DESIGUALDADE DE GÊNERO E PROCESSO DE DISCRIMINAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8433233


Claudia Vilhena Barbosa
Orientadores: MSc. Ormail de Souza Carvalho; MSc. Rebeca Dantas Dib.


RESUMO

A desigualdade de gênero no mercado de trabalho atualmente se encontra enraizada no sistema patriarcal que permeia a sociedade. Este sistema contribui para a sub-representação das mulheres em cargos de alta hierarquia nas empresas, bem como para a ocorrência de casos de assédio moral e sexual, além de remuneração desigual. O presente projeto se dedica a uma análise de materiais previamente publicados, como artigos, que abordam essa temática. Durante a pesquisa, observou-se que o papel da mulher na sociedade brasileira ainda é influenciado por uma perspectiva antiquada, machista e sexista. Essa perspectiva impacta diretamente nas oportunidades de emprego oferecidas às mulheres, bem como nas problemáticas relacionadas ao assédio moral e sexual. Apesar disso, houve avanços significativos no que diz respeito à qualificação educacional das mulheres, especialmente no ensino superior. Também foram criadas leis com o intuito de promover um mercado de trabalho mais igualitário. No entanto, para que essa legislação seja efetivamente aplicada, é necessária uma fiscalização rigorosa.

Palavras-chave: mulher, perspectiva, igualitário. 

ABSTRACT

Gender inequality in the labor market is currently deeply rooted in the patriarchal system that pervades society. This system contributes to the underrepresentation of women in high-level positions within companies, as well as the occurrence of cases of moral and sexual harassment, along with unequal pay. The present project is dedicated to an analysis of previously published materials, such as articles, that address this issue. During the research, it was observed that the role of women in Brazilian society is still influenced by an outdated, sexist, and misogynistic perspective. This perspective directly impacts the employment opportunities offered to women, as well as the issues related to moral and sexual harassment. Despite these challenges, significant progress has been made in terms of the educational qualifications of women, especially in higher education. Laws have also been enacted with the aim of promoting a more equitable labor market. However, stringent enforcement is required for this legislation to be effectively implemented.

Key-words: woman, perspective, egalitarian.

INTRODUÇÃO

No contexto da sociedade brasileira, evidenciam-se diversas disparidades sociais, destacando-se uma das mais notáveis: a desigualdade de gênero. Esta discrepância não se atrela predominantemente a fatores econômicos, mas, sim, a elementos culturais e sociais que influenciam as representações sociais acerca do papel feminino em distintos cenários, abrangendo a esfera familiar, o ambiente educacional, os movimentos sociais e a convivência em sociedade de maneira abrangente.

O mundo laboral, historicamente, tem se revelado um ambiente hostil para as mulheres, que, desde o século XIX, travam batalhas em busca dos direitos mais elementares, equiparando-os aos dos homens, inclusive no que tange ao sufrágio. Essa luta ganhou maior amplitude à medida que as mulheres adentraram o mercado de trabalho em busca de proteção e condições equitativas, englobando prerrogativas relacionadas à maternidade. Embora se tenha registrado progressos nessas demandas, o avanço tem sido lento e instável (Nogueira, 2015).

A detenção do poder pelos homens foi alicerçada em uma hierarquia que naturaliza a supremacia masculina, tendo suas raízes nas origens das atitudes machistas, que relegam as mulheres a atividades domésticas e serviços simplificados, enquanto os homens monopolizavam a capacidade de simbolização, geração de conhecimento e comunicação, forjando, assim, a estrutura social em um período histórico significativo. 

Cumpre salientar que as desigualdades de gênero têm sua origem e perpetuação intrinsecamente vinculadas ao sistema patriarcal, um sistema de dominação profundamente arraigado que permeia todas as esferas da sociedade, tanto nas relações interpessoais como nas instituições, abrangendo desde o âmbito individual até o coletivo.

Em 1988, a Constituição Federal estabeleceu um marco relevante para as mulheres, promovendo normativas de proteção ao trabalho feminino, assegurando estabilidade durante a gestação e após o parto, bem como garantindo licença maternidade remunerada, um feito inexistente na época. Todavia, apesar desse avanço significativo, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) impõe restrições ao trabalho feminino, embasadas nas diferenças físicas entre os gêneros. Embora não necessariamente negativas, essas restrições abriram espaço para discussões perenes acerca da igualdade salarial em relação aos homens, um tema que perdura até os dias atuais.

Diversos eventos contribuíram para o aumento da presença feminina no mercado de trabalho, notadamente o controle adquirido pelas mulheres sobre sua própria educação e autonomia sobre seus corpos. Desse modo, as justificativas baseadas no analfabetismo e na maternidade não podem mais ser utilizadas para excluir as mulheres da força de trabalho ou subestimar sua capacidade de tomar decisões relevantes.

Atualmente, as mulheres representam 57,2% da população com formação educacional, exibindo um índice mais elevado de escolaridade superior e um conhecimento técnico mais amplo que lhes permite almejar cargos de gerência em comparação com os homens. Todavia, é imperativo ressaltar que essa igualdade educacional não se traduz automaticamente em uma igualdade de status no mercado de trabalho entre os gêneros (Sousa, 2021).

Ferreira et al. (2018) destacam que, paralelamente às condições de trabalho, incluindo os níveis salariais, serem amplamente contestadas, mulheres com trajetórias profissionais similares frequentemente enfrentam disparidades remuneratórias. Esse problema se acentua ao se considerarem os níveis de escolaridade ou etnia das mulheres. Nessas situações, as mulheres são percebidas como uma mão de obra secundária, com uma expectativa cultural de desempenhar papéis subalternos e de cuidadoras. Este fenômeno se manifesta de forma particularmente evidente entre as mulheres negras e indígenas, que se encontram substancialmente sub-representadas em posições executivas.

As mulheres são percebidas como desafiadoras para as organizações devido à percepção de fragilidade de gênero e à preocupação com questões familiares, como a maternidade, gravidez e licenças relacionadas a esses eventos. Tudo isso pode ser usado de forma desfavorável contra as mulheres.

No entanto, é fundamental reconhecer que essa realidade pode ser transformada. As mulheres podem implementar ações concretas e demonstrar às empresas que são elementos essenciais para o progresso da economia. Elas possuem a capacidade e o conhecimento necessários para ocupar cargos em qualquer tipo de empresa.

No pleno século XXI, ainda se evidenciam inúmeras manifestações de discriminação de gênero, caracterizadas por práticas sexistas e machistas que culminam na redução das oportunidades disponíveis às mulheres. Adicionalmente, tais práticas contribuem para a criação de um ambiente laboral adverso, marcado por casos de assédio moral e, em alguns casos, até mesmo assédio sexual. Concomitantemente, as mulheres enfrentam uma sobrecarga de trabalho, representada pela assunção de triplas jornadas laborais, decorrente da pressão social que as instiga a conciliarem as funções de trabalhadora, mãe e gestora do lar, em conformidade com um estereótipo de feminilidade arcaico.

Emerge, assim, a constatação de que, não obstante os avanços conquistados pela sociedade em sua trajetória rumo à igualdade de gênero, ainda nos encontramos nos estágios iniciais de uma jornada extensa e complexa. Pode-se inferir que a continuidade de tal cenário encontra respaldo na persistência de uma sociedade de natureza patriarcal, cujo paradigma ainda integra o ethos societário, apesar do progresso tecnológico, das transformações sociais e das mudanças culturais ocorridas.

Assim, torna-se de imperiosa relevância proceder a uma investigação aprofundada acerca da disparidade de gênero e dos procedimentos discriminatórios no contexto laboral, visando a uma análise minuciosa das políticas públicas atualmente em vigor, bem como a avaliação do modo como a sociedade tem encarado essa conjuntura.

No tocante aos métodos empregados, a presente pesquisa baseia-se em uma abordagem bibliográfica respaldada pela revisão da literatura, que serve como base teórica e empírica. Essa abordagem é conduzida por meio da análise de materiais previamente publicados, como artigos, obras especializadas, periódicos, revistas e publicações online. O propósito desta análise consiste em examinar o contexto histórico concernente ao papel desempenhado pela mulher na sociedade, englobando uma avaliação detalhada da sua inserção no mercado laboral, assim como a abordagem das disparidades salariais e de oportunidades a que estão submetidas. Além disso, esta análise almeja destacar as medidas adotadas com vistas a assegurar a equidade de gênero no âmbito do mercado de trabalho, mediante a investigação das legislações e políticas públicas em vigor.

1. O papel da mulher na sociedade brasileira

Para compreender o papel das mulheres na sociedade, tanto em tempos antigos como na atualidade, é necessário investigar e examinar a trajetória histórica das mulheres. Isso envolve a análise da construção da identidade feminina, a influência de seus grupos sociais e, especialmente, a sua posição no âmbito familiar (Silva e outros, 2005).

Na sociedade brasileira no período colonial, as mulheres eram restritas principalmente aos domínios do lar e da religião, estavam submissas ao controle masculino, o que significava que, quando solteiras, deviam total obediência a seus pais e irmãos mais velhos e ao se casarem, essa autoridade passava para os maridos. Nas famílias patriarcais, os homens, incluindo pais, avós e irmãos mais velhos, eram considerados as autoridades supremas para as mulheres e crianças, e estas deveriam lhes prestar total obediência e respeito (Eidan, 2022).

A educação das mulheres era direcionada principalmente para prepará-las para serem boas esposas, ansiosas pela maternidade, habilidosas na criação dos filhos e competentes na gestão doméstica. Isso estava de acordo com o Decreto-Lei nº 3.200, de 19 de abril de 1941. As mulheres eram socializadas desde a infância para desempenhar o papel de mães e responsáveis pelo lar, com o casamento sendo considerado sua única perspectiva (Hello, 2022).

O conceito “mulher” nem sempre foi palco para discussão. O homem sempre assumiu um papel em destaque na sociedade, dominando o espaço deixando em segundo ou até terceiro plano, a mulher. O homem tinha seu espaço a seguir no mercado de trabalho e a mulher voltada à esfera doméstica.

A sociedade contribui pontualmente nessa percepção, pois impõe que a mulher exerça a maternidade. E isso, é um dos agravantes que contrapõe a desigualdade salarial atual, pois até mesmo no século em que vivemos, mulheres vivenciam a pressão para serem mães, visto que isso foi-lhes delegada desde infância na sociedade patriarcal, sendo cada vez mais desafiador a luta por igualdade de gênero. 

Eidan (2022) pontua um marco para sociedade brasileira quanto a luta feminina:

O século XX anunciou uma nova era sobre a participação feminina nas lutas por direitos no país. Os primeiros movimentos feministas brasileiros só vieram a surgir por volta de 1910 e seus objetivos estavam na defesa do abolicionismo. Tais movimentos eram principalmente organizados por mulheres vindas das regiões norte e nordeste, especificamente dos estados de Manaus e do Ceará (Eidan, 2022, p.20)

Nessa época as mulheres além de buscar um espaço de fala na sociedade, lutava por menos opressão em seu ambiente de trabalho, pois os casos de abusos físico e moral por seus patrões eram cada vez mais frequentes, criando-se então a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que buscava direito ao voto, entre outros pontos. Quanto aos avanços de direitos das mulheres com o passar dos anos podemos destacar segundo Hello (2022):

A partir de 1960, diversas outras mudanças disruptivas ocorreram no que tange o papel social feminino previamente construído em sociedade. Contraceptivos baratos e populares foram disponibilizados à população geral, os horizontes e possibilidades educacionais para mulheres se expandiram, os movimentos feministas ganharam maior força na esfera pública brasileira e a lei do divórcio foi efetivamente outorgada (Hello, 2022, p.2)

Nesse aspecto, podemos analisar que as pequenas evoluções vivenciadas pelas mulheres no âmbito de liberdade foram significativas e as desprendem de um futuro já pré definido pela sociedade patriarcal. Ao democratizar a educação para ambos os gêneros, a sociedade introduz a mulher uma equidade de tentar oportunidades melhores para sua vida, não precisando necessariamente da presença de uma figura masculina. 

