DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL – O CASO DE ITAGUAÍ

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202506101132


Rodrigo Wanderley Gonzalez


RESUMO:

O município de Itaguaí, situado na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, passou nas últimas décadas por intensas transformações em virtude da implantação de grandes empreendimentos industriais e logísticos, destacando-se o Porto de Itaguaí e seu entorno. Apesar dos discursos oficiais sobre progresso, esses investimentos, predominantemente guiados pelo capital externo e interesses privados, resultaram em impactos ambientais, desigualdades sociais e transformações na paisagem local sem promover um desenvolvimento sustentável efetivo. O episódio do descarte irregular de minério de ferro na Baía de Sepetiba, que levou à interdição do porto por crimes ambientais, ilustra o conflito entre crescimento econômico e preservação ambiental, evidenciando a fragilidade do poder público diante das forças do capital. A análise dialoga com teorias geográficas de autores como Milton Santos, Lefebvre, Harvey e Raffestin, destacando o território como espaço de disputa de interesses e poder. Em Itaguaí, os benefícios do crescimento foram acompanhados de problemas como a terceirização da mão de obra, exclusão social, favelização e degradação ambiental. O texto conclui que o modelo vigente beneficiou mais o capital do que a população local, reforçando a necessidade de políticas públicas integradas e participação social para a promoção de um desenvolvimento verdadeiramente sustentável e inclusivo.

Palavras-chave: desenvolvimento territorial; desigualdade socioambiental; megaempreendimentos; Itaguaí

INTRODUÇÃO

A presente análise origina-se do fato ocorrido no município de Itaguaí-RJ, no ano de 2021 consistindo no descarte irregular de minério de ferro na Baía de Sepetiba por parte das empresas CSN Tecas e Sepetiba Tecon, o que resultou na ação do poder público local de interdição do Porto de Itaguaí por crimes ambientais, visando preservar o desenvolvimento sustentável do município dos impactos causados pelas empresas, conforme matéria publicada pelo G1 no dia 16 de abril de 2021.

O presente trabalho busca relacionar o fato ocorrido com teorias e conceitos acerca do tema desenvolvimento territorial sustentável abordado por diversos atores. A hipótese aqui estabelecida, diante do fato supracitado, é de que os megaempreendimentos representam o poder de organizações privadas e não necessariamente da sociedade local, uma vez que Itaguaí enfrenta problemas variados relacionados ao desenvolvimento econômico, social e sustentável no território.

Esses megaempreendimentos têm sido objeto de análise e estudo a respeito de sua real capacidade de impactar positivamente a economia da região que os sediam, conforme preconizado por grande parte dos discursos dominantes do governo e do setor privado e por outro lado, sob os impactos que podem ocasionar ao meio ambiente da região.

ESPAÇO, TERRITÓRIO E DESENVOLVIMENTO

A reflexão sobre as forças de atuação no espaço sugere estabelecer a noção de espaço propriamente dita que norteia o presente trabalho, a qual é apresentada logo a seguir.

De acordo com Santos (1996), o território é compreendido como uma configuração territorial definida historicamente, um pedaço/área do espaço que contém uma constituição material. [1]

“A configuração territorial é dada pelo conjunto formado pelos sistemas naturais existentes em um dado país ou numa dada área e pelos acréscimos que os homens super impuseram a esses sistemas naturais. A configuração territorial não é o espaço, já que sua realidade vem de sua materialidade, enquanto o espaço reúne a materialidade e a vida que a anima.” (Santos, 1996, p.51).

Ou seja, segundo a visão deste autor o espaço contém o território modelado, configurado; o território corresponde aos complexos naturais e às construções/obras feitas pelo homem. O território é construído historicamente, cada vez mais, como negação da natureza natural. A materialidade do território é, assim, definida por objetos que têm uma gênese técnica e social, juntamente com um conteúdo técnico e social. Objetos organizados em sistemas e com influência direta no uso do território. Este é usado, reorganizado, configurado, normatizado, racionalizado.

