DESIGUALDADE DE GÊNERO E TRIBUTAÇÃO

GENDER INEQUALITY AND TAXATION

INEQUIDAD DE GÉNERO Y TRIBUTACIÓN

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10802615


Ovídio Silva Nogueira1
Giselle Karolina Gomes Freitas Ibiapina2
Jane Karla de Oliveira Santos3
Geloesse Gomes Correia Freitas4
Daniela Carla Gomes Freitas5


RESUMO

O objetivo deste artigo consiste em investigar as expressões de disparidade de gênero por meio da imposição tributária. A análise se concentra na revisão do atual sistema tributário e na investigação específica da tributação sobre o consumo e a renda, além de examinar as consequências dessa imposição no mercado de trabalho. A intenção é destacar que as mulheres ainda enfrentam condições desfavoráveis em comparação com os homens, resultado tanto da carga tributária significativamente elevada em produtos essenciais para o público feminino quanto da disparidade salarial e das restrições no mercado de trabalho. Este artigo é fundamentado em uma revisão bibliográfica periódica, abrangendo a análise de artigos publicados no período de 2013 a 2023. O estudo visa salientar a necessidade premente de aprimorar o sistema tributário vigente, mediante a implementação de políticas fiscais públicas direcionadas às mulheres. Estas medidas devem ser sensíveis às desigualdades de gênero, buscando criar condições para uma sociedade mais justa e igualitária, em conformidade com os princípios estabelecidos pela Constituição Federal, que é a principal lei do ordenamento jurídico brasileiro.

Palavras-Chave: Brasil; Desigualdade de gênero; Justiça Tributária; Sistema Tributário.

ABSTRACT

The purpose of this article is to investigate manifestations of gender inequality through tax imposition. The analysis focuses on reviewing the current tax system and specifically examining taxation on consumption and income, as well as exploring the repercussions of this imposition on the labor market. The intention is to highlight that women still face unfavorable conditions compared to men, stemming from both the significantly high tax burden on essential products for the female population and the gender wage gap, along with constraints in the job market. This article is based on a periodic literature review, encompassing the analysis of articles published from 2013 to 2023. The study aims to underscore the pressing need to enhance the current tax system by implementing public fiscal policies targeting women. These measures should be sensitive to gender inequalities, striving to create conditions for a fairer and more egalitarian society, in accordance with the principles outlined in the Federal Constitution, the primary law of the Brazilian legal system.

Keywords: Brazil; Gender Inequality; Tax Justice; Tax System.

1. INTRODUÇÃO

A desigualdade de gênero é uma questão global que abrange dimensões políticas, econômicas e sociais, apresentando persistentes desvantagens e vulnerabilidades para as mulheres em comparação com os homens, que historicamente ocuparam posições privilegiadas. A origem desse problema remonta aos primórdios da história, quando o estabelecimento do patriarcado relegou as mulheres a papéis secundários, consolidando uma estrutura sistêmica marcada pelo sexismo e pela perspectiva centrada no homem, permeando todos os aspectos da sociedade (Lucca e Livia, 2022, p. 19).

Essa dinâmica foi estabelecida ao atribuir ao homem o papel central na sociedade, assumindo responsabilidades e autonomia em tarefas, funções e atividades consideradas de maior valor pela coletividade, muitas vezes relacionadas à economia de mercado e, consequentemente, recompensadas de maneira mais significativa. Enquanto isso, às mulheres foi designado o papel secundário, predominantemente nas atividades domésticas, afastadas da visibilidade externa. Suas contribuições eram frequentemente desconsideradas, categorizadas como atividades improdutivas e, por vezes, não reconhecidas publicamente (Teixeira, 2010, p. 27).

É inegável que, nas últimas décadas, especialmente após o final do século XIX com o surgimento e crescimento do movimento feminista, as mulheres têm avançado e ocupado espaços na política e na sociedade que anteriormente eram inexistentes e inimagináveis. A conquista do direito ao voto, resultado da luta sufragista, transformou a importância da agenda feminina, promovendo debates políticos significativos liderados em grande parte por mulheres.

