DEPRESSÃO E SUICÍDIO ENTRE OS PADRES DA IGREJA CATÓLICA: A SAÚDE DOS SACERDOTES É RESPONSABILIDADE DA IGREJA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10208133


Marcio de Lima Pacheco1
Rawy Chagas Ramos2


RESUMO 

Visa este artigo refletir sobre a depressão e o suicídio entre os padres da Igreja Católica. Sabe-se que o suicídio é  uma das principais causas de morte no mundo e os padres fazem parte de um grupo que também é vulnerável a  complicações de saúde mental. Por isso, compreender a concepção da saúde mental sobre o suicídio entre os  presbíteros católicos. A temática do suicídio é bastante explorada por diversos autores, mas acaba sendo um  assunto velado dentro do clero, especialmente quando se trata de conversas entre superiores e subordinados. No  caso específico do suicídio entre padres, é evidente a dificuldade em se debater o tema, tanto pelo receio de ser  rotulado pelos superiores, quanto pelo risco de afastamento das suas funções. O estudo em questão consiste em  uma revisão bibliográfica, por meio da qual o leitor poderá compreender a complexidade do tema, desmistificar  preconceitos e identificar as principais características das publicações sobre o “suicídio cometido por padres ou  tentativas do mesmo”. A partir da análise dos textos estudados, é possível perceber que o número de casos de  suicídio entre padres está aumentando diariamente. Além disso, é fundamental compreender que um padre não  deve ser visto apenas como um religioso ou um “trabalhador-produtor”, mas sim como uma pessoa suscetível a  sofrer danos em seu bem-estar emocional, podendo experimentar consequências drásticas, como esgotamento  emocional, depressão e alterações na qualidade de vida. 

Palavras Chaves: Suicídio, Padres, Presbíteros Católicos, Igreja Católica. 

ABSTRACT 

This article aims to reflect on depression and suicide among Catholic Church priests. Suicide is known to be one  of the leading causes of death in the world, and priests are part of a group that is also vulnerable to mental health  complications. Therefore, understanding the mental health conception of suicide among Catholic priests is  crucial. The topic of suicide is extensively explored by several authors, but it is often a taboo subject within the  clergy, particularly when it comes to discussions between superiors and subordinates. In the specific case of  suicide among priests, there is a clear difficulty in debating the topic, both due to the fear of being labeled by  superiors and the risk of being removed from their functions. The study at hand consists of a literature review,  through which the reader can understand the complexity of the topic, demystify prejudices, and identify the main  characteristics of publications about “suicide committed by priests or attempts thereof.” Through the analysis of  the texts studied, it is possible to perceive that the number of cases of suicide among priests is increasing daily.  Additionally, it is essential to understand that a priest should not be seen only as a religious figure or a “worker producer,” but rather as a person who is susceptible to emotional harm, experiencing drastic consequences such  as emotional exhaustion, depression, and changes in quality of life. 

Keywords: Suicide, Priests, Catholic Priests, Catholic Church. 

INTRODUÇÃO 

Sempre se espera que os presbíteros levem uma vida exemplar e sejam promotores e  testemunhas da vida. Porém, quando o sofrimento se torna tão grande a ponto de buscar o  suicídio como solução, o que realmente aconteceu? Faltou-lhes fé? Faltou-lhes amor próprio?  Faltou-lhes amor dos outros? Faltou um acompanhamento humanizado por parte de seus  superiores (bispos, superiores de congregação) que muitas vezes transformam uma paróquia  em uma “franquia”, na qual o “lucro” (entradas e contribuições para a diocese) deve ser  sempre crescente? Ou o excesso de trabalho e/ou a solidão podem ter contribuído para essa  situação? 

A depressão e o suicídio são fenômenos complexos e multifatoriais que não podem ser  explicados universalmente. Tais fenômenos trazem intenso sofrimento na vida das pessoas  acometidas, de seus familiares, amigos e comunidade. Amém disso, estes dois fenômenos  coexistem e influenciam-se mutuamente. Com a divulgação pela mídia do crescente número  de depressão e suicídio entre os padres, a questão que se impõe é: como prevenir o suicídio  neste segmento, em face das peculiaridades inerentes à vida religiosa desses homens? Quais  são os problemas psicológicos e psiquiátricos que esse grupo é acometido?  

Para entender essas questões relacionadas à depressão e ao suicídio, é necessário levar  em conta as particularidades e a história de cada indivíduo, considerando não apenas os  fatores precipitantes, mas também a associação deles com motivos não aparentes. No entanto,  os casos de autoextermínio entre o clero vêm crescendo ano a ano, sem que a Igreja tome  medidas efetivas. Após o suicídio de um padre, a Igreja, no máximo, publica uma carta nas  redes sociais evocando a Deus. No entanto, a Igreja deve reconhecer que os processos de  ideação suicida, planejamento, comportamento, tentativa e o suicídio consumado têm sido  identificados como um grande problema de saúde pública (BARBOSA et al., 2012), que  também afeta os padres.  

Vale ainda destacar que Bertolote e Fleischmann (2002) em um estudo que utilizou o  método da autópsia psicológica, no qual avaliou mais de 15.000 prontuários, constatou que  98% dos pacientes que haviam cometido o suicídio haviam recebido um diagnóstico de  transtorno mental na ocasião da morte. Os mais frequentes transtornos eram: depressão (como  a mais prevalente), o alcoolismo e a esquizofrenia. Os autores concluíram que, sendo o  transtorno mental um importante fator de risco do suicídio, o tratamento do transtorno mental  se constituía numa estratégia essencial na sua prevenção. Em todo caso há, em um primeiro  momento de concordar com Rabant, em sua obra Métamorphoses de la mélancolie (2010, p. 2023), que a depressão e o suicídio “é uma queda na queda”.

1. A CARACTERIZAÇÃO DA DEPRESSÃO E DO SUICÍDIO 

Na sociedade, é comum considerar o suicídio como um tema tabu, especialmente em  círculos sociais. Não há um treinamento ou educação formal que incentive a discussão aberta  sobre esse assunto. Mesmo que a morte seja um tema evitado, o suicídio é ainda mais  estigmatizado (PEREIRA, 2013). Antes de abordar o problema, é importante definir o que é a  depressão e o suicídio. 

O termo depressão vem da palavra latina dēpressĭo, ōnĭs, que significa abaixamento,  profundeza, depressão, abatimento, enfraquecimento, menoscabar, diminuição. A depressão é  uma das experiências humanas mais registrada na história desde os papiros do Egito,  passando pela Literatura e Filosofia Grega e Bíblia. No Egito era caracterizado pelo tormento  causado por maus espíritos àqueles que não ofertavam aos deuses (LIVRO DOS MORTOS DO ANTIGO EGITO, 2005).  

Na Grécia antiga, era classificada como μελαγχολία (μέλας — mélas, negro e χολή — cholé, bílis), melancolica. Na Ilíada de Homero encontra-se uma descrição do sofrimento de  Belerofonte, herói da mitologia grega, condenado a vagar em solidão e desespero por toda a  eternidade (2009, Canto IV, Atos 200-203). Hipócrates, pai da Medicina, caracteriza a  melancolia como “um estado de tristeza e medo de longa duração” (GINZBURG, 2001;  SCLAR, 2003, p. 68-69). E, ainda, a melancolia, é sintetizada pelo sábio como “perda do  amor pela vida, uma situação na qual a pessoa aspira à morte como se fosse uma bênção” (2003, p. 70). Ele explica a teoria sobre a melancolia através dos quatro humores, a saber: 1.  Sanguíneo – em sujeitos que possuem excessivamente sangue e suas decorrentes  características seriam alegria, otimismo, confiança e extroversão; 2. Fleumático – em sujeitos  que possuem excessivamente fleuma e suas decorrentes características seriam timidez, apatia,  lerdeza, cansaço e coerência; 3. Colérico – em sujeitos que possuem excessivamente bile  amarela e suas decorrentes características seriam irritabilidade, intensidade, impulsividade e rapidez e 4. Melancólico – em sujeitos que possuem excessivamente bile negra e suas  decorrentes características seriam inclinação artística, tristeza, medo e introversão. É somente  pelo equilíbrio daqueles humores no corpo, que a pessoa poderia estar em paz com seu  espírito.  

