SOCIAL INEQUALITIES IN ANGOLA: SOCIOLOGICAL PERSPECTIVES
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11044171
Paulo Cabeto1
Damião de Almeida Manuel2
RESUMO
O presente artigo apresenta uma análise sobre as desigualdades sociais em Angola, utilizando uma abordagem que combina dados empíricos e perspetivas teóricas. A pesquisa adota uma visão sociológica para examinar duas dimensões importantes das disparidades sociais no país: as desigualdades de gênero e as desigualdades educacionais. Ao articular dados empíricos recentes, o estudo destaca a persistência e a complexidade das desigualdades sociais em Angola. A análise das disparidades de gênero revela padrões significativos, apontando para desafios persistentes enfrentados pelas mulheres em diversas esferas da sociedade. Seja no acesso a oportunidades econômicas, participação política ou no âmbito educativo, as mulheres continuam enfrentando barreiras que contribuem para a manutenção das desigualdades. No que diz respeito às desigualdades educativas, o artigo explora as disparidades no acesso à educação, qualidade do ensino e oportunidades pós-educativas. Evidências empíricas são utilizadas para ilustrar a distribuição desigual dos recursos educacionais, identificando lacunas que perpetuam a divisão social. Além disso, o artigo discute as raízes teóricas das desigualdades sociais em Angola, integrando perspetivas sociológicas para compreender as dinâmicas subjacentes. Questões históricas, estruturas institucionais e fatores culturais são examinados para contextualizar a complexidade das disparidades sociais no país.
Palavras-chave: Desigualdades sociais; Desigualdades de gênero; Desigualdades educativas.
ABSTRACT
The present article provides an analysis of social inequalities in Angola, using an approach that combines empirical data and theoretical perspectives. The research adopts a sociological view to examine two significant dimensions of social disparities in the country: gender inequalities and educational inequalities. By articulating recent empirical data, the study highlights the persistence and complexity of social inequalities in Angola. The analysis of gender disparities reveals significant patterns, indicating persistent challenges faced by women in various spheres of society. Whether in access to economic opportunities, political participation, or the educational realm, women continue to encounter barriers contributing to the maintenance of inequalities. Regarding educational inequalities, the article explores disparities in access to education, the quality of teaching, and post-educational opportunities. Empirical evidence is used to illustrate the uneven distribution of educational resources, identifying gaps that perpetuate social division. Additionally, the article discusses the theoretical roots of social inequalities in Angola, integrating sociological perspectives to understand the underlying dynamics. Historical issues, institutional structures, and cultural factors are examined to contextualize the complexity of social disparities in the country.
Keywords: Social inequalities; Gender inequalities; Educational inequalities.
INTRODUÇÃO
O aumento das desigualdades sociais em Angola comporta um conjunto de consequências que afetam as principais áreas da vida social, nomeadamente, saúde, educação, qualidade de vida, lazer, integração social, etc. O presente artigo, pretende, dentre outros aspectos, refletir, à luz da Sociologia, a problemática das desigualdades sociais em Angola, fazendo uma articulação entre as perspetivas teóricas e os dados empíricos existentes sobre a realidade da temática no país. No atual contexto de crescente desigualdade, é tempestivo analisar a interação entre os fatores econômicos, políticos e sociais, porquanto muitas vezes contribuem para a perpetuação e agravamento das disparidades. Assim, este artigo busca não apenas trazer uma reflexão sociológica sobre as desigualdades sociais em Angola, mas também promover uma análise crítica das políticas existentes e das possíveis estratégias para mitigar essas disparidades. Importa referir que os problemas discutidos abaixo não são os únicos que merecem a nossa análise, porém, entendemos que através deles descendem outros, igualmente importantes. É crucial salientar que os problemas discutidos neste artigo, nomeadamente as desigualdades sociais, desigualdades educativas e desigualdades de género, não representam a totalidade das questões que preocupam a análise sociológica sobre a realidade angolana. Reconhecemos que, embora essas problemáticas sejam centrais, outras igualmente relevantes demandam a atenção dos investigadores.
