REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7274316
Leidiane da Silva Sousa1
Hewlson Reis Madeira2
RESUMO.: A internet faz parte do cotidiano da sociedade, trazendo facilidades e perigos a vida cotidiana, cada vez mais nos torna dependentes de suas interações e nos leva a refletir como seria viver sem ela. Em 1988 a web chegou ao Brasil e logo depois vieram os crimes cometidos através dela, com o passar dos anos tornou-se cada vez mais corriqueiro a ocorrência destes delitos, sejam eles de menor grau ofensivo, como a pirataria, ou de maior grau, como a pornografia infantil. O sistema legislativo brasileiro vem tentando ao longo dos anos regulamentar tais delitos, contudo, existe uma perceção de que este processo de legislar está cada vez mais lento, visto que, demoram até décadas para que condutas sociais reprováveis realizadas através da internet sejam consideradas delitos, contudo estas mesmas condutas já são tipificadas como crimes em outras esferas penas, como é o caso da injuria e difamação. O presente tem por objetivo analisar os delitos informáticos no brasil e fazer uma breve comparação sobre as leis 12.737/2012 e 14.155/2021 em sua esfera penal. A metodologia escolhida para alcança o referente objetivo foi realizado com base em bibliografia em literaturas especificas sobre o tema, os quais tratavam sobre os contextos históricos que envolviam a internet, os delitos cibernéticos no Brasil, a contextualização dos tipos de crimes já previstos, a analise das Leis 12.737/12 e LEI 14.155/21 como se ocorreu a chegada da internet no Brasil e por fim como os Poderes Judiciário, legislativo se posicionou frente a esses delitos. Como resultado percebeu a ineficácia da aplicação das penas e a relevante de uma aplicação mais ativa das penas prevista nas leis 12.737/2012 e 14.155/2021.
Palavras-chave: Internet; Crimes; Legislação; Sociedade.
INTRODUÇÃO
A área digital tecnológica ao longo das últimas décadas vem crescendo de forma exponencial, e se tornou parte integrante e indispensável do nosso cotidiano, tanto de maneira social quanto profissional. No dia a dia a facilidade da interação social entre famílias, amigos, colegas de trabalho e estranhos sem sair de casa vem ocasionando uma dicotomia, além de aproximar pessoas distantes, também afasta pessoas próximas quando levado em consideração um contexto geográfico.
Considerando o desenvolvimento e o crescimento dos meios digitais, além do surgimento de interações sociais benéficas também surge o perigo de ser mais uma vítima de delitos cibernéticos, os quais, no Brasil é observado um crescimento superior os crimes comuns. Até o ano de 2012 mesmo com a já existência rotineira deste tipo de crime o Código Penal Brasileiro não tipificava tais delitos de maneira enfática, sendo os praticantes julgados por similaridade a já tipificados. Com a publicação da Lei 12.737 em 30 de novembro de 2012 conhecida como “Lei Carolina Dieckmann” veio a tipificação de delitos informáticos, trazendo penas voltadas exclusivamente a prática de tais crimes.
Contudo, ao longo da última década, mesmo com a tipificação criminal e penas já existentes, os cibercrimes continuaram aumentando ano após ano, o que pode ter sido um resultado do baixo índice de punições agregado as penas brandas previstas no Código Penal Brasileiro. Visto isso, foi publicada em 27 de maio de 2021 a Lei 14.155, a qual traz alterações na redação do caput do artigo 154-A, ampliando a incidência do tipo penal, além disto, majorou as penas dos crimes de informática tanto na sua forma básica quanto suas qualificadoras.
Ademais internet se tornou algo indispensável fazendo parte do cotidiano da sociedade, trazendo facilidades e perigos a vida cotidiana, cada vez mais nos torna dependentes de suas interações e isso nos leva a refletir como seria viver sem ela. Em meio a esta dependência surgem oportunidades, mas também uma grande vulnerabilidade, entre as principais vulnerabilidades está o fato de que os dados pessoais de um usuário podem ser invadidos e utilizados para fins alheios a sua vontade, em meio a isto vale nos questionar.
