DESENVOLVENDO ALEGRIA E CONHECIMENTO: A EXPERIÊNCIA DE LECIONAR UTILIZANDO-SE DA APRENDIZAGEM BASEADA EM JOGOS EM UMA PENITENCIÁRIA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10699420


Hanna Guimarães Santos1


Resumo: Jogos de tabuleiro, apesar de pouco abordados nas diretrizes e parâmetros curriculares, têm potencial educativo, promovendo a aprendizagem e quebrando a monotonia do ensino tradicional. São excelentes recursos didáticos e auxiliam na superação de limitações de infraestrutura escolar. O ideal é que seu uso seja associado ao plano de aula, preferencialmente por meio da Aprendizagem Baseada em Jogos (ABJ). Este artigo relata a experiência de criação de um jogo de tabuleiro que auxiliou o desenvolvimento de alunos nas disciplinas de Educação Física e Português de uma escola inserida no sistema carcerário brasileiro.

Palavras-Chave: Aprendizagem baseada em jogos, jogos de tabuleiro, leitura e escrita.

Abstract: Board games, despite being little addressed in guidelines and curriculum parameters, have educational potential, promoting learning and breaking the monotony of traditional teaching. They are excellent didactic resources and help overcome limitations of school infrastructure. Ideally, their use should be associated with the lesson plan, preferably through Game-Based Learning (GBL). This article reports the experience of developing a board game that assisted students’ development in Physical Education and Portuguese disciplines at a school within the Brazilian prison system.

Keywords: Game-based learning, board games, reading and writing.

Resumen: Los juegos de mesa, a pesar de recibir poca atención en las directrices y parámetros curriculares, tienen un potencial educativo, promoviendo el aprendizaje y rompiendo con la monotonía de la enseñanza tradicional. Son excelentes recursos didácticos y ayudan a superar limitaciones de infraestructura escolar. Lo ideal es que su uso esté asociado al plan de clase, preferiblemente a través del Aprendizaje Basado en Juegos (ABJ). Este artículo describe la experiencia de crear un juego de mesa que contribuyó al desarrollo de estudiantes en las materias de Educación Física y Portugués en una escuela dentro del sistema carcelario brasileño.

Palabras clave: Aprendizaje basado en juegos, juegos de mesa, lectura y escritura.

Introdução: 

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) desempenham uma função essencial ao guiar os educadores na abordagem dos conteúdos relacionados à Educação Física nos diversos anos do ensino fundamental I, II e médio. Destaca-se a relevância da flexibilidade curricular, permitindo sua adaptação à realidade específica de cada escola. É crucial considerar a diversidade cultural, as condições de infraestrutura e as características individuais dos alunos nesse processo de ajuste, destacando a importância de uma abordagem personalizada para promover uma experiência educacional mais significativa e inclusiva (Brasil Ministério da Educação PCNS, 2000; Brasil Ministério da Educação BNCC, 2018)

Na Educação Física, é comum destacar o ensino esportivo, abrangendo disciplinas como futsal, futebol, basquete, vôlei e handebol. Embora essas atividades sejam tradicionalmente privilegiadas, é importante reconhecer a diversidade de opções educacionais disponíveis. Valorizar outras formas de expressão física, como ginástica, circo e artes marciais, pode enriquecer ainda mais a experiência dos alunos, proporcionando-lhes oportunidades variadas de desenvolvimento e aprendizado. (MILANI; DARIDO, 2016).

Outro conteúdo da disciplina de Educação Física que é pouco citado nos PCNs e na BNCC e pouco trabalhado pelos professores, são os jogos de tabuleiro ou jogos de mesa. São considerados para esse conteúdo jogos tradicionais, como o xadrez, a dama, gamão, trilha, resta um, jogo da velha, jogos de baralho diversos e também jogos comerciais, como o War, o Imagem e Ação, o Monopoly ou Banco Imobiliário e outros jogos que fazem parte da cultura nacional. No universo de palavras, é possível citar: caça-palavras, palavras cruzadas, adedanha (stop) e força. Esses jogos são jogados em momentos de lazer e compõem o quadro de ferramentas utilizadas para auxiliar na aprendizagem, já que contribuem para a melhoria da escrita e a ampliação do vocabulário dos alunos, quebrando a monotonia do ensino técnico tradicional.