Na Bíblia, encontram-se alguns trechos que falam sobre um estado depressivo. A parte  mais emblemática é a que fala de Saul: “O espirito de Deus afastou-se de Saul, e ele começou  a ficar agitado por um espírito mal enviado por Deus” (1Sm, 16, 14-15) e comete suicídio. O  espírito mal que fala o texto é o que conhecemos como melancolia. Outro trecho fala em relação a Judas Iscariotes: “quando Judas, que havia traído, viu que Jesus fora condenado, foi  tomado de remorso(…) e enforcou-se” (Mt 27,3-5).  

Na Idade Média ocidental, devido ao forte teocentrismo que fundamentava todas as  estruturas de pensamento, ganha esse termo, um conceito diferente, a ἀκηδία, acédia ou acídia  que quer dizer negligência, apatia, de não se importar com o próprio estado de vida,  dificuldade em ter iniciativa. E diante disso, Tomás de Aquino no Quaestiones Disputatae,  coloca a acídia como, “um pecado mal conhecido” (2015, p. 473).  

Na Idade Moderna a visão religiosa e maniqueísta medieval é substituída por um  entendimento humanista, no qual a doença mental passa a ser compreendida prioritariamente,  não mais como uma pena dada pelos deuses, tristeza, um pecado, mas, a partir de uma  perspectiva biológica, filosófica e psicológica. Inúmeros tratados tentaram fornecer a etiologia  da depressão e, assim, uma solução ao problema. Dentre esses vários escritos, destaca-se o  Ensaio sobre as doenças da cabeça, no qual Kant classifica os transtornos mentais, separando os do “quadro de retardo mental” e identificando três entidades nosológicas principais:  melancolia, mania e insanidade. Ele descreve ainda a hipocondria, de modo semelhante a como é descrita na atualidade, como uma forma de manifestação da melancolia.  

Durante os séculos XIX e XX, várias teorias e classificações foram desenvolvidas em  torno das doenças mentais. De acordo com Berrios (2012), a distinção feita por Esquirol  (1805-1838) entre melancolia e depressão, enfatizando a natureza afetiva primária da doença,  facilitou a remodelação da melancolia e a predominância do conceito de doença depressiva. A  palavra “depressão” já aparecia em dicionários médicos em 1860 (MENDES, VIEIRA e  BARA, 2014, p. 3), e o surgimento da psiquiatria permitiu um estudo mais aprofundado dos  sintomas da melancolia, que foi caracterizada como um delírio parcial com tendências para a  tristeza. No século XIX, a psiquiatria considerava a melancolia como um estado de tristeza e  uma forma de alienação mental. 

No século XX, o desenvolvimento da psiquiatria apresentou vertentes que buscaram  compreender a natureza da doença mental a partir de outras perspectivas. A primeira foi a  psicanalise, cuja obra “A Interpretação dos Sonhos” (FREUD, 1899), no qual construiu características e algumas leis para dignificar o comportamento inconsciente do ser humano,  criando a ponte entre sonho e os sintomas histéricos que surgem. Posteriormente, em Luto e  Melancolia (1917), Sigmund Freud estabeleceu um paralelo entre duas formas de reação à  perda de um objeto amado: o luto e a melancolia. Outra vertente importante foi a  antipsiquiatria, também conhecida como “psiquiatria democrática”, liderada por Franco  Basaglia, que buscou a reinserção dos pacientes na sociedade que os havia excluído. Em ambos os casos, a concepção de doença mental como fato exclusivamente biológico foi  abandonada em favor do conceito de alteridade, que valoriza a igualdade dos indivíduos, mas  reconhece a singularidade de suas subjetividades (SCHNEIDER, 1997).  

É notável que a consolidação definitiva da psiquiatria como especialidade médica  impôs o desafio de mudança do paradigma diagnóstico dos transtornos mentais, assim como  ocorreu com outras especialidades médicas. A mudança de paradigma ocorrida em 1980 com  a publicação da terceira versão do Manual Estatístico e Diagnóstico dos Transtornos Mentais  da Associação Americana de Psiquiatria (Diagnostic and Statistical Manual of Mental  Disorders, American Psychiatric Association) o DSM-III, é de fundamental importância para  a compreensão biopsicossocial da doença mental. Essa mudança de paradigma propôs uma  “concepção globalista do ser humano e de suas capacidades de adaptação”, oposta à  concepção kraepeliniana das “doenças mentais – entidades” (SCHARINGER, 2009). 

De acordo com Teodoro (2010), a depressão é classificada como um transtorno mental  complexo, no qual fatores orgânicos, psicológicos e ambientais interagem. Os sintomas  comuns da depressão incluem tristeza, mau humor, perda de interesse, apatia, choro  incessante, impotência, perda de prazer e energia. A ideação suicida é também um sintoma da  depressão, segundo Barbosa, Macedo e Silveira (2011). Nesse sentido, a compreensão da  relação entre depressão e suicídio levanta a questão: como a depressão afeta o comportamento  suicida? Portanto, um dos principais objetivos desta pesquisa é estudar o impacto da  depressão no comportamento suicida. 

Em termos fisiológicos, a depressão está relacionada com o funcionamento dos  neurotransmissores (NT), que são responsáveis por transmitir impulsos nervosos de um  neurônio para outro. Os NT atuam como “chaves” que se encaixam em “fechaduras” presentes nos neurônios receptores (NR) para que a transmissão ocorra. Entre os NT mais  importantes estão a serotonina, noradrenalina, dopamina e GABA (ácido γ-aminobutírico). Indivíduos com depressão apresentam uma diminuição significativa na produção ou  recaptação de serotonina e noradrenalina, conforme observado em exames. Antigamente, a  depressão era classificada em endógena, psicogênica e reativa, mas atualmente, essa  classificação foi reduzida aos transtornos de humor. A vertente dominante no panorama  psiquiátrico mundial é a psiquiatria dinâmica psicanalítica, que está cada vez mais voltada  para o viés biomédico (BEZERRA, 2008). 

A depressão é um transtorno mental que apresenta uma variedade de sintomas. Entre  os principais, destacam-se: 1. irritabilidade, ansiedade e angústia; 2. cansaço fácil,  necessidade de maior esforço para fazer as coisas; 3. diminuição ou incapacidade de sentir alegria e prazer; 4. desinteresse, falta de motivação e apatia; 5. sentimentos de medo,  insegurança, desesperança, desespero e desamparo; 6. pessimismo, ideias frequentes e  desproporcionais de culpa, baixa autoestima; 7. sensação, inutilidade, ruína e fracasso; 8.  interpretação distorcida e negativa da realidade; 9. dificuldade de concentração, raciocínio  mais lento e esquecimento; 10. perda ou aumento do apetite e do peso; 11. insônia ou  despertar matinal precoce. O conhecimento desses sintomas é fundamental para a  identificação precoce da depressão e o direcionamento adequado do tratamento. 

O termo suicídio foi possivelmente utilizado pela primeira vez na obra Religio Médici (1642) do inglês Browne. Na França, em 1734, o abade francês Desfontaines utilizou o termo  para descrever uma ação danosa que um organismo qualquer aplica contra si mesmo (LOUZà NETO, 2007, p. 475). A palavra suicídio tem sua origem no latim, “sui” (si mesmo) e “cæderes” (ação de matar), apontando para a necessidade de buscar a morte como refúgio para o sofrimento que se torna insuportável. É importante destacar que não se trata de um ato de coragem ou covardia, mas sim de desespero. Por ser uma ação voluntária e intencional, que  envolve reflexão, planejamento e ação, o suicídio é entendido como um fim absoluto  (ASSUMPÇÃO JR, 2018; SOLOMON, 2018). 

