DESAFIOS E PERSPECTIVAS DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

CHALLENGES AND PERSPECTIVES OF THE BRAZILIAN PRISON SYSTEM

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202505251738


Rafael Barbai1
Prof. Ms.Walter Martins Muller2


RESUMO

O sistema carcerário brasileiro enfrenta sérios problemas, apesar de ser amplamente respaldado pela legislação. A superlotação é o problema mais evidente, mas outros fatores, como a falta de condições adequadas de higiene, a ausência de atividades ressocializadoras e a exposição à criminalidade, também contribuem para a falência do sistema. As perspectivas para o sistema carcerário incluem a necessidades de reformas que priorizem a humanização das prisões, a reintegração social dos detentos e os investimentos em alternativas á prisão, como penas mais brandas para delitos menores. A crescente conscientização sobre direitos humanos e a pressão da sociedade civil também pode contribuir para mudanças positivas.  Os presos, em sua maioria, permanecem em condições degradantes, ociosos e vulneráveis à corrupção. A função do Estado é punir e, ao mesmo tempo, garantir a integridade física e moral dos detentos, conforme estabelecido na Constituição, no Código Penal e na Lei de Execução Penal. O objetivo principal da pena deve ser a recuperação e reintegração do indivíduo à sociedade. No entanto, o alto índice de reincidência demonstra a ineficácia do sistema, tornando urgente a busca por soluções eficazes. Este trabalho visa analisar a crise do sistema prisional, refletindo sobre seu impacto na sociedade.

Palavras-chave: Fake News. Redes Socias. Punibilidade.

ABSTRACT

The Brazilian prison system faces serious problems, despite being widely supported by legislation. Overcrowding is the most evident issue, but other factors, such as inadequate hygiene conditions, the absence of resocialization activities, and exposure to criminality, also contribute to the system’s failure. Most inmates remain in degrading conditions, idle, and vulnerable to corruption. The State’s role is to punish while ensuring the physical and moral integrity of detainees, as established by the Constitution, Penal Code, and the Law of Penal Execution. The primary goal of imprisonment should be the recovery and reintegration of the individual into society. However, the high rate of recidivism demonstrates the system’s inefficiency, making it urgent to seek effective solutions. This study aims to analyze the crisis of the prison system, reflecting on its impact on society.

Keywords: Fake News. Social Network. Punishability

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo aborda a realidade dos presídios brasileiros, confrontando-a com a legislação vigente, com o objetivo de analisar a situação caótica e crítica em que o Brasil se encontra frente à crise no sistema penitenciário. Este tema tornou-se uma preocupação crescente para a sociedade, uma vez que o atual cenário representa uma situação alarmante que exige atenção urgente e justifica a necessidade de um debate aprofundado.

A responsabilidade exclusiva de aplicar a punição recai sobre o Estado, que também deve fornecer toda a infraestrutura necessária para o cumprimento das penas. No caso da pena privativa de liberdade, o único direito retirado do indivíduo condenado deve ser o de ir e vir; todos os demais direitos precisam ser garantidos pelo Estado.

A obrigação do Estado em relação aos apenados é claramente estabelecida na Constituição Federal, especificamente no artigo 5º, inciso XLIX, que assegura aos presos o respeito à integridade física e moral. Essa obrigação é reforçada por dispositivos infraconstitucionais, como o artigo 38 do Código Penal, que estabelece que “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”. Além disso, a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) corrobora esses dispositivos ao afirmar, no artigo 3º, que “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”.

Primeiramente, a superlotação é um dos maiores desafios do sistema carcerário brasileiro. Com uma capacidade com muitas vezes é excedida em mais de 200%, as prisões se tornam locais insalubres, onde os direitos humanos são frequentimente violados. Isso contribui para um ambiente propício à violência, tanto entre os internos quanto em relação aos agentes penitenciários. A falta de espaço e recurço impede que os desenvolvimentos de programas educacionais e de capacitação, que são fundamentais para a reintegração social dos presos.

No entanto, o sistema carcerário brasileiro enfrenta desafios profundos e enraizados que demandam uma abordagem multifacetada. A superlotação, a falta de programas de ressocialização e a corrupção são as quetões urgentes que precisam ser tratadas com seriedade. A transformação desse sistema não é apenas uma questão de justiça, mas também uma nessecidade para a contrução de uma sociedade mais justa e igualitária. Para isso, é crucial que as vozes da sociedade civil continuem a pressionar por mudanças significativas e duradouras.