Este artigo se caracteriza por ser um relato de experiência, definido por Mussi (2021) como a expressão escrita do registro de experiências vivenciadas, sendo capaz de contribuir na produção de conhecimentos das mais variadas temáticas. Sua característica principal é a descrição da invenção.

No caso deste artigo, a invenção é um jogo de tabuleiro do universo das palavras, o qual surgiu da necessidade de se pensar em alternativas para o ensino da disciplina Educação Física na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio José Edson Cavalieri (EEPJEC), uma escola situada dentro do sistema carcerário, para alunos maiores de 18 anos do regime semiaberto na cidade de Juiz de Fora – MG.

Este artigo tem como propósito, além de apresentar a invenção, apresentar e discutir dificuldades superadas no ensino da Educação Física em condições limitantes de recursos materiais e de possibilidades corporais apresentadas na Escola Estadual. É também objetivo deste artigo discutir os benefícios da utilização da Aprendizagem Baseada em Jogos (ABJ), em inglês Game-Based Learning (GBL), para o ganho e desenvolvimento de habilidades a serem trabalhadas de modo interdisciplinar.

Relato da experiência docente:

O Ambiente Educacional da EEPJEC 

A Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio José Edson Cavalieri (EEPJEC) está alocada dentro do anexo masculino do regime semiaberto da Penitenciária José Edson Cavalieri, em Juiz de Fora. Nessa escola atende-se apenas alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), justamente porque no presídio estão apenas detentos maiores de 18 anos.

Apesar de possuir administração própria com coordenação pedagógica e direção regida pela Secretaria de Educação de Minas Gerais, os professores não podem ser contratados de modo efetivo. A justificativa se dá por questões de segurança, para que não haja a criação de vínculo profundo entre professores e alunos, por isso todo ano é realizado um processo de designação de professores que se candidatam ao cargo.

A administração da escola trabalha conjuntamente com a administração da penitenciária. Isso acontece por diversos fatores: para frequentar a escola, que é um direito do detento, ele precisa cumprir uma série de requisitos que são avaliados pela equipe médica da penitenciária, pelos advogados do detento, pelo juiz que está acompanhando o caso e pela direção escolar. Além disso, a infraestrutura das salas de aula compõem o patrimônio da penitenciária, são as chamadas celas-aula. Estas celas, onde ocorrem as aulas, estão localizadas dentro do pavilhão onde todos os detentos do regime semiaberto estão alocados, inclusive os que não podem ou não querem frequentar a escola.

A penitenciária também é responsável pela segurança, tanto dos detentos quanto da equipe escolar. Por isso, para os professores entrarem na penitenciária, todos passam por detectores de metais, se direcionam para a sala da coordenação e aguardam as ordens de segurança interna. Se tudo estiver bem, todos os professores são encaminhados por agentes penitenciários armados para suas celas-aula, nas quais os alunos já os estão aguardando. Os alunos estão sempre vestindo o uniforme da penitenciária e devem estar sempre assentados, com os dois pés no chão, e as mãos à vista.

As turmas são formadas e dissolvidas conforme a necessidade. Se surgisse um aluno para o 7º ano do ensino fundamental, uma turma seria criada para ele. Se o aluno do 2º ano do ensino médio tivesse cumprido toda a sua pena, seria transferido para uma escola fora do sistema prisional, deixando a turma com um aluno a menos

Caracterização dos Alunos

O perfil dos alunos é sempre muito variado, pois ao longo dos anos eles podem parar de frequentar a aula, serem transferidos de presídio ou cumprirem o tempo determinado pela justiça e serem reintegrados na sociedade. É possível que sejam de outra cidade, que sejam idosos, jovens adultos, pais, casados, solteiros, seguirem qualquer crença religiosa e serem de qualquer nível social… As únicas constatações são que todos são homens, maiores de 18 anos, estavam cumprindo pena no regime semiaberto e não haviam concluído o ensino fundamental I, II ou médio.