2. A FIGURA DO PADRE COMO SER RELIGIOSO, CONTUDO HUMANO,  DEMASIADAMENTE HUMANO. 

Canonicamente usa-se presbítero ao invés de padre, pois é o termo que aparece 12  vezes no Novo Testamento relacionado aos apóstolos e outros em diversas passagens (Cf. At  11,30;15,2.4.22.23;16,21.18; 1Timo 5,17; Tt 1,5; Tg 5,14 e 1Pd 5,1). Tradicionalmente, é  vista a figura do padre como um ser religioso dentro da Igreja Católica, tendo uma  consciência pura (cf. 1 Tm 3,9; 2Tm 2,20-21), e sendo um vaso de honra na casa de Deus  (RAMOS, 1957), uma pessoa encarregada de liderar a comunidade religiosa (At 20,17-38),  celebrar missas e demais sacramentos, além de oferecer aconselhamento espiritual e moral aos  fiéis.  

A própria Legislação Canônica afirma que, ao receber a ordem, o clérigo e, de modo  especial, o presbítero é administrador dos mistérios do Senhor em favor de seu povo,  denotando o radicalismo evangélico, exigência fundamental e irrenunciável para todo cristão  (Cânones 213 e 276, § 1 do Código de Direito Canônico). Este conceito está incluso no de  paróquia que é uma unidade pastoral em primeira ordem e que é presidida pelo presbítero  (PRISCO, 2008). O pároco, pastor próprio, aparece com sentido pastoral, teológico e jurídico, destacando suas responsabilidades, deveres e faculdades (Cânones 519 a 523).

A condição sacerdotal é essencial na figura do padre, que compartilha a função  sacerdotal do bispo, com base a comunhão ontológica-sacramental, sendo corresponsabilidade juntamente com o bispo para o bem espiritual da diocese. Além disso, por meio do ministério da reconciliação que desempenha, ele também participa da função pontifical, pois faz ponte entre Deus e os homens. Ao celebrar a Eucaristia, o padre torna presente novamente o sacrifício de Cristo na cruz, contribuindo para a reconciliação global da humanidade.  Ademais, por meio dos sacramentos da penitência e da unção dos enfermos, o padre promove  a reconciliação individual (GHIRLANDA, 2003, p. 286-288). 

Além disso, espera-se que um presbítero seja um exemplo vivo de virtudes cristãs,  como a humildade, a compaixão e a caridade, ou seja, tenha idoneidade para o ministério  paroquial (Cânones 521 e 150). Ele também deve seguir as regras e doutrinas da Igreja, bem  como ajudar a difundir sua mensagem de amor e paz (Cânones 521, §§ 2 e 3). No entanto, é  importante lembrar que a figura do padre não é perfeita e que eles também são humanos  sujeitos a erros e falhas. É fundamental, portanto, que eles sejam responsáveis e se esforcem  constantemente para se tornarem melhores seres humanos e líderes religiosos, mas não  “super-homens” (PINTO, 2012). Pereira (2013) observa o imaginário religioso e a vocação,  vendo uma forte correlação entre a vocação presbiteral e a influência poderosa do imaginário  de conexões divinas no contexto do exercício desse ministério (PEREIRA, 2013, p. 177).  

Nota-se, portanto, que a figura do padre é comparada a de um herói como um super homem. Essa comparação diante das cobranças e imposição dos superiores em relação a uma:  sobrecarga de trabalho que não o religioso, acúmulo de funções, acúmulo de trabalho diário, falta de tempo para o lazer e férias, falta de tempo para oração, racionalização exagerada dos fatos da vida cotidiana, prioridade das funções administrativas em detrimento ao cuidado com  a saúde, cobrança por resultados na paróquia, faz com que o religioso, tido como herói, não perceba que a vida religiosa não dá superpoderes aos padres, pelo contrário, eles são tão  falíveis quanto pessoa humana. 

2.1. Pastor de Almas, Administrador, Curador, Franqueador de uma Paróquia

O Cânon 213, do vigente Código de Direito Canônico, reza que “os fiéis têm o direito  de receber dos pastores sagrados, dentre os bens espirituais da Igreja, principalmente os auxílios da Palavra de Deus e dos sacramentos”. Trata-se de um direito à ajuda espiritual, da  Palavra de Deus e dos sacramentos. Este termo Pastor de almas ou pastor próprio é de origem  do conceito pastoral do Concílio Vaticano II (MANZANARES; SANTOS et VARELA, 1994,  p. 18-37).

Muitos veem o padre como um solucionador de problemas incansável. Mas, ao  idealizar o papel do padre, tende-se a esquecer que, acima de tudo, ele é uma pessoa humana,  assim como qualquer outra criada por Deus, com a mesma igualdade. É evidente que não se  pode dissociar a pessoa do padre de sua vocação, mas é necessário lembrar que ele também é  alguém que sente alegria, tristeza, sorri, chora, assim como qualquer outro ser humano. Nesse  contexto, muitos padres acabam fazendo parte do primeiro grau de suicídio, o suicídio  autodestrutivo ou indireto, mesmo que isso seja inconsciente e não haja a intenção ou  cogitação da morte. A sobrecarga de trabalho pastoral, administrativo, formativo e a falta de  tempo para cuidar de si mesmo acabam levando o padre à autodestruição (MÉZERVILLE,  2012). 

É importante destacar que os padres têm uma série de funções além de suas atividades  religiosas, muitas vezes atuando como administradores de paróquias ou seminários,  presidentes de grupos paroquiais e responsáveis pelas finanças da paróquia. Além disso,  podem ser docentes em seminários ou outras instituições eclesiásticas e participar de  comissões diocesanas. Essas atividades, somadas às exigências da vida religiosa, podem ser  exaustivas e impactar significativamente na qualidade de vida dos padres. É importante  ressaltar que essas funções requerem habilidades específicas que muitas vezes não fazem  parte de sua formação religiosa, o que pode tornar a realização dessas tarefas ainda mais  desafiadora. Cassar (2019, p. 265) afirma que:  

Entendemos que, caso o pastor, o padre ou o representante da igreja receba  pagamento em dinheiro, moradia ou vantagens em troca dos serviços prestados, o trabalho será oneroso. Seu trabalho é de necessidade permanente para o tomador dos serviços, logo, também é habitual. Além de pessoal, o pastor, padre ou representante da igreja presta serviços de forma subordinada. Sujeita-se aos mandamentos filosóficos, idealistas e religiosos de sua igreja, sendo até punido caso contrarie alguns mandamentos. Alguns também estão subordinados à realização de um número mínimo de reuniões, cultos, encontros semanais na paróquia. Se, aliado aos demais requisitos, não correr o risco da atividade que exerce, será empregado. (CASSAR, 2019, p. 265). 

2.2. O Acordo Brasil e Santa Sé 

O acordo internacional firmado em 2008 entre a República Federativa do Brasil e a  Santa Sé – Relativo ao Estado Jurídico da Igreja Católica no Brasil, estabelece as relações  entre o Estado brasileiro e a Igreja Católica. Entre outros pontos, a concordata reconhece a  personalidade jurídica da Igreja Católica no Brasil e estabelece as condições para o  funcionamento de instituições religiosas e o serviço religioso. 

O Art. 16 reza sobre caráter peculiar religioso e beneficente da Igreja Católica  consagrando jurisprudência já consolidada pelo Tribunal Superior do Trabalho, reconhecendo vínculo laboral entre a entidade e aquele que a ela presta serviços, quando se configura o  desvirtuamento da própria instituição religiosa (vide TST-AIRRR 3652/2002-900-05-00,  publicado no DJ de 09 de maio de 2003): 

Dado o caráter peculiar religioso e beneficente da Igreja Católica e de suas instituições: I – O vínculo entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante votos e as Dioceses ou Institutos Religiosos e equiparados é de caráter  religioso e portanto, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira, não gera, por si mesmo, vínculo empregatício, a não ser que seja provado o desvirtuamento da instituição eclesiástica. II – As tarefas de índole apostólica, pastoral, litúrgica, catequética, assistencial, de promoção humana e semelhantes poderão ser realizadas a título voluntário, observado o disposto na legislação  trabalhista brasileira (Grifo nosso).  