Por que mesmo após a inclusão dos crimes informáticos no rol penal brasileiro, não houve redução na quantidade de cibercrimes praticados no Brasil?
Por quanto esse estudo trata-se de uma revisão bibliográfica, dessa forma, irá utilizar os métodos: documentais, onde serão analisadas e interpretadas as literaturas existentes, que possui caráter amplo, que expõe e descreve a construção do assunto estabelecido, por artigos originais, revisões literárias, livros, e-books, legislação penal brasileira e sites. Quantitativa no qual serão analisados a quantidade de medidas existentes das relações variáveis do assunto em questão. Retrospectiva onde ocorrer a busca dos documentos dos últimos dez anos, que abordam a temática. Descritiva na qual descreverá os aspectos determinantes do tema.
O objetivo da pesquisa será demostrar o comparativo que viabilizou a necessidade da majoração dos dispositivos das Leis 12.737/2012 e 14.155/2021, visto que, a impunidade dos crimes de informática existente já estabelecido na legislação, tem se mostrado ineficazes na execução das sanções para esse crime.
Com a majoração englobará não somente crimes já previstos nos dispositivos da lei vigente, mais também os novos delitos de informática que foram desenvolvidos pelos indivíduos. Desta forma, esse trabalho apresentará um breve estudo sobre o que levou a criação das tipificações criminais dos delitos de informática e o que ocasional os agravantes nas penas.
CAPÍTULO I – CONTEXTO HISTÓRICO
1.1 O INÍCIO DA INTERNET
Em 1957, foi criada pelo governo americano a ARPA – Advanced Research Projects Agency, uma instituição com fins militares que deu início ao projeto Arpanet, projeto este que foi o início de algo que viria a se tornar o que hoje conhecemos como internet, 35 anos depois em 1992 a internet estaria no formato que usamos hoje com algumas alterações não tão significativas ao longo dos últimos 30 anos (LOHR,2012).
Seus criadores talvez não previssem que a internet assim como é utilizada para fins benéficos e é a principal responsável pela globalização, também seria utilizada para diversas atividades ilícitas que vão desde crimes mais brandos, como a calunia e difamação, até crimes mais severos, como o tráfico de drogas e a pedofilia virtual que vai desde a produção, publicação e armazenamento de registros pornográficos infantis na rede mundial de computadores.
1.2 ATAQUES CIBERNÉTICOS NO BRASIL
No Brasil, os crimes virtuais foram “encaixados” no código penal brasileiro em 30 de novembro de 2012, quando foi publica a Lei 12.737 a qual “Dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos; altera o Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal; e dá outras providências”. A partir de então os delitos virtuais passaram a ter tipificação própria com penas próprias, que para a época poderiam ser suficientes, mas que ao longo do tempo mostraram-se brandas necessitando de uma alteração posterior.
Em 15 de Novembro de 2020 o sistema de totalização de votos do Tribunal Superior Eleitoral -TSE do Brasil, sofreu diversas tentativas de ataques cibernéticos, tal feito ocorreu no período compreendido entre o primeiro turno e o segundo turno das eleições municipais de 2020. Especialistas da Secretaria de Tecnologia da Informação do TSE identificaram 486 mil conexões por segundo para tentar derrubar, sem sucesso, o sistema de totalização de votos (BARROSO, 2020).
Tal ataque a uma instituição governamental, não foi uma exclusividade do TSE, mas ao longo dos últimos anos afetou diversos outros órgãos públicos, entre eles destacamos as tentativas de ataque ao Tribunal de Justiça-TJ e ao Superior tribunal de justiça – STF, além do
ataque a plataforma conecte SUS, o qual fez o sistema de retirada do comprovante de vacinação ficar fora do ar durante semanas durante a pandemia da covid-19 (BARROSO, 2020; BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021).