Diante dessa base legal, este artigo propõe uma análise detalhada sobre a origem das penas, a composição da população carcerária e a aplicabilidade dos dispositivos constitucionais e legais que regem a execução penal. Além disso, serão examinados a eficiência dessas normas, os principais problemas enfrentados pelo sistema carcerário e possíveis soluções para essa crise. A intenção é oferecer uma reflexão crítica que contribua para o entendimento das complexidades e desafios que permeiam o sistema prisional brasileiro, destacando a importância de reformas estruturais para garantir o cumprimento dos direitos fundamentais dos apenados.

2 DA ORIGEM DAS PENAS

Desde os tempos primórdios, as relações entre pessoas foram reguladas por normas que permitiram o convívio em sociedade. Essas normas sempre vieram acompanhadas de sanções, impostas àqueles que as descumprissem, estabelecendo a base da justiça e da ordem social. A pena, entendida como uma reação ao mal causado pelo delito, é uma constante na história da humanidade. Segundo Maggiore (2017, p. 47), a pena, enquanto resposta ética à transgressão, não possui início ou fim na história, sendo inerente à condição humana, sempre ligada às noções de delito e punição. Com o passar do tempo, à medida que as sociedades evoluíram, as formas de penalização também se transformaram, acompanhando as mudanças nas relações sociais. Os historiadores costumam dividir essa evolução em quatro fases distintas: a vingança privada, a vingança divina, a vingança pública e o período humanitário.

Na fase da vingança privada, a justiça era realizada diretamente pela vítima ou seus familiares, sem qualquer intervenção de uma autoridade central. Nesse contexto, não havia limites ou controles, e as punições aplicadas eram frequentemente desproporcionais ao crime cometido, sendo movidas pelo desejo de vingança. A gravidade do delito, portanto, não era o fator determinante para a punição, mas sim a intensidade da retaliação. No entanto, para garantir a coesão social e evitar os excessos dessas práticas vingativas, tornou-se necessário o surgimento de um poder central que assumisse a responsabilidade de aplicar as sanções. Foi nesse contexto que surgiu a Lei de Talião, que introduziu o conceito de proporcionalidade na aplicação das penas, com a máxima “olho por olho, dente por dente”, marcando um avanço na ideia de justiça, mesmo que ainda na esfera da vingança.

Com o desenvolvimento das sociedades, a vingança privada deu lugar à vingança divina. Nessa fase, os crimes passaram a ser vistos não apenas como ofensas pessoais, mas também como ofensas aos deuses. O direito penal adquiriu um caráter religioso, e os sacerdotes, considerados intermediários entre os homens e as divindades, assumiram a função de aplicar as punições. A crença na conexão direta entre os sacerdotes e os deuses justificava a aplicação de penas cruéis e desumanas, que eram vistas como formas de expiação e apaziguamento dos deuses ofendidos. Esse período foi marcado por misticismo profundo, e muitas atrocidades foram cometidas em nome da religião, consolidando um sistema penal baseado no medo e na superstição.

A transição para a vingança pública representa um marco crucial na história do direito penal. Com o fortalecimento das instituições estatais, as penas privativas de liberdade começaram a ser formalmente incorporadas ao ordenamento jurídico. Diferentes tipos de crimes passaram a ser distinguidos e suas respectivas punições foram definidas com maior clareza. A Igreja e o Estado assumiram papéis específicos na aplicação dessas sanções: os crimes que transgrediam as leis eclesiásticas eram punidos com penas religiosas, enquanto os crimes contra o Estado resultavam em encarceramento. Ainda assim, apesar dos avanços, essa fase não foi isenta de práticas brutais. As penas aplicadas muitas vezes envolviam tortura, humilhação pública e execuções, com os condenados sendo tratados de forma desumana. As prisões, nesse contexto, eram meramente locais onde os detidos aguardavam suas sentenças finais, que frequentemente resultavam em morte após longos e dolorosos sofrimentos.

O período humanitário, que emergiu a partir dos debates filosóficos do Iluminismo, trouxe uma mudança significativa na concepção das penas. A partir dessa nova perspectiva, as penas começaram a ser humanizadas, e o foco passou a ser a recuperação do condenado e sua reintegração na sociedade, além de servir como forma de retribuição justa e prevenção de novos delitos. Nesse novo contexto, a prisão passou a ser vista não apenas como um espaço de punição, mas também como um local para a ressocialização dos apenados, marcando o início do que se tornaria o sistema penal moderno.

