DESINDICIAMENTO: A BUSCA DA LIBERDADE MORAL

DISINDICATION: THE SEARCH FOR MORAL FREEDOM

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202503310304


Jamil Engel Junior1*
Walter Martins Muller2**


Resumo

O texto aborda as liberdades e direitos fundamentais, destacando a importância da liberdade como um dos maiores bens inerentes à vida, devendo ser protegida junto à dignidade. As liberdades públicas, surgidas na Constituição Federal, garantem o poder de autodeterminação sem prejudicar as liberdades dos outros, sendo a autoridade judicial a guardiã dessas liberdades. As liberdades individuais, por sua vez, são direitos subjetivos que permitem ao indivíduo fazer o que a lei não proíbe. Ambas as liberdades são reguladas pelo artigo 5º da Constituição. Sobre o inquérito policial, o texto detalha suas fases e funções. O inquérito é uma fase investigativa e não acusatória, com o objetivo de coletar provas para iniciar um processo penal. O indiciamento ocorre quando há indícios razoáveis de autoria, mas não implica em acusação formal, que depende do Ministério Público. O arquivamento do inquérito depende de decisão judicial, mediante solicitação do Ministério Público. O texto também discute as divergências doutrinárias sobre o valor probatório do inquérito e ressalta que sua função principal é fornecer subsídios para a ação penal. Como metodologia, utilizou-se o método dedutivo. Para tanto, foram consideradas doutrinas e também a legislação, como o Código Penal, Código de Processo Penal, a Constituição Federal e também orientações jurisprudenciais. O resultado mostra que desindiciamento é uma medida que pode ser determinada pelo Poder Judiciário para desfazer um indiciamento ilegal. 

Palavras-chaves: Indiciamento. Liberdade. Inquérito policial.

Abstract

The text addresses fundamental freedoms and rights, highlighting the importance of freedom as one of the greatest assets inherent to life, which must be protected along with dignity. Public freedoms, established in the Federal Constitution, guarantee the power of self-determination without harming the freedoms of others, with the judicial authority being the guardian of these freedoms. Individual freedoms, in turn, are subjective rights that allow the individual to do what the law does not prohibit. Both freedoms are regulated by Article 5 of the Constitution. Regarding the police investigation, the text details its phases and functions. The investigation is an investigative and not accusatory phase, with the objective of collecting evidence to initiate criminal proceedings. Indictment occurs when there is reasonable evidence of authorship, but does not imply a formal accusation, which depends on the Public Prosecutor’s Office. The archiving of the investigation depends on a judicial decision, upon request by the Public Prosecutor’s Office. The text also discusses the doctrinal differences regarding the evidentiary value of the investigation and emphasizes that its main function is to provide support for criminal proceedings. The deductive method was used as a methodology. To this end, doctrine and legislation were considered, such as the Penal Code, the Code of Criminal Procedure, the Federal Constitution and also case law guidelines. The result shows that disindictment is a measure that can be determined by the Judiciary to undo an illegal indictment.

Keywords: Indictment. Freedom. Police investigation

Introdução

A liberdade como um dos mais preciosos direitos inerentes à vida, é um bem fundamental que deve ser protegido com vigor. Este texto busca explorar as nuances das liberdades públicas e individuais estabelecidas pela Constituição Federal e seu papel central na proteção da dignidade humana (Brasil, 1988). Além disso, discute o inquérito policial como um mecanismo essencial no sistema de justiça, analisando suas fases e o papel do Ministério Público na garantia de que apenas casos bem fundamentados avancem ao tribunal, assegurando, assim, a preservação das liberdades e a eficiência do sistema judicial.

1 DAS LIBERDADES

A liberdade é o maior bem dentre aqueles inerentes à vida. Sendo assim, a tutela a liberdade, juntamente com a da dignidade, consubstancia um direito fundamental natural, devendo ser protegido, assim, a liberdade.

Sempre que algum povo (digamos, algum regime, porque nem sempre se ouve o povo, e às vezes se fazem constituição e leis, sem que ele opine) permite constrangimento a liberdade física sem a necessária tutela jurídica dos sofredores, começa a decadência ou a mudança violenta (Miranda, 1999, p. 38).

1.1 Liberdades públicas

No que concerne o marco da Constituição Federal (Brasil, 1988), a liberdade pública é um poder de autodeterminação consagrado no ordenamento jurídico, admitido por todos, de modo que seu exercício por cada um não acarrete, em nenhum caso, afronta ao exercício destas mesmas liberdades por outro.

A autoridade judicial é a “guardiã das liberdades públicas”, ou seja, a protetora natural do cidadão contra os atentados da administração ou do governo, contra seus mais garantidos direitos, justamente por serem presumidos como os mais importantes.

As liberdades públicas constituem o núcleo dos direitos fundamentais. A categoria dos direitos da personalidade integra as liberdades públicas, e o direito à intimidade integra os direitos da personalidade; suas manifestações são múltiplas, entre elas o direito ao segredo (Grinover, 1982)

As liberdades públicas constituem precisamente as categorias consagradas notadamente no artigo 34 da Constituição Federal vigente (Brasil, 1988).

