia mesmo antes da concepção liberal de livre mercado. Cita, como exemplos, a regulamentação de monopólios na antiguidade grega e a repressão ao açambarcamento de mercadorias na antiguidade romana. Sustenta a autora que a tutela da concorrência preexistente ao liberalismo clássico “não a protegia como um bem em si mesmo considerado, e muito menos como correlata a um tipo de estrutura e produção tida como ótima”.

Intuitivamente concorrência nos remete a ideia de competição, combate e rivalidade. Mas, considerando como princípio isto não é o suficiente para sua definição, até mesmo porque existe uma certa confusão entre livre iniciativa e livre concorrência.

Franceschini (1996) identifica duas teses entre estes princípios:

A tese da complementaridade, reconhece que o princípio da livre iniciativa constitui valor fundante da livre concorrência; enquanto que o viés pela tensão entre os princípios anota ser, a tutela da livre concorrência, princípio autônomo na formulação de políticas públicas instrumentalizadas pelo controle do exercício abusivo do poder econômico.

Scaff (2006, p. 110-111) pontua sobre a livre concorrência:

Já a livre-concorrência funda-se primordialmente na isonomia, e não na liberdade (a qual, embora não esteja afastada, não é primordial). Busca-se criar as condições para que se realize um sistema de concorrência perfeita, dentro dos objetivos propostos pela Constituição da República em seu art. 3º, e respeitando os princípios da ordem econômica. Para que possa existir livre-concorrência é imperioso que haja isonomia entre os contendores na arena do mercado. A livre-concorrência repudia os monopólios, pois eles são sua antítese, sua negação. Cabe ao Estado criar condições para que haja livre-concorrência, não apenas com sua inação (exercício da liberdade), mas com ações concretas, reprimindo o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

De Moro (2007, p. 220-221) tomamos abaixo seu conceito de livre concorrência para mais uma vez diferenciar de livre iniciativa:

A livre concorrência, expressamente acolhida no art. 170, IV, da CF, é tida como um princípio basilar da ordem econômica nacional. Trata-se um direito negativo, de oposição ao Estado, para que não (sentido negativo) interfira na livre concorrência entre os particulares. Nesse sentido, incorpora proibição, dirigida ao Estado, de criação de privilégios ou benefícios, de qualquer ordem, especialmente tributários, para determinados agentes econômicos, o que os colocaria, imediatamente, em posição de vantagem quanto aos demais.

Quanto ao seu significado, pode ser entendida como uma decorrência lógica da opção pelo modelo econômico pautado na livre iniciativa, embora esta possa haver sem dela decorrer a livre concorrência (como no tabelamento de preços).

[…] apesar da livre concorrência pressupor uma liberdade por parte dos concorrentes, para se assegurar a existência de livre concorrência essa deve ser regulada. A própria CF incorporou limites à livre concorrência em seu art. 173, §4º, estabelecendo que o abuso de poder econômico que tenha por objetivo a dominação de mercados, a eliminação da concorrência ou o aumento arbitrário de lucros deverá ser reprimido por lei. O abuso ocorrerá na medida em que o agente econômico elimine ou procure eliminar a competição em segmento economicamente relevante.

[…]

Por fim, vale ressaltar que a livre concorrência não só oferece garantias aos competidores, mas, indiretamente, também favorece os consumidores e a evolução da economia nacional, pois os concorrentes têm interesse e buscam aperfeiçoar-se na ânsia de angariar maior clientela.

Eros Grau (2010, p. 212) define o princípio da livre concorrência (art. 170, inc. IV) como:

Liberdade de concorrência, desdobrada em liberdades privadas e liberdades públicas, assim definidas: (a) faculdade de conquistar a clientela, desde que não através de concorrência desleal (liberdade privada); (b) proibição de formas de atuação que deteriam a concorrência (liberdade privada); e (c) neutralidade do Estado diante do fenômeno concorrencial, em igualdade de condições dos concorrentes (liberdade pública).

Salomão Filho (1988, p. 32), afirma que: “a livre concorrência abrange duas liberdades fundamentais: (a) a liberdade de acesso ao mercado, cujo conteúdo se confunde com o princípio da livre-iniciativa, e (b) a liberdade de permanência no mercado”.

Para Pinheiro (2005, pg. 355) “A competição reflete a disputa entre as empresas pela possibilidade de vender seus produtos para o maior número possível de clientes. É o principal mecanismo com que uma economia de mercado conta para garantir o seu bom funcionamento.”