O ordenamento jurídico brasileiro, por sua vez, reflete essa evolução histórica e prevê diversas sanções para a prática de crimes, sendo a pena privativa de liberdade uma das mais significativas, especialmente no contexto do sistema carcerário. Essa pena consiste na restrição do direito de ir e vir do condenado, e a legislação brasileira a divide em três tipos: reclusão para crimes graves, detenção para crimes de menor gravidade e prisão simples para contravenções penais. Cada uma dessas modalidades de pena pode ser cumprida em diferentes regimes: fechado, semiaberto e aberto. Na reclusão, o cumprimento da pena pode ser iniciado em regime fechado; na detenção, não é permitido o início da pena nesse regime; e na prisão simples, o regime fechado é proibido.

Apesar das previsões legais e do arcabouço jurídico que garante os direitos dos apenados, o sistema penitenciário brasileiro enfrenta desafios profundos. A superlotação das prisões, as condições degradantes de encarceramento e a falta de programas eficazes de ressocialização colocam em xeque a capacidade do sistema em cumprir seus objetivos legais e humanitários. A realidade prisional brasileira contrasta fortemente com os princípios estabelecidos pela Constituição e outras leis, resultando em um ambiente marcado pela violência, pela corrupção e pelo desrespeito aos direitos humanos. Esses problemas ressaltam a necessidade urgente de reformas estruturais que possam transformar o sistema carcerário em um verdadeiro instrumento de justiça, capaz de equilibrar a necessidade de punição com a proteção dos direitos fundamentais dos apenados e a promoção de sua reintegração na sociedade.

3 POPULAÇÃO CARCERÁRIA BRASILEIRA

Uma análise histórica da evolução social no Brasil revela que os problemas sociais enfrentados atualmente têm raízes profundas e que remontam a eventos históricos cruciais, como a abolição da escravatura em 1888. A libertação dos escravos, embora tenha sido um marco na história do país, foi conduzida sem a implementação de políticas públicas que pudessem integrar esses novos cidadãos à sociedade de forma digna e sustentável. Não houve investimentos adequados em educação, qualificação profissional ou programas de inserção no mercado de trabalho. Como resultado, uma vasta população de negros, agora livres, foi forçada a viver à margem da sociedade, desprovida de recursos e oportunidades, e frequentemente largada à própria sorte. Esse abandono social e econômico estabeleceu uma base estrutural para as desigualdades que perduram até os dias atuais, perpetuando um ciclo de exclusão e vulnerabilidade.

Essa falha histórica em oferecer suporte adequado à população recém-liberta contribuiu para a formação de uma sociedade profundamente desigual. No entanto, é importante ressaltar que a criminalidade não é exclusiva de um grupo racial ou social. Embora pessoas de diferentes origens cometam crimes, é inegável a influência das condições socioeconômicas nas taxas de encarceramento. Estudos e dados estatísticos corroboram a ideia de que a desigualdade racial e a falta de oportunidades têm um impacto significativo na composição da população carcerária. De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Justiça e o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), no Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), 61,6% dos presos no Brasil são negros, e 75% deles possuem, no máximo, o ensino fundamental completo. Esses números são alarmantes e refletem uma correlação direta entre raça, educação e encarceramento, indicando uma falha sistêmica na estrutura social e na capacidade do Estado de garantir igualdade de oportunidades.

Além de evidenciar a disparidade racial no sistema penitenciário, esses dados também colocam o Brasil em uma posição preocupante no cenário global. O país ocupa o 4º lugar no ranking mundial em termos de população carcerária, com mais de 620.000 presos, e apresenta um índice de 306 presos para cada 100 mil habitantes, um número que é o dobro da média mundial. Esse volume expressivo de encarcerados, no entanto, não se reflete em uma diminuição correspondente na taxa de criminalidade, o que levanta questões importantes sobre a eficácia da prisão como uma ferramenta de política pública para o combate ao crime. A superlotação dos presídios, evidenciada por um déficit de 250.000 vagas, agrava ainda mais a situação, tornando as condições de encarceramento insustentáveis e violando os direitos humanos dos detidos.

