DESAFIOS E REFLEXOS DA EFETIVAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA EM MEIO À PANDEMIA: UM OLHAR SOBRE OS IMPACTOS DO ISOLAMENTO SOCIAL NO CRESCIMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM MANAUS.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10182318


Marcyleia Nery De Souza¹;
Sirley Muniz Barbosa²;
Adria de Almeida Peixoto³;
Priscila Sayme Almeida Souza4.


RESUMO

Este artigo visa ampliar a discussão acerca da violência doméstica contra a mulher, tendo em vista que é um problema grave e social. Afetando não somente o físico da mulher, como também o psicológico delas. A violência que aqui é citada, consiste em qualquer tipo de abuso físico, psicológico, sexual, econômico ou emocional direcionado a uma mulher por parte de um parceiro íntimo ou membro da família. Essa forma de violência é motivada pelo desequilíbrio de poder entre homens e mulheres, além de ser alimentada por normas culturais, crenças ou até mesmo pelo enraizamento do patriarcado. Neste sentido, a pesquisa visa analisar se a pandemia aumentou o número dos casos de violência contra a Mulher na cidade de Manaus e verificar de que modo foi realizado esse atendimento a elas, destacando os desafios do acesso a rede de enfrentamento. Esta pesquisa é inteiramente bibliográfica com base em uma abordagem qualitativa e quantitativa, sem esquecer de utilizar também o aspecto exploratório. A pesquisa tem o propósito de evidenciar tal problemática, de modo a suscitar novas pesquisas e contribuir para o trabalho profissional do/a assistente social junto às mulheres vítimas de violência.

Palavras-chave: Violência doméstica, mulher, Isolamento, Covid-19.

ABSTRACT

This article aims to expand the discussion on domestic violence against women, considering that it is a serious and social problem. Affecting not only the woman’s physique, but also their psychology. The violence mentioned here consists of any type of physical, psychological, sexual, economic or emotional abuse directed against a woman by an intimate partner or family member. This form of violence is motivated by the imbalance of power between men and women, in addition to being fueled by cultural norms, opinions or even the entrenchment of patriarchy. In this sense, research aims to analyze whether the pandemic increased the number of cases of violence against women in the city of Manaus and verify how this assistance was provided to them, highlighting the challenges of accessing the coping network. This research is extensive bibliographically based on a qualitative and quantitative approach, without forgetting to also use the exploratory aspect. The research aims to highlight this problem, in order to stimulate new research and contribute to the professional work of social workers with women who are victims of violence.

Keywords: domestic violence, woman, social isolation, COVID-19.

1. INTRODUÇÃO

Essa pesquisa emerge da identificação do crescimento do número de mulheres violentadas no contexto pandêmico. Sabemos que, em decorrência do aumento de casos do Novo Coronavírus, muitas mulheres que já eram violentadas acabaram ficando mais expostas aos seus agressores em razão do distanciamento social proposto pelo governo, a fim de evitar a propagação da Covid-19. No entanto, é importante salientarmos que tal violência já existe desde séculos passados com enraizamento do patriarcado, visto que a mulher era considerada inferior ao homem.

De acordo com Carvalho et al. (2012), as mulheres tiveram grandes dificuldades para legitimar seus direitos e participações. Muitas eram maltratadas e isso era visto como a melhor forma de manter a mulher submissa. Além disso, é importante ressaltar que a violência contra a mulher tem os mais variados exemplos históricos, dos mais perversos e cruéis acontecimentos na história.

O interesse na abordagem deste objeto de estudo surgiu por meio de uma palestra de uma profissional que luta diariamente pela defesa dessas mulheres violentadas. Foi através de jornais que foi possível identificar alguns aspectos instigantes a respeito da violência contra a mulher, sobretudo na cidade de Manaus.

A pesquisa tem o propósito de evidenciar tal problemática como uma das expressões da questão social, com foco nas particularidades no âmbito das relações de gênero, de modo a suscitar novas pesquisas e contribuir para o trabalho profissional do/a assistente social junto às mulheres vítimas de violência.