De acordo com Santos (1978) o espaço é compreendido como um conjunto de formas representativas de relações sociais do passado e do presente e por uma estrutura representada por relações que estão acontecendo e manifestam-se através de processos e funções. Assim, “O espaço é um verdadeiro campo de forças cuja formação é desigual. Eis a razão pela qual a evolução espacial não se apresenta de igual forma em todos os lugares”. (Santos, 1978, p.122).

Desta maneira, o espaço é um meio fundamental pelo qual podemos notar a divisão social existente na sociedade capitalista, apresentando-se, assim, como um reflexo social:

“[…] O espaço por suas características e por seu funcionamento, pelo que ele oferece a alguns e recusa a outros, pela seleção de localização feita entre as atividades e entre os homens, é o resultado de uma práxis coletiva que reproduz as relações sociais, […] o espaço evolui pelo movimento da sociedade total.” (SANTOS, 1978, p. 171).

Para Lefevbre (2006) o espaço não é um conceito fechado, e sim uma noção que sofre variações de acordo com o tempo. Inclusive, tempo, espaço e energia são compreendidos em triplicidade, que não se confundem nem se separam. Outra inferência feita pelo autor, em que reside suas reflexões é: “o espaço (social) é um produto (social)”, onde “cada sociedade produz um espaço, o seu”.

“Quando o espaço social deixa de se confundir com o espaço mental (definido pelos filósofos e pelos matemáticos), com o espaço físico (definido pelo prático-sensível e pela percepção da “natureza”), ele revela sua especificidade. Será preciso mostrar que esse espaço social não consiste numa coleção de coisas, numa soma de fatos (sensíveis), nem tão-somente num vazio preenchido, como uma embalagem, de matérias diversas, que ele não se reduz a uma “forma” imposta aos fenômenos, às coisas, à materialidade física.” (LEFEVBRE, 2006)

Raffestin (1993) também aborda as relações de poder no território. Para esse autor, o espaço é preexistente ao território, sendo este o resultado da ação de atores que possuem poder para produzir e transformar o espaço.

“O território é também um produto “consumido”, ou, se preferirmos, um produto vivenciado por aqueles mesmos personagens que, sem haverem participado de sua elaboração, o utilizam como meio.” (RAFFESTIN, 1993, p. 8)

Raffestin (1993) descreve dois tipos de poder, um que é emanado do Estado na forma de leis e normas que regulam as relações. Trata-se, portanto, de um poder que é visível e percebido facilmente pelos cidadãos. Mas, há um outro tipo de poder, menos visível, que se articula no território a partir dos meios de produção e que não são, necessariamente, decorrentes da ação do Estado. Ainda que possamos conceber o estado como uma organização que oferece serviços públicos aos cidadãos, há outras organizações que atuam no território e que exercem um poder que nem sempre é percebido pelos atores.

“Nossa sociedade é uma sociedade de organização. Nascemos em organizações, fomos educados por organizações e a grande maioria de nós consagra uma grande parte de sua existência a trabalhar para organizações. E, se é verdade que a maior das organizações é o Estado, ele não é a única: “As organizações canalizam, bloqueiam, controlam, ou seja, domesticam as forças sociais” (RAFFESTIN, 1993, p. 21).[2]

Raffestin contribui para compreensão da dinâmica do território ao afirmar que atores percebem e constroem o espaço a partir de um sistema sêmico [1] que atenda a seus interesses. Portanto, uma vez que há diferentes atores no território, há diferentes interesses e disputas de poder. E é esse poder que para Raffestin (1993, p. 149) “constrói malhas nas superfícies do sistema territorial para delimitar campos operatórios”, ou seja, campo de atuação de diferentes atores e interesses.

Por certo, o Estado é um forte ator social e sua prática, a política, exerce alta influência na dinâmica social. É papel do Estado também, coibir e romper o domínio de grupos que atuam sobrepondo ao coletivo seus interesses individuais. No entanto, não é incomum o Estado ser também dominado por estas forças e assim perpassar essa lógica às decisões e ações políticas. Ora:

“Se a política é a organização social de um grupo que se desenvolve no espaço, o lugar no qual o espaço é criado será integrador ou segregador, inclusivo ou excludente, estará orientado de acordo a aspiração à redistribuição da qualidade de vida ou com a perpetuação da exclusão e do domínio dos poderes.” (MONTANER, MUXÍ. p.65, 2014)