Malard17 ressalta motivos fundamentais para a atuação da livre concorrência no universo do direito – um motivo econômico, um motivo político e um motivo social:

Pode-se afirmar que a juridicização da livre concorrência decorre de três motivos fundamentais. Um motivo econômico, que se refere à promoção da eficiência econômica e do bem-estar social, a partir de uma adequada alocação de recursos, evitando-se distorções na distribuição do produto nacional, à medida que se garante o livre funcionamento dos mercados, sem necessidade de intervenção direta do Estado na economia.

[…]

A motivação sociológica estaria na legitimação da liberdade das decisões econômicas dos consumidores, empresários e trabalhadores.

[…]

Por último, a motivação política estaria na necessidade de submeter-se a controle legal o poder econômico, em virtude da estreita correlação entre as forças econômicas e políticas, muitas vezes reunidas para a defesa de interesses privados que atentam contra a ordem política e até mesmo contra o regime democrático. A juridicização da concorrência teria, assim, a função preservadora da forma democrática de governo, assegurando a independência do Poder Público em relação ao poder econômico.

Deste modo, esperamos até aqui ter diferenciado a livre iniciativa da livre concorrência – são conceitos complementares, mas essencialmente distintos, que não se confundem.

Ter mostrado também que para manter o bem estar social, a liberdade e a igualdade nos mercados de bens e serviços e proteger a própria livre iniciativa a livre iniciativa deve ter limites.

Em resumo, o princípio da livre concorrência fornece a base jurídica para impedir que os agentes econômicos possam desvirtuar as prerrogativas de liberdade de iniciativa, prejudicando a sociedade e os mercados.

Como últimas observações sobre o tema, Salomão Filho (2003) conclui que o objetivo da livre concorrência é preservar o processo de competição e não os seus competidores e que o processo de competição, no modelo concorrencial, é o que possibilita a repartição ótima dos bens dentro da sociedade, contribuindo para a justiça social.

5 PAPEL DO ESTADO NA ATIVIDADE ECONÔMICA

A preocupação com a defesa da concorrência, como conhecemos hoje, é um fato recente, surge no final do século XIX.

O modelo liberal histórico, do século XVIII, previa:

i) para o Estado uma interferência mínima no mercado, sendo apenas um mero garantidor das liberdades individuais;

ii) para o cidadão o direito à propriedade e a autonomia das vontades eram preceitos máximos restringidos apenas quando interferiam na esfera particular de outros indivíduos e os limites à livre iniciativa eram apenas relacionados à proteção do indivíduo face ao poder estatal.

Inicialmente a estrutura dos mercados de bens e de serviços era bastante atomizada, inexistindo, por parte dos agentes econômicos, qualquer poder de influenciar preços ou condições de venda (o que configura o poder de mercado). Mas, transformações socioeconômicas decorrentes do processo de industrialização provocaram uma transformação na estrutura da indústria com o crescente número de oligopólios e monopólios e, consequentemente, com os efetivos e potenciais abusos desses agentes econômicos possuidores de poder de mercado – condições mercadológicas como preço e quantidade poderiam ser alteradas de modo artificial (e, portanto, prejudicial) por agentes dotados de grande poder de mercado.

Apesar do consenso de que a economia de mercado, com as garantias de livre iniciativa e livre concorrência, ser a melhor forma de maximizar o bem-estar social ou, em termos mais técnicos, da eficiência econômica – pelo aumento da eficiência alocativa, da eficiência produtiva e da capacidade de inovação dos mercados, há diversos motivos para justificar o direito do Estado à intervenção na economia.

De acordo com Souto (2003, p. 11-12):

O intervencionismo estatal surge com a legislação antitruste americana (Sherman Act, 1890), mas teve como marco o crack da bolsa da Nova York e a crise do início dos anos 30. […] Nos países em desenvolvimento, a origem do intervencionismo é explicada pelo fato de que não puderam eles se valerem do processo de acumulação de capitais dos países desenvolvidos (exploração do trabalho sem direitos sociais de qualquer ordem); daí funcionar o Estado como agente do capitalismo, porque só ele detinha o capital.

Pode-se afirmar que o instituto da intervenção, em todas suas modalidades, encontra previsão nos artigos 173, 174 e 177 da Lei Maior.