2. OS IMPACTOS DO ISOLAMENTO SOCIAL NO CRESCIMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

É notório que a ascensão da Covid-19 trouxe inúmeros problemas sociais, dentre eles, podemos destacar a violência doméstica, no entanto, precisamos entender o desenvolver dessa doença que ocasionou inúmeras mortes no mundo todo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (2020) o coronavírus não foi algo que emergiu de uma hora para outra, mas sim advém de tempos passados. Dentre as suas inúmeras ocorrências, o surto de SARS em 2003 foi um dos marcos na manifestação da doença em humanos, já que seu hospedeiro ecológico eram os morcegos e saltou de um hospedeiro animal (gato civeta, animal selvagem) para os humanos e subsequentemente se espalhou.

Apontando para a evolução do vírus, Gozlan (2020) destaca que a cepa (HCoV) foi descoberta em humanos em 1965 e os estudantes envolvidos no experimento foram diagnosticados com síndrome da gripe comum. No ano seguinte, o vírus foi isolado e denominado HCoV 229E, já em 1967, outro coronavírus foi isolado e denominado HCoV- OC43, estabelecendo, assim, a sua relação com sintomas semelhantes aos da gripe em humanos. É perceptível que, ao decorrer do tempo, o vírus foi se expandindo e passou a ter outras mutações. A família Coronaviridae possui quatros tipos de gênero que são compostos pelos alfas coronavírus, betacoronavírus, gamma coronavírus e delta coronavírus. SARS-CoV e MERS-CoV são os vírus que são patogênicos, que, no caso, são representados pelos alfas coronavírus e os betacoronavírus, que ocasionam graves doenças respiratórias em humanos e gastroenterite em animais, conforme salientam Cui,Li e Shi (2019).

O reaparecimento do coronavírus ocorreu em dezembro de 2019, quando um surto de síndrome semelhante à gripe começou em Wuhan, na China. Segundo Gruber (2020), a maioria dos casos de coronavírus ocorreu entre pessoas que tiveram contato com o mercado de Huanan. Este mercado comercializa frutos do mar e outros animais silvestres que na época eram vendidos vivos ou abatidos. Porém, há relatos de que muitas pessoas que não tiveram exposição ao mercado acabaram contraindo a doença, ressaltando que o vírus também pode ser transmitido pelo ar.

Observando esse cenário, podemos traçar inúmeras analogias com a crise sanitária desencadeada pela Covid-19, apontando assim que, além de ser um problema de saúde pública, em última análise, abrange também questões econômicas, sociais e culturais. Neto e Silva (2020, p. 63) destacam que:

o governo Bolsonaro adotou uma postura claramente neofascista no contexto de ascendência da pandemia da covid-19. Ao invés de estabelecer uma política de combate ao avanço da doença, conforme as orientações da OMS e as determinações dos epidemiologistas e especialistas da área de saúde, o presidente preferiu ignorá-las completamente em benefício da primazia econômica e da necessidade de salvar os investimentos capitalistas.

Nesse sentido, é possível notar que a burocracia para resolver tal crise sanitária trouxe impactos em todos os âmbitos, inclusive social. O desemprego que já era um problema social, se agudizou ainda mais na pandemia, aprofundando ainda mais as desigualdades sociais. De acordo com o Jornal da Usp (2021), a taxa de desocupação aumentou de 45% para 53% no período de efervescência da pandemia. Em continuidade, o Jornal (2021, s.p.) pontua que:

o início de 2020 foi marcado por um surto no crescimento de trabalhos com carteira assinada, afetando o crescimento da informalidade. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) mostram que, com a chegada da pandemia, 13,9 milhões de pessoas ficaram desempregadas até dezembro, com a maior taxa média da série iniciada em 2012. O setor de serviços, como restaurantes, hotelaria e viagens, foi o mais afetado.