Apesar das notáveis transformações na realidade das mulheres ao longo do pós-século XX, é evidente que elas ainda enfrentam subjugação em relação aos homens. As mulheres continuam assumindo predominantemente as responsabilidades do trabalho doméstico, da criação dos filhos e enfrentam sub-representação numérica na política e em cargos de liderança. Ademais, persistem disparidades salariais, menores oportunidades profissionais e o contínuo enfrentamento da violência de gênero, seja ela física ou psicológica.

O propósito deste trabalho é abordar a desigualdade de gênero no âmbito tributário, utilizando simultaneamente o método de pesquisa bibliográfica e exploratória. Esse processo envolve a coleta de dados concretos sobre a desigualdade de gênero no Brasil, bem como uma investigação doutrinária sobre a relação do Direito Tributário com esse problema, considerando sua possível utilização como ferramenta para atenuar a questão. Decisões judiciais relacionadas ao tema foram examinadas, juntamente com a legislação estadual e federal, incluindo a Constituição, com o intuito de aprimorar a compreensão sobre a temática proposta.

2. DA RELAÇÃO ENTRE GÊNERO E TRIBUTAÇÃO E A VIABILIDADE DE AMENIZAÇÃO DA PROBLEMÁTICA ATRAVÉS DA VIA TRIBUTÁRIA

Quando se trata das iniciativas adotadas pelo poder público para mitigar as desigualdades no Brasil, a dimensão de gênero frequentemente é negligenciada. Embora seja crucial abordar outras disparidades na sociedade brasileira, como as de natureza social, de renda ou racial, a redução das desvantagens relacionadas ao gênero é fundamental. Isso se torna essencial não apenas para atenuar outras formas de desigualdade, mas também porque o ciclo vicioso enfrentado pelas mulheres repercute em diversas áreas de suas vidas (Lucca e Livia, 2022, p. 19).

No âmbito tributário, são escassas as medidas específicas direcionadas para o gênero feminino, recebendo pouca ou nenhuma atenção, especialmente em um contexto de discussões sobre reformas tributárias em meio a crises políticas, econômicas e sanitárias. O ciclo vicioso previamente mencionado acaba por impactar as mulheres em todos os aspectos de suas vidas, incluindo a tributação, gerando repercussões em um ciclo interligado nas demais áreas, como o mercado de trabalho, o poder de consumo e a educação.

Essa situação ocorre porque a tributação representa uma das formas de arrecadação de receitas do Estado, destinada a custear os serviços públicos, e seu impacto é diretamente sentido pela população. Portanto, as políticas tributárias não são alheias ao contexto em que o indivíduo está inserido, seja no âmbito laboral, no local de residência ou no contexto de gênero (Lucca e Livia, 2022, p. 20).

A relação das mulheres com a tributação remonta ao Movimento Sufragista do final do século XIX e início do século XX. Sob o lema “no taxation without representation” (“não à tributação sem representatividade”), as mulheres norte-americanas buscavam o direito ao voto. Além de outras razões para obtê-lo, destacava-se o fato de serem contribuintes, sendo a injustiça tributária uma consequência direta da ausência de representação legislativa. Na época, as feministas, em sua maioria brancas e latifundiárias, se recusaram a pagar tributos sobre suas propriedades, uma vez que eram impedidas de exercer o direito ao voto (Lucca, Livia, 2022, p. 20).

Atualmente, a discussão sobre a tributação diferenciada para mulheres tem se ampliado e é tema de debates globais, considerando as características específicas dos sistemas tributários de cada país. Essa abordagem é reconhecida como um aspecto significativo de justiça e progresso social. Nas palavras de Heleno Taveira Torres, a desigualdade de gênero na tributação atua como um verdadeiro obstáculo ao desenvolvimento social, especialmente em relação a países periféricos.