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

§ 1º A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.

Art. 177. Constituem monopólio da União:

I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;

II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;

III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;

IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;

V – a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal.

O primeiro artigo permite ao Estado explorar diretamente a atividade econômica quando necessário aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. Neste caso torna-se empresário e atua em condições de igualdade com os demais agentes do mercado, tornando-se destinatário dos mesmos fundamentos constitucionais econômicos.

O segundo reconhece o Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica, e lhe confere o poder para exercer, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo esse determinante para o setor público e indicativo para o privado de modo a garantir a eficácia da livre iniciativa e a defesa da ordem concorrencial.

Grau (2010) ao discorrer a respeito da função planejamento, mencionado no artigo 174, da Constituição Federal entende:

O planejamento não configura intervenção estatal no domínio econômico. Este somente qualifica esta intervenção, tornando-a sistematizada, visto ser forma de ação racional caracterizada pela previsão de comportamentos econômicos e sociais futuros, pela formulação explícita de objetivos e pela definição de meios de ação coordenadamente dispostos.

No terceiro, a Constituição do Brasil enumera atividades que consubstanciam monopólio da União (pressupõe apenas um agente apto a desenvolver as atividades econômicas) e os bens que são de sua exclusiva propriedade (art. 20 CF).

O Estado detém dupla legitimidade para exercer a defesa da livre empresa e o direito concorrencial, ora exercendo-a no polo ativo, como agente regulador e ora submetendo-se ao regramento concorrencial como sujeito passivo da ordem legal, agindo com agente econômico.

Nas palavras de Figueiredo (2004, p. 90):

As balizas da intervenção serão, sempre e sempre, ditadas pela principiologia constitucional, pela declaração expressa dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, dentre eles a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Para o presente trabalho consideramos a intervenção direta do Estado na economia, através de investimentos públicos feitos por empresa pública. Queremos compreender a atuação como agente econômico e até onde ela é benéfica para a sociedade.

6 LIVRE COMPETIÇÃO NO SETOR BANCÁRIO

De acordo com Smaniotto e Alyes (2016, p. 29-41) “a dinâmica do setor bancário, desperta interesse em qualquer parte do mundo, principalmente devido a possivel relação entre a concentração e o poder de mercado praticado pelas instituições financeiras”.

Para Martins (2012, p. 299) “a estrutura de mercado das instituições financeiras brasileiras é concentrada, com um cenário de organização e estratégia análogo ao oligopólio o que justifica a realização de estudos empíricos acerca da atividade bancária no país”.

Um oligopólio acontece de forma estrutural, ou natural, quando um setor da economia possui um número reduzido de empresas ofertando um produto ou serviço. Esta formação de mercado se encontra entre o monopólio (caso onde existe apenas uma empresa fornecendo um produto ou serviço), e a concorrência perfeita (onde existe uma quantidade “infinita” de empresas).

Os bancos atuam na intermediação financeira entre poupadores e investidores, a forma básica de captação de recursos pelos bancos consiste no recebimento de depósitos dos correntistas.

Nem todo valor depositado pode ser utilizado, existem as chamadas exigibilidades – recolhimentos compulsórios e direcionamentos obrigatórios.

Segundo o Banco Central, o recolhimento compulsório é mais um dos mecanismos que o banco tem à disposição, na sua caixa de ferramentas, na manutenção da estabilidade financeira e de combate à inflação. Trata-se de parcela do dinheiro dos correntistas que os bancos são obrigados a manter depositada no BC.

Direcionamentos obrigatórios são aplicações obrigatórias em setores específicos da economia, como o do financiamento imobiliário, realizadas por instituições financeiras (IFs), tendo como base um percentual de recursos captados por essas IFs.

Os direcionamentos obrigatórios quando relacionados a recursos da poupança, são destinados ao financiamento imobiliário e a empréstimos rurais. Já os relacionados à captação de recursos à vista são direcionados ao crédito para população de baixa renda e microempreendedores.

O quadro abaixo resume o panorama regulatório dos recolhimentos compulsórios e dos direcionamentos obrigatórios em dezembro/2019.

Tabela 01 – Recolhimentos compulsórios e direcionamentos obrigatórios

Estudo Especial nº 72/2020 – Parcialmente divulgado pela Diretoria de Política Monetária como tema selecionado no Relatório de Estabilidade Financeira (outubro/2019). BCB

Do que foi posto acima percebe-se que as instituições com maior poder de captação de recursos levam vantagem no mercado.