Outro conceito importante para compreensão da relação espaço – território – desenvolvimento, é o de territorialidade. É a territorialidade com seu caráter multidimensional que reflete o que é vivido pelos membros de uma coletividade e lhe atribui um senso de identidade. Pode ser estável em determinado momento e instável em outro, mas em qualquer hipótese “a territorialidade se inscreve no quadro da produção, da troca e do consumo das coisas” (RAFFESTIN, 1993, p. 161)

A vida é tecida por relações, e daí a territorialidade pode ser definida como um conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade—espaço—tempo em vias de atingir a maior autonomia possível, compatível com os recursos do sistema.” (RAFFESTIN, 1993, p.160).

Outro conceito muito importante para pensar a questão do território, de acordo com Santos (2009), são as técnicas para este autor, estas são consideradas um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço. (SANTOS, 2009)

Ainda de acordo com Santos, a cidade atual distingue-se da cidade anterior. Na metade do século XIX, a cidade seria um produto cultural. Hoje, a cidade está caminhando para se tornar um produto técnico.

Assim, de acordo com o autor, podemos apreender que antes do século XIX as cidades possuíam um formato que se adequava ao modo de vida da população local ou regional. As cidades eram singulares porque estavam atreladas à cultura local. Com o passar do tempo, com a expansão capitalista, o conceito de cidade se modificou. SANTOS, 2009)

Com a globalização a função de cada parte da cidade não é mais atender aos moradores, mas sim favorecer a circulação de bens e capital. Ou seja, a cidade se tornou um produto técnico. As técnicas como tendem a ser as mesmas em diversos locais do mundo e o produto final também tende a ser o mesmo. (SANTOS, 2009)

No que concerne a noção de desenvolvimento, podemos utilizar as contribuições de Souza e Theis (2009), que se integram com os demais conceitos abordados, que consiste num “processo de disputa do excedente gerado pelo sistema produtivo, em favor ou da satisfação das necessidades da coletividade ou dos ganhos dos proprietários dos meios de produção”. Mais uma vez fica evidente que grupos sociais podem conduzir a dinâmica do território. É preciso uma sociedade ativa, isto é, o envolvimento de diversos atores sociais diante da produção do espaço, para que o desenvolvimento não seja apenas um discurso daqueles que tentam mascarar seus interesses próprios como sendo do coletivo. Tal discurso também é capaz de promover a distorção da ideia de crescimento, muita das vezes se apresentando como sinônimos.

Eis aqui, uma breve revisão bibliográfica sobre os conceitos abordados no presente trabalho e que norteiam a reflexão aqui proposta.

SOBRE ITAGUAÍ

Itaguaí é um município localizado na região metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) a 69 km da capital e possui uma área geográfica total de 272 km. Municípios limítrofes a ele são: Seropédica, Paracambi, Mangaratiba, Piraí, Rio Claro e Rio de Janeiro. O município está dividido em 44 bairros e uma zona de preservação ambiental.

Com o início da exploração do petróleo na região Norte Fluminense do estado do Rio de Janeiro grandes investimentos para a modernização da área de produção e logística foram implementados a partir da década de 1960/70 e foram expandidos e modernizados a partir das décadas seguintes em torno de uma política de desenvolvimento que agrega empresas privadas, bancos públicos, como o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) e a ação de empresas de capital misto, como a Petrobrás, alguns dos grandes projetos de investimento local que vem sendo implementados na cidade de Itaguaí. Do setor de transporte/logística destaca-se o Porto de Itaguaí, Porto Sudeste e Terminal da Usiminas em Itaguaí; do setor de siderurgia, a Siderúrgica da Gerdau e do setor de construção naval, o PROSUB. (FIRJAN, 20014)

Atualmente os principais empreendimentos na região do Porto de Itaguaí, são: Sepetiba Tecom S/A, CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), Usiminas (Usina Siderúrgica de Minas Gerais), Valesul alumínio S/A, NUCLEP (Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A), CPBS (Companhia Portuária Baía de Sepetiba), Marinha do Brasil (Odebrecht – DCNS) e a Porto Sudeste Brasil S/A. (FIRJAN, 20014).