Notadamente em países periféricos, a desigualdade de gênero na tributação é um fator que afeta o desenvolvimento e cria graves repercussões na sociedade, o que demanda políticas públicas e medidas que evitem seus efeitos danosos. Dentre outros aspectos, a tributação diferenciada de mulheres, a repercussão no mercado de trabalho, o efeito da maternidade na vida das mulheres, bem como as diferenciações de preços dos produtos por estas consumidos, além da afetação à tributação da própria família, reclamam necessária convergência de medidas para superação das suas consequências nefastas. (Torres, 2019, p. 134).

É incontestável a existência de desigualdade de gênero no Brasil, tornando essencial a implementação de medidas eficazes para combater essa questão e mitigar seus impactos, promovendo o desenvolvimento do país e da sociedade como um todo. Esse é um interesse não apenas jurídico, constitucional e tributário, mas também transcende as fronteiras brasileiras, sendo objeto de pesquisas e estudos em todo o mundo. Países como Estados Unidos, França e Inglaterra já conduzem estudos sobre a tributação vinculada ao gênero, com um aumento nas discussões, como no caso da “pink tax” ou “taxa rosa”, que envolve a discriminação de gênero na tributação de produtos consumidos, em sua maioria, por mulheres, ou direcionados a elas, como será detalhado posteriormente em outro capítulo (Torres, 2019, p. 135).

Embora essa seja uma questão significativamente divergente dependendo da realidade tributária, do modelo de Estado adotado e dos respectivos custos de vida e aspectos culturais, há debates e investigações sobre diferenças nos impostos sobre renda e consumo para produtos destinados às mulheres. Além disso, são analisados os impactos desses tributos, por exemplo, no contexto da maternidade e na participação das mulheres no mercado de trabalho. Em muitos países, inclusive, as declarações de imposto de mulheres casadas estão vinculadas às de seus maridos. (Torres, 2019, p. 137).

É evidente que homens e mulheres, devido às disparidades salariais, aos papéis de gênero e à divisão de responsabilidades no sustento do lar e na criação dos filhos, apresentam perfis de consumo distintos, influenciados principalmente pelas suas diferentes rendas. Nesse contexto, é comum que as mulheres destinem uma maior porcentagem de seus salários para a aquisição de itens básicos de consumo, dado que recebem remunerações menores, embora enfrentam encargos tributários mais elevados. Em contrapartida, os homens, muitos dos quais desempenham o papel tradicional de “chefe de família”, tendem a gastar uma parcela maior de sua renda em bens associados ao lazer. 

Portanto, proporcionalmente, quanto menor o poder aquisitivo das pessoas, maior será a incidência de impostos diretos que elas suportam. Consequentemente, conforme evidenciado por dados numéricos, as mulheres, que têm maior propensão a viver em situações de pobreza, enfrentam uma carga tributária mais significativa. Esse cenário é uma consequência direta da regressividade tributário presente no Brasil, como será explorado no próximo capítulo. Um exemplo ilustrativo é observar os impactos de programas de transferência direta de renda, como o Bolsa Família, na economia e na capacidade de consumo da população. Este programa contribuiu para a redução de 15% da pobreza e 25% da extrema pobreza entre os beneficiários, além de uma diminuição de 10% na desigualdade de renda no país, de acordo com dados do IPEA em 2019 (Souza, 2019, p. 15).

De maneira semelhante, a implementação do auxílio-emergencial durante a pandemia de Covid-19 teve um impacto significativo na economia em um curto período de seis meses, resultando na queda histórica da pobreza. Esse programa assegurou a sobrevivência da população e estimulou o aumento da circulação do consumo na economia. Embora esses não sejam programas específicos direcionados à desigualdade de gênero, eles exemplificam como o aumento na renda da população, especialmente no caso do auxílio, devido à sua rápida implementação, influência nos padrões de consumo e na circulação financeira no mercado e na economia. 