O canonista Dom José Francisco Falcão de Barros (apud GOMES; RAMOS; LIMA,  2013) afirma, em seu comentário do artigo 16 do Acordo, a dificuldade de estabelecer um  critério objetivo para diferenciar a relação de trabalho comum daquela que se estabelece entre  os membros de instituições religiosas e estas mesmas instituições. Embora a Legislação  Trabalhista preveja uma série de critérios para caracterizar o vínculo empregatício, como a  subordinação (MARTINS, 2014, p. 149), pois há uma subordinação entre o pároco e o Bispo  diocesano conforme o Cânon 528, § 2. O mesmo se pode dizer da pessoalidade (BARROS,  2017, 174), pois o padre realiza pessoalmente e de forma personalíssima a sua atividade  conforme reza o cânon 530. Tais elementos não parecem ser suficientes para abranger a  complexidade das relações que se estabelecem dentro das comunidades religiosas,  especialmente no que diz respeito ao trabalho de ministros ordenados e fiéis consagrados.  Nesses casos, o que motiva o trabalho parece ser uma chamada interior e uma vocação  religiosa, o que o difere de um trabalho comum, mesmo que apresente algumas características  semelhantes. Veda-se, assim o reconhecimento de vínculo empregatício entre padres e a  Igreja.  

Contudo, é importante avaliar caso a caso se o trabalho exercido em instituições  religiosas é um serviço voluntário ou uma relação de trabalho comum. O trabalho voluntário é  regulamentado pela Lei nº 9.608/98 e não caracteriza vínculo empregatício nem implica em  obrigações trabalhistas ou previdenciárias para o prestador. É necessário formalizar um termo  de adesão entre o prestador e a entidade beneficiária, que deve estabelecer o objeto e as  condições de exercício da atividade. O prestador pode ser ressarcido pelas despesas  comprovadamente realizadas no desempenho das atividades voluntárias, desde que  expressamente autorizadas pela entidade beneficiária. (BARROS apud GOMES; RAMOS;  LIMA, 2013), assim determina a lei: 

Considera-se serviço voluntário, para os fins desta Lei, a atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada de fins não lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa. Parágrafo único. O serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista previdenciária ou afim (BRASIL, 1998).  

O texto do Acordo e a jurisprudência deixam bem claro que o trabalho do padre tem caráter voluntário, o labor de caráter religioso não se constitui em vínculo de emprego, uma  vez que o ofício do religioso é prestar auxílio espiritual e assistir a comunidade nos seus  anseios, além de divulgar a fé que acredita. Os tribunais regionais do trabalho já se  posicionaram com tratamento diferenciado, preconizando que os membros de institutos de  vida consagrada, de congregação, de ordem religiosa e os ministros de confissão religiosa  passam a ser regidos e compreendidos como contribuintes individuais à Previdência Social,  conforme dispositivo 9º, V, “c”, do Decreto nº 3.048/99 (Previdência Social), e considerados  autônomos de acordo com a Lei 6.696/79.  

O padre paga com o que essa contribuição previdenciária? A remuneração mensal  recebida pelo padre, denominada côngrua, destina-se a cobrir despesas pessoais como lazer,  convênio médico e compras, enquanto que as necessidades básicas como casa e comida são  custeadas pela paróquia. A côngrua varia de 1 a 3 salários. Embora os rendimentos da igreja,  como o dízimo e as ofertas, sejam isentos do Imposto de Renda, tal imunidade não se aplica  aos padres, que são obrigados a declarar o que recebem de acordo com o Art. 167 do  Regulamento do Imposto de Renda: 

As imunidades, isenções e não incidências de que trata este Capítulo não eximem as pessoas jurídicas das demais obrigações previstas neste Decreto, especialmente as relativas à retenção e recolhimento de impostos sobre rendimentos pagos ou creditados e à prestação de informações (Lei nº 4.506, de 1964, art. 33).  

A imunidade, isenção ou não incidência concedida às pessoas jurídicas não aproveita aos que delas recebam rendimentos sob qualquer título e forma (Decreto Lei nº 5.844, de 1943, art. 31).  

Deste modo, o padre, de acordo com os recebimentos da côngrua, são obrigados a declarar o Imposto de Renda e as igrejas são obrigadas a reter do seu pastor ou de qualquer  pessoa que lhe preste serviço o valor correspondente ao Imposto de Renda. Neste caso deve se aplicar a tabela do Imposto de Renda, fazer as deduções legais cabíveis (dependentes) e se  tiver imposto a recolher o mesmo deverá ser retido no ato do pagamento ao pastor ou ao  prestador de serviço e pago até o dia 20 do mês seguinte, se cair em dia não útil: antecipa. É  importante ressaltar que o próprio ministro é quem deve contribuir para com o INSS para  garantir a sua aposentadoria a contribuição do INSS, por meio de “carnê”, na categoria de  contribuinte individual, com base no cálculo de 20% do valor declarado, conforme diz o  artigo 65, parágrafo 4º, da IN 971 de 2009:  

A contribuição do ministro de confissão religiosa ou membro de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa, na situação prevista no § 11 do art. 55, a partir de 1º de abril de 2003, corresponderá a 20% do valor por ele declarado, observados os limites mínimo e máximo do salário de contribuição.  

Diante da Concordata e das leis, compreende-se que ao ingressar em entidades  religiosas o indivíduo abdica completamente de bens terrenos e se dedica tão somente ao  cotidiano religioso com os atributos: “Pobreza, obediência e castidade”. Dessa forma,  compreende-se que o padre é um voluntário da fé e nada mais, uma mão de obra barata em  vista do que é arrecadado pela Igreja, alguém que a igreja não tem outra responsabilidade,  senão a fé para com aquele indivíduo. Sendo assim, em caso de acidentes, desistência do  sacerdócio, doenças ou necessidades de ano sabático, o padre não terá nenhum tipo de  indenização. É importante ressaltar que essa condição de voluntário do padre é amparada pela  Concordata e pelas leis, que definem que o trabalho religioso não se constitui em vínculo  empregatício. 

Suscita-se uma reflexão e uma consideração se a Concordata Brasil/Vaticano não  somente beneficia a Igreja como instituição e desampara o padre, uma vez que este não  somente realiza um serviço religioso, mas um trabalho de administrador, secretário, professor  que, às vezes, toma mais tempo essas atividades que propriamente religiosas. Diante disso,  seria útil uma reflexão do baixo clero sobre a sofrida realidade do seu labor cotidiano? Temos  aí uma concordata que fala de trabalho voluntário religioso, mas será que a realidade é apenas  um trabalho religioso? Será que esses homens têm o devido tratamento quando adoecem por  causa da quantidade de trabalho? Os testemunhos das pessoas mais próximas ao padre diriam que ele é somente um pastor ou um administrador de uma franquia chamada paróquia? Não  caberia depois de uma reflexão, que o padre se provesse de fatos vivenciados como  documentos e testemunhos que não só exercer uma função religiosa, mas também de caráter  empregatício, que formam os requisitos da relação de emprego inseridos nos artigos 2º e 3º da  Consolidação das Leis do Trabalho, a consequência será, inevitavelmente, o reconhecimento  do vínculo empregatício.  

É importante destacar que a situação acima descrita pode ser preocupante para os  padres que sofrem com excesso de trabalho paroquial e precisam se afastar por motivos de  saúde. Como poderão sobreviver sem uma remuneração adequada e contando apenas com o  voluntariado? Mesmo que possuam plano de saúde, que em média custa cerca de 800 reais por mês, será difícil custear as consultas e medicações, o que lhes restará para sobreviver?  

Enfim, o sacerdócio é uma profissão baseada na fé e não é considerada uma profissão  de ofício, onde os padres não recebem salários, mas sim uma côngrua, que são pagos pelas cúrias de acordo com suas possibilidades. A subordinação dos padres é eclesiástica e não  empregatícia, portanto, o direito canônico é o guia que regula a vida na comunidade eclesial, e  não o direito trabalhista. 

2.2.1. O padre não é um funcionário da Igreja, mas está lá como tal e está privado de assistência 

É fato que o padre não seja um funcionário da Igreja Católica como exposto acima, no  entanto, ele exerce uma função importante dentro da instituição religiosa como líder espiritual  e conselheiro, uma vez que sua vocação e missão transcende o aspecto meramente  profissional, exige uma doação total e sem reserva. No mesmo sentido é importante lembrar  que o padre não está acima das leis do Estado brasileiro, e deve responder por seus atos  perante a justiça como qualquer outra pessoa. 