Outro ponto crítico é a ausência de uma politica eficaz de ressocialização. A grande maioria das unidades prisionais no Brasil não oferecem programas que possam auxiliar os detentos a se reintegrarem á sociedade de forma produtiva após o cumprimento de pena. Essa falta de suporte resulta em altas taxas de reincidência criminal, perpetuando um ciclo de criminalidade e encarceramento que afeta não apenas os indivíduos, mas também suas família e comunidades.

Além disso, a corrupção e a má gestão das instituições penitenciárias dificultam ainda mais a implementação de melhorias. Os recursos destinados ao sistema carcerário muitas vezes são mal utilizados, e a falta de fiscalização permite que práticas corruptas prosperem. Essa situação agrava as condições de vida dos detentos e impede a aplicação de politicas que poderiam transformar as prisões em espaços de recuperação.  

Diante desse cenário, é crucial questionar a eficácia do sistema penitenciário brasileiro e sua capacidade de cumprir seu papel dentro da política criminal do país. Apesar do crescente número de encarcerados, as taxas de criminalidade permanecem elevadas, o que sugere que a simples privação da liberdade não é suficiente para deter o crime ou reintegrar os indivíduos à sociedade de forma produtiva. A prisão, como está estruturada atualmente, parece falhar em seus objetivos de punição, retribuição e ressocialização, criando um ciclo vicioso onde os detidos, ao invés de serem reabilitados, muitas vezes saem das prisões mais envolvidos no crime do que quando entraram.

Outro fator que complica o cenário é a morosidade do sistema judiciário brasileiro, que contribui significativamente para a superlotação carcerária. De acordo com dados do INFOPEN, cerca de 40% dos encarcerados no Brasil estão em prisão provisória, aguardando julgamento. Esse atraso na administração da justiça não apenas viola o princípio da presunção de inocência, mas também sobrecarrega um sistema prisional já em crise. Em resposta a essa situação, algumas inovações legislativas foram implementadas com o objetivo de aliviar a pressão sobre as prisões. Um exemplo significativo é a Lei 12.403/11, que introduziu uma série de medidas cautelares no Processo Penal brasileiro. Essa lei conferiu aos magistrados a responsabilidade de analisar a legalidade, necessidade e adequação da prisão, com a possibilidade de concessão de liberdade provisória quando apropriado.

No entanto, embora essas medidas representem um avanço, elas não são suficientes para resolver os problemas estruturais que afligem o sistema carcerário. É essencial que se desenvolvam políticas públicas mais abrangentes que ataquem as causas profundas da criminalidade, como a pobreza, a desigualdade racial e a falta de acesso à educação. Além disso, é necessário promover uma reforma significativa no sistema de justiça, garantindo julgamentos mais rápidos e justos, e investindo em alternativas ao encarceramento, como medidas de ressocialização e programas de reintegração social para ex-detentos. Somente com uma abordagem multidimensional, que combine justiça, igualdade e inclusão social, será possível transformar o sistema penitenciário em um instrumento eficaz para a redução da criminalidade e a promoção de uma sociedade mais justa e segura.

4 O SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

A sanção privativa de liberdade, historicamente aplicada em presídios, é concebida com múltiplos objetivos: punir o indivíduo por sua conduta contrária à lei, ressocializá-lo e prepará-lo para um retorno regenerado à sociedade após o cumprimento da pena imposta pelo Estado. A natureza punitiva da sanção tem, portanto, uma dupla finalidade. Por um lado, ela pune o indivíduo pelo ato ilegal praticado, e por outro, proporciona uma sensação de justiça para a vítima e para a sociedade como um todo. Essa abordagem está ancorada na ideia de que a sanção penal não é apenas um mecanismo de repressão, mas também um meio de restabelecer a ordem social, transmitindo uma mensagem de que condutas ilícitas não serão toleradas sem a devida penalização.

A sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, o culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade (CAPEZ, 2007, p.538).

Segundo Capez (2007), a sanção penal, de caráter aflitivo, é imposta pelo Estado após a execução de uma sentença judicial, restringindo ou privando o condenado de determinados bens jurídicos. Essa pena, além de aplicar a retribuição punitiva ao infrator, tem a finalidade de promover sua readaptação social e prevenir novas transgressões por meio da intimidação dirigida à coletividade. Em outras palavras, o objetivo é não só punir o infrator, mas também desencorajar outros indivíduos a cometerem crimes, mantendo assim a estabilidade social.