Além disso, a pandemia expôs as diversas fragilidades da economia brasileira expressas “[…] na desindustrialização, no trabalho informal, na especialização da produção de bens primários para exportação, e que tem como principal comprador de commodities1 a China, onde se iniciou a epidemia.” (COSTA, 2020, p. 970). Sendo assim, fica notório que a pandemia da covid-19 atingiu todas as comunidades, instituições e estabelecimentos do mundo todo, afetando principalmente os mercados financeiros e a economia global (NICOLA et al., 2020).

É importante enfatizarmos que o Ministério da Economia previa alguns impactos em razão da pandemia e, por isso, promoveu algumas ações como forma de simular o acontecimento que poderia afetar a economia brasileira. Dentre eles, podemos destacar a “redução das exportações; queda no preço de commodities1 e piora nos termos de troca; […] queda nos preços de ativos e piora das condições financeiras; e redução no fluxo de pessoas e mercadorias.” (BRASIL, 2020).

As demolições massivas ocorridas durante a gestão anterior (2019-2022) do governo Bolsonaro desestabilizaram não apenas as políticas públicas, mas a própria sociedade. O agravamento da covid-19 no Brasil se reflete não apenas no comportamento da sociedade como um todo, mas também na postura de seus governantes. Os vários discursos do ex-presidente Jair Bolsonaro ao organismo internacional, a Organização Mundial da Saúde, deixaram claro que a sua abordagem à pandemia foi algo trivial, colocando mais ênfase na economia do que nas vidas perdidas. Prova credível disso é o seu discurso sobre o novo coronavírus, que enfatizou que a urgência do novo coronavírus está além do normal, não mais do que uma simples “gripezinha”2, sem prestar atenção à escala da doença.

No geral, a pandemia atingiu mais as pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social do que as que vivem em boas condições. Isso se deu em decorrência do emprego informal3, a falta de acesso a materiais de higiene, a carência de meios para acessar a internet etc.

Ao abordamos sobre alguns fatores que contribuíram para o abarrotamento da violência, Noal et al. (2020, p. 7-8) destaca que:

[…] O impacto econômico negativo nas famílias, o qual tende a aumentar violência doméstica e familiar e gerar preocupações sobre a garantia de subsistência; O tempo e a intensidade do confinamento, o qual pode aumentar o estresse psicológico entre pais/responsáveis e membros da comunidade, levando ao aumento de conflitos interpessoais; O aumento do uso abusivo de álcool e outras drogas no ambiente familiar tendem a aumentar a probabilidade de ocorrer violência (psicológica, física e sexual), pois a capacidade de contenção dos próprios atos pode encontrar-se reduzida […].

O isolamento social que foi imposto pelo Novo Coronavírus, trouxe alguns problemas elencado a violência cometida contra a mulher. As mulheres eram frequentemente vigiadas e mantidas em isolamento, sendo privadas até mesmo de ter contato com seus familiares, o que aumenta ainda mais o escopo para ações manipulativas psicológicas. (VIEIRA et al. 2020).

A coexistência de vítimas e perpetradores na segregação social agrava os fenômenos sociais existentes, expondo a difícil realidade da vida de algumas mulheres, que nem sequer conseguem encontrar paz nas suas próprias casas. Muitas mulheres não conseguem sair de um relacionamento abusivo por causa do julgamento que enfrentarão.

A dependência emocional e financeira é um dos problemas mais comuns nesses relacionamentos abusivos, junto com isso, há o conceito de parentes, amigos, vizinhos e até estranhos de “Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. Tal linguagem promove o desrespeito pelo problema e a repressão ao crime. As mulheres tendem a isolar-se e ignorar a agressão devido à falta de apoio, o que pode ser visto de uma forma normal (PIRES et al., 2021).