REVISÃO DA LITERATURA
Desigualdades sociais em Angola
A tentativa de apresentar um conceito sólido de “desigualdades sociais” tem sido um dos principais desafios dos cientistas sociais (sociólogos, politólogos, economistas, etc.) ao longo das últimas décadas. Destarte, Therborn (2006), citado por Carmo (2021), explica que “inequalities are differences that we consider unjust. Inequality is a negation of equality. Behind a perception of inequality there is a notion of injustice, a violation of some equality” (p. 2).
A literatura científica atual refere a necessidade de considerarmos as desigualdades entre sujeitos como uma realidade densa e complexa na medida que sua análise requer a utilização de perspectivas pluralizadas por parte dos investigadores. A este respeito, Milanovic (2013) comenta que “(…) in the era of globalization another way to look at inequality between individuals is to go beyond the confines of a nation-state, and to look at inequality between all individuals in the world (…)” (p. 198).
Ao analisar os mecanismos de desigualdades propostos por Göran Therborn que além de originar, intensificam as desigualdades, Costa (2012) sumaria quatro fatores fundamentais. Estes fatores perfazem os mecanismos de:
(…) “distanciamento” (geração de desigualdades como resultado de processos de competição ou concorrência em sistemas de interdependência, nomeadamente mercados ou quase-mercados), de “exclusão” (geração de desigualdades por efeito de restrições seletivas que certos grupos colocam ao acesso de outros a recursos e oportunidades), de “hierarquização” (geração de desigualdades por efeitos de institucionalização de posições de superioridade ou inferioridade nas organizações formais) e de “exploração” (geração de desigualdades por efeito da apropriação assimétrica por uns de bens e valores produzidos por outros). (Costa, 2012, p. 11)
Nas sociedades contemporâneas, a diferença entre os que possuem recursos econômicos e os que enfrentam restrições financeiras tornou-se mais visível. Essa nítida evidência reflete não apenas as disparidades econômicas, mas também ressalta as possíveis ramificações que as desigualdades de rendimentos podem ter nas áreas da educação, saúde, mobilidade social e qualidade de vida (Martins, Sebastião, Abrantes, & Rodrigues, 2018).
As desigualdades sociais em Angola não são meramente econômicas, mas também se enraízam em fatores históricos, culturais e políticos que moldaram a trajetória do país. O legado do período colonial, assim como o período de guerrilha, marcado por exploração e discriminação, contribuiu para a perpetuação de desigualdades estruturais que persistem até os dias atuais. A distribuição desigual de terras, recursos naturais e oportunidades educativas reflete uma herança histórica que continua a influenciar a configuração social do país (Rodrigues, 2013).
No âmbito econômico, as disparidades entre as zonas urbanas e rurais acentuam as desigualdades, manifestando-se em acesso diferenciado a empregos, serviços básicos e infraestrutura. A concentração de riqueza em determinados setores da sociedade destaca a necessidade de uma abordagem crítica para compreender como as estruturas económicas contribuem para a perpetuação das desigualdades (Rodrigues, 2013).
Além disso, sublinha-se que as desigualdades de gênero desempenham um papel significativo, com mulheres muitas vezes enfrentando barreiras no acesso à educação, oportunidades de emprego e participação política. Aprofundar-se nas experiências específicas das mulheres angolanas revela não apenas as disparidades objetivas, mas também as dinâmicas sociais que perpetuam normas de gênero prejudiciais (International Monetary Fund, 2023).
Gráfico nº 1
Commodity Exporters: Poverty Rate (2017 PPP, $2.15, percent of population)
(Fonte: World Development Indicators, latest available em International Monetary Fund, 2023, p. 3)
A representação gráfica apresenta o panorama do índice de pobreza em Angola em comparação com os países da região. Evidencia-se, de maneira contundente, a posição alarmante ocupada por Angola no que concerne ao percentual da população que vive em situação de pobreza. Os dados corroboram a preocupante realidade previamente documentada tanto na literatura nacional quanto internacional, reforçando a urgência de abordar e enfrentar os desafios socioeconômicos que contribuem para essa condição.
Gráfico nº 2
Commodity Exporters: Inequality (gini coefficient)
(Fonte: World Development Indicators, latest available em International Monetary Fund, 2023, p. 3)
O gráfico evidencia, igualmente, a posição desfavorável de Angola nos rankings internacionais. Embora a posição relativa de Angola não seja tão desvantajosa em comparação com alguns países da região, a nação ainda figura num nível que suscita preocupação para os pesquisadores e analistas sociais.