Hoje no Brasil ainda existem diversos paradigmas que impedem que se alcance a igualdade de gênero, muito por questões culturais. Apesar de bem desenvolvido, nosso país segue algumas pautas de séculos passados, porém, isso cada vez mais tem mudado graças a globalização. As mulheres começam a trabalhar e estudar desde muito cedo visando sua liberdade intelectual e financeira. Mesmo com as dificuldades enfrentadas, ocupam cargos importantes. Infelizmente não é tudo, não é o fim de uma luta e sim o começo de novas possibilidades que podem ser exploradas.

A disparidade salarial e as responsabilidades adicionais. Ampliar as oportunidades em diversas esferas do mercado de trabalho requer uma abordagem cuidadosa e paciente. Além das horas dedicadas ao emprego, muitas mulheres também enfrentam o ônus de cuidar de seus filhos, gerenciar e planejar afazeres domésticos e manter uma dieta saudável para atender aos padrões estéticos estabelecidos pela sociedade. Nessa nova perspectiva, as mulheres continuam sendo compelidas a desempenhar múltiplos papéis, porém agora sob a regência das normas sociais.

Silva et al (2020) analisou em sua pesquisa realizada no Rio de Janeiro:

O resultado deste estudo, realizado pela Equipe de Psicologia Hospitalar da 28ª Enfermaria da SCMRJ em 3 ambulatórios desta Instituição, levou seus psicólogos ratificar a hipótese levantada, e foi possível ainda, fazer uma ponte entre a história da mulher desde a antiguidade até hoje e o lugar em que ela ainda “se coloca” na sociedade. É possível arriscar e concluir que ainda hoje, no nosso contexto social, de um mundo capitalista e ainda desigual, existe um inconsciente coletivo que determina muitos lugares similares aos existentes nos primórdios, para a ocupação da mulher dentro da família, do grupo e da comunidade (Silva et al.; 2020, p.74)

É inquestionável que como sociedade, estamos vinculados a padrões viciosos que impõem restrições às mulheres. Embora sejam oferecidas supostas oportunidades de liberdade, a realidade é que essas alternativas são muitas vezes limitadas a um conjunto predefinido de opções. As mulheres são frequentemente submetidas a pressões para atender a expectativas sociais, incluindo a maternidade, o que, por sua vez, resulta em salários mais baixos e menos oportunidades devido à possibilidade de licença maternidade. Além disso, os cargos de gerência ou liderança muitas vezes enfrentam desafios relacionados à falta de respeito em relação às mulheres que ocupam essas posições. 

Analisando as atuais manifestações do papel feminino, é possível discernir um notável avanço com relação às funções que desempenham. A destreza e resolução são características intrínsecas às mulheres, cuja presença se verifica em todas as esferas acadêmicas, com expressiva excelência em diversas disciplinas. Elas ocupam uma ampla gama de posições no mercado laboral, inclusive alcançando postos de liderança em empresas e organizações, contribuindo, assim, de forma substancial para a economia global.

Embora ainda numericamente inferiores, representando apenas 15% dos cargos eletivos na esfera política, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2022, as mulheres demonstram uma crescente participação nas decisões políticas, angariando reconhecimento e influência neste âmbito. Questões de ativismo, como a busca pela igualdade de gênero, direitos reprodutivos e justiça social, têm adquirido maior visibilidade, com mulheres assumindo uma posição de maior destaque, dotadas de voz ativa e recursos para promover suas ideias.

Embora muitas mulheres continuem desempenhando um papel fundamental na administração de seus lares e no cuidado de entes queridos, as expectativas associadas a tais funções têm evoluído, com uma maior participação masculina no âmbito do cuidado. Nos domínios da ciência, tecnologia, engenharia e matemática, as mulheres emergem com notável competência, contribuindo para inovações de relevo.

Entretanto, desafios persistentes, como disparidades salariais, discriminação de gênero e violência de gênero, ainda afetam numerosas mulheres ao redor do globo. Portanto, a luta pela igualdade de gênero e pelo empoderamento feminino permanece uma questão crucial na sociedade contemporânea. Apesar dos progressos já alcançados, é inquestionável que o trabalho para assegurar um mundo mais equitativo e justo para todas as mulheres deve prosseguir incansavelmente.

1.1 Sociedade e cultura

Em uma sociedade, emerge uma dissensão entre seus grupos constituídos, pois no contexto social, observa-se uma estratificação dos indivíduos em categorias de dominantes e dominados, o que desencadeia a busca pelo direito de existir e o reconhecimento de direitos. Cada grupo empreende, de acordo com suas particularidades, a busca por sua identidade (Back e outros, 2012).

Com a organização do homem em coletividades, ocorre a perpetuação de crenças, costumes e práticas, culminando na formação de uma nova cultura. Essa cultura não se restringe a um único indivíduo, mas sim abarca o coletivo, a comunidade. 

As mulheres têm enfrentado, ao longo dos séculos, a contínua tentativa de adaptação a uma sociedade caracterizada pela presença marcante de preconceitos de gênero e sexismo que foram ideias levadas por diversas culturas.  Na análise histórica, é possível identificar culturas notoriamente machistas que permearam nossa sociedade até os dias atuais.

Um exemplo dessa realidade remonta à Antiguidade Clássica, em particular na Grécia Antiga, onde, apesar de contribuições de destaque de mulheres como Temistocleia, que desempenhou funções matemáticas e filosóficas, exercendo influência considerável sobre Pitágoras e introduzindo princípios éticos, a participação política das mulheres era restrita e sua posição social era invariavelmente subordinada à figura paterna ou marital, sendo, em essência, tratadas como propriedade de seus pais e esposos.

Desde pequenas as meninas atenienses tinham brinquedos que se referiam à vida que teriam como adultas fundamentalmente como mães e donas de casa, dedicadas à costura da lã, ao cuidado dos filhos e ao comando dos escravos domésticos. Quando chegavam à adolescência, as meninas participavam de cerimônias que as preparavam para o casamento que ocorria quando tinham seus doze a treze anos, passando logo após do matrimônio à posição de dona de casa. Já quando adultas, as mulheres atenienses mais abastadas, de modo geral, viviam reclusas virtualmente ao gynaeceum3 (aposento das mulheres) das casas de seus maridos. Os registros antigos, como, por exemplo, os vasos produzidos nesta sociedade, apresentam-nos as atividades exercidas pelas mulheres: trabalhavam como amas, vendedoras de ervas, fabricantes de guirlandas, entre outras atividades (Santos, 2011, p. 27)

Nota-se que desde a Grécia antiga, a educação feminina era voltada a questões domésticas e a educação masculina direcionada ao estudo de filosofia, poesia, retórica, treinamento militar, se voltando às atividades públicas.

Durante a Idade Média, o sistema feudal consolidou essa subserviência feminina ao conceder-lhes escassa influência e, ao mesmo tempo, perpetuar as estruturas patriarcais predominantes. 

A Igreja    Católica    criou    e    tornou    triunfante  o  tabu  sexual.  A  história  de  Adão  e  Eva  mostra  a  mulher  como  o  grande  estímulo  do  mal  que  desabou  sobre  a  humanidade.  A  sexualidade  era  permitida  para  a  reprodução  da  espécie,  nunca  para  exercício  do  prazer.  No   casamento,   as   relações   sexuais   eram   impregnadas  pela  idéia  de  sujeira,  tornando  a  mulher  que  as  praticava,  mesmo  por  amor,  uma pecadora mortal. As   mulheres   assimilam   facilmente   essa   situação   de   submissão   e   obediência   devido a sua total ignorância e atraso cultural. Foram    expulsas    de    suas    profissões    e    excluídas      das      atividades      burocráticas.      Perderam muitos de seus poderes, mediante o total controle da Igreja (Matos e Gitahy, 2007, p.3)

As mulheres na Idade Média experimentaram uma mistura de desafios e retrocessos, bem como oportunidades limitadas de participação na sociedade. Embora algumas mulheres tenham alcançado posições notáveis, a maioria enfrentou restrições significativas em relação aos seus direitos e papéis de gênero. Algumas mulheres encontram oportunidades para participação religiosa, como freiras em conventos. No entanto, essa participação estava frequentemente sujeita a restrições e à autoridade masculina. Ou seja, a mulher nos papéis que lhe eram “permitidos” exercer, ela necessitava subordinação sempre à um homem.

O Japão feudal também impôs severas restrições às mulheres, inserindo-as em um sistema de castas que as relegado a posições subalternas, com raríssimas exceções, como as mulheres samurais. As mulheres eram geralmente relegadas a papéis domésticos e familiares. Esperava-se que fossem boas donas de casa, responsáveis pela gestão da casa, educação dos filhos e apoio às atividades agrícolas. O casamento era uma parte fundamental da vida das mulheres japonesas na época feudal. Os casamentos eram frequentemente arranjados por motivos políticos ou econômicos, e a vontade individual da mulher tinha pouca influência na escolha do cônjuge. Em muitos casos, as mulheres eram fortemente supervisionadas e sua interação com homens fora da família era limitada, além de outras privações quanto a sua interação social (Shimada, Feitosa e Oliveira, 2021).

Além da busca por igualdade de direitos e participação na esfera pública, a sociedade enfrentou a concomitante problemática da desigualdade de gênero e racial. A época da colonização europeia e o subsequente comércio de escravos transatlântico testemunharam a discriminação contra as mulheres escravizadas, que não apenas sofreram abusos físicos e sexuais, mas também foram tratadas como propriedades de seus senhores, adicionando uma dimensão adicional de injustiça baseada em gênero às opressões que enfrentavam.

É pertinente ressaltar que as culturas machistas não são uniformes e diversas sociedades têm se empenhado em superar essas estruturas, promovendo a igualdade de gênero. Avanços significativos têm sido alcançados na luta contra o machismo, mediante transformações jurídicas, sociais e culturais que conferem às mulheres reconhecimento de direitos e impulsionam sua igualdade. Entretanto, persistem desafios consideráveis na erradicação integral do machismo, em todas as suas manifestações, ao redor do mundo.

As relações de poder que se estabelecem no interior das sociedades estão submetidas às bases materiais que determinam o modelo de sociedade, o status social, os papéis e as relações sociais entre os indivíduos. O desenvolvimento da sociedade humana pode ser compreendido pela análise  das  relações  de  poder  entre homens e mulheres em distintos modos de produção, desde comunidades simples sem Estado e grupos matrilineares a sociedades complexas com Estado em grupos patriarcais. Com a Revolução Agrícola, estabelece-se a centralidade do papel da mulher nas relações de poder, que vai enfraquecendo ao longo da história, com o  aparecimento  do  Estado,  da  propriedade  privada  e  da  família;  as  relações  de poder passam a ser antagônicas entre homens e mulheres, passando a ser denominadas de relações patriarcais (Iop,2009, p.1)

A compreensão dos conceitos de função, participação, dominação, exploração, subjugação e liberdade no contexto da trajetória histórica de homens e mulheres é enriquecida quando consideramos a influência do paradigma econômico prevalecente em cada época. Embora a história das mulheres tenha sido marcada por períodos de opressão, é importante notar que também foi uma história de resistência e luta. As mulheres desafiaram as normas sociais e os papéis atribuídos a elas, buscando redefinir seu lugar na sociedade.

Essa luta contínua ao longo da história demonstra a resiliência e a determinação das mulheres em alcançar a igualdade de gênero e a liberdade para moldar suas próprias identidades e destinos. Portanto, ao analisar a história das mulheres, é fundamental reconhecer não apenas as adversidades enfrentadas, mas também as conquistas e os avanços resultantes de suas ações e persistência.

1.2 Uma nova perspectiva sobre o papel da mulher na sociedade

O papel da mulher contemporânea evoluiu significativamente em comparação com as mulheres de gerações passadas, onde pode-se contemplar uma independência econômica. As mulheres contemporâneas têm acesso a oportunidades educacionais e profissionais que lhes permitem conquistar independência econômica. Elas têm carreiras, administram seus próprios negócios e contribuem ativamente para a economia (Aran, 2003).

A ruptura feita com os conceitos empurrados até alguns séculos atrás, trouxeram para a mulher moderna uma variedade de escolhas de vida à sua disposição, podendo optar ou não pela maternidade, empreender, buscar combinações sociais que coubessem na realidade na qual elas gostariam de viver. 

A mulher contemporânea é multifacetada, empoderada e engajada em questões sociais, políticas e pessoais. Ela desafia estereótipos de gênero, busca igualdade de direitos e define sua própria jornada na vida. No entanto, ela continua a enfrentar desafios e luta por uma sociedade mais justa e igualitária para todas as mulheres.