No que diz respeito à assistência, a Igreja Católica oferece apoio espiritual e  emocional aos padres em suas funções pastorais, bem como programas de formação e  capacitação para o exercício de suas atividades. No entanto, caso o presbítero enfrente algum  problema legal ou de saúde mental, por exemplo, ele pode buscar ajuda profissional fora da  instituição religiosa, assim como qualquer outra pessoa. E quem é este cuidador? A Pastoral  Presbiteral, o Bispo, a Família? (FERREIRA, 2012).  

É importante lembrar que a assistência espiritual não deve ser vista como uma substituição para tratamentos médicos ou psicológicos, caso sejam necessários. A busca por  ajuda profissional é fundamental para garantir a saúde e o bem-estar do presbítero, bem como  para evitar que ele cometa atos que possam prejudicar a si mesmo ou a outras pessoas, uma  vez que não se separa o ser padre de sua pessoalidade (PEREIRA, 2013, p. 251). 

A vigente Legislação canônica nos esclarece a situação, recordando fundamentos  teológicos e que foram lembrados em PUEBLA, 677 sobre a insuficiência de sustentação e a  falta de uma modesta previdência social para os presbíteros, para que não tenham que buscar  outra fonte em detrimento do seu ministério. Tal remuneração deveria possibilitar inclusive do  presbítero poder tirar férias. Fala-se em viver na simplicidade de vida, na gratuidade,  honestidade, na partilha fraterna, na solidariedade com os pobres, para poder cuidar de suas  enfermidades corriqueiras, de poder ter um apoio psicoterapêutico, de viver sua velhice com  dignidade, afinal um clero sadio e curado é um clero que pode levar mais avante a sua missão  evangelizadora transformadora nos tempos atuais. Com efeito, nos cânones 195, 281, §§ 1 e 2,  384, 1274, § 1, 1350, tem a sua misericórdia manifesta em atos concretos, incluindo o direito  a uma remuneração adequada e à assistência social que aqui não é simonia remunerar o presbítero. Cabe aqui o Bispo diocesano uma dedicação especial assegurando aos presbíteros  um honesto sustento e assistência social, criando no âmbito diocesano um instituo especial. O  Direito Canônico, enfim, prevê até aqueles que foram penados que não lhes falte inclusive  para recomeçarem a vida. 

O PhD em Teologia Moral, Padre Durán, afirma que os padres perderam o encanto e  alegria, ofuscando a beleza do ministério (VATICANNEWS, 2021). No entanto, a depressão é um transtorno psicológico caracterizado por uma sensação persistente de tristeza, desânimo, perda de interesse ou prazer nas atividades cotidianas, bem como alterações no sono e no apetite, fadiga e dificuldade de concentração. É um problema que pode afetar pessoas de todas as idades e gêneros, e pode ser desencadeado por fatores como estresse, estresse causado pela aceleração do pensamento, trauma, genética, alterações hormonais, uso de drogas e outras  condições médicas (CURY, 2016). E o sacerdote passa pela mesma experiência de um  trabalhador que está vinculado seguramente ao trabalho, pois como toda conduta humana o  suicídio está endereçado (DEJOURS et BÈGUE, 2010). 

O padre italiano, Cencini (2009) especialista em acompanhamento psicológico e  espiritual de presbíteros nos fala da Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento  Profissional, que se trata de uma exaustão física, emocional e mental causada pelo estresse  crônico no trabalho, pois devido à ausência de combustível no motor de um jato ou foguete  (por exemplo) que deixou de funcionar, todo o combustível foi consumido ou se esgotou,  tendo sido queimado: was burned out (FALCO, 2021). Esta síndrome se caracteriza por  sentimentos de desmotivação, esgotamento, despersonalização e diminuição da realização  pessoal no trabalho. Inclui-se ainda sintomas de fadiga constante, falta de energia e  concentração, irritabilidade, ansiedade, depressão, insônia, dores de cabeça e problemas  gastrointestinais (NAGOSKI et NAGOSKI, 2020).  

A síndrome ocasiona problemas de saúde mais graves, como enfermidades  cardiovasculares, depressão e ansiedade crônicas. Todavia, é bom recordar que a síndrome de  Burnout não é considerada doença, mas sim uma condição relacionada ao trabalho e seus  sintomas podem ser tratados com a ajuda de um profissional de saúde mental e medidas  preventivas podem ser adotadas para evitar o seu desenvolvimento (CENCINI, 2009). Por  fim, Pereira (2013) ao falar sobre a síndrome no presbitério, traz o texto bíblico do Êxodo 3,  2: “A sarça ardia no fogo, mas não se consumia”, ou seja, “arder, mas não queimar” (PEREIRA, 2013, p. 67). O autor ainda afirma que a “Igreja fragilizou-se gradativamente com  o avanço da Modernidade” (PEREIRA, 2013, p. 79). Deveras, os padres enfrentam questões  complexas que podem gerar crises de identidade, afetividade/sexualidade, vocação e fidelidade, resultando em estado de cansaço permanente. Eles estão se ardendo e queimando  por dentro, perdendo sua própria referência e as autorreferências, se culpando por não  conseguirem lidar com tantos desafios, pastorais midiáticas e responsabilidades, o que muitas  vezes leva a um assédio moral, por parte dos superiores que cobram resultados imediatos e, a  sentimentos de humilhação e constrangimento. Infelizmente, essas pressões podem levar à  depressão e à desistência da vida, não só sacerdotal (PEREIRA, 2013, pp. 134-137). 

O fenômeno da depressão é uma condição clínica que pode ser diagnosticada por um  profissional de saúde mental, e existem diferentes graus de gravidade, desde a depressão leve  até a depressão grave (NAGOSKI et NAGOSKI, 2020). Na depressão leve, os sintomas  podem não interferir significativamente na vida da pessoa, enquanto na depressão grave, os  sintomas podem ser debilitantes e colocar em risco a vida da pessoa (KORB, 2015).  

Já a ideação do suicídio é um comportamento extremo de tirar a própria vida,  geralmente como resultado de um estado de profunda angústia e desesperança. É um  problema complexo que pode estar relacionado a diversos fatores, como transtornos mentais,  abuso de substâncias, problemas financeiros, conflitos familiares e outros. Não é só tristeza e  nisso ficar alertas, mas são as crises depressivas que são preocupantes, haja vista que  depressão é um transtorno mental que se caracteriza por uma sensação persistente de tristeza,  desesperança e perda de interesse em atividades que antes eram prazerosas. É uma condição  que pode afetar negativamente a vida pessoal e profissional das pessoas, e requer tratamento adequado para ser superada (BOTEGA, 2018). É importante ressaltar que o suicídio é  prevenível, e a busca de ajuda profissional pode ser essencial para evitar esse desfecho  trágico. Os graus de risco de suicídio também variam, e é importante estar atento aos sinais de  alerta, como mudanças de comportamento, isolamento social, aumento do uso de álcool ou drogas, comentários sobre morte ou desejo de morrer, entre outros. É importante buscar ajuda  imediata caso haja suspeita de risco de suicídio. (BOTEGA, 2013). 

A Igreja Católica tem uma visão sobre a saúde mental que está relacionada com a  doutrina cristã. A igreja enfatiza a importância de cuidar do corpo e da alma, e acredita que a  oração e a meditação podem ajudar as pessoas a superar seus problemas emocionais. Além  disso, a igreja também valoriza a ajuda mútua entre as pessoas e incentiva a busca de  tratamento profissional quando necessário. Mas, às vezes, esquece de seus padres, que  também necessitam. A psiquiatria, a psicologia e a psicanálise são áreas da saúde mental que  buscam entender e tratar os transtornos psicológicos e emocionais que afetam as pessoas, e os  presbíteros são pessoas humanas. 

2.3. A Relação dos Superiores para com os padres 

Todos os deveres e direitos são deveres e direitos da comunhão hierárquica, pois o  Papa e o Colégio dos Bispos possuem o dever-direito de governar toda a Igreja e, por sua vez,  os Bispos têm o dever-direito de governar a diocese que lhe foi confiada, da mesma forma o  pároco tem esse ofício e dever e direito de governar a paróquia que lhe foi confiada. Os fiéis  têm um dever-direito de coparticipar neste governo (GHIRLANDA, 2003, p. 102-105). 