A cidade de Itaguaí está em um território geoeconômico de importância para o capital nacional e internacional. Possui um distrito industrial relevante com a presença de indústrias como, a Companhia Siderúrgica Nacional II (CSNII) e a Central Nuclear de Equipamentos Pesados. A cidade também foi escolhida para sediar a ZPE (zona de Processamento de Exportação) do Estado, estando aberto a indústrias que visem o mercado externo.

O CAPITALISMO E A TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM

A transformação pela qual o município de Itaguaí está passando é um exemplo claro da Teoria do Desenvolvimento Desigual proposta por David Harvey, que aponta como a dinâmica de acumulação de capital pode alterar os espaços, as formas de espacialidade e gerar desigualdades entre e intra territórios. De acordo com o autor, os desenvolvimentos geográficos são fortemente influenciados pela ação do homem na natureza e sua inclusão na cadeia socioecológica; pela busca de redução do tempo de giro do capital na compressão dos espaços (otimização da relação espaço-tempo) e pelos conflitos territoriais em diferentes escalas geográficas. Harvey relaciona a constância do movimento do tempo e do espaço, ampliando a visão sobre a lógica que envolve a interação entre território – que inclui sistema produtivo, meio ambiente, sistema financeiro com suas conexões externas e sistema urbano – e os organismos políticos e sociais que moldam a dinâmica de ação capitalista. (HARVEY, 2016).

O caso de Itaguaí, assim como de outras regiões que compõem polos econômicos ao redor do mundo, exemplifica como a paisagem pode ser alterada de acordo com as pressões técnicas, econômicas, sociais e políticas que operam de acordo com a vontade do capital. As condições geográficas do município favoreceram ciclos de investimentos públicos e privados que trouxeram crescimento, alinhados com as perspectivas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, e mudaram o perfil econômico de uma região antes marcada por uma estrutura rural.

“Entretanto, entre a década de 1960 e 1970 o município passou a receber seus primeiros investimentos no ramo industrial e portuário, sendo elas o Porto de Sepetiba, atualmente Porto de Itaguaí, nesse mesmo período foi também inaugurado a empresa Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. (Nuclep). A partir dos anos 2000, Itaguaí recebeu nos limites da municipalidade novos grandes investimentos: A ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Porto Sudeste do Brasil S/A, Estaleiro da Marinha do Brasil a partir do Programa de Desenvolvimento do Submarino de Propulsão Nuclear (PROSUB) em parceria com a Construtora Norberto Odebrecht e sua subsidiária a Odebrecht Defesa e Tecnologia; o Arco Metropolitano e o Centro de Tratamento de Resíduos do Rio de Janeiro (CTR RIO), que pertencia ao município de Seropédica até o início de 2016. Além de outros empreendimentos no Distrito Industrial de Santa Cruz.” (OLIVEIRA, VILLELA, NASCIMENTO, 2019)

Como afirma Harvey (2016) o capital produziu em Itaguaí uma paisagem favorável à sua reprodução e evolução, com uma função notadamente de escoamento logístico dentro do mosaico de atividades estabelecido no polo industrial da Região Metropolitana. Uma operação que ocorreu de maneira sistemática também por intermédio dos poderes estatais.

“Nos anos 2000 se iniciaram os novos investimentos industriais no território, onde se constituíram em um cenário de incentivos por parte de políticas do governo federal, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) junto a instituições financeiras, bancos nacionais como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), empresas transnacionais e em regiões consideradas estratégicas para abrigarem a infraestrutura necessária para tais megaprojetos, cujo objetivo era de interligar o mercado nacional com o latino-americano para escoamento de produção. Nesse cenário, a Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) do Grupo TyssenKrupp teve sua construção iniciada na Zona Industrial de Santa Cruz.” (OLIVEIRA, VILLELA, NASCIMENTO, 2019).