O gráfico destaca as disparidades sociais em Angola, apontando para indicadores que refletem a distribuição assimétrica de recursos, oportunidades e acesso a serviços básicos. Embora a posição não seja a mais desfavorável entre os países da região, a constatação de que Angola permanece num patamar de preocupação sublinha a persistência de desafios estruturais e a necessidade premente de abordagens abrangentes para atenuar as desigualdades existentes.
Gráfico nº 3
Gastos governamentais no setor social em Angola
(Fonte: BOOTS, authorities data and staff estimate em International Monetary Fund, 2023, p. 4)
Diversos autores (Milanovic, 2013; Carmo, 2021; Piketty, 2022) sugerem que aumento das desigualdades de sociais acarreta várias consequências que podem afetar diversas áreas sociais, tais como: educação, economia, saúde, política, dentre outras, comprometendo, desse modo, o bem-estar individual e coletivo, o que causa distintas perturbações no funcionamento das instituições sociais.
O aumento das desigualdades sociais possui consequências pluralizadas, sendo alargadas sobretudo no setor da educação. Assim, o acesso desigual à educação é uma das principais manifestações desse fenômeno, com grupos marginalizados enfrentando barreiras significativas. Fatores como localização geográfica, condições econômicas e questões culturais contribuem para a falta de acesso a instituições educativas de qualidade (Martins, Sebastião, Abrantes, & Rodrigues, 2018).
A disparidade nos mecanismos de distribuição de renda e na acumulação de riqueza estabelece uma complexidade de impactos que se manifestam em diversas dimensões, permeando a esfera individual, as categorias sociais e, em última instância, repercutindo-se na dinâmica societal. Esses desequilíbrios, ao se refletirem nos estratos individuais, contribuem para a configuração de disparidades socioeconômicas, gerando implicações que transcendem a esfera pessoal, alcançando camadas mais amplas da sociedade (Martins, Sebastião, Abrantes, & Rodrigues, 2018).
Abordar as desigualdades sociais não é apenas um exercício analítico, mas um chamado à ação para uma sociedade mais justa e inclusiva. Ao entender as raízes e manifestações dessas desigualdades, é possível construir um diálogo crítico que crie o caminho para soluções significativas e sustentáveis, promovendo assim uma transformação positiva na realidade social angolana.
O diálogo crítico, resultante dessa compreensão aprofundada, não destaca apenas a urgência de ações concretas, mas também fortalece a voz das coletividades, instigando a participação ativa na promoção da justiça social. Esse diálogo serve essencialmente para promover a inclusão, garantir oportunidades equitativas e desafiar as normas discriminatórias em Angola.
A problemática da educação formal em Angola
Não é tarefa fácil abordar a problemática da educação formal em Angola porquanto se trata de uma realidade desafiadora e de amplitude multifacetada. No entanto, pesquisadores (Ferreira, 2005; Vieira, 2007; Zau, 2009; Costa & Campos, 2022) têm dedicado esforços consideráveis para desvendar os principais desafios do sistema educativo angolano.
Em Angola, a situação da educação é a mesma que no resto do continente africano, embora com um ligeiro atraso no tempo, devido à descolonização tardia e a situação da guerra civil. Ferreira (2005) sublinha que parte dos pesquisadores concorda que a situação problemática da má qualidade da educação formal em Angola deve ser atribuída a uma combinação de fatores, incluindo as heranças da colonização, os impactos devastadores da guerra civil e os desafios decorrentes do período pós-guerra.
Por seu turno, Katúmua (2016) ressalta que a guerra civil, que assolou o país por décadas, teve um impacto devastador na infraestrutura e no funcionamento do sistema educativo. Escolas foram danificadas ou destruídas, professores foram deslocados e muitos jovens tiveram suas oportunidades educacionais interrompidas. O conflito gerou um vácuo educativo significativo e deixou cicatrizes profundas que afetam a educação formal até hoje.
A realidade educativa angolana é marcada por uma série de desafios, desde questões estruturais, como as infraestruturas escolares, até desafios no acesso e qualidade do ensino. A falta de recursos, tanto materiais quanto humanos, impacta diretamente na qualidade do ensino oferecido, comprometendo o desenvolvimento pleno dos estudantes (Carvalho, 2012).