Nesse contexto, Robson Rodrigues (2018, p. 39), destaca que a implementação de um sistema tributário progressivo é a principal medida adotada pelos países desenvolvidos para lidar com a concentração de renda. Esse modelo visa taxar mais aqueles que possuem maior patrimônio, permitindo o alívio dos recursos daqueles no topo, o que impulsiona o consumo, o emprego, a renda e o lucro nas demais camadas sociais. 

Embora esse modelo esteja previsto na Constituição Federal, na prática, observa-se o oposto: uma tributação regressiva que beneficia os mais ricos e impõe uma carga tributária mais elevada aos mais pobres. (Rodrigues, 2021, p. 45). Dessa maneira, embora seja necessário adotar medidas eficazes para combater as discrepâncias de gênero na origem, torna-se evidente a possibilidade de abordar essa problemática também por meio da tributação. 

Essa abordagem não se limita a uma intervenção paliativa e inibitória, mas inclui também a reparação das consequências. Vale ressaltar que a utilização do tributo no enfrentamento de questões sociais não é algo estranho ao direito, sendo a desigualdade de gênero apenas uma das diversas problemáticas que afligem o país. Isso acontece porque, além do papel de financiar a máquina estatal, a tributação é o meio pelo qual se efetiva o cumprimento das garantias sociais e dos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição. 

Entre esses direitos, destaca-se a busca pela isonomia e igualdade de gênero mencionada anteriormente. Por meio da tributação, é possível estimular ou desestimular comportamentos, utilizando o caráter extrafiscal dos tributos e a aplicação de uma tributação progressiva ou regressiva. Nesse contexto, é o sistema tributário que proporciona os meios materiais para o efetivo cumprimento das disposições constitucionais (Marquezini, 2021, p. 56).

Em concordância com o exposto, as mulheres apontam a alta regressividade dos tributos como um fator gerador de desigualdade na esfera tributária, destacando as graves repercussões no desenvolvimento da sociedade decorrentes da tributação diferenciada: Especificamente, a desigualdade de gênero na tributação é um elemento que prejudica o desenvolvimento e gera graves consequências na sociedade, exigindo a implementação de políticas públicas e medidas para evitar seus efeitos prejudiciais. 

Dentre os diversos aspectos, a tributação diferenciada para mulheres, as repercussões no mercado de trabalho, os impactos da maternidade na vida das mulheres, as disparidades de preços dos produtos consumidos por elas, além da influência na tributação familiar, demandam a adoção de medidas convergentes para superar suas consequências danosas. (Marquezini, 2021, p. 56). Dessa forma, torna-se evidente que as mulheres enfrentam uma carga tributária mais elevada, tanto devido ao consumo proporcional à sua renda quanto à tributação diferenciada que incide nos produtos consumidos exclusivamente por elas. Além disso, no mercado de trabalho, até recentemente, a contratação de mulheres gerava um ônus tributário maior para os empregadores, como no caso da inclusão do salário-maternidade na base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, decisão posteriormente declarada inconstitucional pelo STF.

No que se refere à inserção da mulher no mercado de trabalho, Orlando Neto e Juliana Feriato (2019, p. 49), destacam que o planejamento financeiro do Estado, por meio dos “gender responsive budgets” (orçamentos sensíveis ao gênero), pode realocar os recursos públicos para reduzir as desigualdades de gênero, associando competência tributária e tributação indutora a isenções tributárias condicionadas a práticas igualitárias de emprego. O impacto da maternidade também está relacionado à tributação diferenciada, especialmente para mães-solo e chefes de família, agravando as dificuldades enfrentadas por elas e a disparidade financeira já mencionada em comparação com os homens. Outro exemplo recente de inconstitucionalidade, relacionado à tributação da renda, era a incidência do Imposto de Renda sobre a pensão alimentícia, ônus suportado principalmente por mulheres.

