DESENROLANDO O TERRITÓRIO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202505311441


Gabriel da Rocha Costa1


Resumo

Este artigo discute o território como um espaço socialmente construído, onde se concentram relações, saberes e vivências que devem ser o ponto de partida para a formulação e implementação de políticas públicas. A partir da metáfora do novelo de lã, propõe-se uma leitura sensível dos territórios como ecossistemas vivos que, ao serem “desenrolados”, revelam potências e caminhos para respostas mais eficazes às demandas sociais. Destaca-se especialmente o papel do poder público na escuta e mobilização dessas redes sociais locais.

Palavras-chave: Território. Políticas públicas. Assistência Social. Saúde. Participação.

1  Introdução

Território é muito mais que solo  é vida, memória e relação. A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) traz esse princípio ao reconhecer o território como espaço de proteção social e articulação de serviços. No entanto, muitos territórios ainda “sobrevivem” em vez de viverem plenamente. E muitas políticas falham não pela falta de esforço, mas porque são pensadas fora e não com o território.

2  O território como expressão do social

Como afirma Haesbaert (2004), o território é múltiplo e multifacetado. Nele estão os vínculos comunitários, as estratégias de sobrevivência, os centros informais de cuidado. O poder público precisa reconhecer isso e agir de forma territorializada, isto é, partindo da realidade concreta das pessoas. A metáfora do novelo de lã revela isso: a utilidade só aparece quando há esforço de desenrolar, de se aproximar da trama que já existe.

3  Políticas públicas com base no território

É comum ouvir que a população “não aderiu” a determinada política pública. Mas será que ela teve chance de participar da construção dessa política? Quando fazemos algo para o território e não com ele, criamos distanciamento. Um exemplo prático: campanhas de vacinação. Em vez de esperar que todos cheguem à UBS, por que não levar a vacinação até os locais onde a vida acontece? Escolas, centros de convivência, feiras, tudo isso é território vivo.

4  Presença e escuta qualificada

A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) reforça a importância de uma atuação intersetorial e sensível ao território. Isso significa mais do que simplesmente conhecer estatísticas: é preciso vivenciar o cotidiano das comunidades, reconhecer suas potências, ouvir seus desafios e dialogar com as múltiplas vozes que compõem esses espaços. Mais do que visitas pontuais, trata-se de construir presença qualificada nos territórios, uma atuação que considera os saberes locais, que articula serviços a partir da realidade vivida pela população e que se compromete com soluções construídas coletivamente. O território precisa ser reconhecido como parte da construção da política, e não apenas como seu destino final.

5  O território como agente de transformação

Quando o território é valorizado, ele deixa de ser apenas cenário e se torna ator social. Desenrolar o território é fortalecer os laços, escutar os silêncios, ativar o que está latente. É reconhecer que a transformação começa de dentro para fora, com os fios que já estão ali, esperando para serem tecidos.

6  Considerações finais

O novelo de lã, enquanto está enrolado, guarda beleza e potencial — mas ele só se torna funcional quando é desenrolado. Ao se transformar em fio, ele pode ser tecido em algo novo: uma roupa que aquece, uma rede que acolhe, um tecido que protege. Da mesma forma, os territórios guardam em si riqueza, história, conhecimento e força social. Mas quando são ignorados ou tratados de forma genérica, seu potencial permanece oculto. Desenrolar o território é justamente ativar esse potencial, reconhecendo seus atores, suas redes e suas dinâmicas próprias. Políticas públicas que nascem a partir dessa escuta e desse reconhecimento são mais eficazes, porque não são impostas: são construídas com e para as pessoas. Nesse sentido, respeitar o território é respeitar a vida que pulsa nele — e isso é o primeiro passo para a justiça social.

Referências

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social. Política Nacional de Assistência Social – PNAS. Brasília: MDS, 2004.

HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2002.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.


1Assistente Social, Pós-Graduado e Mestrando em Saúde Pública. Secretário de Saúde e Assistência Social de Itaquaquecetuba.