Ao se enquadrar o processo penal como liberdades públicas, estaremos fazendo a assertiva que, enquanto se limita a atividade estatal representada pela persecução penal, contrapõe-se por ser um instrumento de garantia da liberdade do acusado.

As liberdades públicas, só ficam sujeitas a um regime especial, em situações de grave crise ou ameaça, como guerra ou desordens internas.

1.2 Liberdades individuais

As liberdades individuais são apenas manifestações do poder fundamental do homem de fazer o que a lei não proíbe, ou de não ser compelido a fazer o que a lei não ordena (Nobrega, 1969). Tais liberdades constituem um direito subjetivo que, quando violado, poderá ser executado com auxílio do Poder Judiciário.

Estas liberdades são direitos do homem, que se aplicam a todos os homens, estando diretamente ligadas ao conceito de pessoa humana e de sua própria personalidade, enquanto as liberdades públicas são direitos dos cidadãos, porque só a estes se aplicam, aos súditos do Estado.

Estão estabelecidas no art. 5º da Constituição Federal vigente as garantias a essa liberdade, não podendo ser exercidas em oposição aos princípios de nosso direito, nem privilegiar apenas a uma categoria de pessoas (Brasil, 1988).

Neste diapasão, cumpre ressaltar que o primeiro e mais importante de todos os direitos humanos é o direito à vida, sendo este o pré-requisito para todos os outros direitos, a fim de garantir a integridade física e moral dos indivíduos.

Assim, nem o Estado, nem qualquer membro da sociedade tem o direito de tirar vidas, exceto em casos de guerra, onde os crimes como traição (auxiliar o inimigo), covardia (fugir na presença do inimigo), rebelião ou incitação à desobediência contra a hierarquia militar, deserção ou abandono de posto, genocídio, roubo ou extorsão em zona de operações militares, entre outros, podem levar a essa punição.

Portanto, as leis devem sempre se ater a promover a regulação e planificação do comportamento social e não devem extrapolar suas finalidades. Os legisladores devem respeitar as regras de proporcionalidade e razoabilidade na elaboração legislativa para não adentrar à liberdade individual, que deve ser garantida ao cidadão. A intervenção na liberdade só é admitida quando, além de necessária, não há outra solução melhor.

Destarte, as leis devem estar estritamente ligadas ao fim a que se destinam, observando a necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, para que não colida com os direitos fundamentais, como a liberdade individual e a segurança coletiva.

2 INQUÉRITO POLICIAL

O inquérito policial está há muito tempo no nosso ordenamento jurídico e encontra seu limite na presente Constituição Federal (Brasil, 1988). Embora exista este instrumento desde os tempos em que o direito e religião eram intimamente ligados, passando por Roma e Grécia antigas, é necessário discorrer sobre este instituto sob um prisma diferenciado.

Segundo Bismael Batista de Moraes (1990), em Roma, registrava-se um procedimento em que o acusador recebia do magistrado uma comissão, cujo poder que lhes era atribuído era o de inquérito, com a fixação de um prazo para que se procedesse às diligências.

Hoje, o inquérito policial é um instrumento de natureza administrativa que tem por finalidade expor o crime em sua primeira fase, a fim de que se descubra a autoria, a materialidade, as circunstâncias do crime, além de provas, suspeitas etc.

Assim sendo, é no inquérito policial que se busca reunir evidências sobre quem cometeu o crime e como ele foi cometido, para que sejam fornecidas ao promotor as provas necessárias para início de um processo penal. O inquérito policial, assim, exerce uma função preservadora, para que não se abram processos judiciais sem base, o que protege a liberdade dos inocentes e economiza dinheiro público. Ademais, também possui função preparatória, na medida em que reúne informações para o promotor entrar com a ação na justiça e preservar evidências que, com o tempo, poderiam desaparecer.

Corroborando com estes entendimentos, Tourinho Filho (2000, p.163) escreve que “inquérito policial é, o conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo”. Não se trata de uma fase acusatória, mas simplesmente investigatória e preparatória da ação penal.

Segundo o art. 27 do Código de Processo Penal (CPP) (Brasil, 1941) o inquérito policial, não se configura uma peça indispensável para a propositura da ação penal, pois qualquer do povo pode provocar a iniciativa do Ministério Público fornecendo-lhe, por escrito, informações. “Não é peça indispensável, pois poderá ser oferecida denúncia ou queixa com base em qualquer outra peça informativa” (Führer, M. C. A.; Führer, M. R. E., 2003, p.19).

2.1 Fases do inquérito policial

Fase 1: Instauração do inquérito policial. Inicia-se com o delatio criminis, ou seja, a notícia de um fato criminoso à autoridade policial. Qualquer pessoa pode fazê-lo por meio dos canais existentes, inclusive pela internet. Hoje com a possibilidade de realizar um boletim de ocorrência virtual, notifica-se à autoridade policial um fato criminoso pela internet.