O Estado, por sua vez, carrega a função obrigacional de garantir os direitos inerentes à dignidade humana, assegurados pela Constituição Federal de 1988. Esta, em seu artigo 1º, estabelece que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito, fundamentado, entre outros princípios, na dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988). Além disso, o artigo 5º, inciso XLIX, assegura aos presos o respeito à integridade física e moral. O Código Penal, em seu artigo 38, reitera que “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”. A Lei nº 7.210/84, conhecida como Lei de Execução Penal (LEP), estabelece em seu artigo 3º uma série de direitos do preso, que incluem o trabalho e sua remuneração, a previdência social, o exercício de atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas, além da assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa, bem como a proteção contra qualquer forma de sensacionalismo (BRASIL, 1984).

Apesar de a legislação brasileira no que tange à execução penal ser robusta e considerada uma das mais avançadas e completas do mundo, a realidade do sistema carcerário no país está longe de corresponder a esses ideais. Na prática, observa-se que o caráter punitivo da pena frequentemente ultrapassa a esfera de liberdade do condenado, afetando negativamente sua dignidade, saúde, e integridade, entre outros direitos fundamentais garantidos pela Constituição. Ferreira (2013, apud Bayer 2013) argumenta que o sistema punitivo brasileiro, ao invés de focar na recuperação do condenado, acaba por exacerbar a punição, que vai muito além da simples supressão da liberdade, atingindo aspectos cruciais da dignidade humana.

A superlotação dos presídios é um dos reflexos mais concretos dessa falência. Detentos são aglomerados em pequenos espaços, muitas vezes sem qualquer triagem que leve em consideração o tipo penal infringido, o que transforma as prisões em verdadeiras escolas do crime. Esse ambiente hostil, combinado com a violência interna, a ausência de direitos, a falta de perspectivas de melhoria e a inexistência de programas eficazes de ressocialização, contribui para uma alta taxa de reincidência. Após cumprir sua pena, o indivíduo, ao retornar à sociedade, frequentemente encontra-se ainda mais marginalizado e propenso a recair na criminalidade.

Embora a Lei de Execução Penal seja considerada uma das legislações mais modernas e completas sobre o tema, enfrenta sérios obstáculos para sua efetivação. O legislador foi cuidadoso ao delinear um quadro normativo que busca assegurar os direitos dos apenados e promover sua reintegração social. Contudo, o Estado não tem demonstrado a mesma eficiência em disponibilizar os recursos necessários para que essas diretrizes sejam implementadas de forma eficaz. O resultado é um sistema penitenciário decadente e em colapso, com uma estrutura física e administrativa prestes a desmoronar. O descompasso entre a legislação e a realidade prisional revela uma profunda ineficiência na principal finalidade da pena privativa de liberdade: reeducar e ressocializar o apenado para que, após o cumprimento da pena, ele seja devolvido à sociedade em condições de levar uma vida digna e produtiva.

Diante desse cenário desolador, torna-se imperativo abrir um debate sério sobre possíveis soluções alternativas para o problema do sistema prisional brasileiro. É fundamental repensar a função das prisões, investir em políticas de prevenção ao crime, ampliar o uso de penas alternativas e fortalecer os programas de ressocialização. A criação de um sistema que priorize a dignidade humana e a recuperação dos condenados é não apenas um imperativo moral, mas também uma necessidade para a construção de uma sociedade mais justa e segura. O desafio está em transformar a legislação que já existe em prática efetiva, capaz de garantir os direitos dos presos e, ao mesmo tempo, proteger a sociedade de forma eficaz e humana.

Essa reflexão leva à conclusão de que a efetividade do sistema carcerário brasileiro depende de uma profunda reformulação que inclua não apenas melhorias na infraestrutura e na administração dos presídios, mas também uma mudança de paradigma em relação à aplicação das penas e à reintegração social dos condenados. Só assim será possível alcançar os objetivos previstos pela legislação, transformando o sistema prisional em um verdadeiro instrumento de justiça, ressocialização e prevenção do crime.