A perspectiva da perda de poder masculino prejudica diretamente as figuras masculinas, isso porque o homem é visto diretamente como aquele que prover o sustento do seu lar e quando ele perde esse papel, isso acaba dado gatilhos para a incitação da violência. Embora a violência contra as mulheres tenha aumentado durante a pandemia da COVID-19, o acesso aos serviços de apoio às vítimas diminuiu, especialmente, nos setores da assistência social, saúde, segurança pública e justiça (VIEIRA et al. 2020).

De acordo com Vieira et al. (2020), houve uma diminuição na oferta de serviços, devido à redução da procura nos atendimentos das vítimas. Ao destacarmos isso, podemos pontuar acerca do medo da vítima com o contágio do vírus. Ou seja, além de lidar com o problema sanitário, ela ainda tem que lidar com os estigmas aplicados em si por outras pessoas. Por isso, a mulher que é violentada tem que passar por pessoas capacitadas e, especialmente, treinadas para evitar tal desconforto as vítimas.

No que diz respeito ao enfrentamento da violência contra a mulher, é necessário medidas que fortaleçam o acesso delas a rede, isto é, o acolhimento dessas mulheres violentadas não se restringe apenas nos casos de denúncias. Mas sim, de estratégias providas pelo Estado e a sociedade, a fim de erradicar de vez esse grande mal (VIEIRA et al. 2020).

Ao abordar sobre a violência acontecer dentro de casa, a Delegada Débora Mafra4 salientou:

Primeiro que dentro de casa as pessoas são o que realmente são. É um local reservado pra família. E o homem foi criado por conta da educação machista, para achar que tudo ali pertence apenas a ele; a mulher, os filhos, a casa, entre outros. Então lá ele se comporta da maneira que quiser, se revolta e bate na mulher, ou bate nos filhos. E a mulher sofre agressão física, agressão psicológica, e vai perdendo a vontade de denunciar, demorando em média até 10 anos.

Ou seja, a violência contra a mulher não é algo que emergiu recente, ela sempre existiu. Só estava infiltrada no bojo das desigualdades sociais que ainda permeiam a sociedade até os dias de hoje. Ao apontar as inúmeras problemáticas ocasionadas pela pandemia do Novo Coronavírus, podemos ressaltar que “o isolamento social […] traz à tona, de forma potencializada, alguns indicadores preocupantes acerca da violência doméstica e familiar contra a mulher” (VIEIRA et al., 2020, p. 2).

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2020), teve um crescimento significativo nos casos de violência contra a mulher no Brasil, no entanto, em virtude da conjuntura presente no período de efervescência da Covid-19, muitas denúncias não foram feitas. Ao abordar esse assunto, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2020,p.3) destaca que:

Uma das consequências diretas dessa situação, além do aumento dos casos de violência, tem sido a diminuição das denúncias, uma vez que em função do isolamento muitas mulheres não têm conseguido sair de casa para fazê-la ou têm medo de realiza- la pela aproximação do parceiro. […] Na Itália, por exemplo, país que apresenta uma das situações mais críticas na pandemia de coronavírus e que se encontra em quarentena desde o dia 09 de março deste ano, foi registrada queda de 43% das denúncias/ocorrências de crimes domésticos em seu território. De acordo com dados oficiais divulgados pelo comitê parlamentar de violência contra mulheres, os relatórios da polícia sobre abuso doméstico caíram para 652 nos primeiros 22 dias de março, comparado a 1.157 no mesmo período de 2019.

Segundo Souza e Farias (2022), os dados demonstram um aumento significativo no mês de fevereiro de 2020, que comparado com o mesmo mês de 2019, teve um aumento de 13,35% nos casos de violência contra a mulher. Com a emergência do Novo Coronavírus no Brasil, medidas restritivas de isolamento social foram adotadas, a fim de evitar a propagação dessa nova doença. Mediante isso, o número de denúncias registradas pelo ligue 180 em março de 2020 foi em torno de 17,89%, maior do que o mês de março 2019.