Outra característica importante do sistema, que explica a concentração em poucas e grandes instituições, é consequência do processo de fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional.

O lançamento do Plano Real, em julho de 1994, criou um novo ambiente de estabilização macroeconômica que levou muitos bancos a deixarem de auferir os ganhos propiciados pelas transferências inflacionárias.

Foram adotadas medidas para minorar a instabilidade do sistema e que fortalecessem a indústria bancária, evitando que a insolvência das instituições afetasse todo o sistema.

A criação de programas como: o PROER – Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional, o PROES – Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária, o PROEF – Programa de Fortalecimento das Instituições Financeiras Federais, contribuiu para concentração bancária.

A Tabela 02 apresenta o quantitativo de instituições autorizadas3 por segmento.

Tabela 02 – Quantitativo de instituições financeiras

Fonte Unicad – Banco Central do Brasil – Diretoria de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução – Diorf / Departamento de Organização do Sistema Financeiro – Deorf18

A despeito dos dados acima, a ideia intuitiva de mercado imobiliário seria de uma parcela do setor da economia responsável pela negociação dos chamados bens imóveis – terrenos, casas, apartamentos e construções de todo tipo, onde acreditamos, ainda de forma intuitiva, que existe um grande número de agentes envolvidos na cadeia produtiva do mercado imobiliário.

Sim, é grande o número de compradores, é grande o número de empresas fornecedoras de insumos. Mas é pequeno o número de construtoras e outros indivíduos dispostos a ofertar imóveis, do mesmo jeito que é pequeno o número de agentes financeiros.

No mercado da construção civil, algumas construtoras dominam uma grande fatia do mercado como um todo – principalmente para algumas faixas de financiamento/espécie de imóveis. Pode-se até se dizer que houve uma certa especialização/segmentação para atender os incentivos dados pelo governo.

A CAIXA é o principal agente financeiro deste mercado, que também é dominado por poucas e grandes instituições financeiras.

Por ser um banco público, sua atividade representa uma clara intervenção do Estado na economia, principalmente diante da importância e relevância do tema.

No próximo tópico tentaremos caracterizar a estrutura e o grau de poder de mercado dos bancos brasileiros, em especial da CAIXA, que atuam na concessão de financiamento imobiliário no país.

7 ATUAÇÃO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL E A LIBERDADE ECONÔMICA

Nas posições 1 a 5, a Tabela 03 mostra as fatias de mercado dos cinco bancos de maior participação e, nas posições 6 a 10, as participações de mercado por segmento do SFN. Cerca de metade do volume de crédito (50,8%) é concentrado na Caixa Econômica Federal e no BB, dada a importância dessas duas instituições financeiras na oferta de crédito imobiliário, rural e consignado.

Os principais agentes financeiros responsáveis pela operacionalização da concessão do crédito imobiliário, em sua configuração atual, são os bancos múltiplos (públicos e privados) e a Caixa Econômica Federal.

Tabela 03 – Participação de mercado – pessoas físicas %

Relatório de Economia Bancária, 2017 e 2020 – BCB (A concentração é mensurada pela Razão de Concentração dos cinco maiores (RC5) participantes nos Ativos.)

A Tabela 04 demonstra um pequeno movimento de queda na concentração no mercado de crédito imobiliário às pessoas físicas.

Tabela 04 – Participação de mercado – Imobiliário – PF + PJ %

Fonte: Relatório de Economia Bancária, 2017 e 2020 BCB (A concentração é mensurada pela Razão de Concentração dos cinco maiores (RC5) participantes nos Ativos.)

Saliente-se na Tabela 04 a participação de mercado estável da CAIXA no patamar de 70%. Em consequência, o RC5 (98,2% em 2020) não sofre alterações relevantes no período. Entre as demais instituições, observou-se uma queda do BB da segunda para a quarta posição, enquanto os três maiores bancos privados obtiveram, em 2020, uma parcela de mercado 2,4 % maior que em 2018.

O principal fator da atividade bancária em geral, são as fontes de recursos para financiamento, os chamados fundings. A ausência ou dificuldade de captação de recursos pode acarretar em impedimento a atuação da instituição financeira que deseje atuar nesse mercado.