A família, tal como a concebemos, é um fenômeno recente na história da humanidade, diferente das relações de parentesco que sempre estiveram presentes nas formações sociais. Herdeira da necessidade política da constituição do privado, no início da era moderna, a família surge como aquela que vai garantir a ordem social e sobretudo possibilitar, através da função de afetividade e educação,10 a formação do indivíduo adulto. A partir daí, a organização pai-mãe-filho passa a ser naturalizada como o lugar originário, por excelência, da constituição do sujeito. Porém, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, esse núcleo começa a ser abalado justamente no que tinha de mais sólido, que eram as bases materiais para as relações de filiação (Aran, 2003, p.401)

A família, anteriormente concebida como um modelo de grupos comunitários, foi afetada por mudanças que impulsionaram o que pode ser considerado uma crise da autoridade paterna e do casamento, resultando em uma intensificação das relações interpessoais. Nesse contexto, a Lei n° 4.121/62 modificou a posição da mulher dentro do ambiente doméstico, e a Lei n° 6.515/77 estabeleceu o divórcio, medidas fundamentais para a emancipação das mulheres. Com essas mudanças, a família deixou de ser uma base sólida para a construção da identidade, ocasionando alterações nas relações interpessoais, tanto dentro como fora do âmbito familiar.

Essa transformação se acentuou com a entrada das mulheres no mercado de trabalho, no qual passaram a contribuir para a renda familiar, desempenhar papéis na educação dos filhos e assumir responsabilidades nas atividades domésticas. As mulheres passaram a compreender mais profundamente que suas contribuições para a sociedade eram significativas, porém frequentemente carecem de reconhecimento apropriado e equitativo. Como resultado, intensificou-se a luta por direitos iguais entre os gêneros, em busca de uma sociedade mais justa e equitativa para ambos.

Na década de 60 e 70 o surgimento da segunda onda feminista trouxe as mulheres questionamentos de gêneros tradicionais, lutando por igualdade e direitos, autonomia e reprodutividade e igualdade no mercado de trabalho. Esse movimento social e político se concentrou em lutar por igualdade de direitos que buscava acesso à educação e oportunidade iguais para as mulheres. Esse período viu um aumento significativo na conscientização sobre a discriminação de gênero e o sexismo, levando a discussões mais abertas sobre essas questões (Ribeiro, Nogueira e Magalhães, 2021). O movimento da segunda onda feminista teve um impacto duradouro nas políticas e na cultura, resultando em mudanças significativas nas leis relacionadas aos direitos das mulheres, na representação das mulheres na mídia e no fortalecimento da voz das mulheres em todo o mundo.

A Lei de Igualdade de Remuneração nos Estados Unidos (Equal Pay Act of 1963) e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher das Nações Unidas são marcos importantes na luta pela igualdade de gênero e pelos direitos das mulheres em níveis nacional e internacional. A EPA de 1963, foi uma legislação fundamental nos Estados Unidos que abordou a disparidade salarial entre homens e mulheres. Essa lei proíbe empregadores de pagar salários diferentes a homens e mulheres que desempenham trabalhos substancialmente iguais no mesmo estabelecimento. 

A CEDAW, adotada pelas Nações Unidas em 1979, é um tratado internacional amplamente reconhecido como a “Constituição das Mulheres”. Este tratado é um dos principais instrumentos jurídicos destinados a promover e salvaguardar os direitos das mulheres em âmbito global, tendo como objetivo central a erradicação de todas as formas de discriminação fundamentada no gênero (Kyrillos, 2018). 

A CEDAW é um tratado internacional que estabelece diretrizes abrangentes para alcançar a igualdade de gênero, garantindo às mulheres os mesmos direitos e oportunidades que os homens. Ela proíbe a discriminação contra as mulheres em todas as áreas, incluindo política, educação, saúde, emprego e casamento. Além disso, enfatiza a promoção da igualdade de gênero na vida pública e privada, incluindo o sistema jurídico, e insta à eliminação de estereótipos de gênero prejudiciais. Reconhece também o papel das mulheres na promoção da paz internacional.

Amplamente ratificada por países em todo o mundo, a CEDAW desempenha um papel crucial na promoção dos direitos das mulheres e na conscientização sobre igualdade de gênero globalmente. Juntamente com a Equal Pay Act nos Estados Unidos, esses marcos legais representam conquistas significativas na luta contra a discriminação de gênero e no fortalecimento dos direitos das mulheres em diversos contextos sociais e legais.

1.3 Representação nas Posições de Liderança 

 A representação das mulheres em posições de liderança é um aspecto crítico da igualdade de gênero no local de trabalho e em toda a sociedade. Essa questão envolve a presença e o papel das mulheres em cargos de liderança, como executivas, gerentes, diretoras, CEO, membros de conselhos de administração e outras posições de influência em organizações e empresas. 

Historicamente, as mulheres têm enfrentado uma representação desigual em cargos de liderança. Elas são sub-representadas em quase todos os setores e níveis hierárquicos, especialmente em cargos de alta administração.

O “teto de vidro” descreve bem essa realidade vivenciada pelas mulheres. Trata-se de um conceito que descreve as barreiras invisíveis e muitas vezes não reconhecidas que impedem as mulheres de avançar para posições de liderança de alto nível em organizações e empresas. É uma metáfora que sugere que, embora as mulheres possam ver as posições de liderança de cima, elas frequentemente se deparam com uma barreira invisível que as impede de alcançá-las, como visto na análise feita por Lima et al: 

Outro elemento do teto de vidro que muitas vezes oculta processos discriminatórios em relação à mulher são os processos seletivos para cargos executivos. Estes são caracterizados pela sua complexidade e subjetividade, o que muitas vezes contribui para a discriminação seja coberta. As relações conflitantes entre gêneros nas organizações são ocultadas com frequência pelas “entrelinhas” do que as pessoas falam e fazem, e se alastram de forma sutil. Isto favorece ao agende discriminatório a facilidade de negar a discriminação uma vez que ela é dificilmente detectada, um aspecto importante da barreira invisível. Raramente um executivo admite que rejeitou uma mulher num processo seletivo devido ao seu gênero (Lima et al; 2013, p.69).

Superar o teto de vidro é um objetivo importante na busca da igualdade de gênero no local de trabalho e na sociedade em geral. Isso envolve a conscientização das barreiras que as mulheres enfrentam e a implementação de medidas que promovam a equidade de oportunidades de liderança, independentemente do gênero. À medida que essas barreiras invisíveis são reconhecidas e endereçadas, mais mulheres têm a chance de alcançar posições de liderança de alto nível em suas carreiras.

As mulheres têm um impacto significativo na cultura corporativa, influenciando a diversidade, a tomada de decisões e a dinâmica da equipe. Sua presença promove uma cultura mais inclusiva, onde diferentes perspectivas são valorizadas, resultando em decisões mais informadas. De acordo com IBGE em 2020 apenas 37,4% dos cargos gerência no Brasil eram ocupados por mulheres, porém os estudos mostram que empresas com uma presença feminina forte em composições de liderança tendem a ser mais inovadores e rentáveis. Além disso, as habilidades de liderança feminina, como empatia e resolução de conflitos, enriquecem o ambiente de trabalho (IBGE 2020).

Mulheres também são frequentemente defensoras de políticas de equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, levando a políticas de empresa mais flexíveis e focadas no bem-estar dos funcionários. Elas desafiam as normas de gênero tradicionais e atuam como mentoras para outras mulheres, promovendo o desenvolvimento de talentos femininos e criando uma cultura de apoio (Kerr, 2023).

Apesar dos desafios, como o preconceito de gênero, as mulheres em cargos de liderança inspiram gerações futuras a seguir carreiras em áreas anteriormente dominadas por homens. Sua presença também está associada a maior transparência e responsabilidade nas organizações, bem como a uma governança corporativa mais sólida. 

Angela Merkel, Kamala Harris, são alguns dos nomes de líderes inspiradores que desempenham um papel vital na motivação e capacitação de outras mulheres a buscar posições de liderança e a superar desafios de gênero. 

Seus sucessos são fontes de inspiração para as gerações futuras, desafiando estereótipos de gênero e abrindo caminho para a igualdade de oportunidades.

Uma das mulheres que ocupa um cargo de importância e assim, servindo como inspiração para várias mulheres é a Angela Merkel, uma política alemã amplamente reconhecida por sua influência e liderança na política europeia e global. Nascida em 1954, ela serviu como chanceler da Alemanha por 16 anos, de 2005 a 2021, tornando-se uma das líderes mais longevas da história do país. Merkel é membro do Partido Democrata-Cristão e é conhecida por sua abordagem pragmática e foco em estabilidade econômica durante seu tempo no cargo. Seu legado inclui seu impacto duradouro na política alemã e global, bem como seu pioneirismo como uma das poucas mulheres a liderar uma nação industrializada. Ela é amplamente respeitada por sua liderança estável e pragmática ao longo de sua carreira política de destaque (Weymer et el, 2018).

Assim como Angela, outras mulheres líderes inspiradoras não apenas quebram barreiras, mas também promovem uma cultura de diversidade e inclusão, destacando a importância da representação feminina em todos os níveis de liderança. Suas histórias e conquistas continuam a impulsionar mudanças positivas na sociedade e nas organizações, reforçando a ideia de que o sucesso não conhece limites de gênero.

Podemos observar tais inspirações fazendo “efeito” quando vemos o crescimento da mulher no empreendedorismo. A liderança feminina no empreendedorismo está em ascensão, com mulheres empreendedoras desempenhando um papel cada vez mais significativo nos negócios em todo o mundo. Elas estão ativas em diversos setores, trazendo inovação e criatividade para o mundo dos negócios.

Apesar do progresso notável, as mulheres empreendedoras ainda enfrentam desafios, como acesso limitado a financiamento e estereótipos de gênero. No entanto, elas estão construindo redes de apoio e servindo como modelos inspiradores para as futuras gerações. O empreendedorismo feminino não apenas contribui para o crescimento econômico, mas também tem um impacto social positivo, criando empregos e abordando questões sociais e ambientais. As mulheres líderes no empreendedorismo também estão na vanguarda da advocacia pela igualdade de gênero nos negócios (Voig e Prust, 2013).

Promover e apoiar o empreendedorismo feminino é essencial para impulsionar a diversidade, a inovação e a igualdade de oportunidades no mundo empresarial, beneficiando não apenas as empreendedoras, mas também a sociedade como um todo.

Embora tenham ocorrido avanços, a disparidade de gênero nas posições de liderança permanece significativa, com uma predominância masculina evidente. É imperativo promover a diversidade e a inclusão como estratégias essenciais para garantir que todos tenham a oportunidade justa de alcançar cargos de liderança com base em mérito, independentemente de seu gênero ou origem étnica. Essa abordagem não apenas enriquece as organizações ao trazer uma variedade de perspectivas e estimular a inovação, mas também é um princípio fundamental de equidade e igualdade. Portanto, é crucial continuar a impulsionar ações para eliminar essas disparidades persistentes e criar ambientes de trabalho genuinamente inclusivos, onde todos possam prosperar e contribuir plenamente para o sucesso conjunto.

2. O ingresso da mulher no mercado de trabalho

Durante o período da Revolução Francesa, as mulheres deram início a uma jornada inicialmente discreta, porém de relevância fundamental para adquirirem representatividade na sociedade. Elas começaram a escrever textos que aumentam sua visibilidade na esfera pública, o que resultou no avanço de questões previamente negligenciadas, tais como o direito de voto e a igualdade de direitos parentais entre pais e mães (Ferreira, et al 2018).

A incorporação da força de trabalho feminina começou a ocorrer durante a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, quando os homens foram mobilizados para o conflito armado, deixando as mulheres encarregadas de manter os lares e, em muitos casos, assumir a gestão dos negócios familiares. Nesse período, as mulheres aceitaram empregos que frequentemente envolviam remunerações substancialmente inferiores e jornadas de trabalho mais extensas em comparação com os homens. No entanto, é importante observar que essa realidade era aplicável apenas a uma parcela das mulheres (Sousa, 2021).