A par dos problemas apontados acima, a educação formal em Angola caracteriza-se, igualmente, pela existências de desigualdades sociais, sobretudo quando se faz um estudo comparativo entre a oferta de oportunidades educativas e as categorias sociais angolanas. Sobre esta matéria, a literatura científica nacional aborda que:
De realçar igualmente que a igualdade de oportunidades ainda não é uma realidade para os jovens angolanos e a escola tem contribuído para legitimar essas desigualdades e os privilégios sociais das classes dominantes sobre as classes dominadas. Os jovens provenientes de famílias com baixo capital econômico e social apresentam elevados déficits de aprendizagem em relação aos “herdeiros” de um capital cultural elevado. (…). (Oliveira, 2011, p. 161)
A desigualdade no acesso à educação é, pois, outra faceta crítica dessa problemática. Disparidades entre zonas urbanas e rurais, bem como entre diferentes estratos socioeconômicos, perpetuam um ciclo de exclusão educativo. As barreiras financeiras, aliadas a outros obstáculos como a falta de transporte e infraestrutura adequada, dificultam o acesso equitativo à educação, contribuindo para a persistência de disparidades educativas.
Em meio a esses desafios, é imperativo reconhecer as iniciativas positivas que buscam transformar o panorama educativo em Angola. Projetos de educação inclusiva, a implementação de políticas voltadas para a equidade e esforços para fortalecer a infraestrutura educacional são passos significativos na construção de um sistema educativo mais justo e acessível. Compreender a dinâmica social por meio da lente sociológica é essencial para orientar tais iniciativas de maneira informada e eficaz, assegurando que a educação formal em Angola se torne um instrumento efetivo de capacitação e desenvolvimento para todos os seus cidadãos.
Gráfico nº 4
Crianças fora do sistema de ensino (1985-2010)
(Fonte: The World Bank, 2023. Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/SE.SEC.ENRR?end=2016&locations=AO&start=1971&view=chart)
Gráfico nº 5
Taxa de matrícula no Ensino Secundário (1975-2015)
(Fonte: The World Bank, 2023. Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/SE.SEC.ENRR?end=2016&locations=AO&start=1971&view=chart)
Gráfico nº 6
Taxa de matrícula de mulheres no Ensino Secundário (1975-2022)
(Fonte: The World Bank, 2023. Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/SE.SEC.ENRR?end=2016&locations=AO&start=1971&view=chart)
Gráfico nº 7
Gastos Governamentais na educação em Angola (2005-2019)
(Fonte: World Development Indicators em International Monetary Fund, 2023, p. 3)
Embora o governo tenha tomado medidas para reverter o quadro da educação em Angola, estudos indicam que a qualidade do ensino no país ainda não atingiu o nível desejado. Ao abordar a situação da educação superior em Angola, Carvalho (2012) relata diversas situações que afligem o subsistema do ensino superior angolano e, em nossa análise, se estendem de forma holística ao sistema educativo angolano como um todo.
Dentre os principais problemas destacados pelo sociólogo angolano, alguns merecem especial atenção, evidenciando desafios cruciais no caminho para a melhoria do setor educativo no país. Destacamos, por efeito, a má qualidade de ensino em níveis inferiores, modelos de gestão importados do exterior, ausência de investigação científica, fraca aposta na edição de livros e de revistas científicas, escassez de bibliotecas e laboratórios, fraca formação e atualização dos docentes, assim como promoção da corrupção no ambiente escolar.
Enfrentar esses desafios exige um comprometimento profundo com a reforma educacional, investimentos estratégicos e uma abordagem holística que considere as complexidades do sistema. A superação dessas barreiras é essencial para garantir que a educação em Angola não atenda apenas aos padrões internacionais, mas também promova o desenvolvimento sustentável e a realização plena do potencial educativo de todos os angolanos.
Desigualdade de gênero em Angola
As desigualdades de gênero representam um desafio global que transcende fronteiras, atingindo diversas esferas sociais, econômicas e políticas. No contexto internacional, a luta pela igualdade de gênero tem sido impulsionada por diferentes atores, desde movimentos e organizações de amplitude internacional, assim como organizações locais que visam desmantelar estruturas discriminatórias e promover a equidade entre homens e mulheres (Comissão Europeia, 2020).