Por esse motivo, o Grafico 05 apresenta a participação, percentual, de mercado nas captações em depósitos de poupança e títulos imobiliários, ambas fontes de recursos que se destacam no segmento em questão. Os dados referem-se ao periodo mais recente, de 2016 a 2023, e apresentam valores apurados nos resultados operacionais da própria empresa de acordo com números do Banco Central do Brasil.

No gráfico fica mais fácil de observar que a Caixa Econômica Federal detem ampla vantagem nas captacões de recursos de financiamento imobiliário, tanto nas LCIs e LHs quanto nas captações em poupança.

O incentivo a poupança e a participação em programas sociais, como agente financeiro, após as extinções das diversas caixas econômicas estaduais na década de 1990 e inicio dos anos 2000, são próprios da modalidade de instituições denominadas caixas econômicas. Assim sendo, a Caixa Econômica Federal é a única instituição a atuar nessa modalidade nos dias atuais e aproveita esta vocação, mantendo ampla vantagem no funding que viabiliza a concessão do crédito imobiliário.

Figura 02 – Participação de Mercado segundo fonte de financiamento %

Fonte: https://ri.caixa.gov.br/informacoes-financeiras/central-de-resultados/
Relatório de Análise de Desempenho (2016 à 2023)
Anexo 02 –  Participação de Mercado segundo fonte de financiamento %

Os gráficos abaixo foram construídos com dados do Banco Central e da ABECIP, e novamente confirmam a maior participação da Caixa Econômica Federal, inclusive na construção e aquisição com recursos do SBPE para o qual empresa não detêm monopólio como no caso do FGTS onde é o único agente operador.

Figura 03 – Participação da CAIXA na construção com recursos do SBPE

Fonte: Abecip e Banco Central do Brasil
Tabela Anexo 02

Figura 04 – Participação da CAIXA na aquisição com recursos do SBPE

Fonte: Abecip e Banco Central do Brasil
Tabela Anexo 02

Nota-se, a partir dos gráficos, que em períodos de recessão/contração econômica o banco participa da política anticíclica do govemo federal, com um maior fomento nesse segmento via bancos públicos oficiais.

De acordo com o Dieese19 até 2007, a expansão do crédito sempre foi mais expressiva em bancos privados, porém, com o início da crise houve uma redução dessa expansão, com isso os bancos públicos, notadamente forneceram financiamentos para os setores industrial, agrícola e habitacional, como parte da estratégia do governo federal para enfrentar a crise econômica internacional.

Araujo20 em publicação de 2011 relata que a partir de 2008, com a redução do ritmo do aumento dos financiamentos pelas instituições privadas, os bancos estatais subiram 30% em 2009 a oferta de crédito reduzindo os efeitos da crise mundial.

Na visao de Moura (2015), a oferta de taxas mais atrativas de financiamento aos clientes que se tomassem correntistas e adquirissem um conjunto de serviços, promoveu a expansão da base de clientes do banco.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado é o instrumento de ação coletiva, onde a sociedade procura alcançar a ordem, a estabilidade social, a liberdade, o bem-estar e a justiça social.

Nas teorias econômicas formuladas, ao longo da história, o Estado assumiu diferentes funções na atividade econômica de acordo com os acontecimentos e circunstâncias.

O papel do Estado gravita entre limitar-se à melhoria dos mecanismos de distribuição de informações e regulação e/ou ser financiador direto de determinados setores.

O crescimento do setor público encontra limites na própria Constituição Federal, aqueles dos artigos 1º, IV; 170 e 173, sem nos esquecermos dos limites decorrentes da cláusula do Estado Democrático de Direito, do princípio republicano, dos princípios administrativos constitucionais previstos no art. 37, e dos deveres de motivação e controle dos atos administrativos.

A constituição impõe ao setor público uma missão. Identificá-la, é o melhor modo de verificar se a mesma está sendo implementada de forma adequada, se os custos estão compatíveis com os ganhos, se a escolha por determinada forma de atuação pública é de fato a que melhor atende aos seus objetivos.

Os objetivos do texto constitucional são voltados ao atendimento de interesses coletivos, buscando a diminuição das desigualdades sociais, e implicam na necessidade de adoção de políticas públicas direcionadas a uma melhor distribuição dos recursos produtivos da sociedade.

O modelo de Estado Econômico Social do Brasil exige uma busca por equilíbrio permanente entre conflitos de interesses econômicos e sociais.