Mesmo que não tenha se tornado uma metrópole, pode-se dizer que Itaguaí foi afetada pela metropolização da região, tal qual aponta Lencioni, como um processo socioespacial de transformação profunda do espaço diretamente ligado à globalização (reestruturação da dinâmica produtiva em função do mercado internacional), que provocou alteração da forma, da estrutura e da natureza do território. Uma metamorfose complexa que estabeleceu novas relações e utilizações de recursos, avançando sobre atividades rurais, exercendo influência concreta sobre as sociedades, mas que não ocorreu de forma isolada, também estaria conectada ao momento histórico, com movimentos sendo realizados de maneira concomitante em diferentes locais. Um fenômeno de seu tempo. (LENCIONI, 2013).

A nova paisagem geográfica criada em Itaguaí a partir dos interesses dos megaempreendimentos da região não trouxe, no entanto, um modelo de desenvolvimento sustentável e nem sustentado ao longo do tempo para o município. Como mostram Oliveira, Villela e Nascimento, apesar dos notáveis avanços econômicos contabilizados durante o ciclo recente de investimento (entre 2005 e 2015) – com incremento momentâneo nas contas públicas, no Índice de Desenvolvimento Humano, no número de postos de trabalho e de novos empreendimentos – foram registrados graves problemas ambientais, há críticas quanto à qualidade dos empregos oferecidos à população local (sob alegação de falta de mão-de-obra qualificada entre os moradores, houve terceirização e contratação de mão-de-obra externa para ocupar as vagas com melhores condições de trabalho), casos de corrupção no poder público e queda dos padrões positivos à medida que os investimentos de implantação dos empreendimentos se encerravam.

“Por fim, Itaguaí está dentro desse processo e modelo de desenvolvimento que não é pautado em reais condições para valorização do território, pois o que se foi apresentado ao longo desses anos de grandes investimentos na região foi o contrário. Empreendimentos que trouxeram transformações para a região, no entanto, acompanhadas de externalidades negativas, seja em relação a questões ambientais, sociais, culturais, configurando um espaço e a identidades daqueles que ali moram. Não se pode afirmar que este modelo de desenvolvimento foi sustentável, pois pelos fatores já mencionados o que ocorreu foi justamente o contrário. De fato, pelas características de Itaguaí e pela ausência de força entre o poder público e a sociedade, muito difícil seria impedir a entrada desse capital no município. O problema não foi a cidade ter

recebido durante os últimos anos um grande volume de investimentos, mas sim o modo como eles se deram e se desenvolveram. Não houve articulação com o que já existia no local, não se explorou as potencialidades que ali já existiam, não mobilizou e organizou a população. Foram medidas tomadas de forma externa ao território, não respeitando as características, a história, a cultura, as estruturas produtivas e questões ambientais do local.” (OLIVEIRA, VILLELA, NASCIMENTO, 2019).

O modelo de crescimento econômico dependente de capital externo tampouco proporcionou ao município prestígio ou poder de barganha no jogo político. Mesmo pertencendo a área potencialmente afetada pela extração de pré-sal da Bacia de Santos, Itaguaí foi excluída das discussões a respeito da atividade. Como mostra trecho de comunicado publicado no site oficial da Câmara Municipal.

[…] a Câmara Municipal de Itaguaí tomou ciência de que será iniciada a instalação de uma empresa de extração de petróleo da zona pré-sal na Baía de Santos. […] A preocupação se justifica pela falta de informações oficiais, visto que nas audiências públicas que ocorreram, as cidades de Itaguaí e Mangaratiba não foram convidadas a participar. Estiveram presentes apenas as cidades de Angra dos Reis e do Rio de Janeiro, onde estão localizadas as Baías de Angra e da Guanabara, respectivamente. O chefe do Legislativo observou que as cidades que margeiam a Baía de Sepetiba, que fica entre as Baías de Angra e da Guanabara, não foram ouvidas, e por isso a Câmara Municipal de Itaguaí enviou um ofício ao IBAMA, ao Ministério Público Federal e ao Consulado da Noruega solicitando que a CMI possa tomar ciência de todo processo de instalação da empresa na região e seja ouvida como parte interessada. (CÂMARA MUNICIPAL ITAGUAI, 2021).