A questão hierárquica é clara juridicamente, porém efetivamente se esquece do ser  humano nas relações. Há muitas cobranças em relação à administração dos bens, tarefa de  responsabilidade do Pároco (MANZANARES; SANTOS et VARELA, 1994, p. 23), além das  pastorais diversas. Mas o próprio direito canônico recorda que a unidade da paróquia não se  dá na pessoa jurídica (Cânone 520), mas sim numa pessoa física do presbítero que poderá ser  pároco até de mais de uma paróquia (Cânone 526). No Brasil há paróquias com uma  comunidade que equivale a várias, e há paróquias com mais de 30 comunidades e com  extensão territorial quase impossível de ser atendida satisfatoriamente.  

Cozzens (2004) corrobora ao dizer que o poder é sempre atraente e sedutor.  Entretanto, na cultura clerical feudal em que muitos padres ainda estão inseridos, o gesto de  aprovação do bispo e seu olhar cordial são a recompensa máxima, o que pode levar ao  carreirismo e clericalismo eclesiástico. Mesmo que o padre acredite e defenda os dogmas e a  doutrina da Igreja, sua fé pode ser instável e superficial, não condizente com o ensinamento  do Cristo que diz: “Aquele que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o vosso servo” (Mt  20,27). Haja vista que o poder de forma negativa pode e, de fato, leva a violência,  manipulação de relações humanas e prestígios, além de comprovar que tal mau uso do poder  eclesial é uma imaturidade afetiva e muitas vezes reflexo da autoridade acima (BENELLI,  2011). Por isso, Ghirlanda (2003) recorda que o poder é uno, pois vem de Cristo e sagrado  pelo mesmo motivo, porquanto o sacramento da ordem é poder de serviço, de doar a vida em  Jesus Cristo e à sua Igreja. 

No Brasil existem 217 dioceses, 45 arquidioceses, 8 prelazias, 3 eparquias, 01 exarcado, 01 rito próprio, 01 ordinariado militar, 01 administração apostólica pessoal e 01 arquieparquia. Em nenhuma dessas se encontrou algum programa de prevenção a depressão e ao suicídio. Há apenas uma clínica para recuperar padres alcoólatras ou que usam entorpecentes. Haveria de um estudo mais profundo se, esses que estão na casa de tratamento, estão para aqueles cuidados ou se os vícios são frutos de uma depressão ainda não  diagnosticada. 

Nos documentos da Igreja, a figura do bispo, apenas aparece em relação ao seu clero  como um pastor que aplica a lei (cânones 195, 281, §§ 1 e 2, 384, 1274, § 1, 1350). É  interessante notar que os Bispos não se pronunciam sobre a depressão e o suicídio em meio ao  clero. Dos 145 padres que cometeram suicídio nos últimos 33 anos, 123 deixaram cartas ou  bilhetes aos seus superiores. Desses, 111 tinham alguma querela com seu bispo ou superior.  Quem é a figura do bispo? É um padre que se destacou por seu trabalho na Igreja e foi chamado a exercer a função de superior em vista aos outros padres e do povo de Deus. Na  documentação analisada, com o intuito de saber sobre a relação ente superiores e  subordinados, notou-se que os bispos aparecem, pois, como divulgadores das bulas, editos e  graças papais, num esforço de sintonia clara com Roma, expressando também a existência de  um vínculo espiritual e sacramental com o Papa (nas ideias da pessoa do papa e não se sua  figura), numa época em que há uma forte mudança em alguns paradigmas na Igreja Católica  no tocante a doutrina e um forte apelo midiático.  

Pelo que se pode observar nos sites das dioceses e nos pronunciamentos de seus  representantes, parece que aqueles que foram elevados ao episcopado se distanciaram de suas  origens e do valor de excelentes profissionais eclesiásticos, tornando-se opressores tanto de si  mesmos como de seus funcionários. Não basta aos padres um documento que fale de  fraternidade e acolhimento, ou seja, ‘como ser irmão’, mas o superior tem que saber acolher  críticas e nem ter autocrítica por parte de seus subordinados. A imaturidade, de alguma forma,  significa ‘terra de ninguém’, isto é, o indivíduo fica vulnerável a todo e qualquer estímulo  estressante. 

3. DADOS SOBRE A DEPRESÃO E O SUICÍDIO NO CLERO BRASILEIRO

O número de pessoas que vivem com depressão, segundo a OMS, está aumentando – 21% entre 2005 e 2021. A estimativa é que, atualmente, mais de 360 milhões de pessoas de  todas as idades sofram com a doença em todo o mundo. O órgão alertou ainda que a  depressão figura como a principal causa de incapacidade laboral no planeta. 

No Brasil, o mesmo órgão, relata que cerca de 5,8% da população brasileira sofrem de  depressão – um total de 11,5 milhões de casos. O índice é o maior na América Latina e o  segundo maior nas Américas, atrás apenas dos Estados Unidos, que registram 5,9% da  população com o transtorno e um total de 17,4 milhões de casos.  

De acordo com o artigo de Pacheco e Silva, Dépression et suicide: le silence de  l’Église face aux souffrances psychologiques du prêtre (2021) por ocasião da pandemia, no  Brasil 6 a cada 10 padres já tiveram sintomas que se assemelharam a depressão, mas não procuraram auxílio médico e/ou psicológico por medo de serem afastados de seus trabalhos  paroquiais, de um cerceamento por parte do seu superior ou, ainda, taxado por seus pares  como uma pessoa depressiva e com falta de fé. Desses 6 padres, 5 disseram que tiveram  pensamento de abandono do sacerdócio e 3 pensamentos dar um termo à vida. O medo de não  conseguir galgar uma carreira eclesiástica por causa da depressão, de ficar marcado no clero  como alguém que não é capaz, que fraquejou, que não teve pulso para enfrentar a lida  paroquial. Falta que a Igreja como Instituição note que as questões dos sacerdotes, em relação  a depressão, não devem ser tratadas com uma questão somente de espiritualidade ou teologia,  deve ser tratada com razão de saúde pública do padre.  

O silêncio da Igreja do Brasil perante a saúde mental do Padre é o mesmo que ocorre  em outros países como é o caso da Diocese de Nates, França, que o padre Pe. René Pennetier  argumenta que não se deve sobre a depressão em meio ao clero, pois “Tornar público o seu  mal-estar não é a melhor forma de ajudar um padre a se reerguer”, assim, “Quando se trata de  uma depressão, vai se falar de cansaço, para manter a prudência”. Ou seja, cria-se uma ilusão  perante a comunidade sobre o estado real do padre, impedindo até mesmo que o grupo de fiés  e a Igreja reveja alguns conceitos, tipo: não há que se falar em cansaço simplesmente, como  um caso a ser resolvido, mas sim de uma pessoa que necessita ser escutada diante da sua  angústia existencial. Percebe-se que há inúmeros documentos que falam sobre o  acompanhamento vocacional, sobre o ministério sacerdotal, sobre a espiritualidade e os  desafios do sacerdote no terceiro milênio, porém são mudos de ações práticas quando se trata  da saúde mental do presbítero. Uma coisa é o escrever sobre, e, outra é a ação praticada para  exercer aquela escrita.  

A OMS estima que mais de 700.000 pessoas morrem por suicídio a cada ano e que  quase 77% de todos os suicídios globais ocorram em países de baixa e média renda. É a  quarta maior causa de mortes de jovens de 15 a 29 anos de idade. Em 2019, 97.339 pessoas  morreram por suicídio na Região das Américas, e estima-se que 20 vezes esse número possa  ter feito tentativas de suicídio. Entre 2010 e 2019, ocorreram no Brasil 112.230 mortes por  suicídio, com um aumento de 43% no número anual de mortes, de 9.454 em 2010, para  13.523 em 2019. Análise das taxas de mortalidade ajustadas no período demonstrou aumento  do risco de morte por suicídio em todas as regiões do Brasil.  