Assim que a autoridade policial toma conhecimento do fato delituoso, a partir das suas atividades rotineiras ou da notícia-crime, deve instaurar o inquérito policial de ofício. Neste caso, a peça inaugural do inquérito policial é uma portaria, que deve ser subscrita pelo Delegado de Polícia. Ademais, a portaria deve conter o objeto da investigação, as circunstâncias já conhecidas quanto ao fato delituoso, bem como as diligências iniciais a serem cumpridas.

Além da instauração de ofício pela própria autoridade policial, o inquérito também pode ser instaurado a partir de requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público. Assim, o promotor de justiça pode determinar a instauração do inquérito policial, tratando-se de uma obrigação e não um pedido.

Há também os crimes de ação penal pública condicionada, nos quais o início da persecutio criminis está subordinado à representação do ofendido ou à requisição do Ministro da Justiça, conforme o artigo 5º, §4º, do CPP (Brasil, 1941).

Por representação, também denominada de delatio criminis postulatória, entende-se a manifestação da vítima ou de seu representante legal no sentido de que possuem interesse na persecução penal, não havendo necessidade de qualquer formalismo.

Quando se tratar de ação penal de iniciativa privada, o Estado fica condicionado ao que está disposto no artigo 5º, § 5º, do CPP, segundo o qual a autoridade policial somente poderá proceder ao inquérito nos crimes de ação privada a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la.

O inquérito policial também poderá ser instaurado pelo auto de prisão em flagrante delito, sendo o próprio auto a peça inaugural da investigação.

Fase 2: Diligências policiais. Assim que o inquérito policial é aberto, haverá o desenvolvimento de inúmeras diligências no sentido da colheita de provas da autoria e materialidade.

Estas diligências encontram-se elencadas, exemplificativamente, no art. 6º do CPP, sendo um rol sugestivo, não havendo obrigatoriedade de ser seguido:

Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

I – dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994)

II – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994)

III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;

IV – ouvir o ofendido;

V – ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura;

VI – proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;

VII– determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;

VIII– ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;

IX – averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.

X – colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa (Brasil, 1941, [não paginado]).

Diante disso, o Delegado de Polícia possui total discricionariedade para conduzir e determinar os rumos do inquérito policial, de acordo com sua conveniência e estratégia.

Fase 3: Conclusão do inquérito policial. Na conclusão, do inquérito policial, segundo o art. 10, §1º, do CPP, a autoridade policial deverá elaborar um minucioso relatório do que tiver sido apurado, com posterior remessa dos autos do inquérito policial ao juiz competente (Brasil, 1941).

O relatório será composto de conteúdo eminentemente descritivo, no qual deve ser feito um esboço das principais diligências levadas a efeito na fase investigatória, justificando a não realização de outras, como, por exemplo, a juntada de um laudo pericial que ainda não foi concluído pela Polícia Científica.

Mesmo sendo dever funcional da autoridade, a elaboração do relatório, por não se tratar de peça obrigatória para o oferecimento da denúncia, pode ser dispensável para o início do processo criminal, desde que a imputação esteja respaldada por outros elementos de convicção.

A autoridade policial não deve fazer qualquer juízo de valor no relatório, já que a opinio delicti é dever do Ministério Público na ação penal pública e do ofendido ou de seu representante legal nos crimes de ação penal de iniciativa privada.

Porém, há duas correntes doutrinárias principais que interpretam de maneira diversa o valor probante do inquérito policial. A primeira entende que o inquérito policial não possui qualquer valor probante, por lhe faltar o contraditório, e todas as provas colhidas no inquérito policial precisam ser judicializadas, sob pena de serem desconsideradas como provas. A segunda corrente entende que os valores probantes dos elementos colhidos no inquérito policial podem servir de base para a condenação, desde que em harmonia com os atos praticados em juízo.

Similar ensinamento é encontrado na obra de Fernando Capez (2015, p.119), o qual afirma que “[…] o inquérito policial tem conteúdo informativo”, sendo sua finalidade “[…] fornecer ao Ministério Público ou ao ofendido, conforme a natureza da infração, os elementos para a propositura da ação penal”. No mesmo contexto, surgem dois erros capitais: a unilateralidade e a função “meramente informativa”. Novamente ocorre o fenômeno de que o mesmo autor que afirma o caráter “meramente informativo” é obrigado a se desmentir e reconhecer que o inquérito policial teria “valor probatório, embora relativo”.

Como aduz Bonfim (2016, p.210):

[…] a maior parte da doutrina tende a negar a possibilidade de uma condenação lastreada tão somente em provas obtidas durante a investigação policial. Admitem, quando muito, que essas provas tenham natureza indiciária, sejam começos de prova, vale dizer, dados informativos que não permitem lastrear um juízo de certeza no espírito do julgador, mas de probabilidade, sujeitando- se a posterior confirmação.

Assim, ressalta-se o disposto no artigo 155 do Código de Processo Penal, onde é estabelecido que o juiz deve formar sua convicção com base na livre apreciação das provas produzidas em contraditório judicial, “não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.