Ambos os exemplos serão explorados em detalhes em capítulos subsequentes, mas já evidenciam como a tributação impacta a desigualdade de gênero, sendo a tributação diferenciada de homens e mulheres um fator causador de discrepâncias que podem ser atenuadas, inclusive, pelo judiciário e pela própria tributação, podendo esta última ser uma contribuinte para a mitigação de questões sociais, estímulo à criação de empregos, incentivo à educação de jovens, apoio à maternidade e ao desenvolvimento do empreendedorismo feminino, entre outros. 

Assim, a tributação está intrinsecamente relacionada aos direitos das mulheres não apenas devido à tributação diferenciada, mas também como parte integrante de uma questão social que, assim como a saúde, segurança, educação e outros direitos humanos, exige recursos para a implementação de políticas públicas e a adoção de medidas eficazes no combate à desigualdade de gênero por meio do serviço público. 

A sonegação de impostos, por exemplo, é uma prática altamente prejudicial cuja consequência direta é a falta de recursos para garantir direitos relacionados às mulheres, como o combate à violência de gênero. Esse aspecto, ou seja, o fornecimento de garantias sociais, conforme demonstrado, remete à questão da progressividade e regressividade dos sistemas tributários e à extrafiscalidade dos tributos, uma vez que a política fiscal dos países está diretamente vinculada à efetivação de muitos direitos humanos, incluindo a isonomia de gênero, pois, para alcançá-la, há sempre um custo.

Portanto, para analisar a viabilidade do combate à desigualdade de gênero por meio da via tributária, é necessário avaliar a estrutura tributária brasileira, os objetivos do Estado Democrático de Direito e como o caráter tributário do país contribui para essa disparidade, bem como o papel do tributo como aliado na mitigação dessa problemática.

3. EXPERIÊNCIAS ESTRANGEIRAS ACERCA DA PINK TAX E OS AVANÇOS DO ESTADO BRASILEIRO

Pela primeira vez utilizado em 2014 por um grupo francês de defesa dos direitos das mulheres chamado Georgette Sand, o termo “Pink Tax” refere-se ao fenômeno que observa a existência de valores adicionais na tributação de produtos femininos. Esses valores não são decorrentes da alíquota, mas sim da carga tributária percebida pelas consumidoras. Em outras palavras, o conceito investiga a relação entre a tributação (tanto de renda quanto de consumo, com ênfase na tributação sobre o consumo) e a contribuição fiscal das mulheres, muitas vezes resultante da prática de precificação com base no gênero, conhecida como “gender-pricing” (Yazicioglu, 2014, p. 10).

O termo “pink tax” ou “taxa rosa”, embora seja rotulado como uma taxa, não atende aos requisitos básicos para ser categorizado como uma espécie tributária. Conforme observado por Marimpietri (2017), o “pink tax” pode ser caracterizado como um fenômeno no mercado de consumo, onde produtos destinados ao público feminino são naturalmente precificados mais altos do que produtos equivalentes destinados ao público masculino, mesmo quando esses produtos são, em muitas ocasiões, idênticos.

A expressão “pink tax” foi cunhada através do estudo intitulado “From Cradle to Cane: The Cost of Being a Female Consumer“, realizado em 2015 pelo City Department of Consumer Affairs (DCA), um departamento vinculado à instância de assuntos do consumidor na cidade de Nova York, nos Estados Unidos (Telles, 2021, p. 22).

Através da pesquisa, foi possível constatar que ao longo da vida, uma consumidora se depara com diferentes níveis de precificação de produtos com base no gênero ao qual são direcionados. Essa disparidade torna-se particularmente notável no período conhecido como “vida adulta”, fase em que geralmente ocorre uma maior estabilidade financeira e uma frequência mais consistente no consumo de diversos bens. Conforme apontado pelo DCA, durante o estágio de vida adulta, as mulheres chegam a pagar, em média, até 7% a mais do que os homens por produtos da mesma categoria ou similares, chegando a uma média de 13% em produtos específicos destinados aos cuidados pessoais (Telles, 2021, p. 24).