2. CAPÍTULO II – CONCEITOS DE DELITOS INFORMÁTICOS
2.1 TIPOS DE DELITOS INFORMÁTICOS
Com o aumento da conectividade e a maior dependência da população por itens tecnológicos, também aumentam os tipos de crimes praticados com a utilização de meios eletrônicos, tais crimes podem ser classificados em dois tipos, próprios e impróprios:
Carneiro (2012):
Atos dirigidos contra um sistema de informática, tendo como subespécies atos contra o computador e atos contra os dados ou programas de computador. Atos cometidos por intermédio de um sistema de informática e dentro deles incluídas infrações contra o patrimônio; as infrações contra a liberdade individual e as infrações contra a propriedade imaterial. (FERREIRA apud CARNEIRO, 2012, [n.p.])
Para Carneiro (2021), os Crimes próprios têm como sujeito ativo e passivo apenas o sistema computacional em si, portanto durante toda a sua consumação o fato ocorre apenas em meio digital. Um exemplo de tal prática é a derrubada temporária de sites governamentais que foram realizadas durante o ano de 2021. Já os crimes impróprios por sua vez têm o sistema computacional utilizado apenas como um meio para a prática de crimes já estabelecidos, que vão desde contravenções penais, como a difamação, até crimes hediondos como a pedofilia.
Crimes virtuais próprio é todo aquele que os sistemas informáticos são os sujeitos passivo e ativos, neste tipo de crime o objeto é sempre baseado em dados sendo que o alvo é exclusivamente o sistema invadido ou os dados presentes no mesmo.
Nessa categoria estão diversos crimes entre eles podemos listar:
- Invasão de dados não autorizados;
- Modificação de dados;
- Inserir dados falsos;
- Copiar dados sem autorização;
- Qualquer atitude que leve a afetas diretamente um software ou hardware que for realizada através de um computador ou outro meio eletrônico.
Para boa parte da doutrina os crimes cibernéticos próprios “São aqueles em que o bem jurídico protegido pela norma penal é a inviolabilidade das informações automatizadas” (CARNEIRO,2012).
2.3 CRIMES VIRTUAIS IMPRÓPRIOS.
Crimes virtuais impróprios por sua vez, são aqueles em que são utilizados meios eletrônicos, no entanto diferem dos crimes próprios pois neste caso o meio digital é utilizado apenas como um caminho para a realização de um crime no mundo físico. Neste tipo de crime o alvo já é um bem tutelado, que já era protegido e, portanto, o sistema computacional foi utilizado apenas como um meio adicional a prática do mesmo.
Assim também afirma o jurista Damásio E. de Jesus (2012 apud CARNEIRO, 2012, [n.p.]). In verbis:
Já os crimes eletrônicos impuros ou impróprios são aqueles em que o agente se vale do computador como meio para produzir resultado naturalístico, que ofenda o mundo físico ou o espaço “real”, ameaçando ou lesando outros bens, não computacionais ou diversos da informática.
Atualmente diversos crimes podem ser classificados através desta classificação dentre eles os mais comuns são:
- Difamação;
- Injuria racial;
- Crime contra a propriedade intelectual;
- Furto;
- Estelionato.
Didaticamente essa classificação é necessária, no entanto os crimes virtuais impróprios já possuem por si só tipicidade já prevista no código penal, visto que o computador e a internet são apenas meios utilizados para perpetua-los.
Existe grande dificuldade na inculpação comprovada do autor de um crime virtual, uma vez que à ausência física do sujeito ativo. Devido a isto, foi trazido ainda no início da era da internet um perfil para pessoas que praticam crimes virtuais próprios, chamando-os de hackers, denominação esta que também pode ser utilizada na prática de alguns crimes virtuais impróprios (SIQUEIRA, 2017)
Aos longos dos anos essa denominação foi ganhando subdivisões, dentre elas os mais conhecidos sendo, os hackers, pessoas que possuem o conhecimento tecnológico, no entanto não praticam atividades criminosas, os crackers, pessoas que possuem o conhecimento e o utilizam para obter vantagens ilícitas, os lamers, que são crackers que atuam em pequenos feitos, como estelionato, furtos a pequenas quantias, etc., e por fim os defacers, que comentem crimes contra grandes empresas ou instituições (JUNIOR, 2013, NUCCI, 2014).