Ninguém da escola tem acesso a nenhuma informação pessoal dos alunos, a não ser o nome na chamada. Nada é comentado sobre qual o crime cometido por cada um ou quanto tempo eles precisarão cumprir de pena.  

É importante ressaltar que para os alunos é vantajoso frequentar a escola e apresentar bom comportamento, já que no julgamento esses fatores contribuem para a redução da pena. Por esse motivo, os alunos se demonstravam calmos e respeitosos nas salas de aula.

Restrições e reestruturações das Aulas de Educação Física

No caso da escola em questão, muitas eram as barreiras para o ensino da disciplina de Educação Física. A escola não dispunha de espaço para práticas esportivas, já que a única quadra era utilizada no mesmo horário para o banho de sol dos demais detentos. Além disso, não possuía bolas que pudessem ser utilizadas dentro da cela-aula. Não eram permitidos conteúdos relativos ao impacto das drogas no organismo, nem mesmo para a conscientização dos alunos com base no funcionamento do corpo humano. Também não eram permitidos jogos de baralho, que eram proibidos na penitenciária por questões de apostas. Era aconselhado que o contato corporal entre os alunos e entre a professora e os alunos fosse evitado. A sugestão de conteúdo envolvia jogos de damas, xadrez, alongamentos e ioga, além de aulas teóricas sobre as regras de diversos esportes.

O único material presente na escola para a prática corporal era uma peteca, e que quando utilizada para uma aula prática, gerou reclamações dos demais professores sobre a agitação dos alunos nas aulas subsequentes e pelo barulho audível em todas as demais celas-aulas durante as comemorações dos pontos de cada equipe, já que as salas de aula não possuíam portas, mas sim grades. Portanto, para não atrapalhar o trabalho dos demais professores, e por questão de segurança indicada pelos guardas responsáveis pelo horário, não houve mais aulas práticas com a peteca.

As aulas teóricas não conquistaram os alunos, que diziam que a aula de educação física deveria ser mais um horário de “pelada” no banho de sol, algo que movimenta o corpo ou pelo menos alguma outra coisa divertida. Após uma reunião pedagógica com a coordenadora pedagógica, a diretora, a bibliotecária e os demais professores, o conteúdo foi reestruturado buscando atender em primeiro lugar as necessidades de segurança, em segundo lugar a quietude dos alunos e em terceiro lugar o desejo dos alunos por diversão. Todos os participantes da reunião concordaram que seriam trabalhados os conteúdos de jogos de tabuleiro, alongamento, yoga e capoeira. 

Devido à falta de participação nos jogos de xadrez, considerados por muitos detentos “cheio de regras” e difícil demais” e ao conhecimento prévio suficiente sobre o jogo de damas, foi proposto que, no conteúdo de jogos de tabuleiro, os alunos desenvolvessem seus próprios jogos com materiais escolares diversos, como régua, lápis, borracha, caneta, cola, entre outros. 

Para incentivá-los, foi apresentada a versão da história do surgimento do squash que o associa aos detentos da prisão inglesa de Fleet Debtors (SQUASHISTAS, 2020). Além disso, foi apresentado o jogo “Imagem e Ação”, que teve uma boa aceitação em todas as turmas, sendo escolhido com o propósito de ampliar o vocabulário dos alunos e seus conhecimentos sobre jogos de tabuleiro. 

O desenvolvimento e aplicação do jogo Mompas

Foram disponibilizadas duas aulas para que os alunos discutem e inventassem seus jogos, porém, a baixa familiaridade com jogos de tabuleiro impossibilitou a criação de jogos que pudessem ser jogados em mais de uma aula, pois não eram considerados tão divertidos pelos próprios inventores e colegas de classe. 

Ainda incentivada pelo desafio da criação de um jogo que proporcionasse aos alunos um momento de diversão dentro daquele universo com tão poucas oportunidades de alegria, surgiu a ideia – incentivada pela professora de português – de despertar nos alunos o prazer pela escrita e pela ortografia, reinventando as regras do ditado, que era considerado muito frustrante para eles. Foi assim que surgiu o Mompas. 