No contexto brasileiro, a pesquisa intitulada “Taxa Rosa e a Construção do Gênero Feminino no Consumo”, conduzida em 2017 pelo Mestrado Profissional em Comportamento do Consumidor (MPCC) e liderada pelo Professor Dr. Fábio Mariano Borges, da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM/SP), chegou à conclusão de que as consumidoras pagam, em média, 12,3% a mais por produtos idênticos àqueles destinados ao público masculino. Em muitos casos, a única distinção entre os itens analisados é a cor (Telles, 2021, p. 25).

Apesar das referências à “pink tax” sugerirem uma abordagem tributária, esse fenômeno não pode e não deve ser categorizado como um imposto propriamente dito. Isso porque a “taxa rosa”, como é chamada, se manifesta como um sobrepreço em “produtos femininos” quando comparados aos equivalentes destinados ao público masculino. Em essência, o fenômeno está intrinsecamente relacionado à prática de precificar produtos apresentados como especificamente elaborados para mulheres a um preço mais elevado do que aqueles desenvolvidos para homens (Telles, 2021, p. 25).

A designação do fenômeno como “taxa rosa” carrega, ademais, uma conotação crítica ao associar a noção tributária de taxas ao fato de a maioria dos produtos destinados às mulheres ser comercializada na cor rosa. Isso é frequentemente utilizado como uma estratégia para enfatizar a identificação com o público feminino, sendo facilmente observado em produtos como desodorantes, sabonetes, lâminas de barbear e escovas de dentes (Telles, 2021, p. 26).

Embora não haja uma causa específica e concreta que justifique a existência da “pink tax“, é inegável que a simples introdução de produtos desenvolvidos exclusivamente para o público feminino pelas marcas sugere a presença de uma participação equitativa no mercado. Essa dinâmica une fatores psicológicos do consumo ao fato de as mulheres sentirem-se bem ao adquirir produtos elaborados especialmente para elas.

A discussão sobre a desigualdade de gênero no contexto tributário tem ganhado destaque globalmente, levantando questões extremamente relevantes não apenas para o movimento feminista, mas também em relação aos abusos presentes no mercado de consumo, frequentemente naturalizados pelos consumidores.

Em abril de 2019, o assunto foi extensivamente discutido durante o Encontro do Subcomitê de Assuntos Tributários do Comitê Econômico e Social (ECOSOC) da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesse evento, foram apresentados os seguintes questionamentos:

Qual é o papel da tributação na redução da desigualdade, dentro de países com diferentes níveis de desenvolvimento?; Como as políticas fiscais podem agravar a desigualdade?; Quais são as opções disponíveis aos países para tributar a riqueza e melhorar a igualdade, tanto no lado da tributação quanto no lado das despesas?; Quais são os efeitos econômicos gerais de tais políticas? Como determinar o que é a “desejável” distribuição de renda?

Dada a complexidade do tema, é prudente reconhecer que as questões tributárias e financeiras de cada país só podem ser compreendidas adequadamente quando consideradas as inúmeras peculiaridades de cada região. Somente por meio do estudo do direito comparado seria possível analisar de maneira precisa os impactos da desigualdade de gênero nas normas tributárias e nas políticas públicas de cada país, permitindo a proposição de abordagens específicas para superar as diversas distorções existentes (Telles, 2021, p. 26).

Com base em tudo que foi exposto, conclui-se que o fenômeno da “pink tax” não é uma novidade no mercado, e o sistema tributário brasileiro, apesar de possuir princípios e proibições contra essa prática, acaba sendo condescendente com essa cobrança abusiva. As autoridades têm ciência da tributação diferenciada de acordo com os gêneros, observando um aumento notável nos percentuais de tributos sobre produtos destinados às mulheres, e, mesmo assim, pouco fazem para impedir essa ocorrência (Telles, 2021, p. 29).