3 INDICIAMENTO

O indiciamento é a imputação, no inquérito policial, a alguém, da prática de um ilícito penal, quando estiverem presentes razoáveis indícios de sua autoria. Trata-se do formalizar da convicção do Delegado de Polícia sobre a provável autoria de um crime. Indício, art. 239. “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.” (Brasil, 1941, [não paginado]).

Há o indiciamento do suspeito quando o delegado formaliza que, por meio da investigação, chegou à conclusão de que determinada pessoa é o provável autor do delito. Isso não significa que o suspeito seja acusado, pois, para tal, é necessário que o Ministério Público

apresente sua opinião e que haja concordância do Poder Judiciário, sem que reste, para tal, nenhum recurso cabível para modificar a decisão condenatória.

Não há indiciamento na lei 9.099 (Brasil, 1995), que prevê que, no caso de suspensão do processo ou transação, não constará nos assentos, inviabilizando o indiciamento. O indiciamento pode ocorrer a qualquer tempo no inquérito: na prisão em flagrante, no curso do inquérito ou logo antes do relatório final.

O indiciamento é o ato formal pelo qual a autoridade que preside o inquérito policial (o delegado de polícia) indica ou aponta o titular da ação penal. O indiciamento pode ser direto ou indireto. Quando direto, o indiciado está presente ao ato; quando indireto, o indiciado não está presente ao ato.

Sobre os pressupostos do indiciamento: elementos razoáveis e suficientes quanto à materialidade e autoria do delito. Ainda neste direcionamento, deve ser precedido de uma fundamentação – alguns delegados tem feito termo de indiciamento instruindo o ato – embora não haja previsão legal expressa, todo ato administrativo deve ser fundamentado conforme a Constituição Federal (Brasil, 1988).

O arquivamento do inquérito, a absolvição do acusado e a extinção da punibilidade são decisões relevantes no processo penal. Na qualidade de dominis litis cabe ao Ministério Público a função originária de avaliador dos indícios que lhe asseguram, antes da iniciação da ação penal, optar pela não movimentação da jurisdição, à luz de vácuo probatório de que a projeção implica na inocuidade da demanda punitiva.

Segundo o artigo 28 do Código de Processo Penal, o arquivamento do inquérito policial só cabe ao juiz, a requerimento do Ministério Público, que é o titular da ação penal pública. Assim, mesmo que fique provada a inexistência do fato ou que a autoria do ilícito penal não tenha sido apurada, a autoridade policial não pode determinar o arquivamento do inquérito. O Artigo 17 do CPP dispõe: A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito(Brasil, 1941, [não paginado]). Esse princípio é absoluto, não cabendo à autoridade policial arquivar autos de inquérito, ainda que sejam inconclusivos.

O Ministério Público procede, por despacho, ao arquivamento do inquérito se constatar que o crime não ocorreu, que o arguido não o praticou sob qualquer título, ou se o procedimento for legalmente inadmissível. O inquérito também é arquivado se não tiver sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes sobre a ocorrência do crime ou de quem foram os agentes.

O despacho de arquivamento é comunicado ao arguido, ao assistente, ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente e a quem tenha manifestado o propósito de apresentar pedido de indenização civil, nos termos do art. 75, bem como ao respectivo defensor ou advogado.

Encontrando-se demonstrada a legítima defesa, etc, no inquérito policial, e, por isto não havendo crime por falta de ilicitude de conduta, cremos poder o Promotor de Justiça requerer o arquivamento das peças de informação. Tal entendimento se baseia, inclusive, na orientação jurisprudencial que endossa sua tese quanto à legítima defesa (Jesus, 1998, p.22).

Porém, existem julgados em sentido contrário.

Esse princípio é absoluto: a autoridade policial não pode mandar arquivar autos de inquérito, ainda que este seja inconclusivo. O inquérito sempre deverá ser ajuizado. Para ser arquivado, a autoridade policial deverá remetê-lo à Justiça, onde somente lá poderá ser arquivado.

À autoridade policial cabe apenas colher provas para a formação do convencimento do titular da ação penal, não podendo arquivar os autos do inquérito. Porém, na falta de justa causa, a autoridade policial poderá deixar de instaurar o inquérito, mas, uma vez instaurado, ele só poderá ser arquivado por decisão judicial provocada pelo Ministério Público, em virtude do princípio da obrigatoriedade da ação penal. Ademais, o juiz não poderá decretar o arquivamento do inquérito sem manifestação do Ministério Público; se assim agir, caberá correição parcial.

O arquivamento, em regra, é uma decisão judicial, em trabalho anterior, sustentou que o desarquivamento deveria ser requerido ao Juiz pelo Ministério Público, procurando, desta forma, àquela época, uma mera simetria, numa visão singela do problema. Atualmente, entretanto, o mesmo professor sustenta posicionamento diferente, face à finalidade da intervenção do magistrado no procedimento de arquivamento, como fiscal do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, bem como em razão do sistema acusatório, adotado no artigo 129, inciso 1, da Constituição Federal.