Quanto ao sujeito passivo este pode ser qualquer pessoa física ou jurídica, entidade titular seja pública ou privada de um bem jurídico tutelado. Portanto de forma geral, qualquer sujeito pode ser passivo da infração penal e sempre que ocorrer existirá um sujeito passivo (NUCCI, 2014, PRADO,2013)
3.1 LEI 12.737 DE 30 DE NOVEMBRO DE 2012.
Em maio de 2012 ocorreram os vazamentos de 36 fotos íntimas da atriz Caroline Dieckmann. Após o ocorrido, que trouxe grande visibilidade a uma prática criminosa que já vinha acontecendo constantemente, no dia 18 de maio foi levado a análise pela assembleia legislativa o Projeto de Lei 2793/2011 elaborado pelo deputado federal Paulo Teixeira, e naquele mesmo ano em 30 de novembro de 2012 vinha a ser sancionada a Lei dos Crimes Cibernéticos, conhecida popularmente como “Lei Caroline Dieckmann”, (VIEIRA; ALVES, 2013).
Vale destacar alguns pontos em referência a lei, primeiro quanto a tipificação criminal, onde se lê “delitos informáticos” deve-se considerar delitos cibernéticos, visto que é o que dispõe a hermenêutica jurídica (ALMEIDA; MENDONÇA; CARMO; SANTOS; SILVA; AZEVEDO, 2015).
O principal avanço da lei 12.737/2012 é o caput do art. 154-A do Código Penal – CP, tem como objetivo estabelecer punições mais rigorosa contra as práticas criminosas, que
Vale destacar alguns pontos em referência a lei, primeiro quanto a tipificação criminal, onde se lê “delitos informáticos” deve-se considerar delitos cibernéticos, visto que é o que dispõe a hermenêutica jurídica (ALMEIDA; MENDONÇA; CARMO; SANTOS; SILVA; AZEVEDO, 2015).
O principal avanço da lei 12.737/2012 é o caput do art. 154-A do Código Penal – CP, tem como objetivo estabelecer punições mais rigorosa contra as práticas criminosas, que ocasionam um transtorno a quem utiliza dessas diversas tecnologias existentes, em resumo a sociedade. Segue:
Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
Assim analisando este primeiro artigo, dar-se a ter várias considerações sendo as principais delas, o fato de que independe o fato de o dispositivo estar ou não conectado à internet, a sua invasão já configura como prática delituosa, além disto para ser considerado delito o sujeito ativo deverá violar ou transgredir/violar um mecanismo de segurança do dispositivo de informático. Outrossim, salienta-se que quando se fala em dispositivos de informática, não se resume apenas a computadores, mas sim a qualquer dispositivo eletrônico, como: notebooks, smartphones, laptops, tablets, dentre outros (ALMEIDA; MENDONÇA; CARMO; SANTOS; SILVA; AZEVEDO, 2015).
3.2 PENAS APLICADAS PELA LEI 12.737/12 E A LEI 14.155/21.
A Lei 14.155 de 27 de maio de 2021 foi publicada com o intuito de majorar as penas dos delitos cibernéticos que foram trazidas pela Lei 12.737, além disto ela trouxe alterações no CAPUT do Art.154-A, ampliando o grau de incidência da infração e retirando a obrigatoriedade de ser necessária a invasão por meio de violação de dispositivo de segurança do aparelho informático.
Segue in verbs o Art. 154-A da Lei 14.155:
Art. 154-A Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de computadores, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do usuário do dispositivo ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
Com esta nova redação o crime de invasão de dispositivo informático passou a existir mesmo que o dispositivo não seja alheio, mas que esteja sob o uso de outra pessoa. Foi mantida a desobrigatoriedade do dispositivo estar conectado à rede de internet. Foi mantido também a finalidade de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do usuário (RAMOS, 2017).