A entrada das mulheres no mercado de trabalho foi impulsionada pela necessidade de sua contribuição em atividades vinculadas à renda familiar. Isso teve início durante a Revolução Industrial, quando as indústrias passaram a empregar significativamente a mão de obra feminina, visando reduzir os custos salariais e aproveitar a maior facilidade de disciplinar esse novo grupo de trabalhadoras. Essa dinâmica efetivamente integrou as mulheres na força de trabalho produtiva (Baylão e Schettino,2014). 

Querino, Domingues e Luz (2013) destacam:

O Brasil passa por várias transformações econômica, social e demográfica, que refletem diretamente sobre a força de trabalho. Com a industrialização consolidada, moderniza seus meios produtivos e se torna cada vez mais urbano. Profundas transformações, fortalecidas pelos movimentos feministas também ocorreram nesse mesmo período, nos padrões de comportamento, e no papel da mulher na sociedade, fazendo com que mais mulheres atuassem na vida pública, e facilitando a entrada da mulher no mercado de trabalho. A redução do número de filhos por mulher nos lugares mais desenvolvidos do país, a evolução do nível de escolaridade e o ingresso de mais mulheres na universidade contribuíram para essa evolução”.

Paralelamente às mudanças nos paradigmas culturais, as mulheres têm gradualmente conquistado espaço no mercado de trabalho devido ao incremento de sua qualificação educacional. O investimento em educação tem facultado a utilização de métodos contraceptivos, que as tornam mais disponíveis para a inserção em atividades econômicas. Esse fenômeno se deve, em parte, à redução na taxa de fecundidade, que culmina em um número decrescente de filhos por mulher, facilitando, assim, sua participação no mercado de trabalho.

Dentre os eventos significativos que marcaram a trajetória das mulheres no mercado de trabalho, destaca-se o dia 8 de março de 1975, que a ONU reconheceu como o ‘Dia Internacional da Mulher’. Nesta data, 130 trabalhadoras têxteis perderam a vida em um incêndio após protestarem por condições de trabalho melhores, incluindo redução de jornada, melhoria nas condições laborais e remuneração mais justa. Gradualmente, os países adotaram essa data, trazendo à tona questões relacionadas à igualdade de gênero e buscando abordagens para mitigar o sexismo na sociedade (Nogueira, 2015).

Infelizmente dia 08 de março foi apenas um dia de uma das muitas batalhas que as mulheres teriam que traçar em suas vidas para ganhar espaço na sociedade patriarcal, onde Neto et al. (2016) destaca em seu trabalho sobre a inserção da mulher no mercado de trabalho que:

A inserção da mulher na esfera pública continua concentrada em alguns setores e profissões, revelando a segmentação ocupacional. As trabalhadoras continuam tendo na prestação de serviços as maiores possibilidades de trabalho. Até mesmo nos setores em que as mulheres dominam, está clara a condição inferior e de subemprego, como é o caso dos serviços domésticos. Confirmou-se também que, apesar de haver maior proporção de mulheres ocupadas nos níveis mais elevados de escolaridade, as desigualdades salariais entre os sexos ainda existem, revelando a permanência da discriminação de gênero (Neto et al.; 2016, p. 2)

Com e inserção da mulher no mercado de trabalho, analisou-se uma questão que repercute até os tempos atuais, de um lado, as mudanças induzidas pelo capitalismo abriram caminho para uma maior participação feminina, sendo percebidas como uma oportunidade para as mulheres saírem do ambiente doméstico e se unirem aos homens na produção social. Isso foi visto como um avanço significativo, oferecendo às mulheres novas perspectivas e a chance de contribuir ativamente para a sociedade.

Por outro lado, essa inserção no contexto produtivo não resultou em sua libertação das tarefas domésticas nem em sua emancipação completa. Infelizmente, as mulheres continuaram sujeitas a condições de exploração, não apenas no âmbito familiar, mas também no profissional. Essa dualidade evidencia que a participação feminina no mercado de trabalho, embora representasse um progresso, não eliminou por completo as desigualdades de gênero e as condições adversas que as mulheres enfrentavam, agora se estendendo a dois cenários distintos.

O crescimento da representação feminina no mercado de trabalho tem levantado questões adicionais. Observa-se que, como parte de suas estratégias para se destacar em um mercado competitivo e dinâmico, as empresas estão cada vez mais valorizando características tradicionalmente associadas às mulheres, como habilidades de comunicação, sensibilidade, intuição, persuasão, afetividade e flexibilidade. Essas características são particularmente valorizadas em setores nos quais o envolvimento direto com os clientes desempenha um papel fundamental (Amaral, 2012).

Ao longo de séculos, as mulheres conquistaram direitos fundamentais, tais como o direito ao divórcio, à liberdade sexual e à liberdade individual. É importante observar que esses avanços sociais das mulheres estão intrinsecamente ligados ao seu próprio trabalho, e não podem ser dissociados da mulher de suas conquistas sociais. Esse vínculo é essencial para reconhecer que as mulheres têm desempenhado um papel fundamental na luta pelos seus direitos ao longo da história, um conceito que talvez não fizesse sentido para as mulheres e séculos passados.

Em 2023, ainda se observa uma disparidade de gênero no mercado de trabalho, com o número de mulheres empregadas sendo menor em comparação aos homens. Analisando retrospectivamente, em 1950, apenas 70 anos atrás, os homens ocupavam 80,8% das posições de trabalho, e esse número diminuiu para 67,1% em 2010. Embora haja um progresso notável, a desigualdade persiste (IBGE, 2019)

É importante destacar que a legislação proíbe explicitamente a prática de pagamento diferenciado com base no gênero para cargos equivalentes. No entanto, a mera existência de leis não é suficiente para eliminar essa disparidade salarial, que, como revelado por várias pesquisas, está relacionada a diversos preconceitos e formas de discriminação.

A participação da mulher nos grupos de atividade econômica é fundamental para o funcionamento saudável das economias e para a busca da igualdade de gênero. Elas desempenham papéis diversos em diferentes setores, enfrentando desafios, mas também contribuindo significativamente para o crescimento econômico e o progresso social. A promoção de políticas e medidas que respaldam e fortaleçam a participação econômica das mulheres é crucial para alcançar uma sociedade mais justa e igualitária. Ao reconhecer e valorizar plenamente o potencial das mulheres no mercado de trabalho, podemos criar um ambiente onde todas as pessoas, independentemente do gênero, tenham a oportunidade de prosperar e contribuir de maneira significativa para o progresso coletivo.

2.1 Educação e escolha de carreira

Em muitas culturas ao longo da história, as mulheres enfrentam restrições significativas quando se tratava de acesso à educação. Essas restrições eram frequentemente baseadas em normas culturais, crenças religiosas e sociais que perpetuam a desigualdade de gênero.

Em muitas sociedades tradicionais, prevalecia a concepção de que as mulheres eram responsáveis pelas incumbências domésticas e pelo cuidado dos filhos, enquanto os homens detinham o papel de provedores. Essa concepção frequentemente resultava na suposição de que a educação formal não era uma necessidade para as mulheres (Amaral, 2012).

Em determinadas culturas, interpretações religiosas específicas eram empregadas como justificativa para a limitação do acesso das mulheres à instrução formal. Por exemplo, em certos períodos da história islâmica, interpretações restritivas eram disseminadas, restringindo o acesso das mulheres à educação formal. Além disso, o matrimônio precoce era uma prática comum, resultando na retirada frequente das mulheres do ambiente escolar para cumprir deveres conjugais e domésticos, o que, por conseguinte, impunha restrições significativas às suas oportunidades de continuidade educacional.

Além disso, as mulheres encontravam-se em uma situação de dependência de seus responsáveis legais (pais, avós ou tios) ou de seus cônjuges, os quais, por não reconhecerem a relevância da educação formal, não providenciaram recursos para o desenvolvimento educacional das referidas mulheres. A ausência de apoio, meios financeiros e um contexto social favorável para a instrução resultou na exclusão de muitas mulheres do acesso a uma educação de qualidade durante décadas passadas. Atualmente, persistem culturas que restringem o acesso ao conhecimento com base no gênero, contudo, é importante ressaltar que esta é uma exceção, não a regra, na sociedade contemporânea (Iop, 2009).

A conscientização e a busca pela liberdade intelectual e financeira capacitaram as mulheres modernas a vislumbrar amplas oportunidades de melhorias em suas vidas, novos horizontes e cenários. Hoje, as mulheres têm a autonomia para escolher uma carreira, decidir a área de estudo que desejam prosseguir após a conclusão da educação básica e, assim, traçar seu próprio percurso de aquisição de conhecimento e progresso profissional.

A escolha vocacional permanece sujeita a considerações relevantes, uma vez que a escassez de representatividade das mulheres em cargos tradicionalmente ocupados por homens está ligada à limitada disponibilidade de oportunidades para mulheres. A escolha de carreira pode ser influenciada pelo contexto social no qual a mulher está inserida, uma vez que as normas sociais podem resultar em características particulares na comunidade em questão, influenciando diretamente a escolha profissional. Em contrapartida, o contexto social também pode determinar os recursos financeiros que contribuirão para a seleção de uma profissão.

Mulheres que crescem em famílias com níveis elevados de instrução, acesso financeiro à cultura, educação e lazer de qualidade, e que valorizam a independência intelectual e financeira, tendem a seguir o exemplo de seus familiares e assumir o controle de suas carreiras, sem limitações na escolha do campo de atuação. Por outro lado, mulheres inseridas em famílias com pouca instrução e escasso ou nenhum acesso a recursos culturais, educacionais e de lazer de qualidade podem ser influenciadas pelos padrões sociais da comunidade em que vivem. Para essas mulheres, as dificuldades em buscar uma carreira podem ser mais acentuadas, uma vez que suas perspectivas são restritas (Torres, 2017). 

O Estado desempenha um papel fundamental como elemento essencial para desmantelar esse paradigma, conforme delineado na Constituição Federal de 1988, a qual estabelece a garantia dos direitos fundamentais de todos os cidadãos, independentemente de seu gênero.

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; Art. 208. O dever do Estado com a Educação será efetivado mediante a garantia de:
III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos de idade. 
Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que: 
I – comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação.

O Estado tem a obrigação de garantir o acesso universal à educação de alta qualidade como um meio de promover a igualdade social entre os gêneros. Ao assegurar oportunidades educacionais adequadas, tanto para mulheres quanto para homens, contribui-se para a formação de uma sociedade mais equitativa. A disponibilização de educação básica e o acesso à cultura capacitam as mulheres a buscar sua independência intelectual, o que, por sua vez, favorece o acesso a carreiras mais promissoras e recursos financeiros substanciais. Essa independência intelectual também é fundamental para garantir o acesso a serviços de saúde, cultura e lazer de alta qualidade.

Nas últimas décadas quebrou-se a ideia que que havia profissões específicas para cada gênero, que mulheres por exemplo, não podiam ser médicas ou engenheiras. Não havia limitações biológicas para tais questões, apenas preceitos induzidos pela sociedade machista.

Seguindo uma tendência mundial, até a década de 1960 a medicina no Brasil era exercida majoritariamente por homens. Foi somente a partir da década de 1970 que as faculdades de Medicina passaram a ser um espaço de maior circulação das mulheres, aumentando gradativamente ao longo das décadas de 1980 e 1990 e mais aceleradamente na primeira década do século XXI. Nas últimas décadas, tem sido rompido o hiato de gênero que durante séculos cerceou a entrada das mulheres na profissão médica. De uma profissão dominada pelos homens, a medicina passa a ser uma profissão em que a maioria dos novos licenciados são mulheres, e, ao menos nos países mais urbanizados e industrializados, essa tendência representa um fenômeno global. Em países como Reino Unido, Austrália, Canadá, Estados Unidos, Suíça, Alemanha14,15 e Holanda16, as mulheres representam em torno de 60% dos novos licenciados. Na Austrália e em Portugal, no final da década de 1990, elas já representavam, respectivamente, 68% e 69% dos novos ingressantes (Avila, 2014, p.143).

A persistência feminina nas áreas da saúde como na medicina mostram que as mesmas buscam a quebra do paradigma que determina profissões para as mulheres, porém as mudanças visíveis ocultam a permanência de limitações de distribuição de especialidade nas quais essas médicas poderão seguir. Muitas vezes suas possibilidades de prestar as provas de residências são direcionadas a especializações ditas como “mais femininas” como geriatria, pediatria, dermatologia e especialidades como cirurgia são pouco alcançadas por mulheres.