É inaceitável que uma prática que viola o princípio da isonomia tributária e promove discriminações entre homens e mulheres em um Estado Democrático de Direito continue acontecendo sem restrições e prejudicando os contribuintes. O respeito à isonomia, um princípio crucial em toda a ordem tributária, deve ser preservado, e políticas públicas e medidas eficazes devem ser desenvolvidas para evitar os efeitos prejudiciais dessas discriminações (Telles, 2021, p. 29).

Dentre os diversos aspectos, a tributação desigual que afeta as mulheres, as consequências do ingresso no mercado de trabalho, os impactos da maternidade em suas vidas e as discrepâncias nos preços dos produtos que consomem não apenas prejudicam a renda familiar, mas também demandam a definição de uma linha coerente entre as promessas do Estado e suas práticas reais.

Além disso, é crucial reconsiderar o princípio da seletividade no ICMS e no IPI, destacando o que verdadeiramente é essencial, quem deve determinar a essencialidade e para quem esse princípio, quando aplicado, será direcionado. Apesar de ainda haver um longo percurso a percorrer, a adoção de políticas abrangentes, como o Convênio 187/21, traz esperança quanto à possibilidade de o Direito Tributário reassumir o controle de sua atuação, efetivamente operando como um instrumento capaz de reduzir a desigualdade entre os gêneros e mitigar os impactos da “Pink Tax” (Telles, 2021, p. 29).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo desta pesquisa, exploramos minuciosamente a interseção entre desigualdade de gênero e tributação, com um foco especial no fenômeno conhecido como “Pink Tax“. Os resultados obtidos evidenciam a presença de disparidades significativas nos sistemas tributários que impactam desproporcionalmente as mulheres, perpetuando assimetrias econômicas de gênero. No cenário brasileiro, observamos que, embora existam princípios e proibições contra a prática da “Pink Tax“, o sistema tributário muitas vezes tolera essa cobrança abusiva. 

A tributação diferenciada em produtos destinados às mulheres, notadamente evidente na carga tributária sobre itens considerados femininos, revela a necessidade urgente de uma revisão estrutural. Além disso, ao analisar o contexto internacional e as discussões ocorridas em organizações como a ONU, torna-se evidente que a desigualdade de gênero no âmbito tributário é uma preocupação global. Questões como a falta de isonomia nos percentuais de tributação e a naturalização da discriminação de gênero merecem uma atenção especial das autoridades fiscais e legisladores. 

A pesquisa também destaca a importância do direito comparado na análise das políticas tributárias relacionadas ao gênero. A compreensão das peculiaridades de cada região é essencial para propor medidas específicas que visem corrigir as distorções existentes. A isenção do Estado diante dessas práticas discriminatórias é inaceitável em um contexto democrático que preza pela igualdade e justiça.

No âmbito prático, urge uma reflexão sobre o princípio da seletividade no ICMS e no IPI, questionando o que verdadeiramente é considerado essencial e quem detém o poder de definir tal essencialidade. A abordagem dessas questões é fundamental para criar políticas públicas e medidas legislativas que possam efetivamente combater a desigualdade de gênero no campo tributário.

Em conclusão, a pesquisa reforça a necessidade premente de ações concretas e políticas públicas eficazes para enfrentar a desigualdade de gênero na tributação. A busca por uma sociedade mais justa e igualitária exige não apenas a identificação dessas disparidades, mas também a implementação de medidas efetivas que reafirmem os princípios de equidade e isonomia tributária. Este estudo contribui para a conscientização sobre a urgência de reformas tributárias que promovam a igualdade de gênero e combatam os efeitos prejudiciais do “Pink Tax“.