A nível internacional, as desigualdades de gênero manifestam-se de várias formas, desde disparidades salariais até a sub-representação das mulheres em posições de liderança. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, estabelecida pelas Nações Unidas, destaca a igualdade de gênero como um dos objetivos fundamentais. No entanto, apesar dos avanços, persistem desafios consideráveis, como a violência de gênero, a discriminação no local de trabalho e a limitação do acesso a oportunidades educativas e de desenvolvimento (Comissão Europeia, 2020).
À semelhança de muitos outros países, Angola enfrenta realidades específicas em termos de desigualdades de género. Durante décadas, o país experimentou períodos de conflito e instabilidades políticas, que impactam de maneira diferenciada homens e mulheres. As mulheres angolanas desempenharam papéis cruciais durante a guerra civil, mas muitas delas enfrentaram dificuldades no período pós-conflito, incluindo a perda de entes queridos e o desafio de se reconstruir perante ambientes desiguais (Comissão Europeia, 2020).
A discriminação de mulheres é um processo construído socialmente e que faz parte do quotidiano das comunidades angolanas. Berger e Luckmann (2004) ressaltam que “(…) a vida cotidiana apresenta-se como uma realidade interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em que forma um mundo coerente (…)” (p. 35).
A literatura refere ainda que “like many other African countries, Angola has ratified major international instruments on women’s rights and gender equality and is committed to United Nations Sustainable Development Goal 5, achieving gender equality and empowering all women and girls” (Pacatolo, Boio, & Kitombe, 2023).
Assim, apesar dos avanços notáveis em matéria de igualdade de gênero, Angola ainda não integra o grupo de 146 países reconhecidos por alcançarem um patamar significativo nessa área. A jornada para a igualdade de gênero no país demanda esforços contínuos e abordagens abrangentes para superar os desafios remanescentes e promover uma sociedade mais inclusiva (Pacatolo, Boio, & Kitombe, 2023).
Gráfico nº 8 – Nível de escolarização (homens vs mulheres)
(Fonte: Pacatolo, Boio & Kitombe, 2023, p. 3)
Gráfico nº 9 – Posses de bens (homens vs mulheres)
(Fonte: Pacatolo, Boio & Kitombe, 2023, p. 3)
A literatura destaca três mecanismos cruciais para promover a equidade de gênero em Angola. Em primeiro lugar, garantir acesso igualitário a serviços, recursos sociais e económicos, eliminando barreiras que historicamente limitaram as mulheres. Em segundo lugar, fomentar a participação ativa das mulheres na ação coletiva local, fortalecendo a representação feminina em decisões comunitárias e políticas. Por fim, assegurar o controle feminino sobre recursos, seja autonomia econômica, propriedade de terras ou acesso a crédito, é essencial para desafiar normas restritivas e impulsionar mudanças estruturais em direção a uma sociedade mais equitativa (Filipe & Andrade, 2021).
Ao considerar e implementar estratégias que fortaleçam esses três mecanismos fundamentais, é possível criar condições para uma mudança estrutural que promova a equidade de gênero em todas as esferas da sociedade angolana. Esses mecanismos não abordam apenas as desigualdades existentes, mas também contribuem para a construção de um futuro mais justo e igualitário para todos.
Gráfico nº 12 – Participação feminina em cargos de gestão em Angola
(Fonte: UN Women, 2022. Disponível em: https://data.unwomen.org/country/angola)
Gráfico nº 13 – Gender gap index in Angola from 2016 to 2022
(Fonte: Statista, 2024. Disponível em: https://www.statista.com/statistics/1220535/gender-gap-index-in-angola/)
A busca pela equidade de gênero é uma jornada contínua que exige o envolvimento ativo do governo, da sociedade civil e dos demais angolanos como um todo. Para superar os desafios da equidade do gênero, é crucial adotar abordagens holísticas que considerem tanto as dimensões sociais quanto as estruturais das desigualdades de gênero. Isso envolve a implementação de políticas que promovam a igualdade de oportunidades, a desconstrução de estereótipos de gênero e o fortalecimento dos mecanismos legais para combater a violência e a discriminação contra o feminino.