Tais dados destacam a fragilidade que a rede de enfrentamento a violência contra Mulher enfrenta. Se por um lado, temos os dados do disque 180 que apontam um aumento nas denúncias realizadas, por outro, os dados registrados em órgãos competentes ressaltam a diminuição desses mesmos casos de violência, demonstrando assim, uma certa contrariedade em razão das transparências dos dados oferecidos e de como é realizado esse atendimento.

Com base nisso, Souza e Farias (2022, p. 226) pontuam que o aumento da violência na pandemia possui raízes marcadas no patriarcado,

A problematização do aumento da violência doméstica no contexto de isolamento social pela pandemia de covid-19, com base nos dados do Disque 100 e ligue 180, revela os reflexos de uma sociedade machista e patriarcal, que reforça o modelo hegemônico de masculinidade construído com base em significados que associam o sexo masculino à força e ao poder. Observa-se que as centrais telefônicas, os sites de divulgação e os canais midiáticos são importantes ferramentas para auxiliar no combate à violência doméstica. Contudo, o enfrentamento à violência contra a mulher no contexto pandêmico não pode se limitar apenas ao registro de denúncias. É preciso se conscientizar de que o fenômeno corresponde a um problema estrutural e exige estratégias de intervenção em curto, médio e longo prazos para a obtenção de um resultado eficaz.

Barros et al. (2021) ressalta que mesmo que o isolamento social tenha sido criado para minimizar os impactos desse vírus letal, ainda assim, foram as mulheres que ficaram mais em evidência dessa grande ameaça, isto devido ao alto índice de violência. Em continuidade, podemos trazer os dados do Amazonas que confirmam tal exposição.

Segundo os dados da Segurança Pública (2019), no ano de 2019 foram registrados 17.984, já no ano de 2020 foram 23.799 casos, com 5.815 casos a mais, se comparado ao ano de 2019, esses dados foram realizados aqui no Amazonas, demonstrando ainda mais o exacerbamento da violência. Vale salientar que nem todas realizam o ato da denúncia, muitas por medo da exposição ao vírus, outras em razão da vergonha, etc., acabam não denunciando o seu parceiro, dificultando assim a contabilização correta do número das vítimas.

Ainda na análise dos dados fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública, dentre as violências mais frequentes contabilizadas no período de efervescência da pandemia, destacamos as três mais corriqueiras: injúria, ameaça e lesão corporal. Com base nisso, é possível entender que:

A violência doméstica deixou de ser compreendida como um problema pessoal para ser vista como uma expressão da questão social, um grave problema de saúde e objeto de políticas públicas nos dias atuais, considerando que o sistema patriarcal encontrou guarita na sociedade contemporânea, articulando-se à outros sistemas de opressão e exploração, como o racismo e o capitalismo. (BARROS et. al. 2021, p. 7).

O Brasil em si, é marcado pelas disparidades sociais vigentes na sociedade, uma delas é essa segregação e descentralização de serviços, apesar da pandemia da Covid-19 ter terminado, ainda assim encontramos vestígios de sua passagem. Uma delas seria a burocratização do acesso das vítimas aos serviços prestado, principalmente àquelas que estão em vulnerabilidade social ou moram no interior. Nesse sentido, é necessário criar medidas para coibir tais atos que prejudicam a saúde física e moral da mulher, isso por meio de políticas de enfrentamento a violência, afirmadas pela Lei º 11.340, a Lei Maria da Penha.