Na terceira aula do conteúdo jogos de mesa foi apresentado para os alunos o Mompas, criado apenas com papel, canetas e giz de cera. Posteriormente, foi criado um protótipo com arte criada no computador.

O jogo continha dados para a definição do número de letras a serem sorteadas (cada dado um grau de dificuldade devida a maior possibilidade do sorteio de um número maior de letras), dado para definição do tempo da rodada, peões, 15 casas com desafios individuais ou coletivos, cartas de desafios individuais, cartas de desafios coletivos e um conjunto de letras para sorteio.

Os jogadores começam a posicionar seus peões no início do tabuleiro. Então, para iniciar uma rodada do jogo, é realizado um sorteio aleatório para determinar o número de letras a serem utilizadas. Este número é selecionado de acordo com o nível dos alunos participantes, visando adequar o desafio ao seu grau de conhecimento e habilidades linguísticas. Após a definição do número de letras, procede-se ao sorteio do tempo disponível para os jogadores escreverem as palavras. Em seguida, são sorteadas aleatoriamente as letras que serão utilizadas na rodada específica do jogo. Estas letras constituem a base para a formação das palavras pelos jogadores. 

Nas turmas mais avançadas, foram introduzidos desafios adicionais, isso acrescenta um nível extra de dificuldade ao jogo, estimulando os jogadores a explorarem alternativas criativas na formação das palavras. Alguns desses desafios incluem a restrição para utilizar apenas verbos, palavras femininas, palavras masculinas, adjetivos, palavras acentuadas, palavras com vogais repetidas, consoantes juntas, número ímpar ou par de letras, vogais seguidas, entre outros critérios. Outros dois desafios definiram o vencedor da rodada por escrever o maior número de palavras diferentes dos demais participantes ou pela palavra com o maior número de letras, adicionando uma camada estratégica e competitiva ao jogo.

Figura 1 – Tabuleiro do Mompas

Fonte: Arquivo da autora, 2018.

Além disso, existem desafios individuais, como subtrair duas ou três palavras da contagem pessoal, avançar ou retroceder casas no tabuleiro, passar uma rodada sem jogar, ajudar um colega a vencer sem avançar no jogo, criar uma dinâmica diversificada e desafiadora para todos os participantes. 

Quando o tempo se encerra, os jogadores trocam suas folhas entre si. As palavras são verificadas quanto à norma ortográfica e adequação aos desafios, então palavras escritas corretamente ganham pontos, enquanto as incorretas são corrigidas no quadro. Uma curiosidade é que as palavras que são desconhecidas pelo corretor têm seu significado explicado para toda turma pelo aluno que a escreveu. Essa prática ajuda a corrigir erros e enriquece o vocabulário coletivo, promovendo um aprendizado interativo e colaborativo sobre ortografia e significado de palavras.

O aluno vencedor da rodada é aquele que escreveu o maior número de palavras que pontuaram na rodada, ele avançou seu peão no tabuleiro um número de casas equivalente ao número de letras sorteadas. Para vencer o jogo basta chegar primeiro na última casa do tabuleiro.

Como pode-se ver, as regras eram simples e variavam de acordo com o nível dos alunos. Além disso, tornava-os protagonistas nas aulas e considerava o conhecimento prévio dos mesmos, estratégias valorizadas, por exemplo, pela pedagogia freireana (FREIRE, 2002).

Esse jogo teve uma excelente aceitação em todas as turmas, pois era facilmente adaptável aos diferentes níveis de conhecimento graças aos desafios que eram diversos e associados principalmente ao conteúdo de português.

O desafio “a palavra não pode ser iniciada com nenhuma das letras sorteadas” fazia os alunos pensarem sobre a ordem do alfabeto. Se uma das letras sorteadas era a letra “A”, logo eles começavam a pensar palavras com “ba”, como banheiro, bacia, banho, bater etc. Quando não mais se lembravam de palavras com “ba” passavam para “ca” e assim sucessivamente. Bem como com a ordem das vogais “a, e, i, o e u” com bala, beijo, bilhete, boi etc.