A desigualdade de acesso e permanência no sistema educacional, especialmente entre os gêneros, é uma realidade que se evidencia através de uma baixa participação das mulheres em vários níveis de ensino. Essa disparidade cultural é especialmente visível em muitas comunidades em Angola, onde papéis de gênero tradicionais ainda persistem. Em muitas famílias dessa região, é comum que o gênero feminino seja designado para as responsabilidades domésticas da família, visando adquirir habilidades para cuidar da família. Infelizmente, essa expectativa cultural muitas vezes resulta na privação do gênero feminino no acesso à educação, conferindo assim mais oportunidades aos homens (Manuel, 2021).
Essa situação não apenas perpetua as desigualdades de gênero, mas também limita o potencial de desenvolvimento humano e econômico de muitas mulheres. Assim, é crucial reconhecer e enfrentar essas normas culturais que restringem o acesso das mulheres à educação, a fim de promover uma sociedade mais justa e igualitária (Manuel, 2021).
A busca pela equidade de gênero desempenha um papel crucial no desenvolvimento sustentável das comunidades angolanas e na consecução dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Ao promover a igualdade entre homens e mulheres, não se deve abordar apenas a questão de justiça social, mas deve-se criar alicerces robustos para o progresso socioeconômico e a realização das metas estabelecidas pela Agenda 2030.
Além disso, a equidade de gênero está intrinsecamente ligada aos ODS, especialmente o ODS 5 – Igualdade de Gênero. Assim, ao promover a igualdade de oportunidades e direitos para mulheres, contribuímos para a erradicação da pobreza (ODS 1), a promoção da saúde e bem-estar (ODS 3), o acesso à educação de qualidade (ODS 4) e o alcance da paz, justiça e instituições fortes (ODS 16). A equidade de gênero, portanto, emerge como uma componente essencial para a construção de comunidades sustentáveis e para o avanço holístico em direção aos ODS em Angola.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados apresentados revelam que as desigualdades sociais em Angola estão presentes em diferentes períodos históricos e têm ramificações profundas nas áreas vitais da sociedade, perpetuando ciclos intergeracionais de desvantagens para os indivíduos e as próprias comunidades. A presença contínua das desigualdades sociais em Angola destaca a resistência desses padrões e a necessidade de uma análise crítica das raízes subjacentes deste fenômeno. A literatura consultada destaca que as desigualdades sociais, inerentemente vinculadas à distanciamento, exclusão, hierarquização e exploração, representam fenômenos complexos e multifacetados que moldam profundamente as estruturas sociais. Compreender esses fatores é essencial para desenraizar as causas profundas dessas disparidades e efetuar mudanças estruturais significativas. Por outro lado, as consequências do aumento das desigualdades sociais afetam de maneira abrangente diversas esferas vitais da vida social, desde a educação, saúde, mobilidade social, qualidade de vida, etc. A falta de acesso equitativo a oportunidades educativas de qualidade perpetua a lacuna no desenvolvimento intelectual e profissional entre diferentes estratos sociais, sobretudo para as mulheres. As conclusões deste artigo destacam a urgência de políticas que busquem não apenas mitigar, mas erradicar as desigualdades sociais, visando construir uma sociedade mais equitativa, onde todos tenham acesso equitativo a recursos e oportunidades, independentemente de sua origem, gênero, ou status socioeconômico. O enfrentamento eficaz dessas desigualdades sociais é essencial não apenas para o bem-estar individual, mas também para o desenvolvimento sustentável e harmonioso da sociedade angolana.
BIBLIOGRAFIA
Berger, P., & Luckmann, T. (2004). A construção social da realidade: Tratado de Sociologia do Conhecimento. Petrópoles: Vozes.
Carmo, R. M. (17 de may de 2021). Social inequalities: theories, concepts and problematics. SN Social Sciences, 1:116., pp. 1-12. Doi:https://doi.org/10.1007/s43545-021-00134-5.
Carvalho, P. (01 de Junho de 2012). Evolução e crescimento do ensino superior em Angola. Revista Angolana de Sociologia, 9., pp. 46-65. Obtido em 02 de Janeiro de 2024, de https://doi.org/10.4000/ras.83.
Comissão Europeia. (2020). Uma União da Igualdade: Estratégia para a Igualdade de Gênero 2020-2025. Bruxelas. Obtido em 06 de Fevereiro de 2024, de https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52020DC0152.