Os novos padrões geográficos criados a partir do processo de metropolização e dos mega empreendimentos implantados no entorno de Itaguaí geraram desenvolvimento desigual do território e, pelo ponto de vista ambiental, se transformaram em ameaça constante de extinção de vida e recursos. A mercantilização generalizada e o crescimento desordenado se apresentam como riscos à natureza e à própria experiência humana, na dinâmica de instabilidade da paisagem do capital, submetida às pressões técnicas, políticas, sociais e econômicas (Harvey, 2016).

UM TERRITÓRIO EM DISPUTA

A disputa do território é desigual, grupos desfavorecidos contra grandes conglomerados econômicos e o Estado. Os conflitos socioambientais são gerados por um crescimento econômico despreocupado com as relações sociais e por danos ambientais promovidos por grandes agentes econômicos, e tolerados pelo Estado. Nessa sobreposição de interesses há uma notória perda à população mais carente que sofre as consequências dos danos ambientais e com o processo de encarecimento do solo. O relatório socioeconômico do Tribunal de Contas do Estado (TCE) 2010 apontou significativo aumento da favelização em Itaguaí. Leite 2004 assinala práticas de desterritorialização de comunidades, como a dos pescadores que sofrem com a contaminação da água e a especulação imobiliária. Harvey (2013b) alerta sobre o duplo efeito do processo de acumulação do capital, onde atual a lógica capitalista de poder e lógica territorial de poder.

No compasso do crescimento econômico, que sinaliza com a expansão da oferta de emprego, cria-se um passivo ambiental. No caso de Itaguaí, a cidade já sofre a poluição dos resíduos tóxicos deixados pela empresa Ingá Mercantil, e somado a isso tem o aumento da intensidade e das modalidades de poluição. O Porto de Sepetiba, que manuseia carga tóxica é frequentemente noticiado pelos meios de comunicação sobre o vazamento de óleo e de carga. O lixão de Itaguaí gera contaminação do solo e do lençol freático, o que compromete a saúde dos cidadãos. A extração de areia causa danos à vida marinha, com assoreamento e mudanças no curso d ́água. Além das já citadas: Cia Docas; Vale do Rio Doce; Usiminas; Gerdau; Furnas; Odebrecht. Para Lopes, tais investimentos deixam claro a demanda de investimentos econômicos e a política pública econômica.

No caso de Itaguaí, sobre o episódio de interdição do Porto, a colocação do representante do poder público local: “Nós não estamos querendo prejudicar o desenvolvimento econômico, mas fazer com que ele aconteça de um modo sustentável(…)” reflete o latente conflito que as cidades e sociedades enfrentam: a promoção do desenvolvimento e crescimento do território sem o comprometimento dos aspectos naturais, bem como da preservação da identidade e dinâmica do local. Montaner e Muxí (2014) ressaltam essa tendência das cidades contemporâneas:

“(…) saber que esta sociedade tardo-capitalista conduz à destruição, à poluição e ao abismo, mas não adotar medidas para evitá-los e para criar novos sistemas econômicos, sociais e energéticos.” (MONTANER, MUXI. p.103, 2014)

ITAGUAÍ COMO “ZONA DE SACRIFÍCIO”

O ambientalismo dos pobres foi o que Martinez-Alier (1999) chamou os segmentos sociais mais vulneráveis, que são ameaçados em suas interações sociais e em sua base material. A luta pela conservação é uma de suas características, perante o poder hegemônico do capital. Ascelard (2001) ressalta que os custos ambientais são socializados, sendo base da expansão capitalista e do próprio Estado. A microrregião possui um grande passivo ambiental, um dos maiores do Estado do Rio de Janeiro. As atividades de extração, a tipologia de carga do porto e as atividades industriais são reconhecidas pela contaminação e por negligências ambientais.  Por isso,  alguns estudiosos definem regiões como “zonas de sacrifício” ou “paraísos de poluição”. Acselrad (2004) define essas áreas como:

“O capital […] mostra-se cada vez mais móvel, acionando sua capacidade de escolher seus ambientes preferenciais e de forçar os sujeitos menos móveis a aceitar a degradação de seus ambientes ou submeterem-se a um deslocamento forçado para liberar ambientes favoráveis para os empreendimentos […] o capital dispõe da capacidade de se deslocar, enfraquecendo os atores sociais menos móveis e desfazendo, pela chantagem da localização, normas governamentais urbanas ou ambientais, bem como as conquistas sociais […] assim o capital especializa gradualmente os espaços, produzindo uma divisão espacial da degradação ambiental e gerando uma crescente coincidência entre a localização de áreas degradadas e de residências e classes socioambientais dotadas de menor capacidade de se deslocalizar.(…) serem objeto de uma concentração de práticas ambientalmente agressivas, atingindo populações de baixa renda. Nesses locais, além da presença de fontes de risco ambiental, verifica-se também uma tendência a sua escolha como sede da implantação de novos empreendimentos de alto potencial poluidor, pois a desregulação ambiental favorece os interesses econômicos e predatórios, assim como as isenções tributárias o fazem nos chamados ‘paraísos fiscais’”.

As áreas em que há populações de baixa renda geralmente imprimem pouca participação em políticas públicas e apresentam dificuldades de se organizarem, por isso, possuem baixa capacidade decisória sobre o território. Essas áreas ficam caracterizadas com baixo valor e por isso interessam ao capital para a sua reprodução. A concentração de indústrias, áreas de extração e um porto altamente poluente não se dá por acaso, faz parte de uma política de estado atrelada ao capital nacional e estrangeiro. Em nome de um “progresso” e da oferta de postos de trabalho, as articulações perdem força.

A disputa pelo espaço é uma característica do capitalismo moderno. O capital precisa materializar as relações sociais para produzir o processo de acumulação, deste modo, produz espaços que atendem às suas necessidades de produção, circulação e reprodução. No entanto, alguns empecilhos no processo de reprodução do capital e busca de maiores acumulações, provocam reestruturações dos processos de distribuição e produção.

Diante desses ciclos de produção, crise e reestruturação do capital sobre o espaço, como aponta Sassen 2000, as cidades globais se inserem em dinâmicas de uma lógica global, onde a cidade é “construída, desenvolvida e concluída” sobre a égide do capitalismo global. Harvey 2013 expõe um modelo o qual denuncia que a sobrevivência do capitalismo é atribuída à capacidade constante de acumulação pelos meios mais fáceis. A acumulação capitalista seguirá caminhos onde houver menor resistência, incluindo que a análise histórica e teórica identifica esses pontos de menor resistência ou maior fragilidade.

Sobre as cidades globais, Montaner e Muxí (2014) corroboram com a visão de Harvey supra, conceituando como uma tendência das cidades a partir do final do século XX:

“Nela, evidenciam-se as crises de um modelo urbano marcado pela funcionalização de todo o território, pela difusão e dispersão das áreas urbanas que compõem um mosaico de fragmentos sem relação entre si. Essa situação é reforçada pela perda do espaço público em benefício de interesses setoriais e individuais, que se apropriam da memória e da herança coletiva, reduzindo-as a meras cenografias.” (MONTANER, MUXÍ. p.115, 2014)

CONCLUSÃO

Apesar de ter recebido grandes investimentos, o município de Itaguaí não gerou soluções capazes de assegurar desenvolvimento sustentável. De um lado empresas buscam viabilizar seus projetos de caráter prioritariamente econômico, muitas vezes com dano ao ambiente e a qualidade de vida da população local.

Para reverter o cenário atual no município, é preciso que o poder público exerça seu papel com responsabilidade, agindo no sentido de promover políticas públicas consistentes, capazes de gerar serviços públicos com qualidade e agir na proteção do ambiente.

Além disso, a sociedade local deve se fortalecer e reivindicar espaços de participação nas decisões sobre o território, exercendo controle social sobre as mesmas. Nesse aspecto, instituições de ensino e organizações do terceiro setor podem contribuir por meio de ações de extensão e assessoramento na defesa dos direitos dos cidadãos, atores que construíram relações, guardam a identidade do território e, portanto, não podem ser ignorados nas decisões que afetem o território no qual construíram suas histórias.

Assim sendo, é válido ressaltar que, embora determinado espaço possua vocação para abrigar atividades específicas que irão contribuir para o seu real desenvolvimento, as ações que decorrerão do aproveitamento de tal oportunidade requer a participação, o envolvimento e integração de todos os grupos e atores sociais para garantir que não haja predomínio de forças que representem interesses únicos e que podem causar danos e prejuízos no espaço comum.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ACSELRAD, H. (Org). Conflito social e meio ambiente no Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará: FASE, 2004.