Os desafios que obrigavam as palavras a “ter número par de letras” e “ter número ímpar de letras” foram desafios inseridos para auxiliar na divisão de palavras por sílabas, conteúdo que auxiliava o ensino de acentuação (paroxítonas, oxítonas e proparoxítonas) e na correta separação entre linhas das palavras. Com estes era possível perceber que palavras com “br”, “cr”, “pr”, “lh”, “cl”, “bl”, “pan”, “tam” – e outras que não foram citadas aqui – e palavras no plural poderiam mais facilmente formar palavras com número ímpares de letras. Por meio desse desafio também foi possível explicar que a soma de dois números pares resulta em um número par, que a soma de dois números ímpares resulta em um número par e que a soma de um número par com um número ímpar resulta em um número ímpar.

Considerando o desafio “apenas serão pontuadas palavras com vogais juntas”, facilita-se o ensino do conceito de hiato e acentuação, posteriormente explicado mais detalhadamente na aula de português.

Outras estratégias para vencer incluíram escrever primeiro as palavras que utilizavam menos letras, pois assim se escreviam mais palavras dentro do tempo determinado, e derivar palavras. Com isso, os alunos aprenderam sobre aumentativo, diminutivo, plural, singular, sufixos e prefixos ao derivaram palavras como casa/casinha/casarão, gato/gatos e feliz/infeliz.

Raph Koster (2013) afirma que os jogos são divertidos e auxiliam no desenvolvimento humano por nos fazer enxergar padrões, após a compreensão do padrão e o domínio dele, os jogos perdem sua capacidade de divertir e ensinar. Por isso, quando todos os desafios de um jogo são compreendidos e os macetes ou “manhas” se tornam explícitos, o jogo perde a graça. Comprovamos essa afirmação em nossa experiência, com o interesse dos alunos baixando ao longo do tempo. Para alongar a experiência com o jogo foi então realizado um campeonato com todos os alunos de todas as turmas, incluindo professores, para o fechamento deste conteúdo. 

Não foi surpresa quando a professora e inventora do jogo chegou até a fase final do campeonato, porém todos ficaram surpresos quando um aluno do 9° ano conquistou o primeiro lugar. O jogo não privilegia apenas a amplitude de vocabulário, mas a agilidade em escrever e pensar nas palavras que se adequam às regras da rodada. Este aluno recebeu uma caixa de bombons e toda a penitenciária ficou orgulhosa dele, inclusive detentos que não frequentavam a escola ficaram sabendo do feito, o que trouxe a esse aluno muita alegria e prestígio.

Na biblioteca, local onde os professores se encontravam entre as aulas, os comentários durante o desenvolvimento do conteúdo eram de que, apesar dos alunos estarem se divertindo, a aula de Educação Física não estava mais atrapalhando as demais disciplinas com o barulho demasiado. Outro comentário vindo da bibliotecária enfatizou que os alunos estavam pegando mais livros emprestados da biblioteca para conhecerem palavras novas, chegaram inclusive a pedir emprestado um dicionário. A professora de português agradeceu a ajuda e disse que eles estavam errando menos na ortografia das palavras e se interessando mais pelas palavras que não conheciam, além de relacionarem conteúdos da disciplina com o jogo, o que auxilia na apreensão do mesmo.

Sobre a aprendizagem baseada em jogos

Apesar de os conceitos de Aprendizagem Baseada em Jogos (ABJ) e Gamificação serem frequentemente usados sem o devido cuidado, quase transformando-os em sinônimos, optamos por diferenciá-los. No primeiro, o jogo é uma ferramenta e conteúdo para o ensino, geralmente aplicado no ambiente escolar, embora não necessariamente restrito a ele. No segundo, o aspecto mais relevante não é o jogo ou o aprendizado em si, mas sim a modificação do comportamento do indivíduo sob a influência da gamificação, onde a conclusão de etapas ou a aquisição de conhecimentos é recompensada (EDUCACIONAL, 2022; LUDOS PRO, 2020; RODRIGUES, 2018; UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA, 2019).

