DESIGUALDADES SOCIAIS, DESEQUILÍBRIOS DE RENDA E POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10423576


Tisiane Siqueira de Oliveira Guimarães1
Alcides Goularti Filho2


RESUMO

O objetivo deste artigo é avaliar os níveis de desigualdades sociais, os desequilíbrios de renda e as políticas sociais no Brasil. O período analisado é abordado através de uma revisão da literatura acerca das desigualdades sociais, com enfoque nos desequilíbrios de renda e na relação com as políticas sociais adotadas no Brasil nos últimos 20 anos. O segundo ponto trata dos principais índices disponíveis para a mensuração das desigualdades, conceitos e a importância de análises multidimensionais. O terceiro item apresenta os desequilíbrios de renda, analisando a sua relação com as variáveis: educação, saneamento básico, desemprego e sua importância para o combate à pobreza. Por fim, apresentamos uma compilação de índices estatísticos multidimensionais que dariam um quadro geral sobre as políticas sociais no Brasil.
Estes resultados seriam de extrema importância para a formulação de políticas públicas, analisando o impacto sobre a distribuição de renda e políticas sociais adotadas no Brasil.

Palavras-chave: Desigualdades sociais. Desequilíbrios de renda. Políticas Sociais no Brasil. 

ABSTRACT

The objective of this work would be to assess the levels of social inequalities, income imbalances and social policies in Brazil. The first chapter would review the literature on social inequalities, focusing on income imbalances and the relationship with social policies adopted in Brazil in the last 20 years. The second chapter would discuss the main indices available for measuring inequalities, concepts and the importance of multidimensional analysis. The third chapter would present income imbalances, analyzing their relationship with the variables: education, basic sanitation, unemployment and their importance in combating poverty. Finally, the fourth chapter would present a compilation of multidimensional statistical indices that would provide a general picture of social policies in Brazil.
These results would be extremely important for the formulation of public policies, analyzing the impact on income distribution and social policies adopted in Brazil.

Keywords: Social differences. Income imbalances. Social Policies in Brazil.

1. INTRODUÇÃO: DESIGUALDADES SOCIAIS E POBREZA.

Há alguns anos as desigualdades sociais tornou-se um assunto importante, devido a seu agravamento e as suas consequências, tanto sociais, quanto econômicas em vários países. O aumento da pobreza em nível mundial, principalmente nos países subdesenvolvidos, tem mobilizado organismos internacionais a buscar alternativas para seu combate. De fato, dentro deste processo outro fator preocupante é a exclusão social, que tem sido representada pela perversidade do sistema distributivo de renda – que se propagou ao longo dos tempos, atingindo níveis de intensificação cada vez maiores, latentes e alarmantes no contexto das relações sociais. 

Em média, à medida que os países enriquecem, diminui a incidência de pobreza. Por essas razões, o crescimento econômico parece ser um indicativo forte de redução da pobreza. Sabemos que existem outros como os níveis médios de educação, saúde, políticas sociais, segurança, etc, e, neste trabalho iremos analisar os conceitos acerca das desigualdades sociais, os impactos gerados pelos desequilíbrios de renda e sua relação com as políticas sociais adotadas no Brasil.

O estudo das desigualdades sociais, sempre mereceu atenção especial na formação dos interesses dos economistas. De Adam Smith até Robert Lucas, passando por Robert Solow, considerou-se que o crescimento econômico é a melhor manifestação do bem-estar de determinada sociedade. O pressuposto fundamental desta tradição está baseado na ideia de que todos os agentes beneficiam-se dos frutos do crescimento econômico. Em outras palavras, trata-se do crescimento econômico como se fosse distributivamente neutro.

Recentemente, esta posição tem sido disputada na Economia por um grupo de autores que define “crescimento pró-pobre” ou “crescimento de alta qualidade”. Com estes autores e esta literatura, consolida-se o argumento de que o crescimento econômico não necessita beneficiar a todos de maneira igual. Mais importante do que isso, no entanto, é o conceito de que existem padrões diferenciados de crescimento econômico que não beneficiam do mesmo modo membros diferentes da sociedade.

A desigualdade social historicamente foi e continua sendo definida de acordo com os propósitos analíticos e políticos de quem a define. Dentre os fatores conhecidos, este trabalho pretende abordar as consequências da má distribuição de renda, qual a relação com a educação deficitária, como a má gestão dos recursos públicos e os investimentos governamentais insuficientes explicam a não garantia dos serviços básicos. Neste sentido, o trabalho pretende abordar como ao longo do século XX, essas diferentes abordagens se entrelaçam e, explicam a inversão de prioridades.