Na ciência, as mulheres começaram a atuar depois de muita persistência nesse campo que foi instituída basicamente por homens. No início do século XX a ciência já foi definida como atividade imprópria para mulheres, porém algumas mulheres como Marie Curie iniciaram a quebra por esse estereótipo (Torres et al.; 2017).

Os estudos realizados por Barros e Mourão (2015) apontam que as mulheres não enfrentam preconceito de gênero de forma explícita quanto a escolha de carreira e sim em suas trajetórias profissionais. A carência em modelos femininos na ciência gera consequências para o fato de as políticas científicas serem construídas por homens, o que diminui o crescimento feminino neste segmento. Promover programas de estudos para mulheres nessa área, poderão assegurar o maior crescimento de cientistas femininas.

No contexto jurídico brasileiro, a transição da predominância da perspectiva masculina tem ocorrido de maneira gradual e incremental. Em 1898, Myrthes Gomes de Campos tornou-se bacharel em direito, inaugurando a primeira presença feminina na advocacia brasileira. No entanto, sua capacidade de exercer a advocacia só foi efetivada oito anos após sua graduação, devido à necessidade de obter autorização da OAB para o exercício de sua função (Caetano e Santos, 2021).

A luta das mulheres no campo jurídico envolve principalmente questões relacionadas ao seu avanço profissional, uma vez que o acesso às faculdades de direito não é barrado e não apresenta obstáculos tão evidentes. No entanto, alcançar posições de destaque nos tribunais superiores do Brasil está associado a diversos desafios. 

A sub-representação e a influência limitada das mulheres dentro de tribunais e cortes podem ser atribuídas, em parte, à composição predominantemente masculina e branca dessas instâncias. Essa realidade pode acarretar desafios na formulação de argumentos e votações, com o potencial de prejudicar a representatividade e a voz das mulheres no âmbito judicial. Para garantir uma justiça mais equitativa e abrangente, é essencial promover medidas que busquem diversificar a composição dos tribunais, incorporando uma representação mais ampla de gênero e origens étnicas, para que todas as perspectivas possam ser consideradas de maneira justa e imparcial nas decisões judiciais.

2.2 Desigualdade salarial entre os gêneros 

A disparidade salarial se entrelaça com a desigualdade nas responsabilidades domésticas, uma vez que, além de suas ocupações profissionais, as mulheres são obrigadas a conciliar essas atividades com a administração do lar e o cuidado dos filhos. Esse fator influencia diretamente a natureza das ocupações que as mulheres optam, muitas vezes escolhendo aquelas com jornadas de trabalho mais curtas.

Figura 1 – Rendimento habitual médio mensal de todos os trabalhos e razão de rendimentos.

Fonte: IBGE Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2019.

Conforme evidenciado no gráfico disponibilizado pelo IBGE, em todas as regiões do território brasileiro, as mulheres recebem uma remuneração inferior àquela recebida pelos homens, sendo essa disparidade ainda mais acentuada nas regiões Sul e Sudeste. É crucial destacar que essa disparidade não se correlaciona com as diferenças de nível de escolaridade, uma vez que, em 2019, as mulheres apresentavam um maior índice de conclusão do ensino superior em comparação aos homens. Notavelmente, deve-se observar que o grupo de mulheres com 65 anos ou mais apresenta um nível de escolaridade mais baixo em relação aos homens, o que reflete as restrições históricas de acesso à educação para as mulheres nas décadas passadas.

Figura 2 – População de 25 anos ou mais de idade com ensino superior completo, segundo os grupos de idade (%).

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2019.

Em um estudo conduzido por Sampaio (2022), foi identificado que 58,38% dos indivíduos do sexo masculino recebem uma renda superior àquela auferida pelas mulheres. Adicionalmente, constatou-se que essa disparidade é acentuada quando se leva em consideração a variável étnica, uma vez que homens brancos auferem uma renda 43,7% maior em comparação com homens negros. Sampaio enfatiza que um dos fatores associados a essa diferença está relacionado à persistência de tabus e preconceitos de gênero, apesar da maior qualificação educacional das mulheres.

Apesar das mulheres apresentarem índices superiores aos dos homens no acesso à educação, persiste uma desigualdade substancial entre as mulheres de ascendência negra ou parda. Apenas 22,3% desse grupo conseguem ingressar no ensino superior, um valor aproximadamente 50% inferior ao observado entre as mulheres brancas e cerca de 30% inferior ao índice registrado entre os homens brancos. Isso evidencia que, além das desigualdades de gênero, existem outros fatores intrínsecos que impactam negativamente as oportunidades de acesso a empregos de melhor remuneração e, consequentemente, salários mais elevados para as mulheres.

Podemos analisar que a disparidade salarial entre homens e mulheres é um fenômeno complexo e multifacetado, influenciado por diversos fatores que se interligam, levando a uma cascata de consequência que normalmente só caem para um gênero, o feminino. 

Diversos fatores contribuem para a disparidade salarial de gênero, incluindo escolhas profissionais e práticas discriminatórias. As escolhas profissionais diferenciadas entre mulheres e homens são um elemento notável. Historicamente, as mulheres e os homens frequentemente optam por carreiras em campos distintos, alguns dos quais tradicionalmente oferecem remuneração mais baixa. Isso abrange setores como educação, saúde e assistência social, enquanto os homens tendem a ser mais representados em áreas de alta remuneração, como tecnologia e finanças. Essas escolhas de carreira muitas vezes derivam das limitadas oportunidades de crescimento em setores tradicionalmente dominados por homens, resultando em uma discriminação de gênero que se origina no processo de contratação.

Além disso, as mulheres frequentemente demonstram uma menor propensão a negociar salários ou benefícios durante o processo de contratação, o que pode resultar em pacotes de remuneração menos vantajosos. Isso, por sua vez, está relacionado à possível necessidade de interrupção da carreira devido à licença-maternidade, o que resulta em menor progressão na carreira e menos acumulação de experiência em comparação com os homens, reduzindo, consequentemente, suas possibilidades de negociação.

Outro fator relevante é a responsabilidade desproporcional assumida pelas mulheres em relação às tarefas não remuneradas, como afazeres domésticos e cuidados com os filhos. Essa responsabilidade pode limitar suas opções de carreira e disponibilidade para assumir empregos com horários flexíveis ou demandas rigorosas. Em conjunto, esses elementos contribuem para a persistente disparidade salarial de gênero (Silva, Coleti e Macedo, 2022).

No caso da disparidade salarial da mulher, que compõem um grupo culturalmente discriminado no trabalho, a vulnerabilização de sua condição implica uma reduzida proteção social, em compasso com o seu rendimento mensal inferior ao percebido pelo homem (Lima, 2018, p.7).

É importante destacar que ao restringir as oportunidades de uma mulher, está-se efetivamente marginalizando suas perspectivas futuras. A redução de suas oportunidades no mercado de trabalho a força a buscar alternativas para sua inserção na sociedade capitalista, muitas vezes com o objetivo de suprir necessidades básicas de sua família. Essa forma de desigualdade de gênero tem implicações diretas na esfera pessoal e familiar da mulher.

É crucial compreender que a garantia de uma proteção social eficaz e equitativa para todos os segurados é inviável quando existe uma disparidade significativa nos salários auferidos durante o período de atividade laboral.

A desigualdade salarial entre homens e mulheres não é apenas uma questão de remuneração, mas também tem repercussões significativas no sistema de segurança social. Quando os homens recebem salários mais altos e, portanto, contribuem com valores maiores, isso cria disparidades evidentes em relação às mulheres. Essas disparidades não apenas perpetuam a feminização da pobreza, mas também ressaltam a ligação direta entre a igualdade salarial e a igualdade no contexto da segurança social. Portanto, abordar a desigualdade salarial de gênero não é apenas uma questão de justiça econômica, mas também uma medida crucial para garantir que todos tenham acesso igualitário aos benefícios e proteções da seguridade social.

2.3 Desigualdade de gênero na contratação 

A dificuldade de encontrar oportunidade de emprego é uma realidade para muitas mulheres, mesmo com formação acadêmica, especializações e disponibilidade de horas para trabalhar, IBGE aponta em seu relatório de indicadores sociais de mulheres no Brasil:

Indicadores tradicionais de monitoramento do mercado de trabalho desagregados por sexo revelam desigualdades expressivas entre homens e mulheres. A Taxa de participação, que tem como objetivo medir a parcela da população em idade de trabalho que está na força de trabalho, ou seja, trabalhando ou procurando trabalho e disponível para trabalhar, aponta a maior dificuldade de inserção das mulheres no mercado de trabalho (IBGE, 2019, p.2)

Conforme revelado pelo Censo da Educação Superior, as mulheres ocupam uma parcela correspondente a 46,8% dos cargos docentes no ensino superior, permanecendo em posição minoritária entre os professores universitários. O fenômeno conhecido como ‘teto de vidro’ enfatiza que, apesar das disposições da Constituição de 1988 que garantem a igualdade de gênero, essa realidade não se reflete na maioria das experiências profissionais das mulheres, que frequentemente enfrentam segregação no mercado de trabalho.

Para ascender a cargos de alto escalão, as mulheres necessitam transpor barreiras organizacionais ‘invisíveis’ que perduram nas empresas. Em muitos casos, as mulheres são direcionadas a funções menos estratégicas, como recursos humanos, ao passo que são excluídas de posições de grande relevância, como o desenvolvimento de produtos e as finanças (Roque, 2021).

A desigualdade ocupacional nos cargos corporativos começa no processo de recrutamento, onde a avaliação da aptidão de candidatos para determinadas posições muitas vezes é influenciada por preconceitos de gênero. Notavelmente, em empresas de alto escalão, observa-se uma deficiência na aderência às políticas públicas que visam promover a igualdade de oportunidades de emprego entre homens e mulheres.

Nas sociedades capitalistas, uma das estratégias da burguesia a fim de se distinguir dos outros estratos sociais e a eles impor valores, foi separação entre as esferas pública, como âmbito da universalidade, e privada, como âmbito da particularidade e dos afetos (Julião, Dib e Oliveira, 2021, p.24)

O protagonismo masculino prevalece no contexto do capitalismo, sendo instrumentalizado para atribuir papéis específicos às mulheres. Em uma linguagem menos técnica, o sistema capitalista oferece oportunidades, mas as controla, mantendo uma disparidade salarial de gênero e uma limitação do acesso das mulheres a cargos de alto escalão em setores específicos. Esta lista exemplifica o exercício de poder pelo homem, o que perpetua a subordinação feminina, sob uma nova configuração moldada pelo capitalismo.

Um elemento de relevância consiste na interseção do machismo no ambiente corporativo, em sintonia com as estruturas da sociedade e do sistema capitalista, que promovem uma cultura de segregação e exclusão (Julião, Dib e Oliveira, 2021).

A falta de mulheres em cargos de liderança e tomada de decisões em empresas pode afetar a equidade na contratação, pois a diversidade de gênero tende a ser valorizada quando há representação feminina nas hierarquias organizacionais. Estereótipos arraigados sobre os papéis de gênero podem influenciar as decisões de contratação. Por exemplo, presumir que mulheres não são adequadas para cargos técnicos ou de liderança.

A discriminação de gênero influencia as práticas organizacionais relacionadas à ocupação de cargos executivos pelas mulheres. Uma narrativa inicial, permeada por elementos machistas e sexistas, se baseia em uma lógica de oposições binárias, na qual as mulheres são associadas a sentimentos e intuições, enquanto os homens são percebidos como agressivos e racionais. Nesse contexto, a percepção prevalecente é de que os homens possuem uma naturalidade maior para ocupar cargos que demandam uma postura considerada masculina, a qual é vista como necessária para demonstrar autoridade e ganhar o respeito dos subordinados.

As mulheres enfrentam um estigma adicional por não se conformarem com os comportamentos tradicionalmente considerados favoráveis para uma liderança eficaz, conforme definido pela perspectiva masculina. Enquanto os homens que exibem atitudes rudes ou negativas muitas vezes são interpretados como líderes de negócios resolvendo tarefas, mulheres que demonstram as mesmas ações são frequentemente rotuladas de fracas ou excessivamente emotivas, em detrimento da suposta racionalidade necessária (Lima et al., 2013). 

Essas percepções e estereótipos de gênero contribuem para a persistência da desigualdade de oportunidades e representação das mulheres em cargos executivos, reforçando a necessidade de promover mudanças culturais e institucionais que combatam tais preconceitos e estabeleçam ambientes de trabalho mais equitativos.