A gamificação aparece em diferentes contextos, inclusive dentro das empresas privadas. É um termo utilizado para se referir à inserção da mecânica de jogos a um contexto de não jogo (ECGBL, 2014). Basicamente, quando o termo é utilizado, se refere a um sistema de pontuação para bonificar – no inglês é utilizada a sigla PBL referente à points, badges e leaderboard para se referir à este sistema (JUNIOR, 2022) – atitudes consideradas positivas para o contexto, por exemplo, em uma empresa pode-se criar um sistema de pontuação para premiar o funcionário que chega no horário, cumpre os prazos, trata bem os colegas e no final o funcionário com maior pontuação é premiado com uma viagem ou um jantar. Na escola pode-se pontuar o aluno que está quieto na hora da chamada, faz perguntas sobre o conteúdo das aulas e auxilia os colegas no dia a dia. 

Raph Koster (2013) chega a afirmar que “uma estrutura de recompensa por si só não cria um jogo” (p. 51). É possível perceber que, por mais que a intenção seja positiva, a gamificação funciona como um sistema de reforço positivo behaviorista já muito discutido na psicologia comportamental por Skinner (2003).

Pela perspectiva de Marcellino (1998) exposta no livro Lazer e educação” pode-se associar o jogo de mesa ao lazer pela educação e à educação pelo lazer, cuja conclusão pode ser a de que mesmo quando o jogo ou o lazer termina esse indivíduo volta para a “vida real” “educado” ou seja, retorna com a aquisição de conhecimentos que modificaram a sua percepção, realidade e a realidade das pessoas a sua volta.

Muitos estudos são realizados sobre a perspectiva da ABJ, estudos que analisem a participação dos alunos, a frequência nas aulas, a retenção de conteúdo e sobre o prazer em aprender, porém é consenso entre os pesquisadores que muitos outros ainda precisam ser feitos (QIAN, 2016). 

Como um bom exemplo de instituição escolar que adota a ABJ tem-se a Quest to Learn, em Nova York, que foi criada por educadores em conjunto com especialistas em games e tem sua filosofia educacional toda baseada na aprendizagem baseada em jogos. Esta escola apresenta resultados melhores que as escolas de metodologia tradicional, mesmo em testes tradicionais. Lá, a frequência dos alunos chega  a 94% e os resultados são 24% superiores aos das demais escolas da região no exame English, Language and Arts (ELA) (SEBRAE, 2017). 

Não é surpresa para os estudiosos da ABJ que o ensino possa se dar por intermédio de jogos. Existem jogos projetados para auxiliar no desenvolvimento de  diversas habilidades: lógico matemáticas, afetivas sociais, memória, musical, imaginação, estratégia, política… E ainda existe uma infinidade de temas, conteúdos e mecânicas a serem exploradas (KOSTER, 2013). Portanto, é cada vez mais provável que o Brasil caminhe na direção da utilização de jogos como recursos didáticos. Essa observação se baseia nos benefícios da ABJ e no aumento da produção teórica no país, constatada por uma pesquisa quantitativa na plataforma Capes que apresentou que no último ano foram publicados só no ano de 2023 84 artigos, representando 31,11% do total de artigos publicados desde 2003.

Conclusão:

A invenção e aplicação do jogo Mompas nas aulas de Educação Física na EEPJEC é um dos exemplos de superação de limitações de infraestrutura e recursos materiais. O jogo construído apenas com papel possibilitou que fossem lecionadas aulas divertidas nas celas-aulas sem que o barulho advindo da diversão dos alunos atrapalhasse o trabalho dos demais professores.

O artigo também pontuou brevemente a diferenciação entre Gamificação e Aprendizagem Baseada em Jogos e os benefícios desta última para o ganho e desenvolvimento de habilidades a serem trabalhadas de modo interdisciplinar, quando apontou a associação entre os padrões necessários para ter um resultado melhor no jogo e o conteúdo de língua portuguesa.