3. A EFETIVAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA EM CONTEXTO PANDÊMICO

No Brasil, a Lei n° 11.340/2006, também conhecida como a lei Maria da Penha, define a violência doméstica contra a mulher como um crime. Tal lei busca assumir aspectos de evitar, enfrentar e punir a agressão, indicando também a responsabilidade que cada órgão público tem para ajudar a mulher que está em situação de violência. Dentre os tipos de violência, apontados pela lei Maria da Penha, temos:

  1. Física: Ferir e causar danos ao corpo, sendo caracterizada por tapas, empurrões, chutes, murros, perfurações, queimaduras, tiros, dentre outros.
  2. Sexual: Quando o agressor obriga a vítima por meio de conduta que a constranja, a presenciar, manter ou participar de relação sexual sem consentimento.
  3. Moral: Constitui qualquer conduta que caracterize calúnia, difamação ou injúria.
  4. Psicológica/emocional: a forma mais silenciosa, possuindo efeito cumulativo caracterizado por qualquer conduta que resulte em dano emocional como a diminuição da autoestima, coação, humilhações, imposições, desvalorização, xingamentos, desprezo, desrespeito e entre outras ações que transgridam os valores morais.
  5. Patrimonial: Refere-se à destruição de bens materiais, objetos, documentos e confiscação financeira entre outros. (BRASIL, 2006).

Nesse sentido, para se obter uma política de enfrentamento mais efetiva, é preciso que as leis sejam executadas de forma mais rígida, para que o agressor não tenha oportunidade de liberdade. Miranda (2019) aponta que, no Brasil, a cultura de violência contra a mulher se perpetua por muito tempo. Ela reforça dizendo que isso não é só um problema entre os gêneros, mas sim da sociedade em geral.

Sobretudo, ao abordamos sobre a Lei 11.340, faz-se necessário trazer um breve resgate histórico da Lei Maria da Penha5, desde a época de seu surgimento até agora como uma política. Nesse sentido, estendemos o mais tão brilhante e angustiante papel, a dona Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência doméstica por seu ex-companheiro, Marco Antônio Heredia, o autor da violência.

A lei recebeu esse nome em virtude da dona Maria ter sofrido duas tentativas de homicídios6 de seu ex-companheiro que naquele tempo era seu esposo, a primeira tentativa ocorreu quando ela foi atingida por uma arma de fogo nas costas enquanto dormia, deixando-a paraplégica e a outra aconteceu quando ela estava no banho, ele tentou matá-la eletrocutada.

Apesar de suas inúmeras limitações e cansada de esperar por uma política de enfrentamento a violência doméstica digna de seu país, dona Maria da Penha, apelou ao mais alto centro de justiça internacional. De acordo com Campos (2008, p. 20),

Em 20 de agosto de 1998 o caso chegou ao conhecimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos – órgão da OEA – Organização dos Estados Americanos, cuja principal tarefa consiste em analisar as petições apresentadas aquele órgão denunciando violações aos direitos humanos, assim considerados aqueles relacionados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.

Maria da Penha foi a responsável por apresentar a denúncia à Comissão Internacional de Direitos Humanos e trabalhou em estreita colaboração com o Centro de Justiça e Direito Internacional – (CEJIL), entidade não governamental presente no Brasil desde 1994 no qual visa defender e promover os direitos humanos nos Estados membros da Organização dos Estados Americanos e do Comitê de Defesa dos Direitos na América Latina e no Caribe Mulheres (CAMPOS, 2008).

Em 2001, o Estado Brasileiro foi responsabilizado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos7, por meio do relatório nº54/018, por negligência e omissão as mulheres que foram vítimas de violência doméstica. Em virtude disso, a Comissão sugeriu que fosse criada uma legislação adequada a essa violência.

Segundo o portal do TJMG (2023), a Convenção de Belém do Pará foi um marco para a luta das mulheres contra a violência, mesmo com as suas inerências. Ainda assim, traz consigo uma historicidade de luta que firmar o avanço lentamente da Lei 11.340, tanto que foi intermédio dessa convenção que o caso Maria da Penha recebeu o número 12.051 e foi o primeiro caso de aplicação a Convenção.