Em algumas áreas, a inclusão de mulheres enfrenta obstáculos significativos. Uma pesquisa conduzida pela plataforma de contratação Catho em 2023 revelou que no campo da tecnologia, em especial nos cargos de liderança, a presença de mulheres é notadamente escassa. Entre as ocupações com baixa representação do gênero feminino, destacam-se programadores, engenheiros de sistemas operacionais em computação e analistas de sistemas de automação. Essa constatação evidencia desafios persistentes relacionados à igualdade de gênero e à inclusão no setor tecnológico, destacando a necessidade de medidas para promover uma maior diversidade e equidade nesse ambiente.

Esse fenômeno pode ser atribuído a questões relacionadas aos paradigmas sociais que estabelecem certas áreas de atuação como não tradicionalmente femininas, o que resulta em uma menor busca por especialização e formação profissional nessas áreas por parte das mulheres. Além disso, essa dinâmica pode ser associada ao fato de que a escassa presença de mulheres em cargos relacionados à tecnologia cria um ciclo negativo, no qual a falta de representatividade desencoraja as mulheres a aspirar a tais posições, uma vez que percebem a limitada aceitação das mulheres no mercado de trabalho nesse setor. Esse contexto destaca a importância de abordagens e políticas destinadas a eliminar barreiras e promover a igualdade de gênero em profissões tecnológicas.

Em todas essas formas precárias de ocupação as mulheres negras estão sobre representadas em relação às brancas: a porcentagem das que estão empregadas no serviço doméstico é 23,3%, e a de ocupadas sem remuneração é de 17,5%, o que soma 40,8%. Entre as trabalhadoras no serviço doméstico, 71,2% das brancas e 76,2% das negras não têm carteira assinada (Abramo, 2006, p.41)

Sob uma perspectiva de análise racial, é notável que as mulheres negras enfrentam um agravamento das desigualdades de gênero, uma vez que, além de serem mulheres, a cor de sua pele influencia negativamente as oportunidades de emprego disponíveis para elas. Com frequência, essas mulheres são submetidas a hostilidades e relegadas a ocupações de nível inferior, exclusivamente devido a fatores raciais, o que agrava ainda mais as disparidades enfrentadas. Esse cenário realça a necessidade de abordagens abrangentes que combatam tanto a discriminação racial quanto de gênero e promovam a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho.

3. Relacionamento interpessoal no ambiente de trabalho

Com a ampliação da presença feminina no mercado de trabalho e o consequente aumento da participação delas no mercado formal de trabalho, observa-se um aumento das interações sociais entre os gêneros em um ambiente previamente dominado por homens. 

Esse cenário, por sua vez, acarreta o surgimento de novas questões relacionadas às relações de trabalho, incluindo casos de assédio moral e assédio sexual. Dutra (2015) enfatiza que, por razões de grande relevância, o assédio sexual tem atraído uma atenção crescente por parte da sociedade, dada a frequência significativa com a qual as mulheres são vitimadas. Isso evidencia uma deficiência significativa no sistema de emprego, que não implementa adequadamente os direitos fundamentais do ser humano, independentemente de seu gênero.

É importante estar ciente de estereótipos de gênero que podem afetar a forma como as mulheres são percebidas no ambiente de trabalho. Combater esses estereótipos e desafiar preconceitos pode promover uma cultura de igualdade e respeito. Na formação do networking das mulheres no mercado de trabalho, construir uma rede de apoio sólida para o avanço da carreira pode ser um obstáculo, uma vez que a preconceito impregnado na sociedade induz que a mulher deve ser subordinada ao homem, logo, seu crescimento não pode ser tão expansivo quanto o deles.

O relacionamento interpessoal no ambiente de trabalho é uma questão de grande relevância, pois envolve a interação entre indivíduos diversos em um contexto competitivo, que está sujeito a contínuas transformações. A conduta, o pensamento e as ações das pessoas têm um impacto direto nas relações estabelecidas nas empresas. As interações entre os membros das organizações, que compõem o ambiente laboral, desempenham um papel fundamental no que diz respeito à consecução de objetivos e ao progresso das instituições. (Gonçalves, Alves e Campos, 2021). 

Assim, a inserção das mulheres no ambiente de trabalho suscita questões que abordam desde a percepção dos homens sobre a aptidão intelectual das mulheres para ocupar cargos, sua habilidade em conceber e desenvolver ideias e sua competência em liderança. A necessidade de obtenção de aprovação, não apenas de superiores hierárquicos, mas também dos subordinados, evidencia os desafios enfrentados nas relações sociais no ambiente de trabalho, onde o estabelecimento de respeito pode ser dificultado devido a fatores de gênero.

O estudo revelou que o comportamento do ser humano em seu ambiente de trabalho está diretamente ligado ao desempenho da organização. Esta sofre influência das atitudes das pessoas que atuam na empresa porque a maneira de comportar-se no ambiente de trabalho torna as relações interpessoais harmoniosas ou conflituosas. Isto dependerá das atitudes a serem tomadas por cada indivíduo (Feitosa e Máximo, 2014, p. 5).

Conforme analisado por Feitosa e Máximo (2014), o ambiente de trabalho está intrinsecamente vinculado ao comportamento de todos os membros do grupo, independentemente de seu gênero. Quando se introduz uma distinção entre os gêneros, cria-se uma barreira nas relações interpessoais que pode prejudicar o conjunto das interações dentro da empresa. Conflitos internos na equipe têm o potencial de desencadear problemas graves, como agressões físicas, discurso de ódio, discriminação, isolamento social, bem como outras questões relevantes

Embora o relacionamento amoroso no ambiente de trabalho seja um tema delicado e, por vezes, conflituoso de se tratar nas empresas, é uma questão bastante presente. Algumas empresas têm normas internas escritas onde isso é totalmente proibido, mas, mesmo assim, não conseguem impedir que as pessoas se envolvam – e até se unam – de forma oculta. Outras organizações, ao contrário, até incentivam essa prática, em. Nesse caso, a busca por pessoas cada vez mais envolvidas, que dividam os mesmos projetos para o futuro e entendam que o presente é difícil e está em permanente construção, se faz importante para a sustentabilidade dessas organizações, que veem nos vínculos amorosos um reforço (Ponte, 2011, p. 15 – 16).

Quando abordamos os relacionamentos afetivos no ambiente de trabalho, é imperativo examinar as implicações decorrentes das esferas profissionais e as possíveis subordinações resultantes de relacionamentos interpessoais, seja para obter vantagens na promoção de cargos ou, inversamente, para ser excluído de oportunidades de ascensão em competições internas. Compreender a influência, tanto positiva quanto negativa, no mercado de trabalho quando há envolvimento romântico entre colaboradores é fundamental para implementar medidas que mitiguem eventuais impactos negativos.

Algumas empresas estabelecem políticas internas relativas a relacionamentos amorosos no ambiente de trabalho ou com colegas de equipe. Por exemplo, profissionais da área de saúde são geralmente proibidos de manter relacionamentos com seus pacientes devido a considerações éticas estabelecidas pelos conselhos de ética profissional. As diretrizes delineadas pelo sistema organizacional ao qual um indivíduo pertence desempenham um papel crucial na orientação de suas escolhas e ações em relação a essas situações.

A habilidade de discernir entre a racionalidade e a emotividade suscita questões pertinentes no contexto das relações no ambiente de trabalho. Essa distinção pode influenciar a dinâmica da equipe, uma vez que o término de relacionamentos amorosos entre colegas de trabalho pode resultar em conflitos que frequentemente transpõem as fronteiras do ambiente doméstico, afetando negativamente o desempenho e os resultados da empresa. Além disso, tais situações podem dar origem a questões relacionadas à retaliação pessoal e ao assédio moral, dependendo das posições ocupadas pelos envolvidos na relação laboral.

As mulheres frequentemente enfrentam retaliações substanciais após o término de relacionamentos, especialmente porque, em décadas passadas, muitas ocupavam posições de subordinação em relação aos homens, o que introduz questões de acesso moral. A incapacidade de estabelecer uma separação clara entre o ambiente de trabalho e o ambiente pessoal pode resultar em implicações significativas para a trajetória profissional de uma mulher, sobretudo em um contexto em que elas já estão sujeitas a concepções machistas e misóginas.

Devido às suas características muitas vezes mais compreensivas, expressivas e comunicativas, as mulheres frequentemente enfrentam interpretações distorcidas em seu ambiente de trabalho. Essa problemática é amplamente influenciada pelos estigmas sociais que criam barreiras nas relações interpessoais entre os gêneros. 

Diante das normas sociais que perpetuam estereótipos de gênero, muitas mulheres podem se sentir compelidas a restringir sua forma de se expressar, agir, se comportar e até mesmo se vestir, como uma estratégia para evitar mal-entendidos ou discriminação. Essa adaptação forçada reflete a pressão social enfrentada pelas mulheres para se conformar a padrões preestabelecidos, comprometendo, assim, sua liberdade e autenticidade. Para alcançar uma sociedade verdadeiramente inclusiva e igualitária, é essencial desafiar e mudar essas normas restritivas, permitindo que todas as pessoas, independentemente do gênero, possam se expressar e viver de acordo com sua identidade e escolhas pessoais, sem o temor de discriminação ou preconceito.

3.1 Assédio e preconceito vivenciado por mulheres no mercado de trabalho

Silva e Bittar (2012) destacam que o conceito de vulnerabilidade foi interpretado em diversas dimensões, abrangendo aspectos de ordem biológica, social, cultural e epidemiológica. Com o decorrer do tempo, surgiu a necessidade de analisar esse fenômeno no contexto das relações de trabalho. O assédio moral, embora não seja um conceito recente, está associado ao fenômeno de comunicação hostil desprovida de ética, o que torna a vítima uma pessoa vulnerável a ataques frequentes e exposta ao desconforto no ambiente de trabalho.

Fernandes et al (2019), destaca em seu artigo que tinha como objetivo analisar a situação laboral da mulher que:

Indubitavelmente, pode-se notar no ambiente de trabalho a discriminação de gênero de maneira recorrente, variando tanto de formas indiretas quanto diretas, isto é, desde a cultura perpetuada a agressões físicas. Tal discriminação é fruto, em especial, da cultura misógina e patriarcal que foi instaurada ao longo da história da sociedade, a qual resultou no negligenciamento do trabalho feminino, taxando a mulher como uma figura frágil e descapacitada (Fernandes et al, 2019, pg.238-239).

A questão do assédio moral no ambiente de trabalho foi objeto de estudo conduzido por Andrade e Assis (2018), os quais, por meio de uma revisão integrativa, constataram a significativa influência do assédio moral na vida de muitos trabalhadores. Esta pesquisa também ressaltou a necessidade de instrumentos legais específicos voltados para a prevenção de casos de violência ocupacional e discriminação racial. É importante observar que situações de assédio sexual frequentemente estão interligadas a incidentes de assédio moral.

Na análise efetuada por Andrade e Assis, compreende-se que a violência contra a mulher e o assédio sexual devem ser examinados à luz da concepção do patriarcado, que estabelece uma dinâmica de submissão e subordinação da mulher em relação ao homem. Além disso, deve-se considerar a presença do machismo enraizado na sociedade, juntamente com as diversas manifestações desse sistema, que configuram o sexismo.

Em determinadas empresas, são estabelecidas diretrizes para regular as relações interpessoais entre os colaboradores, com o objetivo de prevenir incidentes de assédio moral ou assédio sexual. Isso ocorre em virtude da possibilidade de envolvimento em relacionamentos dentro do ambiente de trabalho, nos quais os envolvidos podem ocupar cargos de diferentes níveis hierárquicos ou da mesma posição, o que poderia resultar em situações de sobreposição de poder, gerando desvantagens de diversas naturezas. Dado que, em alguns setores, a maioria dos funcionários ainda é composta por homens, as mulheres podem enfrentar dificuldades na expressão de eventos desse tipo de maneira mais assertiva, especialmente devido ao temor de possíveis sanções disciplinares contra os envolvidos.