5 PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA CARCERÁRIO NO BRASIL

No debate a respeito da privatização do sistema carcerário brasileiro não há um senso comum, existe seguimento favorável e desfavorável. Os defensores da privatização acreditam que trará inúmeras vantagens ao Estado, mesmo que ainda continue tendo gastos, esses serão reduzidos devido a redução da folha de pagamento do funcionalismo público, uma vez que os presídios serão administrados por particulares. Outra vantagem defendida é que o trabalho do preso trará dignidade, melhorando a condição de vida de seus familiares. A privatização ainda traria escola, lazer, vestuário, local mais higiênico, e construções de selas, presídios e consequentemente diminuiria a fugas e reincidências. Vale destacar que na legislação já tem previsão dessas vantagens, porém o Estado não é suficiente ao prestá-las, porém seria muito eficiente ao fiscalizar o seu cumprimento.

Um dos argumentos a favor da privatização é a busca por uma gestão mais eficiente e menos burocrática. Proponente afirmam que a administração privada pode implementar práticas gerenciais mais modernas, melhorar a infraestrutura e garantir serviços básicos, como saúde e educação, que muitas vezes são negligenciados no sistema público carcerário. Além disso, a concorrência poderia levar a um aumento na qualidade dos serviços prestados, contribuindo para a ressocialização dos detentos.

Entretanto, a privatização do sistema carcerário levanta quetões éticas e práticas. Um dos principais riscos é a mercantilização da pena, onde a lógica do lucro pode prevalecer sobre os direitos humanos e a dignidade dos presos. A experiencia dos países que adotaram este método de privatização, como o Estados Unidos, mostra que o foco na redução de custos pode resultar em condições ainda mais precárias para os detentos, além de incentivar o encarceramento em massa.    

No aspecto de constitucionalidade, essa corrente defende que na privatização, seriam terceirizados apenas a instrumentalização, ou seja, os aspectos práticos, não usurpando a prerrogativa exclusiva do Estado de punir. Dessa forma não seria inconstitucional. Capez (2004), ao analisar o sistema prisional posiciona-se:

[..] O Estado não tem recursos para gerir e construir presídios, sendo assim, a privatização deve ser enfrentada não do ponto de vista ideológico ou jurídico, se sou a favor ou contra, tem que ser enfrentada como uma necessidade absolutamente insuperável, ou “privatizamos” os presídios; aumentamos o número de presídios; melhoramos as condições de vida e da readaptação social do preso sem necessidade do investimento do Estado, ou vamos continuar assistindo essas cenas que envergonham nossa nação perante o mundo. Portanto, a “privatização” não é questão de escolha, mas uma necessidade indiscutível é um fato (CAPEZ, 2012 apud RODRIGUES, 2013, p. 48).

A corrente desfavorável se respalda que prerrogativa de punir, como já foi dito, é exclusiva do Estado. Sobre este prisma, a privatização do sistema carcerário no Brasil é inconstitucional, sendo indelegável a terceiros, considerando se também a teoria personalista do homem, que declara a indisponibilidade da pessoa humana. Outra preocupação seria a assistência jurídica assegurado ao apenado, no sistema público é prestado por defensores público quando não há a possibilidade de procurador particular, no sistema privatizado na impossibilidade de contratar um procurador, a assistência jurídica seria prestado por profissionais contratados pela empresa administradora, dessa forma, em casos de tortura, não haveria interesse em denunciar o seu contratante, outro ponto crucial seria o que concerne a reabilitação, não se acredita em esforço efetivo para tal, uma vez que, o lucro é por prisioneiro e a diminuição da criminalidade iria contra os interesses da empresa.

Vale grifar que o modelo a qual se pega de parâmetro para as privatizações é o americano, no entanto, nele o único objetivo é a punição, sem nenhum compromisso com a ressocialização do apenado, em referência a posições contrárias, assim se posiciona Ferreira (2007):

O que traz preocupação em relação à privatização das penitenciárias é o fato de que, quanto maior o sofrimento e a dor, maior será o lucro obtido. Assim, quanto maior o número de pessoas presas, maior será a quantidade de presídios administrados por empresas privadas (FERREIRA, 2007, p. 33, apud BAYER, 2013).

Em janeiro de 2017, em Manaus, no estado do Amazonas, ocorreu o massacre de 56 presos no COMPAJ (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), gerido desde 2014 pela empresa privada Umanizzare. Essa tragédia reforçou os argumentos desfavoráveis a privatização.