Quanto as penas aplicadas, a pena passou de detenção de 3 meses a 1 ano para reclusão de 1 a 4 anos, isto é muito relevante visto que Penas de detenção são aplicadas a infrações de menor potencial ofensivo e, portanto, não podem ter seu cumprimento inicial em regime fechado. Já as penas de reclusão não cabem o período de transação penal nem termo circunstanciado de ocorrência, além de caber a suspensão condicional do processo.
No que tange a majoração penal das penas simples, tem-se os seguintes pontos:
Art. 154-A § 2° Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se da invasão resulta prejuízo econômico.
Art. 154-A § 3° Se da Invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicos privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Houve acréscimo nas majorantes das penas nos dois parágrafos, passando de 1/6 a 1/3 para 1/3 a 1/6 no § 2°, e de 6 meses a 2 anos para 2 a 5 anos,além disto a invasão de dispositivo informático não podem mais absorvida pelo delito de estelionato, mesmo que eles tenham sido praticados no mesmo contexto.
4.1 CHEGADA DA INTERNET NO BRASIL
Segundo o escritor Tom Peters, para uma empresa excelente, a inovação é a única coisa permanente. Tom Peters é um escritor norte americano voltado a área de economia, que trouxe diversas ideias revolucionárias para o setor empresarial, e o que é um país, estado, município ou qualquer outro ente federativo, senão um grande conglomerado de pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas que se unem para melhorar sua adaptação ao sistema e melhorar sua condição de vida tanto individual quanto social?
A sociedade vem constantemente se inovando, com novas tecnologias surgindo quase que diariamente, e provavelmente continuará assim ao longo das próximas décadas ou séculos. Uma vacina que em tempos ulteriores levaria décadas para ser produzida, foi produzida em menos de 01 ano em virtude da necessidade trazida pela pandemia do COVID-19.
Mas assim como existem pontos fortes na velocidade destas inovações, também existem os pontos fracos, e aí vem a mesa uma pergunta: O sistema legislativo e judiciário do Brasil consegue acompanhar com celeridade estas mudanças? Está é uma pergunta com uma reposta difícil, na qual para isto deve-se analisar alguns pontos históricos da internet na República Federativa do Brasil e além disto, quando o sistema legislativo começou a perceber e regular este meio de comunicação.
“A Internet chegou no Brasil em 1988 por iniciativa da comunidade acadêmica de São Paulo (FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e Rio de Janeiro UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e LNCC (Laboratório Nacional de Computação Científica)” (Brasil Escola). Após a chegada da internet se iniciaram também os crimes virtuais, os quais já eram listados em 1997 na obra intitulada O Direito na Era Digital, Crimes praticados por meio da Informática de autoria da Professora Sandra Gouvêa.
O Título 07 do livro de Sandra Gouvêa foi todo dedicado a uma “simples” questão: Propostas Legislativas, legislar ou Não? Neste capítulo a autora já traz ao conhecimento e debate 04 propostas legislativas que estavam transitando a época com o intuito de legislar assuntos pertinentes à internet e aos delitos praticados através dela, no entanto nenhum destes projetos teve segmento, nem sequer chegando a serem apreciados pelo plenário da câmara dos deputados. (GOUVÊA,1997)
4.2 PROCESSO LEGISLATIVO FRENTE A INTERNET
A primeira legislação com algum peso significativo em relação a internet só foi publicada 15 anos após a Obra de Sandra Gouvêa. Em 2012 foi publicada a Lei 12.737 a qual regulou os crimes informáticos, assim vem uma reflexão de quantos crimes foram realizados ao longo de mais de duas décadas sem que houvesse um arcabouço legal que garantisse a correta punição aos seus autores, e ressalta-se ainda, os crimes cometidos através da internet, foram legislados antes mesmo da própria internet.