Para as vítimas, a busca pela visibilidade da violência sofrida na justiça, ou seja, mostrar que o ocorrido foi real, representou um desabafo para a maioria delas (em um dos discursos, a entrevistada expressou aos prantos: “gente, eu vivi […] aconteceu aquilo, então, então eu não tô louca, entendeu?” (QUARTA VÍTIMA), tendo em vista que não foram ouvidas para possíveis mediações nas organizações e tiveram problemas em efeito cascata, como, por exemplo, psicológica, fisicamente, com a família (esposo, filhos (as)), com dívidas (em um dos casos), com dificuldade de voltar a trabalhar em outra empresa devido ao trauma (em oito casos tal problemática foi explicitada diretamente), enfim, elas foram marcadas em sua dignidade. Uma das entrevistadas elucida essa questão: “[…] essa reação vem em cadeia, ela vem em cascata, né, ela vem desencadeando, você sofre… Sofre é… O assédio lá, os maus tratos lá na sua empresa, onde você trabalha […], você traz aquilo pra casa, mesmo que você não fale do que se trata […]” (TERCEIRA VÍTIMA) (Júnior e Mendonça, 2015, p.12)

A violência contra as mulheres é uma questão que se manifesta em diversos níveis, desde o contexto sociocultural mais amplo até o individual. No caso do assédio sexual, ele está profundamente enraizado nas construções socioculturais relacionadas ao gênero e à heterossexualidade, que promovem a dominação masculina e a desigualdade de gênero. Portanto, qualquer esforço de prevenção ou intervenção nesse campo deve considerar a natureza fortemente influenciada pelo gênero do assédio sexual, que representa uma das formas mais prejudiciais de violência contra as mulheres.

É importante destacar que o assédio no ambiente de trabalho é ilegal em muitas jurisdições e é considerado uma violação dos direitos das mulheres. As empresas têm a responsabilidade de criar políticas e ambientes de trabalho seguros que promovam a igualdade de gênero e combatam o assédio. As vítimas de assédio têm o direito de denunciar esses comportamentos e buscar medidas legais para proteger seus direitos e segurança no trabalho. A conscientização sobre o assédio no local de trabalho e o apoio às vítimas são passos importantes para combater essa questão e promover ambientes de trabalho mais justos e equitativos para as mulheres.

Ocorrências de assédio podem ser ocorrer de formas diferentes, como descrito por Freitas (2001):

Por exemplo, no caso de profissionais expatriados, em que uma pessoa vem do exterior, tem seu estilo e métodos reprovados pelo grupo, mas não faz esforço para adaptar-se ou impor-se. Pode também ser um antigo colega, que foi promovido sem que os demais tenham sido consultados. De qualquer maneira, não se levou em consideração a opinião do pessoal com quem essa pessoa iria trabalhar. Ações ou omissões como não-entrega de correspondência, extravio de documentos e processos, escutas telefônicas privadas, não-entrega de recados são peças rasteiras comuns nesses casos. Se, por acaso, essa pessoa reclama ao seu superior, pode ser acusada e responsabilizada por não saber comandar ou não estar à altura do cargo em questão. Pode ainda ocorrer quando um subordinado tem acesso privilegiado aos pares do superior e utiliza esse acesso para fazer fofocas, construir intencionalmente mentiras sustentadas em alguns fatos reais para dar-lhe credibilidade, difamar ou caluniar o outro. Dificilmente, nesses casos, a vítima toma conhecimento dos detalhes pelos seus pares que proporcionaram a oportunidade desse acesso, o que torna quase impossível para a vítima fazer a sua defesa perante esse público, sem deixar de mencionar que a tirania do mais fraco aqui vai servir ao agressor de escudo, caso haja uma tentativa direta de confronto (Freitas, 2001, p. 11 a 12).

Esses tipos de ações podem prejudicar a carreira de uma mulher, pois o assediador com seu poder de hierarquia pode desqualificar a vítima, desacreditar aquela mulher, isolando-a dos demais funcionários, o que diminui sua produtividade na empresa.

A maior participação da mulher no mercado profissional e a maior liberalização dos costumes provocaram uma reviravolta nos domínios anteriormente masculinos, especialmente nos locais de trabalho. Há bem pouco tempo, a mulher que trabalhava fora do lar era considerada uma séria candidata a vadia, pois a moral da época interpretava que, para a mulher vencer uma seleção ou merecer uma promoção, era condição sine qua non ter de se submeter ao famoso “teste do sofá” (Freitas, 2001, p. 13).

Ao longo de séculos, as mulheres têm desafiado persistentemente os estereótipos de gênero culturalmente enraizados. Embora tenham feito progressos significativos no mercado de trabalho, esses avanços não ocorreram sem obstáculos. As questões mencionadas por Freitas (2001) permanecem tópicos de discussão e preocupação, com a lamentável realidade de que algumas empresas e grupos ainda buscam difamar injustamente mulheres bem-sucedidas, minando suas reputações. 

Esta situação evidencia a contínua necessidade de promover uma cultura de igualdade de gênero e combater o preconceito e a discriminação no ambiente de trabalho, garantindo que todas as mulheres tenham a oportunidade justa de alcançar o sucesso profissional sem enfrentar obstáculos injustos em seu caminho.

3.2 Licença maternidade e Paternidade

A licença maternidade e a licença paternidade são prerrogativas legais concedidas aos genitores com o propósito de assegurar que estes possam dispensar os devidos cuidados aos seus filhos recém-nascidos ou adotados. Tais prerrogativas, resguardadas pela lei, variam de país para país e, em algumas instâncias, de acordo com as políticas laborais adotadas por cada entidade empregadora.

No ano de 2017, houve uma reforma trabalhista que resultou em modificações significativas nas disposições da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), consubstanciada pelo Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943. O intuito primordial dessa reforma foi a adaptação da legislação às emergentes relações laborais, sendo que essas alterações se encontram consubstanciadas na Lei nº 13.467, de 2017.

A Constituição Federal brasileira garante, no inciso XVIII, do art. 7º, licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração e cento e vinte dias; bem como, na alínea b do inciso II do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), a garantia do emprego da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

Os dispositivos legais destinados à proteção da maternidade foram concebidos com a finalidade de possibilitar que as mães disponham do período necessário para sua recuperação pós-parto, bem como para que possam prestar os devidos cuidados ao recém-nascido e estabelecer os laços iniciais com a criança nos seus primeiros meses de vida. A duração da licença maternidade pode variar de 120 a 180 dias, conforme estabelecido pela legislação. Em relação à remuneração durante o período de afastamento, a mesma deve ser concedida de acordo com os ditames previstos na legislação pertinente.

Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:
XIII – licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias; 
XIV – licença-paternidade nos termos fixados em lei;

A licença paternidade, com propósito semelhante ao da licença maternidade, detém uma duração substancialmente mais breve, frequentemente limitando-se a alguns dias (geralmente 5 dias no total). É importante observar que, devido à brevidade deste período, não é prevista uma remuneração específica para os pais durante a licença paternidade. Todavia, também é assegurado que não haja impacto adverso no salário do trabalhador em decorrência do afastamento concedido por motivo de licença paternidade. No contexto brasileiro, a remuneração durante o período de licença maternidade é custeada pela previdência social.

No que tange à proteção da mulher, a legislação laboral visa a prevenir qualquer interrupção do contrato de trabalho entre a empregadora e a empregada em virtude da gravidez. A partir da confirmação do estado gravídico, é imperativo que a empregadora assegure a estabilidade provisória durante todo o período legalmente permitido para a licença maternidade.

O mesmo princípio é aplicável às situações de adoção de crianças, conforme estabelecido pelo Artigo 392-A: [citar a disposição legal específica, se desejado, para uma referência mais precisa

Art. 392-A. À empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança ou adolescente será concedida licença-maternidade nos termos do art. 392 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)

O disposto no Artigo 394-A da Lei n°13.509 estabelece medidas jurídicas de proteção à maternidade e à saúde da mulher grávida no contexto laboral. Este dispositivo legal proíbe o empregador de manter a trabalhadora grávida em atividades laborais que possam ser prejudiciais à gestação e, em caso de necessidade, assegura o direito à transferência de função, sem qualquer redução salarial, visando preservar a saúde da gestante e do feto.

Art. 394-A Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de:
I – atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; 
II – atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação; (Vide ADIN 5938) 
III – atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação.    (Vide ADIN 5938) § 2º Cabe à empresa pagar o adicional de insalubridade à gestante ou à lactante, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição Federal, por ocasião do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço. § 3º Quando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos termos do caput deste artigo exerça suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-maternidade, nos termos da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, durante todo o período de afastamento.” (NR).

Essas medidas têm o propósito de assegurar que a gravidez transcorra de forma saudável e segura para a trabalhadora e seu filho. A fiscalização do cumprimento dessas normas cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego (atual Ministério da Economia) e a outras autoridades competentes. É fundamental que tanto os empregadores quanto as empregadas estejam cientes dessas regras para garantir a proteção da saúde da mulher grávida no ambiente de trabalho.

Apesar das modificações legislativas que se sucederam ao longo das últimas sete décadas, esses atributos persistem nas políticas de licença e exercem influência direta na forma como a população é estratificada entre aqueles que têm acesso a tais prerrogativas e aqueles que delas estão excluídos. Isso implica, por exemplo, que o estado de desemprego e, por conseguinte, a impossibilidade de contribuir autonomamente para a previdência social, mesmo que por um lapso temporal circunscrito, redundaram na ausência de salvaguardas (Sorj e Fraga, 2022). 

De maneira similar, conforme o gênero de atividade laboral desempenhado e o formato do contrato de trabalho firmado, a viabilidade de usufruir dessas licenças poderá apresentar variações substanciais. Portanto, em virtude da sua natureza previdenciária e da sua vinculação com distintas modalidades de inserção na força de trabalho, caracterizadas por distintos graus de formalização, o delineamento dessas políticas parece propiciar e perpetuar disparidades sociais.

A licença maternidade desempenha um papel crucial na promoção da saúde da mãe e do bebê, na busca pela igualdade de gênero e no fortalecimento dos laços familiares, alinhando-se com obrigações legais e tratados internacionais. Embora represente um avanço significativo, reconhecendo a natureza intrínseca das mulheres na procriação, lamentavelmente, persistem desafios na garantia de estabilidade profissional adequada. 

A discriminação de gênero nos bastidores, com empregadores do sexo masculino evitando oportunidades de emprego para mulheres devido à perspectiva de custos associados à licença maternidade, evidencia a necessidade contínua de proteger e fortalecer os direitos das mulheres no ambiente de trabalho, com base em princípios de igualdade e justiça jurídica. Portanto, é imperativo que sejam implementadas medidas legais mais rigorosas para combater essa discriminação e garantir que as mulheres possam desfrutar plenamente dos benefícios da licença maternidade sem comprometer sua estabilidade profissional.

3.3 Efeito da maternidade nas oportunidades de trabalho

Não é segredo que a desigualdade de gênero é uma realidade persistente para as mulheres no Brasil. A maternidade pode, ademais, agravar ainda mais as dificuldades enfrentadas pelas mulheres em busca de oportunidades no mercado de trabalho.

A desigualdade salarial, a redução das perspectivas de carreira e a discriminação no ambiente laboral constituem desafios que podem ser exacerbados pela presença da maternidade na vida de uma mulher. A necessidade de equilibrar responsabilidades relacionadas ao cuidado de filhos com as exigências profissionais frequentemente resulta em menores chances de progresso e crescimento na trajetória profissional. Além disso, após o retorno da licença-maternidade, é possível vivenciar discriminação no ambiente de trabalho, manifestada na exclusão da funcionária de projetos relevantes e, em casos extremos, na dispensa injustificada, devido às preocupações dos empregadores quanto ao impacto da maternidade na produtividade (Ker, 2023).

A mulher acaba recorrendo aos trabalhos informais, o que interfere tanto na remuneração, tanto na ausência de benefícios da CLT, por não se tratar de trabalhos formais, tendo menos filiação ao sistema previdenciário.

Por um lado, a concessão de licença-maternidade pode acarretar em salários potencialmente mais baixos para as mulheres, devido à perda de experiência profissional durante o período de afastamento, bem como aos custos associados aos empregadores, que incluem tanto o pagamento do benefício quanto a contratação de trabalhadores temporários para cobrir a ausência, porém os estudos demonstram que estaticamente este valores não são tão significantes. Por outro lado, a existência de legislação sobre licença-maternidade pode influenciar o comportamento das mulheres em relação à inserção no mercado de trabalho e à decisão de permanecer nele. Nesse cenário, a licença-maternidade tende a aumentar a probabilidade de as mulheres retornarem ao mercado de trabalho, especialmente em países onde a licença é remunerada (Alves, Pazello e Scorzafave 2017).