Sentidos da sustentabilidade urbana. In: ACSELRAD, H. (Org.). A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p.27-55.

ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2010. Capítulo “As grandes cidades”. (ps. 67 a 116)

HARVEY, David. 17 contradições e o fim do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2016. Capítulo 11: Desenvolvimentos geográficos desiguais e produção do espaço. (ps.139 a 152)

LEFEBVRE, H. A produção do espaço. Trad. Doralice Barros Pereira e Sérgio Martins (do original: La production de l’espace. 4 éd. Paris: Éditions Anthropos, 2000). Primeira versão: início – fev.2006a. Capítulo 1 – Propósito da Obra (disponível na web)

HARVEY, D. Os limites do capital. São Paulo: Boitempo, 2013a.

Para entender o capital. São Paulo: Boitempo, 2013b

LEITE LOPES, J. S. (Org.). A ambientalização dos conflitos sociais. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004.

LENCIONI, Sandra. Metropolização do espaço: processos e dinâmicas. In: FERREIRA et al (Orgs.). Metropolização do espaço, gestão territorial e relações urbano-rurais. Rio de Janeiro: Consequência, 2013, v. 1.

MARTÍNEZ-ALIER. O ecologismo dos pobres. São Paulo: Contexto, 2007.

Justiça ambiental (local e global). In: CAVALCANTI, Clóvis (Org.), Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. São Paulo: Cortez; Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1999, p. 215-231.

MONTANER, J.M; MUXÍ, Z. Arquitetura e política: ensaios para mundos alternativos. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.

OLIVEIRA, Dayenne. VILLELA, Lamounier. NASCIMENTO, Carlos Alberto. Transformações Econômicas e Socioeconômicas do Município de Itaguaí/RJ a partir da Chegada de Grandes Investimentos: uma análise dos anos 2005 a 2015. Controle Social e Desenvolvimento Territorial/ Control Social e Desarrolo Territorial. v. 5, n.5, jan/jul. 2019.

RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. Terceira Parte

– O território e o poder. Capítulo 1: O que é o território? (ps.143 a 163)

SACHS, I. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. São Paulo: Studio Nobel/FUNDAP, 1993.

SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Editora Garamond, 2000.

SANTOS, M. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4 ed. 5 reimpr. São Paulo: EDUSP, 2009. Primeira Parte – uma ontologia do espaço: noções fundadoras. Capítulo 1: As técnicas, o tempo e o espaço geográfico. (ps. 29 a 59).

Por uma Geografia Nova. São Paulo: Hucitec. São Paulo: Hucitec, Edusp, 1978.

SOUZA, C. M. M.; THEIS, I. Desenvolvimento regional: abordagens contemporâneas.Blumenau: Edifurb, 2009.

Sites Visitados:

Câmara manifesta preocupação com instalação de empresa para extração de petróleo. Novo Portal da Câmara Municipal de Itaguaí. Publicado em 24 de agosto de 2024.Disponível em: <https://www.camaraitaguai.rj.gov.br/index.php/banner/2497-camara- manifesta-preocupacao-com-instalacao-de-empresa-para-extracao-de-petroleo> Acesso em: 25 de setembro de 2024.

IBGE, CIDADES. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/itaguai/historico > Acesso em: 25 de setembro de 2024.

Perfil Municipal Itaguaí. Fundação Ceperj, 2021. Acesso em: 15 de setembro de 2024. Disponível em:<http://arquivos.proderj.rj.gov.br/sefaz_ceperj_imagens/Arquivos_Ceperj/ceep/dados- estatisticos/perfil-municipal/Itaguai.html>

Porto de Itaguaí é interditado pela prefeitura por crimes ambientais. G1, Rio de Janeiro, 16 de abril de 2025. Disponível em < https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/04/16/porto-de-itaguai-e-interditado-pela-prefeitura-por-crimes-ambientais.ghtml> Acesso em: 01 de setembro de 2024.