Diz-se que o legislador optou pelo arquivamento judicial a fim de que, com a independência de que goza o Poder Judiciário, haja um rigoroso controle sobre o não exercício da ação pública. Com este escopo, introduziu se o Juiz na fase pré-processual, outorgando-lhe esta função anômala de caráter persecutório. Em outras palavras: o sistema é no sentido de fortalecer a persecutio criminis in judicio.”(Jardim, 1999, p.173).

A Lei 13.964/2019 alterou o artigo 28 do Código de Processo Penal (CPP). A nova redação determina que a decisão de arquivamento de inquérito policial deve ser tomada por uma instância superior do Ministério Público. 

A nova redação do artigo 28 do CPP também prevê que o órgão do Ministério Público deve: submeter a manifestação de arquivamento ao juiz competente; comunicar a decisão de arquivamento à vítima, ao investigado e à autoridade policial, e, encaminhar os autos para o Procurador-Geral ou para a instância de revisão ministerial, quando houver.

Logo, se trata de uma afirmação de que o arquivamento não se reveste mais de um mero pedido, requerimento ou promoção, mas de verdadeira decisão de não acusar, isto é, o promotor natural decide não proceder à ação penal pública, de acordo com critérios de legalidade e oportunidade, tendo em vista o interesse público e as diretrizes de política criminal definidas pelo próprio Ministério Público. O promotor designado para o caso estará obrigado a executá-la, pois não atua, neste caso, em nome próprio, mas em nome da autoridade que o designou, não havendo ofensa ao princípio da independência funcional (Brasil, 1941).

O despacho que decretar o arquivamento do inquérito policial é irrecorrível, com exceção dos casos de crime contra a economia popular, que cabe recurso oficial, e dos casos de contravenções previstas nos art’s. 58 e 60, do Decreto-Lei n.º 6.259 (Brasil, 1944), nos quais cabe recurso em sentido estrito.

“A decisão que deferir o arquivamento de inquérito policial não autoriza qualquer incidência recursal” (Espínola Filho, 2000, p. 311). “De acordo com a jurisprudência pacífica, não cabe recurso da decisão que, a requerimento do Ministério Público, determinar o arquivamento das peças de informação – informatio delicti” (Jesus, 1983, p. 22).

Se o Promotor de Justiça requerer o arquivamento, seu sucessor não poderá oferecer denúncia sem que os autos sejam remetidos ao Procurador-Geral. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que o mesmo promotor que requereu o arquivamento pode acatar a ponderação do juiz e oferecer denúncia, o que não viola o artigo 28 do CPP (Brasil, 1941).

O artigo 18 do CPP autoriza que seja reaberto o inquérito policial já arquivado, diante da notícia de novas provas que indiquem a existência do crime ou a descoberta da autoria (Brasil, 1941). Nesse sentido, a Súmula 524 do Supremo Tribunal Federal estabelece: arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas.

Júlio Fabbrini Mirabete (1999, p. 60) cita que as novas provas capazes de autorizar o início da ação penal são apenas aquelas que alteram o panorama probatório obtido no acolhimento do pedido de arquivamento do inquérito policial.

Como se sabe, o arquivamento de inquérito policial tem como principal característica a res non judicata, isto é, não faz coisa julgada. Isso significa que, a qualquer tempo, poderá ser revisto, contanto que não tenha ocorrido nenhuma excludente de punibilidade mencionada no art. 107 do CPP, com a nova redação dada pela Lei n.º 7.209 (Brasil, 1984).

A matéria recebe o beneplácito dos tribunais pátrios, seguindo a esteira escolial do Pretório Excelso da República, e a eventual propositura da ação penal, com base em inquérito policial arquivado sem a juntada de novas provas, constitui constrangimento ilegal, sanável pelo remedium juris do habeas corpus, visto que caracteriza, iniludivelmente, um cerceamento da liberdade de locomoção do agente (Brasil, 1988).

O desarquivamento do inquérito policial, o consequente oferecimento de denúncia e seu recebimento  sem  novas  provas  constituem  constrangimento  ilegal.  Ao  contrário,  o desarquivamento do inquérito policial diante de novas provas não constitui constrangimento ilegal, o que seria o óbvio (Jesus, 1983, p. 13). Segundo o entendimento do Supremo, a nova prova deve ser substancialmente inovadora e não apenas formalmente nova.

O inquérito policial também poderá ser devolvido à autoridade policial para a realização de novas diligências pelo Ministério Público, se estas forem imprescindíveis ao oferecimento da denúncia. Cabe ao Ministério Público verificar a conveniência, utilidade e necessidade das diligências probatórias, podendo fazê-lo por requerimento ao juiz ou diretamente à autoridade policial.