Por que o crescimento econômico não beneficia a todos da mesma maneira? Do que depende a eficácia do crescimento na redução da desigualdade de renda? Quais as políticas sociais adotadas no Brasil que demonstram melhores resultados? Qual a qualidade do crescimento econômico que pode ajudar melhor na redução da pobreza? Essas são algumas perguntas que o trabalho pretende responder. De modo abrangente, o objetivo deste trabalho é o de analisar a literatura sobre o impacto das desigualdades sociais, os efeitos dos desequilíbrios de renda e a adoção de políticas sociais no Brasil. De modo mais específico, este trabalho discute estratégias de crescimento pró-pobre no Brasil, e analisa as características do tipo de crescimento econômico mais justo e igualitário.

Como tema que acompanhou desde sempre a história das ciências sociais, a desigualdade social foi e continua sendo definida de maneira muito variada, dependendo dos propósitos analíticos e políticos de quem a define. No final do século XX, as abordagens neoclássicas alcançaram especial relevância tanto no campo disciplinar da economia quanto nas principais organizações internacionais, como as agências de desenvolvimento da Organização das Nações Unidas (ONU) e o no Banco Mundial. Nesses contextos, privilegiou-se uma definição específica de desigualdades, que ainda hoje continua muito influente no âmbito das agências internacionais e públicas. Segundo ela, desigualdades sociais referem-se às diferenças observadas nas chances individuais de acesso e posse de bens socialmente valorizados. Assim, as diferenças individuais de renda, estudadas dentro das fronteiras nacionais e medidas na maior parte dos casos pelo índice de Gini, tornaram-se a forma, por excelência, de abordá-las.

A importância deste tópico é quase auto evidente. Os reflexos do consequente aumento da pobreza do Brasil e da dificuldade que a sociedade e o governo Brasileiro enfrentam em amenizar esta condição de milhões de indivíduos refletem-se não somente nas baixas condições de vida destas pessoas, mas no enfraquecimento do próprio tecido social, como por exemplo, através do aumento da violência e criminalidade.

A caracterização da pobreza não é um assunto trivial. Historicamente, tem se reconhecido (por exemplo, em Sen, 2000 e 2001) que a pobreza não é apenas falta de renda, mas também falta de capacitações. Os pobres estão dotados de um sentimento de incapacidade, de falta de otimismo, capacidade de deliberação, por não conseguirem desfrutar dos direitos básicos de que qualquer ser humano deveria ter como: água limpa, saneamento básico, energia elétrica, alimentação adequada e um sistema de saúde pública que atenda as suas necessidades sem discriminação. Esses vários problemas que a sociedade de modo geral, vem passando, é causada principalmente por estarmos falando de um país, onde temos uma alta concentração de renda, isto é, um Brasil rico, porém, com muitos pobres. Deste modo, a pobreza e desigualdade de renda, apesar de serem fenômenos distintos, estão interligadas enquanto parte de um mesmo processo.

O tópico deste artigo baseia-se em literatura recente que discute o impacto do crescimento na qualidade de vida das pessoas vivendo em países subdesenvolvidos. Sua relevância é direta para a condução de políticas públicas e entendimento do impacto do gerenciamento macroeconômico sobre o nível de pobreza no Brasil.

O artigo pretende analisar as desigualdades sociais, entender o mapa da fome, como é calculado o mapa da fome, o que precisa ser feito para a redução das desigualdades sociais, os desequilíbrios de renda e, quais as políticas sociais que melhoram de fato a situação dos brasileiros vivendo à margem da sociedade.

2. OS MÉTODOS: BASE DE CÁLCULO.

Diante disso, para estabelecer critérios em nosso artigo, adotaremos a metodologia fornecida pelo Banco Mundial. O artigo discutirá várias opções metodológicas de estimativas de linha de pobreza. Inicialmente, faremos a mensuração da pobreza com base nas proporções da população que vive em famílias com renda familiar per capita abaixo de um nível preestabelecido, denominado linha de pobreza (L).