Uma pesquisa de 2008, apresentada no Congresso do International Stress  Management Association (ISMA) Brasil, apontou que a vida sacerdotal é uma das profissões  mais estressantes da atualidade. Já naquela ocasião, 448 entre 1,6 mil padres e freiras  entrevistadas (28%) se sentiam “emocionalmente exaustos”. O percentual de clérigos nessa situação era superior ao de policiais (26%), executivos (20%) e motoristas de ônibus (15%).  Por sua vez, não há registros estatísticos precisos sobre o número de casos de suicídio entre  padres no Brasil. Esse é um tema pouco estudado e muitos casos podem ser subnotificados ou  não divulgados publicamente. Mas, através de uma consulta a reportagens divulgadas na  internet sobre o número do sacerdotes que tiraram a sua própria vida no Brasil entre 1990 até  hoje, pode-se facilmente encontrar que 145 sacerdotes tiraram a sua vida. Ou seja, por ano, 4  padres cometem suicídio. 

É possível verificar que o método utilizado para tirar a própria vida foram realizados  através de diversos métodos, tais como um tiro por arma de fogo, auto envenenamento,  enforcamento ou incisões profundas, computando o que é convencionado chamar de suicídio  ativo. Também foi possível averiguar diante das reportagens que existiu o intitulado suicídio  passivo, baseado na omissão da perpetuação da própria vida, como recusa a alimentação,  ingestão hídrica e/ou de medicamentos essenciais à sobrevivência. Enfim, apurou-se que  houveram ao menos, noticiadas durante esses anos, 28 “tentativas de suicídio” ou  “parassuicídio” que são quaisquer atos não fatais de automutilação ou de auto envenenamento  que ou não alcançam êxito ou tendem a somente causar danos graves ao próprio sujeito. Esses  números, no entanto, podem ser ainda maiores devido a problemas de subnotificação desse  tipo de morte em meio ao clero. Portanto, não falar sobre o suicídio não ajuda e, na verdade,  pode dificultar a identificação e prevenção de casos de risco (DANTAS; CRUZ et  ALMEIDA, 2022). Com esse artigo, quer-se também, fazer uma ampla investigação, posterior  junto aos padres brasileiros, sobre o seu real estado de saúde mental e esgotamento físico e  psicológico.  

Dados da Associação Brasileira de Psiquiatria nos dá uma visão ampla dos casos de  suicídio por pessoa que atravessa esse processo. Podemos ver que a cada 17 indivíduos que  passam por 02 pensamentos suicidas, 01 chega a ser atendida em pronto socorro após uma  tentativa (BOTEGA et al, 2005). Já os dados da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil  (CNBB) de 2021, mostram que no Brasil há 21.812 padres, 12.013 paróquias, 214,3 milhões  de habitantes no Brasil, dá em média 9.824,86 mil habitantes por cada padre.  

Na esfera social, falar de suicídio é frequentemente um assunto considerado tabu e  mais ainda de religiosos, que para a sociedade têm valores inegociáveis e um arquétipo de um  herói, de um verdadeiro santo na terra. De fato, não há uma educação sistemática ou  treinamento, ou ainda mais uma formação clerical que incentiva a discussão aberta sobre o  tema em especial do cuidado que os superiores devem ter para com seus subordinados. Se a  morte é um tema pouco discutido em comparação a outros como a política, pobreza, a santidade, a castidade, o suicídio é algo estigmatizado. Na obra do Psicólogo Clínico Pereira  (2013), “Sofrimento psíquico dos Presbíteros: dor institucional”, mostra que existe um  estigma e um velamento do assunto. São assuntos velados como esses que devem ser trazidos  à tona a fim de evitar que haja mais casos. O padre José Carlos Pereira no livro “Operários da  fé: O padre na sociedade Brasileira” (2023), já mostra em seu título pela palavra operário, que  o padre é aquele que trabalha com procedimentos rígidos e são submetidos a alto controle,  fala que há casos que são suicídio e não são divulgados como suicídio. Tenta-se esconder essa  realidade, mas ela existe e ainda que não se espera que um padre cometa suicídio por causa da  sua convivência, espiritualidade e equilíbrio. Mas essa não é a realidade. Nos últimos anos,  tivemos diversos padres que cometeram suicídios, padres relativamente jovens até. E esse é  um fato que existe na sociedade e também dentro da Igreja, mas não é tratado como deveria.  Diante disso traz a ideia clara do muito que não é dito já é como sintoma e se sabe que quando  não se fala, recalca.  

Embora o tabu em torno do suicídio do sacerdote possa dificultar a discussão aberta  sobre o assunto dentro da Igreja e com a sociedade, a realidade é que a cada ano o número é crescente. Pereira (2023) indica em seu estudo que grande parte dos padres provém de origens  humildes, 62,5%, e vem de áreas rurais ou do interior, 54%. A maioria do clero brasileiro é  secular, “diocesano”, 78%. Embora o sacerdócio proporcione estabilidade financeira e status  social, com 75,8% dos presbíteros satisfeitos com sua remuneração, muitos relatam sentir-se  estressados e sobrecarregados, com um quarto dos entrevistados declarando que não têm  horários regulares para refeições. Os expostos ao Burnout são 2% com significativo consumo de álcool. O autor também afirma que 90% dos padres que deixaram o ministério é porque encontraram uma pessoa que preencheu sua vida como não era enquanto exercia o sacerdócio.  

A solidão ou do isolamento, especialmente na velhice, também é uma preocupação recorrente, apesar dos benefícios de assistência médica e aposentadoria que lhes são oferecidos. A maioria dos sacerdotes se absteve de constituir família e se afastou de suas famílias de origem. Sugere que a análise do perfil do clero brasileiro é crucial para a compreensão do país, dada a importância do catolicismo na cultura nacional, destacando que a publicação contém informações inéditas sobre o clero no Brasil (PEREIRA, 2023).  

É importante destacar que o suicídio é um problema multifacetado que pode estar associado a diversas causas, sendo fundamental o apoio emocional e a busca de ajuda  profissional para prevenir casos de suicídio em padres e em qualquer outra pessoa. Diante  desses dados, é importante enfatizar a importância de cuidar da saúde mental de padres e membros religiosos em geral, oferecendo suporte emocional, psicológico e espiritual adequado, bem como promovendo medidas de prevenção e tratamento para a depressão e o suicídio. 

4. A DEPRESSÃO QUE LEVA AO SUICÍDIO NO ALTAR 

A existência humana pode ser concebida como um contrato de grande risco, uma vez  que é permeada por situações imprevisíveis e aventuras. É preciso ressaltar que as recompensas significativas não são alcançadas de maneira fácil e desprovida de custos. Além  disso, é importante destacar que a única certeza que se tem é a incerteza no percurso da vida. Diante dessa incerteza que se enfrenta no viver, muitas vezes se olha fixamente ao abismo que se perfaz sob os nossos pés. A partir desse olhar sente-se a vertigem, diante dessa é que se  pode cair ou encarar e ternar uma alternativa para sobrepassar o poço que se presencia.  Perante esse cenário, para desenvolver a resiliência, é essencial que se atribua um valor  elevado à vida em detrimento de objetivos como sucesso, reconhecimento social e aplausos (CURY, 2016, p. 167-168). 

A vida presbiteral é inserida neste mesmo cenário vivendo a síndrome do “povo hebreu desamparado”, desiludido e desalentado (PEREIRA, 2013, p. 233-248) e “de um abandono por parte de seus superiores que exigem sempre mais em eficiência e qualidade, sem, muitas vezes, levar em conta que antes da existência do padre, há o ser humano, falível e  finito” (PACHECO et SILVA, 2021, p. 8). A ausência de verdadeira autoridade torna-se um  reflexo da ausência do pai em casa, do líder de outrora. A ausência da fraternidade em geral, indagam-nos o sentido de presença e o sentido da presença no presbitério (HEIDEGGER,  2002). A presença é o ser do homem num processo de interação com outras presenças  existentes em nosso tempo.  