No acaso específico em estudo, trata-se de ponderar sobre os efeitos de médio e longo prazo produzidos pelo Estado na exploração de atividades econômicas, através da Caixa Econômica Federal e a sua repercussão para o desenvolvimento econômico e social na área de habitação.

A questão é complexa não está associada apenas ao lucro, mas também à eficiência.

Se o mercado consegue cumprir a finalidade proposta pela empresa estatal por meio menos custoso, e/ou se este meio se configurar excessivamente oneroso sem os resultados ou objetivos, estará evidente o dano ao Erário, decorrente da malversação de verbas públicas.

A alocação de recursos desnecessária, infundada ou mesmo desconexa às necessidades da sociedade também configurará uma violação de natureza jurídica, ferindo os princípios da moralidade e da eficiência e valores como probidade e economicidade. Logo, os custos das intervenções do Estado devem ser acompanhados e avaliados sem perder de vista o seu propósito.

Lembrando que inicialmente o objetivo era não onerar o Estado quando este assumiu a política habitacional no Brasil, tal fato não aconteceu em âmbito estatal federal.

Os subsídios começaram já em 1964 – ano da criação do SFH e do BNH e se estendem até os dias atuais, e são de vários tipos e modalidades. O sistema oferece subsídios implícitos indiretos, dados pelas taxas de juros abaixo das taxas de mercado, propiciadas por recursos captados de modo compulsório, com rentabilidade controlada – o FGTS (captação regular por meio do recolhimento de depósitos compulsórios dos trabalhadores) e, o SBPE (constituído pela captação de poupanças voluntárias privadas) possuem custos de captação e de financiamento regulados pelo governo, abaixo das taxas de mercado e de outros tipos – internos e cruzados: taxas de juros crescentes diretamente proporcionais aos valores de financiamento e inferiores aos custos de captação para financiamentos mais baixos, de menor valor de prestação, a fim de viabilizar o acesso aos mutuários de menor renda.

Nunca houve mensuração do ganho real para sociedade. Tudo se justifica na quantidade de empregos gerados, no número de residências construídas, na melhoria da saúde pública – entrega de bens associados como água e esgotamento sanitário, melhoria da igualdade e justiça social, suplantar ineficiências de mercado e de regulamentação; estimular o crescimento econômico.

A única referência, aos incentivos, que encontramos são os dados da Receita Federal do Brasil21, que mostram para o ano de 2020, uma estimativa dos gastos com Incentivos Fiscais na Habitação da ordem de R$8.029.515.598 (2,44% do PIB) e com Títulos de Crédito – Setor Imobiliário e do Agronegócio no valor de R$2.159.330.331 (0,66% do PIB).

Infelizmente não foi possível localizar, nos estudos realizados, algum tipo de comparação entre os subsídios concedidos pelo governo e o retorno para a sociedade.

Apesar de previsto constitucionalmente e em outros dispositivos que tratam desta matéria, o governo federal ainda não instituiu mecanismos de controle que permitam conhecer, os montantes de recursos renunciados, os beneficiários destes recursos e os resultados efetivos comparados aos objetivos dos planos do governo.

Significa dizer que o Estado não tem controle do que deixa de arrecadar, sob a forma de renúncia de receita e não avalia os resultados desta política.

Outro aspecto a ser considerado é a forte centralização na CAIXA, que contraposta às metas ambiciosas de atendimento, acabou por gerar uma uniformização de regras e padronização de soluções, comprometendo a inovação por parte dos diversos agentes – construtores/incorporadores e financiadores.

A Caixa Econômica Federal segmenta o mercado de clientes pela renda e o de construtoras/incorporadoras pelo tamanho dos estímulos governamentais ao divulgar definições de programas como o Minha Casa, Minha Vida – valores máximos dos imóveis de cada faixa do programa habitacional, taxas de juros, uso de recursos do FGTS e acaba direcionando o mercado.

A principal consequência dessas políticas é a procura, por parte das empresas, pelos setores mais rentáveis ou que serão mais contemplados com recursos.

Não podemos deixar de falar da dependência do FGTS, e ainda de sua importância para o mercado.

Logo baixo disponibilizamos novo gráfico, com a composição do crédito imobiliário, por fonte do recurso, concedido pela Caixa Econômica Federal.

Mesmo com a liderança nas demais fontes de captação de mercado, o FGTS, cujos valores estão centralizados na Caixa Econômica Federal, seu único agente operador, é a principal fonte de recursos para o financiamento imobiliário.