Determinada a linha de pobreza (L), esta proporção pode ser obtida na distribuição de indivíduos segundo a sua renda familiar per capita como (f) a área sob a função densidade de probabilidade e à esquerda da linha de pobreza ou diretamente da função de distribuição acumulada F(L). A opção por esta medida de pobreza, na prática, deve-se a sua simplicidade de fato. Outra medida qualquer poderia ser adotada resultando nessa mesma distribuição, como é o caso do hiato de renda médio e do índice de pobreza de Sen.

Com o objetivo de analisar o impacto do crescimento econômico na pobreza, vamos isolar e comparar diversas medidas de crescimento econômico e seus efeitos sobre o grau de desigualdade sobre a pobreza. Para isso, será feita uma decomposição da distribuição de renda num componente representando o nível de renda e outro, representando o grau de desigualdade. A partir dessa decomposição, nota-se que toda a distribuição de renda pode ser obtida através do nível médio de renda e de sua correspondente curva de Lorenz.

Ou seja, dado um nível de renda médio e, uma curva de Lorenz quaisquer, existirá uma e somente uma distribuição de renda com estas especificações. De acordo com essa distribuição, poderemos então obter o grau de pobreza. Em outras palavras, o instrumento básico utilizado para isolar e avaliar o impacto do crescimento econômico e de reduções no grau de desigualdade sobre a pobreza será a decomposição da distribuição de renda.

Simulações realizadas pelo Banco Mundial mostraram possíveis taxas de crescimento entre 0% e 10% a.a. O grau de pobreza resultante dessas simulações, quando comparado ao grau de pobreza na distribuição-base, indica qual o impacto sobre a pobreza de um crescimento econômico de x% a.a. durante uma década, mantendo-se constante o grau de desigualdade.  Seguindo a mesma metodologia poderemos perceber como o grau de pobreza responde a mudanças no grau de desigualdade.

O grau de pobreza resultante dessas simulações mostra também que: o grau de pobreza quando comparado à distribuição-base, indica qual o impacto sobre a pobreza ao reduzir o grau de desigualdade do nível observado no Brasil entre os anos 2000 até 2021, para o observado nos países utilizados em cada simulação, mantendo-se constante o nível médio de renda do Brasil nas últimas duas décadas.

3. O PARADIGMA.

De acordo com o Relatório de Desenvolvimento do Banco Mundial, Vozes dos Pobres (2001), à medida que os países enriquecem, diminui a incidência de pobreza. Outros indicadores de bem-estar, como os níveis médios de educação e saúde, também tendem a melhorar. Por essa razão, o crescimento econômico é uma poderosa força de redução da pobreza.

Esse relatório destaca que até meados do século XVIII, as melhorias do padrão de vida no mundo eram quase imperceptíveis. Na sua maioria, as sociedades tinham a pobreza como um fato inevitável da vida. Ainda em 1820, as rendas per capita em todo o mundo eram bastante similares – e muito baixas, variando de US$ 500 na China e no sul da Ásia a US$ 1.000 – 1.500 nos países mais ricos da Europa. Aproximadamente três quartos da população do mundo viviam com menos de 1 dólar por dia. 

O Crescimento econômico é apontado como o motor do bem-estar social moderno. Mais especificamente, o início do desenvolvimento econômico moderno abriu a possibilidade de que o crescimento econômico poderia melhorar significativamente o padrão de vida, não só dos pobres, mas de todos. Este argumento pode ser verdadeiro como uma generalização, mas será que se aplica à experiência de todos os países? Existem complexidades que refletem escolhas de política econômica. No entanto, diferenças de níveis de crescimento econômico e do grau em que esse crescimento se traduz em redução da pobreza não são consequências de uma simples escolha. Os países não optam por um crescimento lento ou por crises difíceis, nem simplesmente decidem qual deve ser o grau de equidade do crescimento. Em vez disso, os padrões de crescimento, as variações na distribuição de renda e oportunidades e a redução dos índices de pobreza refletem um complexo conjunto de interações de políticas, instituições, história e geografia dos países. Para a formulação de estratégias de redução da pobreza, é essencial entender as forças subjacentes a experiências díspares de crescimento nos países e os mecanismos que canalizaram esse crescimento para os pobres.