Em 2014, com o intuito de estabelecer princípios, garantias a direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, a Lei 12.965, de 23 de abril de 2014, conhecida como marco civil da Internet foi publicada, tal regulamentação só veio a entrar em vigor 26 anos após a chegada da Internet no Brasil, mostrando que esta atividade que se tornou vital para a vida social, ficou no limbo jurídico por quase 03 décadas, desencadeando assim um problema que pode ser sentido facilmente nos tempos atuais.
Um exemplo mais contemporâneo, é o da veiculação de notícias falsas, a qual ocorre através de diversos meios de comunicação, tendo como principal meio de tráfego a internet. Estas notícias popularmente conhecidas como Fake News, tornaram-se mais discutidas a partir da campanha eleitoral de 2018 e tem constantemente seu papel ampliado, através principalmente de figuras públicas, partidos políticos e seus correligionários. Porém até a presente data, ainda não existe lei especifica que as enquadre, sendo estas notícias apenas atribuídas a outros crimes já previstos na Lei 12.737 ou ainda em outras legislações da esfera penal. (RAIS, 2018)
Desde o início de 2020 existem pelo menos 03 projetos de lei tramitando no congresso nacional, porém nenhum deles chegou a ser apreciado pelas casas legislativas ainda. O mais conhecido dele é o Projeto de Lei 2630/2020 do Senador Alessandro Vieira, o qual busca estabelecer normas relativas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, sobretudo no tocante a responsabilidade dos provedores pelo combate à desinformação e pelo aumento da transparência na internet.
4.3 PROCESSO JUDICIÁRIO FRENTE A FALTA DE LEIS
O Artigo 1° do Decreto-Lei n° 2.848, de 07 de dezembro de 1940, diz expressamente que “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.”
A Constituição Federal de 1988 traz em seu artigo 02° São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. De forma bem sucinta cada poder tem suas responsabilidades sendo as principais do legislativo a de legislar e a do judiciário de julgar conforme o que foi legislado, mas o que fazer quando não houve a referida legislação?
Como o próprio código penal já cita em seu primeiro artigo, para haver crime deve haver lei anterior que o defina, mas o que acontece se a lei demora muito há vir? Existem um remédio constitucional para isto chamado mandato de injunção, porém ele é aplicada em casos específicos, e a internet não é algo em que o mesmo possa ser aplicado diretamente.
Ocorre que em virtude da falta de regulamentação as vezes o judiciário acaba por exercer uma prerrogativa que não é dele, o colocando em uma corda-bamba entre o que é legal e o que não é, entre o proporcional e o desproporcional e assim até enfraquecendo o já enfraquecido sistema democrático brasileiro.
Ao longo dos anos de 2020 e 2021 tivemos vários casos de Fake News disseminadas na Internet, e em alguns mais notórios, o judiciário tomou atitudes que para alguns foram “duvidosas”, chegando até a serem comparadas com censura, como o caso da condenação do deputado Daniel Silveira por crime de ameaça ao estado democrático de direito, ou as multas aplicadas a rádio Jovem Pan.
Diante do que foi apresentado, levando em consideração a fundamentação teórica dos delitos informáticos, e do que foi aprendido junto a conceitos trazidos pelos autores Gouvêa (1997), Rais (2020) e Carneiro (2012), além da análise de outros trabalhos correlatos feita durante a pesquisa para este tema, o que se pretende para estudar este trabalho é uma análise da eficiência da legislação aplicada a problemática dos crimes virtuais.
O Estado Brasileiro é um estado positivista, ou seja, para que se cometa um crime este tem que estar previsto em lei, contendo inclusive sua punição aplicada. Vale ressaltar que não existe direito absoluto, as próprias garantias fundamentais da Constituição Federal podem ser majoradas em detrimento de outras garantias, sendo para isto estudado cada caso como um caso único e verificado o que é mais importante na referida situação para manter a ordem social.