O mercado habitacional ainda não funciona de forma independente. O financiamento imobiliário ainda não superou a característica da época do SFH de ser pró-cíclico e dependente de fontes de recursos como FGTS e a caderneta de poupança.


3Art. 21. Compete à União:
XX – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;

4Art.72 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes:
§ 8 A todos é licito associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas, não podendo intervir a polícia senão para manter a ordem pública.
§ 17 – O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. As minas pertencem aos proprietários do solo, salvas as limitações que forem estabelecidas por lei a bem da exploração deste ramo de indústria.
§ 24 – É garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial.

5Art. 113 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.

6Art.116- Por motivo de interesse público e autorizado em lei especial, a União poderá monopolizar determinada indústria ou atividade econômica, asseguradas as indenizações, devidas, conforme o art. 112, n°17, e ressalvados os serviços municipalizados ou de competência dos Poderes locais.

7Art. 135 – Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estimulo ou da gestão direta.

8Art. 145 – A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano Parágrafo único – A todos é assegurado trabalho que possibilite existência digna. O trabalho é obrigação social

9Art. 141 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 16. É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, com a exceção prevista no § 1º do art. 147. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia, assegurado o direito a indenização ulterior.

Art. 147 – O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.

10Art. 148 – A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros.

11Art. 157 – A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios:

I – liberdade de iniciativa;

II – valorização do trabalho como condição da dignidade humana;

III – função social da propriedade;

IV – harmonia e solidariedade entre os fatores de produção;

V – desenvolvimento econômico;

VI – repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.

12Emenda no1 de 1969.

Art. 160. A ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios:

I – liberdade de iniciativa;

II – valorização do trabalho como condição da dignidade humana;

III – função social da propriedade;

IV – harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção;

13Art. 170. Às empresas privadas compete, preferencialmente, com o estímulo e o apoio do Estado, organizar e explorar as atividades econômicas.

§ 1º Apenas em caráter suplementar da iniciativa privada o Estado organizará e explorará diretamente a atividade econômica.

§ 2º Na exploração, pelo Estado, da atividade econômica, as empresas públicas e as sociedades de economia mista reger-se-ão pelas normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e ao das obrigações.

§ 3º A empresa pública que explorar atividade não monopolizada ficará sujeita ao mesmo regime tributário aplicável às empresas privadas.

14Art. 163. São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade, mediante lei federal, quando indispensável por motivo de segurança nacional ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais.

15Princípios gerais da ordem econômica o princípio constitucional da livre concorrência corolário da livre iniciativa ou princípio autônomo da ordem econômica, https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/outras-publicacoes/volume-iv-constituicao-de-1988-o-brasil-20-anos-depois.-estado-e-economia-em-vinte-anos-de-mudancas

16Art. 1 A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (Vide Lei nº 13.874, de 2019)

17MALARD, Neide Teresinha. A liberdade de iniciativa e a livre concorrência: as questões jurídicas do poder econômico. Disponível em: << http://www.iesb.br/ModuloOnline/Atena/arquivos_upload/Neide%20Teresinha% 20Malard.pdf >>.

181/ Inclui os bancos estrangeiros (filiais no país)

2/ Inclui sociedades de crédito imobiliário (Repassadoras /SCIR), que não podem captar recursos junto ao público.

3/ Foram consideradas as instituições nas seguintes situações: “Autorizadas sem Atividade”; “Autorizadas em Atividade”; “Em Adm. Especial Temporária”; “Em Intervenção” e “Paralisadas”. Obs.: 1 / Para dados dos meses anteriores, reexiba as colunas ocultas.

19DIEESE. (2014). Estudo setorial da construção. São Paulo. (Estudos e Pesquisas, 56). Recuperado de: www.dieese.org.br;

20ARAUJO, V. (2011). Bancos públicos sustentaram o crescimento do crédito. Recuperado de: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=9836:bancos-publicos-sustentaram-o-crescimento-do-credito&catid=3:dimac&Itemid=3

21https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/relatorios/renuncia

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1Discente do Curso Superior de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

2Doutor em Direito Público pela Universidade de Zaragoza/Espanha. Mestre em Direito Econômico pela UFPB. Professor de Direito Econômico da UFRN nos Cursos de Graduação e Pós-Graduação.