4.1. Causas 

As causas que levam o padre a cometerem suicídio são várias e multifatoriais. É certo  que não se pode tratar esse tema apenas como uma questão teológica de perda de fé, e sim  falta de apoio dos superiores, excesso de trabalho, falta de lazer, perda da motivação etc. Pode-se ter uma ideia das tensões quando um padre tira a vida, diante de alguns testemunhos, por exemplo: quando a famílias do falecido, pede que o bispo não celebre as exéquias e ao  final um tio com voz clamante diz: “Caros familiares e paroquianos… Todos nós nos fazemos  a mesma pergunta: te suicidaste ou te suicidaram?” como foi o caso do padre francês padre  François de Foucauld. Quando o bispo é agredido após o sepultamento do padre Geraldo de  Oliveira que tirou a vida dentro da igreja em Surubim, PE. Ou ainda, quando Association of Catholic Priests – ACP na Irlanda mostra que os padres se preocupam com “a queda na renda,  o aumento na carga de trabalho, problemas de saúde e uma grande sensação de inutilidade, a  indiferença dos superiores perante os sofrimentos psíquicos”. Além disso, colocam que: colocar aos superiores a situação de sua exaustão pode parecer que queira desistir do  sacerdócio. E ainda, a maneira como os colegas, em circunstâncias parecidas no passado,  foram tratados pelas autoridades eclesiásticas, desestimula uma abertura para com o seu bispo. Dessa maneira, pode-se imaginar que, na grande maioria das vezes, seus superiores já  tinham ideia, direta ou indiretamente do que o padre passava. 

Mas, Cury (2017) afirma que “quem quer cultivar um amor inteligente não pode dissimular, se esconder, mentir ou se omitir”. Poderíamos dizer que a falta de tempo para si mesmo, um tempo livre e de lazer, um período de férias que o próprio Direito Canônico já determina (Cânon 533, § 2) é uma primeira causa. A segunda é a falta de fraternidade presbiteral, pois cada um vive seus problemas e não há um clero unido e atento as necessidades do outro, onde se coloca a ação dialógica e ajuda mútua (PEREIRA, 2013, p. 468-469). A terceira é o julgamento da comunidade, em geral, com um reducionismo enorme, como não tem vida de oração ou não é fiel a suas promessas sacerdotais ou outros mais ainda.  

A solidão também pode ser um fator desencadeante da depressão e do suicídio. O  padre, na maioria das vezes, é um homem solitário. A sensação de solidão não deve ser  confundida com o isolamento. E, acima de tudo, existencial, inerente à condição humana e  muito subjetivo. Uma ativação da atenção “ordinária”, entre solidariedade e fraternidade, na reciprocidade entre padres vizinhos, amigos e superiores, continua sendo um precioso apoio  para todos, seja para romper o isolamento, seja para dominar aquele sentimento de solidão  com a ajuda de proximidades “normais”, no cotidiano, na partilha com pares ou amigos, das  dificuldades e das fragilidades diante das situações encontradas.  

O excesso de trabalho, o padre é ordenado para o atendimento religioso de uma comunidade. Mas, na realidade se depara com inúmeros outros serviços, nos quais não teve a formação adequada: administrador financeiro, presidente de diversos grupos pastorais, pertencente a diversas comissões diocesanas, motivador de comunidades muitas vezes distantes. Atualmente, a vida presbiteral implica em muitas exigências que antes não eram presentes e para as quais a formação seminarística não os prepara adequadamente. Essas pressões, ao longo do tempo, podem desgastar emocionalmente o presbítero, resultando em uma crise existencial e vocacional que leva, gradualmente, à perda do amor-próprio e ao distanciamento das relações interpessoais.

A depressão, origem do mal contemporâneo, pode levar a comportamentos extremos,  como o suicídio, mesmo em casos em que a pessoa parecia estar aparentemente bem como é  comumente na vida presbiteral (PEREIRA, 2013, p. 355). Há algumas causas específicas que  podem contribuir para esse quadro. Uma das causas é a pressão e as inúmeras cobranças que  os presbíteros podem enfrentar em relação à sua atuação pastoral e administrativa, além das  expectativas que a comunidade religiosa deposita sobre eles. Esse tipo de cobrança pode gerar um grande estresse e desgaste emocional, uma baixa autoestima que eleva, especialmente quando não há um apoio adequado e nem resposta alguma de suas tentativas pastorais e administrativas, mas apenas críticas desdenhosas. Além disso, o abandono nas paróquias  também pode contribuir para a depressão em padres. O isolamento, a falta de comunicação e de suporte emocional podem ser muito prejudiciais para a saúde mental do presbítero que  pode se sentir sozinho e sem uma rede de apoio adequada (PEREIRA, 2013, p. 252-255). 

Essas situações podem contribuir para o desenvolvimento de depressão e, em casos extremos, levar ao suicídio, inclusive dentro da igreja, como o suicídio no altar (HILMAN,  1993, p. 33-48). É importante que a Igreja Católica, assim como outras instituições, esteja atenta aos sinais de depressão e ofereça apoio adequado aos padres e membros da comunidade religiosa que estejam passando por problemas de saúde mental. O suporte emocional, psicológico e espiritual é fundamental para a prevenção de tragédias como essa (PEREIRA, 2013, p. 367). 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A vida e a morte são aspectos sempre presentes em nossas vidas que reflete a finitude  humana. Embora a morte possa ser vista como uma força inevitável, a crença na ressurreição oferece uma esperança de continuidade da vida. A afirmação de que o Ressuscitado é nosso  Mestre sugere uma perspectiva religiosa cristã, porém o sofrimento é invisível e o suicídio de  presbíteros continua em 2023.  

Para prevenir o suicídio de seus padres, a Igreja pode adotar algumas medidas.  Acolhimento efetivo e sincero, disponibilização de psicólogos e psiquiatras para acompanhar  casos, custeio do tratamento dos clérigos afastados e uma melhor formação sobre o tema  dentro dos seminários são algumas delas. Além disso, é importante que as Dioceses e Bispos  não abusem de seu poder ou autoridade, o que pode incluir enviar o padre para uma paróquia  afastada em função de um desempenho não tão bom, fazer correções públicas humilhantes,  impor trabalhos não religiosos ou impedir que o padre faça um curso que poderia ajudá-lo no  futuro. Essas práticas podem atentar contra a liberdade de locomoção do padre, impedindo-o de ir a determinados lugares, além de violar o sigilo da correspondência e a liberdade de  consciência perante seus superiores. Também é importante garantir o livre exercício do culto  religioso, seja ele tradicional ou progressista, a liberdade de associação, os direitos e garantias  legais assegurados ao exercício do voto, o direito de reunião, a integridade física do indivíduo  e os direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voluntariado, incluindo o direito de  prestar concurso para outras áreas, a fim de garantir um futuro mais favorável, uma residência digna e alimentação adequada. 

Algumas outras medidas podem ser adotadas na Igreja do Brasil para lidar com questões relacionadas à saúde mental dos padres. Uma delas seria indenizar a família do padre  em caso de falecimento por suicídio. Além disso, seriam necessários levantamentos frequentes sobre a saúde mental dos padres, realizados por fontes externas às dioceses, para evitar a negação de fatos ocorridos. Os superiores deveriam conversar com os sacerdotes sobre seus problemas, ajudando-os a encontrar a melhor solução. Também seria importante  esclarecer, durante a formação e antes da ordenação, quais serviços voluntários o padre irá desempenhar na diocese ou congregação, para evitar causar ansiedade, cobranças injustificadas e excesso de trabalho ao sacerdote 

Ser padre é uma vocação que exige a presença de diversas qualidades em uma única  pessoa, pois os sacerdotes são frequentemente considerados como quase super-homens, dotados de superpoderes e sempre prontos para servir a comunidade eclesial em diversas tarefas, como a administração dos sacramentos, a direção espiritual e as obras de caridade. Em suma, a depressão é tratável e suicídio pode ser prevenido e, de modo especial, em nosso presbitério brasileiro.  

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1Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professor do Mestrado Acadêmico em Filosofia e Adjunto da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), licenciado em Filosofia e Biologia e Bacharel em Teologia. Avaliador do MEC/INEP para os Cursos de Filosofia e Teologia.
http://lattes.cnpq.br/3757823723460546

2Mestre em Direito Canônico pelo Pontifício Instituto Superior de Direito Canônico do Rio de Janeiro agregado a Pontifícia Gregoriana de Roma; Mestrando na Universidade Federal de Rondônia (UNIR) no programa de pós-graduação em Filosofia (Ética e Filosofia Política).
http://lattes.cnpq.br/8499444232725816