Nesse sentido, trazendo para a real atualidade, foram inúmeros avanços que ocorreram ante e após a promulgação da Lei Maria da Penha. No entanto, ainda assim percebemos algumas lacunas que ficaram em abertos, que podem ser melhoradas. Conforme aponta Vieira, Garcia e Maciel (2020, p. 3),

[…] durante a pandemia da COVID-19, ao mesmo tempo em que se observa o agravamento da violência contra a mulher, é reduzido o acesso a serviços de apoio às vítimas, particularmente nos setores de assistência social, saúde, segurança pública e justiça. Os serviços de saúde e policiais são geralmente os primeiros pontos de contato das vítimas de violência doméstica com a rede de apoio.

As ações devem ter uma abordagem interseccional, a fim de facilitar o acesso aos serviços e dar respostas adequadas à realidade de cada mulher que está sujeita ao peso da discriminação de gênero. Ao abordamos sobre um atendimento adequado para mulher em situação de violência, estamos reiterando a necessidade de um atendimento mais humanizado, visto que no momento da fragilidade da vítima, ela necessita de uma rede de apoio que a ajude. Tendo em vista o que está descrito no artigo 11 da Lei 11.340/06 que o atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:

  1. – Garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;
  2. – Encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;
  3. – fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;
  4. – Se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;
  5. – Informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis, inclusive os de assistência judiciária para o eventual ajuizamento perante o juízo competente da ação de separação judicial, de divórcio, […] (Redação dada pela Lei nº 13.894, de 2019).

A lei que foi citada acima visa introduzir ações de combate à violência sofrida por mulheres, e aborda o campo da educação, em que a informação e a prevenção devem ser enfatizadas. É importante, ainda, difundir valores de respeito no âmbito de gênero, raça e etnia. Teles (2003) pontua que existe uma carência no âmbito educativo ao combate à violência de gênero por meio de ações preventivas e de medidas articuladas com a educação, que por sua vez, visam a capacitação dos cidadãos para a efetiva mudança de comportamento.

Por outro lado, tais práticas educativas são necessárias não somente para o restabelecimento do agressor, mas também de uma qualificação profissional aos servidores que realizam esse atendimento direto com as vítimas, tendo em vista que muitas mulheres que são violentadas deixam de realizar o ato da denúncia por medo de sofrer com piadas, ou de ser simplesmente ignoradas pelos profissionais que a atendem. Tomando isso para si, trazemos consigo o artigo 10 da lei 11.340 ao qual retifica a postura da autoridade:

§ 1º A inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de testemunha de violência doméstica, quando se tratar de crime contra a mulher, obedecerá às seguintes diretrizes:

  1. – Salvaguarda da integridade física, psíquica e emocional da depoente, considerada a sua condição peculiar de pessoa em situação de violência doméstica e familiar;
  2. – Garantia de que, em nenhuma hipótese, a mulher em situação de violência doméstica e familiar, familiares e testemunhas terão contato direto com investigados ou suspeitos e pessoas a eles relacionadas
  3. – Não revitimização da depoente, evitando sucessivas inquirições sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo, bem como questionamentos sobre a vida privada.

No mais, é notório que “os benefícios trazidos pela Lei n° 11.340/06, não são medidas que protegem com efetividade total, mesmo sendo uma de medida de urgência na maioria das vezes onde a mulheres estão em situação de violência constante, a omissão em diversas situações.” (BARBOD, 2022, p. 20). Logo, podemos suscitar que apesar da lei ter medidas legais ao combate da violência contra à mulher, ainda assim são muitos os desafios para implementar medidas que auxiliem essas mulheres em situação de vulnerabilidade, principalmente no período de crise sanitária.

Deste modo, faz-se necessário “ações efetivas de prevenção e combate à violência sofrida pelas mulheres […] para enfrentar essas demandas e capacitar os profissionais no atendimento à essas vítimas violentadas durante e após a pandemia”(BARROS et al., 2021, p. 10-11). Por isso, é necessário que exista mais investimentos em ações educativas, em políticas de enfrentamento a violência e principalmente na promoção de ações preventivas contra a violência, promovendo assim, uma sociedade mais justa.