4. O INSTRUMENTAL TEÓRICO.

Recentemente, o conceito de crescimento econômico tem sido visto dentro da perspectiva de “desenvolvimento humano”. De acordo com Sen (2000, 2001), a perspectiva da capacitação é uma concepção da igualdade de oportunidades que destaca a liberdade substantiva que as pessoas têm para levar suas vidas. Ela focaliza o que as pessoas podem fazer ou realizar, quer dizer, a liberdade para buscar seus objetivos. As “oportunidades reais” (ou “substantivas”) de que uma pessoa dispõe para realizar entre outras coisas “objetivos ligados ao bem-estar, são representadas por sua “capacitação”“.

Conforme Sen (2000) as oportunidades reais ou substantivas envolvem mais do que disponibilidade de recursos. Capacitações são poderes para fazer ou deixar de fazer, incluindo “formar”, “escolher”, “buscar”, “revisar”, e “abandonar” objetivos; sem os quais não existe escolha genuína. É também uma questão de acesso a recursos, que depende muito mais de habilidades e talentos que cada pessoa tem para usar alternativamente. 

Nesta visão de Sen, adotada neste trabalho, pobreza, fome, desemprego, desamparo ou inseguranças sociais ou econômicas são o resultado de causas múltiplas que não podem ser reduzidas simplesmente à falta de renda.  Costumes e governos que tiranizam os pobres são também condições sob as quais as pessoas podem perceber suas privações e desvantagens e até deixar de conceber alternativas ou possibilidades de mudança.

5. OS FATOS.

De acordo com Zem (1999), nos anos 70 ocorreu forte redução da pobreza devido às taxas elevadas de crescimento da renda. Nos anos 80 até 1993, quando a incidência de pobreza acompanha as oscilações econômicas de curto prazo; pouco avanço foi realizado. Conforme Zem, finalmente ocorre redução após o plano de estabilização de 1994, acomodando-se os indicadores neste patamar no período de 1995/1999. 

Conforme Zem, dados relativos ao mercado de trabalho metropolitano, revelam que, nos últimos cinco anos, houve um processo acentuado de extinção de postos de trabalho para trabalhadores pouco qualificados, o que tende a afetar de forma adversa a incidência de pobreza e a desigualdade. O conceito de pobreza, utilizado por Zem, está relacionado somente à ocorrência de renda baixa, mais especificamente a níveis de renda considerados insuficientes para atender às necessidades básicas em determinado tempo e lugar.  A variável utilizada é a renda familiar per capita, que leva em conta todos os rendimentos dos membros da família, o tamanho da família e seu papel como unidade redistributiva da renda.

Segundo o IPEA (2001), para analisar os gastos públicos sociais com a erradicação da pobreza no Brasil, deve-se considerar que, o Brasil não é um país pobre, embora possua uma parcela ainda elevada da população que vive em famílias cuja renda é inferior ao mínimo necessário para satisfazer as suas necessidades básicas. 

Conforme o IPEA, a combinação da má focalização dos gastos públicos sociais com o fato de esses gastos representarem cerca de três a quatro vezes do que se necessita para erradicar a pobreza no país permite concluir que, é possível eliminar a pobreza sem a necessidade de qualquer aumento no volume total de gastos na área social.

Para concluir, conforme a equipe do IPEA, embora se reconheça que o (re) desenho de programas públicos adequadamente focalizados é uma tarefa complexa, essa conclusão nos parece auspiciosa na medida em que aponta para uma solução do problema da pobreza que depende mais do aperfeiçoamento das políticas públicas do que da elevação dos gastos. Isso se torna particularmente relevante em momentos de ajuste fiscal, tal como o que o país está atravessando.

De acordo com Barros (2001), as estimativas existentes a respeito do efeito do salário mínimo sobre a pobreza consistem em análises de equilíbrio parcial, que levam em consideração alguns poucos mecanismos de transmissão desencadeados pelo salário mínimo. A incorporação desses efeitos se torna possível na medida em que é usado um modelo de equilíbrio geral que permite estimar qual seria o nível de pobreza caso o salário mínimo fosse o único parâmetro a ser alterado na economia. Os resultados apurados por Barros, mostram que aumentos do salário mínimo têm efeitos negativos, ainda que diminutos, sobre o grau de pobreza, quando não se consideram os reajustes dos benefícios da previdência social. Porém, essas estimativas do efeito do salário mínimo sobre a pobreza passam a ser positivas quando incorporados o aumento desses benefícios.

Sobre distribuição de renda, pobreza e desenvolvimento humano no Brasil, verificamos a fragilidade do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) calculado pelo PNUD, que consiste em não incorporar os aspectos distributivos do crescimento do produto gerado no sistema econômico, muito embora os Relatórios do PNUD frequentemente se refiram à equidade e a sustentabilidade do desenvolvimento.