Costa, A. F. (2012). Desigualdades globais. Sociologia, Problemas e Práticas, 68, pp. 9-32. Doi:10.7458/SPP201268691.
Costa, M. G., & Campos, M. A. (Junho de 2022). A educação em Angola no século XV ao século XXI: um olhar pela organização, desenvolvimento e perspectiva do sector. Revista Científica Multidisciplinar, Vol 3, nº 6., pp. 1-27. Obtido em 19 de Janeiro de 2024, de https://recima21.com.br/index.php/recima21/article/view/1686/1243.
Ferreira, M. J. (01 de Junho de 2005). Educação e política em Angola. uma proposta de diferenciação social. Cadernos de Estudos Africanos [Online], 7/8, pp. 105-124. doi:10.4000/cea.1070.
International Monetary Fund. (2023). Angola: selected issues. Obtido em 02 de Janeiro de 2024, de https://www.imf.org/en/Publications/CR/Issues/2022/01/18/Angola-Selected-Issues-512007.
Katúmua, M. B. (2016). O ensino superior angolano: políticas, modelos de governança e públicos (estudo na província de Benguela). Tese de Doutoramento, ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, Portugal. Obtido em 21 de Janeiro de 2024, de https://www.opj.ics.ulisboa.pt/wp-content/cache/mendeley-file-cache/95fa9dcf-c90e-3ac2-8edc-ae25d58c8f39.pdf.
Manuel, D. A. (2021). Os primeiros cursos de licenciatura em ciências da educação de Malanje-Angola (2011-2016): uma história dos cursos de ensino da pedagogia e de ensino da matemática, e suas adequações à Escola Superior Politécnica de Malanje – ESPM. São Paulo: Unesp.
Martins, C. S., Sebastião, J., Abrantes, P., & Rodrigues, L. M. (2018). Desigualdades e políticas educativas: Portugal no contexto europeu. Em R. M. Carmo, J. Sebastião, J. Azevedo, S. C. Martins, & A. F. Costa, Desigualdades sociais: Portugal e a Europa. Lisboa: Mundos Sociais.
Milanovic, B. (May de 2013). Global Income Inequality in numbers: in History and Now. Global Policy Volume 4. Issue 2., pp. 198-208. Obtido em 2023 de 11 de 20, de https://gabriel-zucman.eu/files/teaching/Milanovic13.pdf.
Oliveira, S. (01 de Dezembro de 2011). Dinâmicas educativas da juventude angolana. Revista Angolana de Sociologia, nº 8, pp. 158-164. Doi:https://doi.org/10.4000/ras.82.
Pacatolo, C., Boio, D., & Kitombe, C. (28 de Março de 2023). Angolans dissatisfied with government efforts to promote equal rights for women. Afrobarometer Dispatch, no. 622, pp. 1-11. Obtido em 05 de Fevereiro de 2024, de https://www.afrobarometer.org/wp-content/uploads/2023/03/AD622-Angolans-dissatisfied-with-government-performance-on-gender-equality-Afrobarometer-28march2023.pdf.
Piketty, T. (2022). Uma breve história da igualdade. Lisboa: Temas e Debates & Círculo de Leitores.
Rodrigues, C. U. (29 de Julho de 2013). Pobreza em Angola: efeito da guerra, efeitos da paz. Revista Angolana de Sociologia, 9., pp. 93 – 108. Obtido em 02 de Janeiro de 2024, de https://doi.org/10.4000/ras.83.
Vieira, L. (2007). Angola: A dimensão ideológica da educação 1975 – 1992. Nzila: Luanda.
Zau, F. (2009). Educação em Angola: novos trilhos para o desenvolvimento. Luanda: Movlivros.
1Docente e regente do curso de Sociologia no Instituto Politécnico da Universidade Rainha Njinga A Mbande (Malanje-Angola). Mestrando em Sociologia na Escola de Sociologia e Políticas Pública do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa. pjcoo@iscte-iul.pt. ORCID: https://orcid.org/0009-0004-8111-3337
2Docente do Instituto Politécnico da Universidade Rainha Njinga A Mbande. Graduado em Pedagogia, na especialidade de Gestão e Inspeção Escolar, pela Escola Superior Politécnica de Malanje. Mestre em Educação pela Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho”. Doutorando em Educação pela FFC – Campus de Marília. d.manuel@unesp.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9820-2548