O juiz não pode indeferir tais diligências; se o fizer, caberá correição parcial (Regimento Interno dos Tribunais Estaduais). Júlio Fabbrini Mirabete (1999, p. 60) ainda cita que: “[…] para o desarquivamento do inquérito, a lei exige novas provas e não necessariamente novos fatos ou supervenientes”. No mesmo sentido (Zaccariotto, 1999), tratando-se de habeas corpus para cancelar o indiciamento baseado na boa-fé do paciente ao adquirir a res furtiva, tem-se entendido, segundo a jurisprudência, que não é aceito.

4 DESINDICIAMENTO

Os entendimentos mais antigos tendiam a considerar que, desde que houvesse processos com absolvição (por deficiência de provas) ou arquivamento (inquéritos e processos), estes poderiam ser sopesados em desfavor do agente. No entanto, essa linha de raciocínio prevaleceu antes da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988).

O que prepondera é que uma suspeita da prática de um crime, mal iniciadas as investigações, transforma o investigado em indiciado. Essa qualidade nunca se perde, mesmo que o inquérito tenha sido arquivado, ainda que por inexistência do fato, prevalece a condição de indiciado. “O só fato de se acusar alguém já impede o exercício de determinados direitos civis e políticos. Imagine o acusado em processo penal querer se inscrever em concurso público para a área jurídica”. (Rangel, 2021, p.118).

Daí por que o interesse comunitário na prevenção e repressão da criminalidade deve encontrar limites, como ensina Figueiredo Dias (apud Grinover, 1982, p. 5):

Inultrapassáveis, quando aquele interesse ponha em jogo a dignitas humana; ultrapassáveis, mas só depois de cuidadosa ponderação da situação, quando assim não seja, mas jamais para além do que seja absolutamente indispensável à consecução do interesse comum.

Seria plausível que esses registros e anotações só ocorressem com a apresentação da denúncia, pois, se não fosse oferecida, evitaria tal registro. Isso viabilizaria, como forma de justiça, o acesso a certos empregos por pessoas que enfrentaram dificuldades para se empregarem por terem sido “indiciadas”.

Segundo a Lei de Execução Penal, art. 202:

Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da justiça, qualquer notícia referente à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou por outros casos expressos em lei. (Brasil, 1984b, [não paginado])

Nesse sentido, é vedada a divulgação de qualquer condenação cuja pena já tenha sido extinta, inclusive pelo cumprimento. Fica garantido o direito à intimidade do indivíduo, consagrado no artigo 5º, incisos X e XI, da Constituição Federal, impedindo a devassa da vida privada do indivíduo, mesmo que ele seja autor de fato penal (Brasil, 1988).

Todavia, não fica assegurado o cancelamento do registro no banco de dados do instituto de identificação, cujo acesso é livre para as autoridades policiais e seus agentes, sem que fique registrado quem requereu a informação, o que impede a garantia do direito de eventual responsabilização pela divulgação.

O que alegam aqueles que defendem tal prática, a de se indiciar, é que, assim procedendo, protege-se a sociedade contra novas investidas criminais do que, atualmente, se configura como suspeito da autoria criminal. No entanto, tal prática fere frontalmente os direitos e garantias fundamentais das pessoas, mesmo que o inquérito seja arquivado.

O ato de indiciar, por ser subjetivo, deixa de ser uma mera providência administrativa e passa a significar, de fato, uma mácula definitiva na vida da pessoa, configurando verdadeiro bis in idem. Afinal, não podemos imaginar o inquérito policial como algo destinado a trazer sofrimento ao ser humano, mas do qual ele jamais poderá se livrar.

Se o direito à intimidade tem como base precípua encobrir o passado do condenado reabilitado, para que ele se reintegre ao convívio social com dignidade, com maior razão deve ser protegido aquele que foi absolvido por decisão judicial, qualquer que tenha sido o fundamento, teve o inquérito policial arquivado ou sequer foi pronunciado. Existem julgados que coadunam com esse pensamento.

Diante das intempéries que o nosso direito enfrenta, a enorme quantidade de serviço, agravada pela precariedade de recursos financeiros, humanos, materiais e tecnológicos de que dispõe a Polícia Judiciária no Brasil, tem contribuído para que passe despercebido pelas autoridades policiais um aspecto extremamente importante: a necessidade de fundamentação, durante o inquérito policial, do indiciamento daquele sobre quem pesa a suspeita da prática do delito.

Com efeito, a praxe policial vem transformando em uma atividade simplesmente mecânica um ato que, quase cotidiano, configura uma medida vexatória ao cidadão: ver-se “respondendo a inquérito” ou, como preferem nossos estudiosos do direito, ser objeto de investigação em procedimento administrativo de natureza policial.

A bem da verdade, a Lei Processual Penal (Brasil, 1941) pátria não dispõe sobre o indiciamento, mas compete à autoridade policial o dever de fundamentá-lo, conforme estipulado pelo § 6º do artigo 2º da Lei 12.830/2013 que estabelece que o indiciamento é um ato exclusivo do delegado de polícia. O indiciamento deve ser fundamentado em uma análise técnico-jurídica do fato, que deve apontar a autoria, a materialidade e as circunstâncias do crime. 