A licença maternidade além de ser uma garantia para mãe, é uma garantia de melhores qualidade vida ao bebê. Porém esse pensamento nem sempre é algo pautado pelos contratantes. A sociedade exige que a mulher seja feminina, siga padrões estéticos rotativos, tenha domínio das tarefas de casa, tenha uma boa profissão, seja uma boa filha, mulher e que seja mãe, mas pune a mulher pela maternidade. As mulheres casadas ainda precisam conviver com a dupla jornada de trabalho, o que pode interferir na qualidade de trabalho (Guiginski e Wajnman, 2019).

A Constituição Federal assegura a estabilidade no emprego à gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Isso significa que a mulher não pode ser demitida sem justa causa durante esse período, garantindo-lhe segurança no emprego. Após o término da licença-maternidade, a mulher tem o direito de retornar ao mesmo cargo ou função que ocupava antes do afastamento. Essa garantia visa a preservar sua posição no mercado de trabalho. Na prática isso ainda é incomum. 

O retorno ao trabalho após a licença-maternidade, com vistas a não prejudicar a mulher, implica em diversos elementos, notadamente o apoio familiar. Ter um cônjuge, parceiro, amigos ou familiares próximos capazes de fornecer assistência tanto emocional quanto estrutural se apresenta como uma consideração preponderante. Ademais, a disponibilidade de serviços de cuidado infantil, notadamente creches próximas e confiáveis, desempenha um papel crucial na capacidade da mãe de retomar suas obrigações profissionais com a tranquilidade de que seus filhos estão sob cuidados seguros.

É válido observar que a reintegração ao ambiente de trabalho pode acarretar desafios substanciais para algumas mulheres, especialmente quando há alterações substanciais em suas funções ou responsabilidades durante o período de licença. Muitas mulheres enfrentam ansiedade durante a licença em relação ao equilíbrio entre suas funções maternas e profissionais. Nesse contexto, a presença de uma estrutura familiar sólida pode fornecer um suporte organizacional de grande relevância, embora não seja universalmente observada (Biazetti, 2017)

Pesquisas indicam que, frequentemente, as mulheres são compelidas a assumir uma carga de trabalho duplicada e, com a chegada da maternidade, essa carga pode evoluir para uma tripla responsabilidade. Elas se veem na obrigação de gerenciar as tarefas domésticas, cumprir com suas obrigações profissionais e cuidar das necessidades relacionadas à maternidade, uma responsabilidade que, em teoria, poderia ser compartilhada com o genitor, mas que, em muitos casos, não se concretiza. Essa sobrecarga potencialmente prejudica significativamente o retorno da mulher ao mercado de trabalho, deixando-a em um estado de exaustão, sobrecarregada e com pouca motivação para alcançar seu máximo desempenho no ambiente profissional, em virtude da transformação de seu lar em um trabalho não remunerado.

Conforme observado por Machado e Neto em 2016, seus estudos indicam que a probabilidade de manutenção do emprego por parte das mães no mercado de trabalho formal apresenta um aumento gradual até o momento da concessão da licença-maternidade, decrescendo posteriormente. É relevante destacar que a maioria das cessações de vínculos empregatícios ocorre sem justa causa e por iniciativa do empregador.

A desvinculação do mercado de trabalho pode ser imputada a diversos fatores, como demonstrado pelo referido estudo. Notadamente, 35% das mulheres brasileiras com níveis mais elevados de escolaridade experimentam uma diminuição no emprego, enquanto esse percentual sobe para 51% entre aquelas com níveis educacionais mais baixos, após o término da licença-maternidade. É possível estabelecer uma relação entre a saída do mercado de trabalho das mulheres com menor escolaridade e uma série de fatores interconectados, criando, de fato, um efeito cascata.

A limitação de oportunidades de emprego com remuneração adequada, aliada à sobrecarga da dupla jornada de trabalho, à ausência de suporte familiar e à escassez de serviços de cuidado infantil em algumas situações, culminam em um contexto que compromete a capacidade das mulheres de desempenharem suas funções laborais de forma ininterrupta. Esta realidade destaca a necessidade premente de políticas e medidas que promovam a igualdade de gênero no ambiente de trabalho, garantindo a equidade de oportunidades, suporte para a conciliação entre trabalho e vida pessoal, e a disponibilidade de recursos adequados para o cuidado infantil. Somente através dessas ações podemos criar um ambiente laboral mais inclusivo e propício para que as mulheres possam exercer suas funções sem as perturbações externas que atualmente as afetam.

4. Medidas tomadas para garantir equidade entre os gêneros no mercado de trabalho

O gênero feminino tem travado uma luta persistente ao longo de várias décadas para ingressar e prosperar no mercado de trabalho. Essa procura envolve a busca por igualdade salarial, condições laborais aprimoradas, bem como a obtenção de horários de trabalho compatíveis com suas responsabilidades e justas remunerações. Até o momento, estes esforços representam avanços modestos em direção à conquista da igualdade de gênero no âmbito do mercado de trabalho.

Conforme relatado pela Convenção número 111 da OIT Trabalho (Genebra 1958) pressupõe que discriminação é um tratamento diferenciado, atribuído a uma pessoa ou grupo social, sendo desfavorável à estes, diminuindo ou excluindo igualdade de oportunidades de emprego. Podendo se tratar de diferenciação entre gênero, idade, raça, estado civil ou situação familiar. 

A Lei 9.029/95 Art.1° proíbe adoção de práticas discriminatórias que limitam acesso a oportunidades de emprego sejam elas discriminação racial, estado civil, deficiência, idade, raça, cor, sexo e entre outras ressalvas. É vedado também no Art. 2° exigências de atestados de gravidez ou outras práticas para efeito admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho.

O Art. 373 A do Decreto Lei n°5.452 de 01 de maio de 1943 proíbe publicação de emprego, recusa de promoção ou dispensa, fazendo referência ao sexo, idade, cor e situação familiar. Também ressalva a proibição de considerar sexo, idade, cor ou situação familiar como uma variável determinante para fins de remuneração. 

As mudanças substanciais no âmbito laboral resultantes da maior participação das mulheres são inegáveis. No entanto, é importante destacar que esse movimento ainda carece de avanços significativos no que diz respeito à eliminação das desigualdades de gênero no ambiente de trabalho. Apesar da promulgação de leis que visam a igualdade de oportunidades de emprego entre os sexos, a fiscalização efetiva do mercado de trabalho nesse sentido é insuficiente.

Percebem-se lacunas salariais significativas, com as mulheres predominantemente ocupando posições de menor remuneração e qualificação. Essa disparidade persistente requer uma abordagem mais rigorosa e eficaz para garantir a efetiva implementação das leis e a eliminação das brechas de gênero no mercado de trabalho 

No dia 4 de julho de 2023, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei 14.611 de 2023, que estabelece a obrigatoriedade da igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens. A referida legislação prevê que em casos de violação da lei, os prejudicados poderão buscar indenização por danos morais em situações de discriminação com base em gênero, raça, etnia, origem ou idade no ambiente de trabalho.

A lei estabelece que em casos de discriminação por motivos de sexo, raça, etnia, origem ou idade, o pagamento das diferenças salariais devidas não exclui o direito da vítima da discriminação de entrar com uma ação de indenização por danos morais, considerando as circunstâncias específicas do caso.

Em 2022, dados da Justiça do Trabalho mostram que houve 36.889 processos relacionados à equiparação salarial ou isonomia em todo o país. Embora não haja informações específicas sobre diferenças salariais de gênero nesses processos, podemos intensiva que quando homens e mulheres desempenham o mesmo trabalho com igualdade de competência técnica, não há justificativa para disparidades salariais, e isso constitui uma distorção injustificável perante a sociedade.

A lei contempla multas em casos de não cumprimento. Prevista no artigo CLT, para as empresas que não pagarem o mesmo salário para homens e mulheres que desempenham a mesma função. A partir de agora, o valor será dez vezes o novo salário devido pela empresa à trabalhadora ou ao trabalhador discriminado. 

§ 3º Na hipótese de descumprimento do disposto no caput deste artigo, será aplicada multa administrativa cujo valor corresponderá a até 3% (três por cento) da folha de salários do empregador, limitado a 100 (cem) salários-mínimos, sem prejuízo das sanções aplicáveis aos casos de discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens.

Empresas com um quadro de funcionários composto por 100 ou mais empregados estão obrigadas a publicar, a cada seis meses, relatórios de transparência salarial, assegurando a confidencialidade das informações pessoais. Esses relatórios devem viabilizar a análise comparativa dos vencimentos de homens e mulheres, bem como a proporção de ocupação de cargos de liderança. Como visto no artigo 5:

Art. 5º Fica determinada a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). 
§ 1º Os relatórios de transparência salarial e de critérios 3,6remuneratórios conterão dados anonimizados e informações que permitam a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens, acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade, observada a legislação de proteção de dados pessoais e regulamento específico.

No caso de detecção de disparidades salariais ou de políticas de remuneração distintas, as empresas de natureza privada devem estabelecer planos de ação para corrigir essas discrepâncias, incluindo metas e cronogramas específicos. Esses processos devem envolver a participação de representantes de entidades sindicais e de funcionários nos locais de trabalho.

§ 2º Nas hipóteses em que for identificada desigualdade salarial ou de critérios remuneratórios, independentemente do descumprimento do disposto no art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a pessoa jurídica de direito privado apresentará e implementar plano de ação para mitigar a desigualdade, com metas e prazos, garantida a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho.

A lei é uma medida que visa assegurar às mulheres direitos fundamentais que já estavam consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No entanto, de acordo com os dados estatísticos do IBGE de 2022, a disparidade salarial entre homens e mulheres atingiu a marca de 22% no final do ano passado. 

A constatação de que mais de 50% das mulheres recebem remunerações inferiores às dos homens em cargos equivalentes revela a persistência de desigualdades de gênero no mercado de trabalho. Esta disparidade salarial é um reflexo claro de um problema sistêmico que exige atenção urgente por parte da sociedade, empresas e governos. A promoção da igualdade salarial entre os gêneros é fundamental não apenas para a justiça social, mas também para o progresso econômico e social como um todo. Portanto, é crucial que medidas concretas e políticas eficazes sejam implementadas para eliminar essa disparidade e garantir que as mulheres recebam a remuneração justa e equitativa que merecem.

CONCLUSÃO

As mulheres têm enfrentado, ao longo de séculos, uma contínua batalha em busca de igualdade de direitos na sociedade. A busca pela liberdade de expressão tem sido acompanhada pelo interesse na independência financeira.

À medida que foram integradas ao mercado de trabalho, muitas vezes em condições precárias, com remunerações substancialmente inferiores às dos homens e submetidas a jornadas de trabalho extenuantes, iniciaram uma jornada visando a redução da desigualdade de gênero no contexto laboral.

Embora tenhamos testemunhado avanços notáveis nas oportunidades de trabalho para as mulheres, com níveis mais elevados de educação, participação prolongada no mercado de trabalho e acesso a cargos anteriormente inacessíveis, é inegável que as disparidades de gênero persistem. Apesar das leis que buscam garantir a igualdade de gênero, observamos diferenças salariais significativas, concentração de mulheres em ocupações precárias e sub-representação em cargos de liderança.

Está claro que as desigualdades enfrentadas pelas mulheres continuam a ser obstáculos à efetiva promoção da igualdade de oportunidades e tratamento no ambiente de trabalho. Portanto, é de extrema importância que sejam implementadas fiscalizações rigorosas em todas as esferas do mercado de trabalho, a fim de assegurar o cumprimento das leis fundamentais que visam combater a discriminação de gênero e garantir que todas as pessoas, independentemente do sexo, tenham acesso equitativo a oportunidades de emprego e tratamento justo no local de trabalho.


LISTA DE SIGLAS

CEDAW – Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a mulher 
EPA – Equal Pay Act
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
OIT – Conferência Internacional do Trabalho
ONU – Organização das Nações Unidas
IBGE – Instituto Brasileiro Geografia e Estatística

REFERÊNCIAS

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