Ressalta-se aqui que a ABJ não é um conteúdo da aula de Educação Física, mas uma abordagem metodológica que pode ser utilizada em qualquer disciplina e em qualquer momento destinado ao aprendizado, mesmo o que ocorre fora da escola.

Os profissionais interessados em trabalhar com a ABJ na sala de aula, devem considerar estabelecer um objetivo e delimitar a habilidade ou o conhecimento que se espera desenvolver nos alunos. Definido isto é possível escolher entre utilizar um jogo já produzido por outras pessoas, desenvolver um jogo e apresentá-lo à turma ou desenvolver um jogo em parceria com a turma.

Se a opção escolhida for desenvolver o próprio jogo, seja sozinho ou em parceria com a turma, é necessário ter em mente algumas “dicas” que foram desenvolvidas por pessoas que já trilharam esse caminho.

Em primeiro lugar é preciso considerar o que nos diz Leandro Costa (2009):  “Em um jogo com fim pedagógico, tudo deve estar a favor da diversão e do entretenimento”. É preciso ter em mente que os jogos, mesmo com fins educacionais, devem ser acima de tudo divertidos, caso contrário a característica do jogo voluntário provavelmente se perderá e jogar passará a ser só mais uma atividade obrigatória, assim os benefícios da ABJ serão difíceis de serem alcançados. É preciso avaliar a participação e a absorção do conteúdo por parte dos alunos, assim você, professor, ficará mais respaldado quando confrontado por pessoas que acreditam que você não está ensinando o conteúdo da disciplina.

Jogos de pergunta e respostas podem ser vistos pelos alunos apenas como provas disfarçadas e podem não engajá-los da forma que o professor gostaria. Jogos que tenham uma narrativa, uma história que o aluno vá mergulhar e se sentir imerso e envolvido pelo jogo podem ser considerados mais divertidos e quando considerada a retenção de conteúdo funcionam como as histórias dos livros e filmes. Importante ressaltar que histórias vêm educando os seres humanos há milênios.

Jogos possuem mecânicas diversas, estude-as antes de criar um jogo de trilha ou de pergunta e resposta. Para criar jogos é importante jogar. Jogue mais jogos, jogos de outros países, jogos modernos, jogos de competição e cooperativos. (COSTA, 2022)

É um desafio para os professores incorporar novas metodologias e estratégias de ensino, assim como é para os alunos se adaptarem a novas formas de aprendizagem é preciso prática para compreender e otimizar a ABJ em cada situação.

Quanto ao Mompas, foi percebido que o jogo foi capaz de incentivar os alunos a quererem ganhar, e para ganhar, eles desenvolveram diversas estratégias. A elaboração dessas estratégias, o acompanhamento delas e a sua reelaboração são considerados processos imprescindíveis para a aprendizagem e para a vida. O monitoramento das ações, a análise das consequências destas, a interação com o ambiente e os outros jogadores, tudo no jogo foi realizado com intenção e atenção. O jogo ensinou que é divertido superar desafios e aprender e que perder ou errar, mesmo que ninguém goste, faz parte do processo, auxiliando os alunos com o controle emocional. Além disso, o jogo ofereceu um feedback de aprendizagem instantâneo, tanto para o aluno, quanto para o professor e pode inclusive chegar a tornar o erro motivo de diversão, riso e aprendizado, ao invés de vergonha e frustração.

Por se tratar de um relato de experiência, seus resultados não podem ser generalizados. Porém deseja-se com este inspirar e auxiliar outros professores a conseguirem contornar limitações de infraestrutura e ausência de materiais didáticos. Bem como busca-se estabelecer um dos muitos exemplos que almejam apontar o potencial do uso de jogos nas salas de aula sob a perspectiva da ABJ, baseando-se na estruturação de padrões e compreensão desses padrões por parte dos estudantes.

Referências:

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1Mestranda na Universidade Federal de Juiz de Fora. Professora na Escola Estadual Professor José Edson Cavalieri (EEPJEC).