Nada obstante, entende-se que ele acarreta gravames à pessoa, como a possibilidade de oferecimento de denúncia e a consequente instauração de ação penal. Isso sem mencionar a hipótese, ainda que indevida, de que o indiciamento em inquérito policial configure óbice ao reconhecimento dos chamados “bons antecedentes” do imputado e, como tal, influencie na dosimetria da pena. Chamo-a de indevida porque, conforme fartamente decidido por nossos tribunais, o indiciamento em inquérito não macula, por si só, os antecedentes do cidadão, embora muitos magistrados pensem de forma diversa.

Por não haver tratamento legal sobre o indiciamento, o que se observa na prática da Polícia Judiciária é a mais absoluta falta de preocupação em demonstrar, nos autos do inquérito, os motivos de fato e de direito que justificam recair sobre determinada pessoa a probabilidade de ser a autora da infração penal, como se isso fosse dispensável.

Pelos autos do procedimento investigatório, na forma como são elaborados, a única diferença perceptível entre o indiciado, uma testemunha e a vítima é o nome dado ao documento em que são colhidos seus depoimentos. Assim, a testemunha tem suas palavras reduzidas a um “termo de assentada”, a versão do ofendido consta de um “termo de declarações” e a do suspeito, por sua vez, passa a estar inserida em um “auto de qualificação e interrogatório”. Quanto ao motivo do indiciamento, nenhuma linha.

Não se pretende que a autoridade policial transforme o ato de indiciar o indivíduo em inquérito policial em um libelo acusatório, usurpando as atribuições ministeriais. Tampouco se espera dela uma profusão de fundamentos como os que costumam ser articulados em sede de sentença judicial. Clama-se por uma decisão minimamente fundamentada, que explicite as razões pelas quais entendeu ser o indiciado o autor da infração penal apurada.

Ao agir assim, os delegados de polícia contribuirão significativamente com o Ministério Público, fornecendo-lhe elementos úteis de convicção e possibilitando uma melhor formação da opinio delicti ministerial. As autoridades judiciárias, por sua vez, estarão equipadas com dados relevantes, cuja argúcia está sujeita à experiência investigatória que lhes é estranha, ficando mais bem credenciadas para aplicar corretamente a lei penal.

O indiciado, antes de esgotada a plenitude da defesa, não pode ser equiparado ao culpado; trata-se de uma garantia constitucional. O status de condenado tem seu termo a quo com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, em decorrência do princípio da presunção de inocência.

A liberdade é a regra no Estado de Direito Democrático, e a restrição à liberdade é uma exceção, que deve ser excepcionalíssima. Aliás, ninguém é culpado de nada enquanto não houver o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Ou seja, ainda que condenado por sentença judicial, o acusado continuará presumidamente inocente até que se esgotem todas as possibilidades para o exercício do seu direito de ampla defesa. Assim, sem o trânsito em julgado, qualquer restrição à liberdade terá finalidade meramente cautelar. A lei define as hipóteses para essa exceção, e a Constituição Federal nega validade a decisões judiciais sem fundamentação (Brasil, 1988). Pressuposto de toda decisão é a motivação; logo, não pode haver fundamentação sem motivação. Ambas só poderão servir à justiça quando bem articuladas.

Se houver absolvição com trânsito em julgado, o réu não poderá ser julgado novamente pelo mesmo crime, independentemente do motivo que fundamentou a absolvição, pois não se pode privilegiar a ineficiência estatal, que, durante todo o curso da ação penal, não conseguiu apurar o crime. Se o caso estivesse na fase do inquérito, estaríamos impondo ao sujeito uma condenação sem processo, configurando uma pena de caráter perpétuo. Isso porque, em muitos editais de concursos públicos, instituições que desrespeitam os preceitos constitucionais impõem ilegalmente restrições à participação de pessoas que foram investigadas criminalmente ou que responderam a processo penal.

Não é raro ler que a mera instauração de inquérito policial não constitui coação ou constrangimento ilegal, pois se trata de um simples procedimento extrajudicial, de cunho meramente informativo, que não tem o condão de levar a um juízo de culpa, mas apenas à formação da opinio delicti do Ministério Público. Contudo, apenas quem está alheio à realidade pode afirmar algo assim.

Tal procedimento não se coaduna com os princípios constitucionais vigentes, pois representa uma verdadeira retroação para a época em que não existiam as garantias aos direitos ao devido processo legal, à legalidade, à ampla defesa e ao contraditório.

Hoje, o único meio hábil para que se possam restringir direitos é por meio do devido processo legal e desde que a condenação dele advinda se torne imutável com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Fica, mesmo neste caso, vedada a imposição de condenação perpétua. O mesmo, no entanto, não ocorre com o indiciado. Após ser indiciado uma vez, o indivíduo nunca conseguirá apagar esse procedimento. Uma vez indiciado, isso se tornará perpétuo em sua vida. Concordar com tal procedimento é o mesmo que dilacerar o artigo 5º, XLVII, alínea “b”, da nossa Constituição Federal, que proíbe penas impostas em caráter perpétuo (Brasil, 1988).