A liberdade de expressão e de ação tem grande importância na vida social e, portanto, na própria vida individual, no entanto a partir do momento em que esta liberdade é utilizada na internet ou em qualquer outro meio para ferir a harmonia social, passa a existir um problema grave na sociedade, e a resolução de tal questão não é simples, visto que a linha entre controle da liberdade de expressão e censura de informações é muito tênue, ainda mais quando levamos em conta que vivemos em um estado democrático de direito o qual a menos de 04 décadas era regido por uma ditadura militar, com a seu famoso ato de censura conhecido como AI-5 (Ato Institucional n° 5 de 1968).
Quando se trata das Fake News vale ressaltar o que a constituição federal traz em seu Art.5 – IV “é livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato”, talvez este inciso nunca tenha sido tão importante quanto nos tempos atuais, em que o Brasil se encontra dividido em uma dualidade de pensamentos e sentimentos, gerando discórdias entre famílias, amigos, colegas do trabalho e a própria sociedade em si.
Quando Gouvêa (1997) escreveu sobre os crimes virtuais, até então a grande maioria dos crimes praticados era sobre o patrimônio, com pouco espaço em seu livro para crimes contra a personalidade dos indivíduos, no entanto com o passar dos anos os crimes de discriminação seja eles por sexo, gênero, religião, origem ou quaisquer outros motivos só cresceram, levando Raiz (2020), a escrever um livro somente sobre as fake News e suas aplicações no direito.
A internet é um ambiente vasto em que a liberdade de expressão assim como outros direitos podem ser exercidos com a maior amplitude possível, mas o que fazer quando tal liberdade afeta outras pessoas? Como afirmava o filósofo inglês Herbert Spencer “A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro”, a partir do momento em que as ações de alguém interferem no correto funcionamento da vida social de outrem ou até mesmo de uma parcela da sociedade, a justiça tem o dever de agir para frear a referida atitude.
Contudo, a judiciário na maioria dos casos é inerte, ele precisa ser provado para que tome alguma atitude, e ainda a outros pontos, como a necessidade da existência de legislação, como falado anteriormente, se não há lei não existe crime e se não existe crime não pode ser imputada uma pena. A Lei 12.737/12 trouxe algumas espécies de crimes virtuais ao arcabouço penal, no entanto, a sociedade evolui rápido, e a internet mais rápido ainda, e assim como a internet evoluiu, a quantidade, gravidade e extensão dos crimes que são executados através dela também aumentaram.
Contudo as penas trazidas pela lei 12.737/12 foram brandas demais pra a realidade, a justiça é uma balança, que deve prezar pela razoabilidade e proporcionalidade, o objetivo das penas para um crime é coibir a sua prática, mas o que acontece se as penas forem brandas em relação a atividade praticada? Nada!
Assim, a lei 14.155/21 veio para adaptar as penas um pouco para a realidade cotidiana, e ainda atualizar alguns termos que já se encontravam inerentes a evolução social e tecnológica vividas durante a última década. Contudo está lei já veio incompleta, visto que um dos tópicos de maior relevância na atualidade, as Fake News, foi ignorado pela 14.155/21.
Ressalta-se que se uma opinião expressa atingi de forma dolosa ou mesmo culposa a moral ou imagem de uma sociedade ou indivíduo, existe uma afronta a direitos fundamentais previstos na CF e portanto, deve-se ter a obrigação de reparar o dano. A internet é um espaço de livre iniciativa e utilização, no entanto deve haver um controle sobre o que é divulgado na mesma, apesar da importância de zelar pela livre opinião e expressão, este direito não deve se sobrepor aos outros em todas as possibilidades, sempre que forem analisados novos casos deve-se ter em mente a razoabilidade e proporcionalidade do que está sendo tratado.
REFERÊNCIAS
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Acadêmica do 10º período do curso de Direito da Faculdade de Imperatriz – FACIMP, leidianemylla@gmail.com
2 Orientador, Doutor, Professor do curso de Direito da Faculdade de Imperatriz – FACIMP, hewldson@hotmail.com.