No Brasil já existem penitenciárias que adotaram o modelo privado na forma de terceirização, tendo como base legal os contratos de terceirização celebrados a luz da Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93). Por meio desse contrato com termo inicial e final, o Estado entrega uma prisão já construída para uma empresa, que fica encarregada de toda a administração interna, desde a cozinha aos agentes penitenciários.

O primeiro presídio a funcionar no modelo privatizado no Brasil, foi no estado do Paraná. Atualmente existem trinta prisões privatizadas nos estados de Sergipe, Alagoas, Minas Gerais, Santa Catarina, Espirito Santo, Amazonas e Bahia, acolhendo quase 20 mil presos.

6 CONCLUSÃO

Conclui-se com todo o exposto que o estopim para a bomba que se tornou o sistema carcerário brasileiro incontestavelmente é a superlotação, mas não podemos ser omissos ao contexto que gerou tal fato. Historicamente no Brasil existem as injustiças sociais, datadas desde a colonização e escravidão e atualmente sofremos as consequências de administrações sem investimentos substanciais em educação, saúde e segurança, pois sem esses direitos essenciais para a formação de cidadãos, dificilmente teremos um país desenvolvido. A criminalidade, em grande parte, está associada a falta de perspectiva de uma vida melhor.

Logo, ações são necessárias para conter essa crise que afeta todos os brasileiros. O Governo Federal, através do ministério da saúde, deve oferecer multirão de serviços de saúde aos detentos (sejam eles mulheres e homens) por meio da promoção de eventos quinzenais com equipes medicas do SUS e oferecimento de serviços de especialidades básicas, como ginecologia e cardiologia, para melhorar a qualidade de vida desse grupo. Assim, o acesso á saúde previsto na constituição será garantido, a fim de que os presos cumpram suas penas com dignidade. Cabe também ao Msnistério da Justiça e Segurança Pública construir mais presídios de modo a resolver o problema da superlotação das celas e diminuir a violência nesses espaços.    

O futuro do sistema carcerário brasileiro depende de um compromisso real com reformas. É fundamental adotar uma abordagem que respeitem os direitos humanos e a dignidade dos detentos. A sociedade civil através de ONGs e movimentos sociais, tem um papel importante em pressionar por mudanças e monitorar a aplicação de novas políticas. A gestão das politicas muitas vezes carece de transparência e eficácia, o que impede a realização de reformas necessárias. Para melhorar a situação, é crucial implementar alternativas ao encarceramento, como penas alternativas, especialmente para crimes menos graves.

Em suma, o sistema carcerário brasileiro é um reflexo de problemas sociais mais amplos, exigindo uma abordagem integrada e multidisciplinar para promover reformas que visem não apenas a punição, mas também a reabilitação e a reintegração social. Investir em educação, saúde e alternativas ao encarceramento é fundamental para quebrar o ciclo de violência e promover uma sociedade mais justa e igualitária.

Para sanar o problema que se tornou sistema carcerário, serão necessárias ações conjuntas que combata a causa e o efeito. Serão necessários gastos elevados na educação e profissionalização para resgatar comunidades marginalizadas, em outra frente, um sistema eficiente capaz de ressocializar e preparar o apenado para seu regresso ao convívio em sociedade, como forma de combater a reincidência, o resultado viria em médio prazo, diminuindo a demanda de vagas nas prisões.

O sistema carcerário brasileiro reflete problemas sociais mais amplos, necessitando de uma abordagem integrada para promover reformas que priorizem não só a punição, mas também a reabilitação. Investir em educação, saúde e alternativas ao encarceramento é essencial para romper o ciclo de violência e contruir uma sociedade mais justa 

Devido à complexidade e a urgência de solução, o Estado tem como desafio promover ações em frentes diversas com medidas de efeito imediato, uma medida eficaz seria o poder judiciário dinamizar a sua atuação a respeito das prisões provisórias por elas representarem grande volume na massa carcerária, assim, como também, o Estado aumentar as vagas com construções de novos presídios.

Quanto ao investimento na estrutura do sistema carcerário a solução mais viável seria por meio de privatizações desonerando o Estado que comitantemente investiria nas outras áreas deficitárias, desta forma resolveria o problema a curto prazo e projetaria a solução a médio e longo prazo.

REFERÊNCIAS

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1 Graduando em Direito – Centro Universitário de Santa Fé do Sul, rafael.barbai123456@gmail.com
2 Docente UNIFUNEC, Mestre em Direito, waltermuller@live.com