O que se deve garantir, para que se atenda ao clamor de nossa lei maior, diante da grande afronta que se dirige a ela, é possibilitar o desindiciamento, desde que respeitados os requisitos legais para tanto.

Para aqueles que acreditam que isso seria uma prevaricação ao crime, enganam-se, pois é uma forma de garantir que não adormeçam todos os princípios constitucionais conquistados ao longo de nossa história. Na realidade, quem deseja punir demais, no fundo, está querendo fazer o mal e se equipara, em certa medida, ao próprio delinquente. (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 1999).

Assim, o desindiciamento – se o ato for combatido pelo advogado por meio de habeas corpus – pode ser determinado pelo juiz. Nesse caso, o ato é desentranhado dos autos, e os assentos e apontamentos são descartados.

5 CONCLUSÃO

Mesmo com as diversas falhas decorrentes da democracia, este ainda é o melhor sistema que uma nação pode adotar, pois, por meio dela, se dá igualdade às pessoas, garantindo iguais oportunidades, liberdades individuais e condições plenas para o exercício da vida humana.

Entretanto, para que se tenha um Estado Democrático de Direito, é necessário preservar o ser humano em sua condição fundamental, para que ele goze de todos os elementos primordiais à sua existência.

De nada adianta um país com leis absolutamente humanistas, onde o Estado garante todos os meios de subsistência e as pessoas são igualmente tratadas, todos têm seu emprego garantido, se, na realidade fática, esses mesmos preceitos legais não ultrapassam as barreiras da utopia.

Se a lei considera a inocência de todos até que eventual condenação tenha transitado em julgado, seria controverso admitir que prevaleça o indiciamento perpétuo sem que tenha havido condenação, seja por absolvição ou pelo arquivamento do processo.

A presunção de inocência é parte vital da democracia, onde, por princípio, todos são iguais perante a lei. Assim, que todos sejam nivelados pelo lado mais positivo: a inocência.

O processo penal é, portanto, fundamental dentro de um processo de democratização. Seus princípios são as células para a constituição de um organismo sadio que respire a democracia.

O Estado deve zelar pela segurança, tomando cuidado para não restringir ou limitar drasticamente a liberdade do ser humano, o que fere, muitas vezes, o direito humano fundamental relacionado à liberdade física e se opõe à finalidade do processo penal, que visa assegurar ao acusado a preservação de sua liberdade e a manutenção do seu estado de inocência até que o Estado comprove a necessidade de cercear essa liberdade.

Sendo garantido ao réu, uma vez absolvido, não ser julgado novamente pelo mesmo crime, nada mais justo que se proceda ao desindiciamento de inquéritos arquivados. Uma vez que o réu, com trânsito em julgado, foi absolvido, ele não poderá ser julgado novamente pelo mesmo fato, independentemente da motivação que conduziu à absolvição.

O ideal seria que, por meio do inquérito policial, instrumento de preparação para a ação penal, fosse possível assegurar que o indiciamento não ocorresse sem garantir todas as prerrogativas do devido processo legal. Proceder dessa forma seria equivalente a processualizar a fase persecutória, da qual o inquérito policial faz parte, antecipando garantias que já deverão ser observadas na fase processual subsequente. Dever-se-ia, portanto, resguardar o direito ao cancelamento desse registro, que pode deixar marcas com efeitos ad infinitum na vida dos indivíduos submetidos à persecução penal.

Se quisermos alcançar um processo penal mais moderno, funcional e eficiente, adaptado às nossas realidades, devemos preservar sua dignidade por meio da garantia dos seus direitos. Isso envolve tanto a adoção de cautelas para que o processo se inicie, como a exigência de fundamentação de tal ato, além de formas garantistas para que se sopesem as absolvições daqueles que sofreram tal procedimento ou que não tiveram denúncias ou queixas oferecidas por qualquer razão. Em casos contrários, deve ser possível requerer o cancelamento do registro, nos moldes do arquivamento, ou seja, utilizando os motivos que deram causa ao arquivamento como base para o pedido de desindiciamento.

Esse procedimento permitiria o cancelamento do registro no banco de dados do Instituto de Identificação, já que atualmente não é possível identificar quem requisita essas informações, dificultando a responsabilização pela divulgação indevida.

Assim, o indivíduo que passou por essas restrições em procedimento administrativo policial teria o direito de começar uma vida nova, sem carregar a “mancha” em seus registros criminais ao tentar se reintegrar no convívio social.

Dessa forma, nossa Carta Magna realizaria seus objetivos primordiais de garantia da dignidade humana, igualdade e proteção ao ser humano.

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1* Graduando em Direito, Centro Universitário de Santa Fé do Sul/SP – UNIFUNEC, jamilengeljr@gmail.com
2** Mestre em Direito Processual, Docente do Centro Universitário de Santa Fé do Sul/SP – UNIFUNEC, waltermuller@live.com