4. CONCLUSÃO

A pandemia trouxe inúmeros impactos a sociedade, dentre eles, o aumento da violência doméstica contra a mulher, mas isso não quer dizer que antes da pandemia não existisse tal problema social, ele sempre existiu, no entanto, era mais velado que atualmente. Com o advento da pandemia, essa violência ficou em mais destaque devido ao aumento no número de casos de denúncias.

Torres et al. (2023, p. 12585) pontua que “as mulheres, em meio às medidas emergenciais adotadas para proteção contra a Covid-19, tiveram sua rotina de trabalho doméstico ampliada. Nesse espaço […] elas acabaram sendo as principais vítimas da violência”. Logo, o tempo de convivência com o seu agressor passou a ser maior que o normal, isso tudo em razão do isolamento social imposto pelo governo.

Apesar do isolamento social ter sido uma ação necessária para o controle da crise sanitária que assolava a sociedade no período de efervescência da Covid-19, ainda assim se tornou um terreno fértil para o acúmulo de violência doméstica em Manaus. A efetivação da Lei Maria da Penha se tornou necessária nesse período, no entanto, passou por alguns obstáculos significativos nessa mudança de cenário.

Nesse sentido, fica evidente que medidas e estratégias devem ser periodicamente modificadas e avaliadas para um melhor funcionamento da rede de enfrentamento e o acesso a ela. Os dados apresentados demostram a urgência da atualização e modificações para a efetivação dos direitos das mulheres a não violência.

Por isso, faz-se necessário elaborar uma estrutura, profissionais e sistemas mais capacitados para receber essa vítima, pois tal atendimento vai muito mais além de coletar um simples relato de violência. Podemos dizer que são linhas que devem ser traçadas cuidadosamente, afinal, a mulher ainda se encontra em situação vulnerável e toda vez que precisa relatar aquela violência vivenciada, é como se ela estivesse tendo que passar por tudo de novo, e a realidade de cada mulher violentada é muito diferente da outra.


1 É tudo aquilo que, se apresentando em seu estado bruto (mineral, vegetal etc), pode ser produzido em larga escala; geralmente se destina ao comércio exterior e seu preço deve ser baseado na relação entre oferta e procura. Para saber mais: https://www.dicio.com.br/commoditie/.
2 Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55107536. Acesso em: 24 jan. 2023.
3 Ver World Bank (2021).
4 Disponível em: Violência doméstica na pandemia é tema do ‘Cenarium Entrevista’, com a delegada Débora Mafra- Revista Cenarium. Acesso em: 03 set. 2023.
5 Ver Lei Maria da Penha – (CNJ). Disponível em: https://www.cnj.jus.br/lei-maria-da-penha/
6 Ver Portal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (2023). Disponível em: https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/perguntas-frequentes/por-que-a-lei-n-11-340-2006-que- criou-mecanismos-para-coibir-a-violencia-domestica-e-familiar-contra-a-mulher-e-chamada-lei-maria-da- penha.htm#
7 Eles têm como objetivo, promover o respeito e a defesa dos direitos humanos. Para saber mais: https://www.oas.org/pt/CIDH/jsForm/?File=/pt/cidh/mandato/funciones.asp
8Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/mod/resource/view.php?id=2396867

5. REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e dá outras providencias. Brasília: Presidência da República, 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004- 2006/2006/Lei/L11340.htm>. Acesso em: 17 fev. 2023.

BRASIL. Ministério da Economia avalia impacto econômico do coronavírus. Ministério da Economia. 2020. Disponível em: <https://www.gov.br/pt-br/noticias/financas-impostos-e-gestao- publica/2020/03/ministerio-da-economia-avalia>. Acesso em: 25 fev. 2023.

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¹Graduanda em Serviço Social E-mail: marcyanery20@gmail.com
²Graduanda em Serviço Social E-mail: sclara.barbosa1@gmail.com
³Bacharela em Serviço Social E-mail: adrialmd@gmail.com
4Mestranda em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, Assistente Social E-mail: priscilasayme@gmail.com