A metodologia do IDH constitui um grande avanço na direção de um indicador de desenvolvimento sintético, onde o enfoque humano aparece como o objetivo fundamental. O mesmo é baseado na concepção de resultados, a partir de cuja medição se determina o nível de desenvolvimento alcançado e sobre sua base se estabelecem os diferentes rankings para classificar  países ou regiões.

O impacto dos resultados do crescimento econômico do país na melhoria da qualidade de vida da população brasileira pressupõe a criação de políticas e instrumentos que assegurem uma distribuição mais equitativa dos benefícios gerados no curso do processo de crescimento.

Conforme Henriques et al (2000), a renda per capita no Brasil é bem superior a qualquer valor que possa realisticamente ser associado à linha de pobreza, a persistência da pobreza está necessariamente associada à péssima distribuição de renda: ao 1% das pessoas cujas rendas são as mais elevadas, corresponde a 13% da renda total brasileira, portanto apenas um pouco abaixo do percentual de 13,9% que cabem a metade das pessoas com rendas mais baixas. 

Como a desigualdade de renda está atrelada aos altos rendimentos no extremo superior da distribuição, os ganhos do rendimento na base da distribuição, como os ocorridos após o Plano Real, pouco afetam o coeficiente de Gini, que declinou apenas de .58 para .57 entre 1993 e 1995. O aspecto distributivo é fundamental por ter o potencial de reduzir drasticamente a pobreza, mesmo sem qualquer aumento do produto, isto é, sem crescimento econômico.

De acordo com os prognósticos do grupo de pesquisas do IPEA, sobre o que pode ocorrer em termos de pobreza e desigualdade no Brasil daqui para frente, devemos ser extremamente cautelosos. O crescimento econômico ajuda a melhorar a renda, mas é provável que, sem intervenção de políticas distributivas, o crescimento venha causar aumento da desigualdade no curto prazo. Este efeito será tanto maior quanto mais forte for a intensidade da retomada do crescimento.

Conforme os dados da revista de ECONOMIA da ANPEC, evitar o agravamento da pobreza e da desigualdade depende tanto de intervenções sobre o mercado de trabalho (objetivando especificamente tornar a reestruturação produtiva menos penosa para os mais pobres) quanto de políticas de transferência de renda.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS: AS POLÍTICAS SOCIAIS, ABORDAGEM DAS CAPABILITIES E O MAPA DA FOME.

A expansão das capacitações humanas dos pobres é um fator dominante para qualquer estratégia de redução da pobreza, devido ao valor intrínseco de capacidades como as de saúde e educação como pelo valor da sua contribuição para outras dimensões de bem estar, principalmente a de renda. Assim, o ataque à pobreza requer ações que vão além do campo econômico.

Por isso, a ação pública deve fazer mais do que investir em serviços sociais, ela deve cumprir com suas obrigações de responsabilidade social para com todos os indivíduos, minimizando desigualdades e construindo uma distribuição de renda mais justa. É neste ponto, que está a questão central do nosso trabalho, a de analisar a quantidade e a qualidade de crescimento econômico que pode beneficiar a pobreza. Similarmente, examinamos se e somente se esta variável isoladamente é capaz de solucionar o problema da crescente economia da pobreza no Brasil.

De acordo com Barros, 2000 O diagnóstico básico referente à estrutura da pobreza é o de que o Brasil, no limiar do século XXI, não é um país pobre, mas um país extremamente injusto e desigual, com muitos pobres. A desigualdade encontra-se na origem da pobreza, desde os primórdios, sendo o Brasil um país, onde as raízes da pobreza ultrapassam gerações, e, se explicam através de diversas correntes históricas, desde a escravidão, luta de classes, jogos de poder, passando pela estrutura, etnia, gênero, etc.

Em 2014, o Brasil saiu do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU), isso foi um marco mundialmente reconhecido frente ao dever do país, em garantir os direitos humanos, tais como, alimentação adequada e saudável.

Entretanto, nos últimos anos, com a pandemia, os dados a partir de 2020, monitorados pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), demonstram uma mudança nesta tendência apresentada em 2014. O problema da insegurança alimentar voltou a ser discutido entre os órgãos que monitoram o problema da insegurança alimentar, pois houve uma mudança na metodologia de cálculo. 