A interseção entre desigualdade de gênero e tributação revela a urgência de revisões significativas no sistema tributário para promover equidade. A análise do impacto tributário sobre as mulheres, desde a tributação de produtos essenciais até as disparidades salariais, destaca a necessidade de políticas fiscais públicas sensíveis ao gênero. A construção de uma sociedade mais justa e igualitária requer a implementação de medidas que abordem diretamente essas desigualdades no contexto tributário, em consonância com os princípios fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal brasileira. Portanto, é imperativo que as reformas tributárias considerem ativamente as dimensões de gênero, visando mitigar as disparidades e promover uma carga tributária mais justa para todos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA FAZENDÁRIA. Convênio ICMS Nº 187 DE 20/10/2021. Legisweb, 2021. Disponível em: <https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=421999>. Acesso em: 28 jan. 2024.

BRASIL.PLANALTO. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em: 25 jan. 2024.

LUCCA, Lívia; OLIVEIRA, Maria. Pink Tax no Brasil: investigações preliminares. Revista VirtuaJus, v. 6, n. 11, p. 236-246. Belo Horizonte, 2022.

MARQUEZINI, Amanda; DA SILVA, Nilce. A isonomia tributária e a desigualdade de gênero brasileira. Revista eletrônica da Faculdade de Direito de Alta Floresta. V. 17, n. 1. Mato Grosso. p. 68-83. Jul – dez 2021.

Pink Tax: o preço da desigualdade. DNA Notícias, 2019. Disponível em: <http://www.dnanoticias.com.br/artigo/id912051/pink_tax__o_preco_da_desigualdade_de_genero>. Acesso em 03 fav. 2024

RODRIGUES, Robson. A Era das Desigualdades. Revista Darcy de Jornalismo Científico e Cultural da Universidade de Brasília. Nº 25. Brasília, jun-set 2021.

SOUZA, Pedro; OSORIO, Rafael; PAIVA, Luis; SOARES, Sergei. Os Efeitos do Programa Bolsa Família sobre a Pobreza e a Desigualdade: um balanço dos primeiros quinze anos. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. Rio de Janeiro, 2019.

Taxa Rosa e a Construção do Gênero Feminino no Consumo. Mestrado Profissional em Comportamento do Consumidor, São Paulo, 2017. Disponível em: <https://notaalta.espm.br/> e <https://static.poder360.com.br/2018/07/TAXA-ROSA-GENERO-1.pdf>. Acesso em: 07/02/2024.

TEIXEIRA, Daniel Viana. Desigualdade de Gênero: sobre garantias e responsabilidade sociais de homens e mulheres. Revista Direito GV. São Paulo. p. 253-274. Jan-jun 2010.

TELES, Mariana Ferreira. A Tributação Desigual entre Gêneros e as Consequências do “Pink Tax”. 2021.

TORRES, Heleno Taveira. Desigualdade de Gênero e na Tributação da Mulher Prejudicam Desenvolvimento. Revista Consultor Jurídico. São Paulo, 2019.

YAZICIOĞLU, Alara Efsun. Pink Tax and the Law, Discriminating Against Women Consumers. Oxon [UK]; Nova Iorque [EUA]: Routledge.


1Acadêmico do Curso de Direito da Faculdade Tecnológica de Teresina – CET. Servidor do TRE-MA. E-mail: ovidiosnogueira@hotmail.com
2Ibiapina, Giselle Karolina Gomes Freitas, Mestra em Direito pela Universidade Católica de Brasília – (UCB). Professora do Curso de Direito da Faculdade CET. Assessora Judicial do Tribunal de Justiça do Piauí. Giselle.f.ibiapina@gmail.com
3Santos, Jane Karla de Oliveira, Mestra em Direito pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Professora do Curso de Direito da Faculdade CET. professor21@cet.ed.br.
4Freitas, Geloesse Gomes Correia, Doutoranda em Direito e Ciências Sociais, pela Universidade do Museu Social da Argentina. Professora do Ensino Superior em Direito Administrativo pela Faculdade CET.
5Freitas, Daniela Carla Gomes, Mestra em Teoria da Literatura, pela Universidade Federal de Pernambuco, UFPE. Advogada criminalista. Professora da Faculdade CET.