O Mapa era calculado a partir de um indicador criado pela própria organização, o POU (Prevance of Undernourishment, em inglês), que significa uma medida de acesso adequado a alimentos. O resultado baseava-se numa estimativa da porcentagem da população cujo consumo alimentar é insuficiente para manter uma vida saudável e ativa. Cálculo baseado na média móvel dos últimos três anos. 

Este indicador é considerado como uma abordagem indireta para medir o grau de insegurança alimentar, porém, não é baseado em fatores como idade, gênero, etc. Segundo dados do programa Fome Zero, as estatísticas baseiam-se nas calorias mínimas para viver. 

Na mudança de abordagem pela FAO, ocorreu à alteração na base de cálculo, o Mapa da Fome agora, deve expressar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), conjunto de 17 metas globais estabelecidas pela Assembleia Geral das Nações Unidas e, não mais os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio antes apresentado.

“A FAO deixou de publicar o Mapa da Fome como ferramenta de divulgação dos dados de fome no mundo, mas seus indicadores ainda são usados para avaliação inclusive dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, explicou a Oficial de Comunicação da FAO no Brasil, Aline Czezacki Kravutschke.

O Programa Alimentar Mundial (PAM), órgão de auxílio alimentar da ONU, continua a publicar anualmente uma representação gráfica das estimativas da fome baseadas no relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo”.

“O Brasil aparece com esse índice [2,5%] porque o indicador é outro, eles não são comparáveis. O percentual de pessoas subalimentadas [PoU] é uma medida distinta da Escala de Insegurança Alimentar que mede a percepção sobre a sua condição e da sua família e indica, no caso da Insegurança Alimentar Grave, quando o respondente diz que ao menos um membro da família naquele período passou fome. Isso é diferente de calcular o percentual de pessoas subalimentadas, que é o PoU”, afirmou Renato Maluf. 

Os dados de 2020 apontam que a insegurança alimentar grave – ou seja, a fome – atinge 9% da população. Os resultados evidenciam que, em 2020, a insegurança alimentar e a fome no Brasil retornaram aos patamares próximos aos de 2004.  Os dados são da pesquisa “Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil”, elaborada pela Rede Penssan, e mostram que o Brasil retrocedeu 15 anos em cinco, voltando a ter a fome como problema estrutural. 

“Eram 10,3 milhões de pessoas em IA [insegurança alimentar] grave em 2018, passando para 19,1 milhões, em 2020. Portanto, neste período, foram cerca de nove milhões de brasileiros (as) a mais que passaram a ter, no seu cotidiano, a experiência da fome”, afirma a pesquisa da Rede PENSSAN. 

Segundo a pesquisa, 112 milhões de brasileiros sofrem algum grau de insegurança alimentar. Diante do exposto, é mais que necessário reduzir a desigualdade tanto por razões morais, como por motivações relativas à implementação de políticas eficazes para erradicar a pobreza. Historicamente, no Brasil, os dados reforçam a via única do crescimento econômico, sem gerar, como vimos, resultados satisfatórios no que diz respeito à redução da pobreza. 

Na elaboração deste artigo, ficou muitas lacunas que não discutimos, tais como os condicionantes políticos e institucionais básicos para o estabelecimento de estratégias que reduzam a desigualdade de fato. Nota-se a importância crucial de estimular políticas de crescimento para alimentar a dinâmica econômica e social do país. No entanto, para erradicar a pobreza no Brasil é necessário definir uma estratégia que priorize a redução das desigualdades baseadas no conjunto de políticas sociais voltados ao desenvolvimento das capabilities, a geração de emprego e renda, alicerçados em políticas de desenvolvimento educacional. Assuntos a serem abordados em próximos estudos sobre o tema.

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1Artigo para TFD (Trabalho Final da Disciplina de Teorias do Desenvolvimento Econômico), Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico). (Mestrado Interinstitucional UNESC – FIED);
2Mestranda em Desenvolvimento Socioeconômico pela UNESC/SC. Economista pela ULBRA/RS. Especialista em Finanças e Controladoria pela UNILASALLE/RS. MBA em Gestão de Pessoas e Negócios pela FAQI/RS. Especialista em Formação Pedagógica de Professores pela FAQI/RS. Diretora Administrativa na Educação a Distância no Centro Universitário Inta – UNINTA/CE